Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
essa idéia de fogo, onde releva a mão da fantasia imagem de anjo que nos seduz e arrasta, tive-a no meu torrão. O mesmo astro que no berço me viu, viu meus amores. O ameno Mon-Serrate, a fresca Barra, o místico Bonfim não asilaram meus primeiros segredos de ternura; essa história de enleios toda guardam amigas margens do meu pátrio Rio, que até no curso rápido desenha a rapidez das ditas, do gozo, do prazer que tive nela. O nascimento, a infância, os primeiros amores, não, não te devo a ti, terra querida; mas a dívida imensa deste amor desvelado que me deste, sem temor de baixeza, me consente chamar-te -minha pátria. Quando, pela desgraça arremessado no solo teu, sem nome, pobre enfermo, quase a esmolar um pão, busquei teus filhos, ilesos do desprezo que aos felizes a desgraça sugere, irmãos, não só amigos, pais, não só protetores me abraçaram; as portas da ciência, que a chave da indigência me fechara, III Poesias completas 70
tuas mãos generosas abriram francas a meu livre ingresso; e a vida almejavas ver-me o termo da difícil viagem, enxugar-me na frente iluminada o suor da fadiga, e a coroa de espinhos que a sorte me cingiu tornar de louros. O Berço do nascimento, ou em palácio opulento trajando a gala real, ou cama de palhas feita onde a escrava o filho deita enrolado no sendal; o Céu que a primeira prece, de tarde ou quando amanhece, a criança ouvia rezar, quer puro, e ledo sorrindo, quer furioso bramindo, fuzilando a trovejar; o lugar onde primeiro o coração todo inteiro, amor dizendo, se abriu; prado florente e risonho, ou vale escuro e medonho, que sangue humano tingiu; a pátria, enfim, tem encantos, tão sedutores e tantos, que não se pode vencer! IV Poesias completas 71
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tuas mãos generosas<br />
abriram francas a meu livre ingresso;<br />
e a vida almejavas ver-me o termo<br />
da difícil viagem,<br />
enxugar-me na frente iluminada<br />
o suor da fadiga,<br />
e a coroa <strong>de</strong> espinhos<br />
que a sorte me cingiu tornar <strong>de</strong> louros.<br />
O Berço do nascimento,<br />
ou em palácio opulento<br />
trajando a gala real,<br />
ou cama <strong>de</strong> palhas feita<br />
on<strong>de</strong> a escrava o filho <strong>de</strong>ita<br />
enrolado no sendal;<br />
o Céu que a primeira prece,<br />
<strong>de</strong> tar<strong>de</strong> ou quando amanhece,<br />
a criança ouvia rezar,<br />
quer puro, e ledo sorrindo,<br />
quer furioso bramindo,<br />
fuzilando a trovejar;<br />
o lugar on<strong>de</strong> primeiro<br />
o coração todo inteiro,<br />
amor dizendo, se abriu;<br />
prado florente e risonho,<br />
ou vale escuro e medonho,<br />
que sangue humano tingiu;<br />
a pátria, enfim, tem encantos,<br />
tão sedutores e tantos,<br />
que não se po<strong>de</strong> vencer!<br />
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