Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Este mundo é-me um deserto por onde um vulcão passou, e gravada a minha história em traços negros deixou. São-lhes tetos bronzeados escuros, medonhos céus, onde bramam tempestades em contínuos escarcéus. Só, por ele vai minh'alma, nos destroços tropeçando, com passo tardio e incerto tristemente caminhando. Marcha... marcha... enfim, cansada de tão longo caminhar, nalguma pedra que encontra descansa, e põe-se a chorar. Olha o céu... nem uma estrela! Olha a terra... é negro chão! Clama em brados por socorro, só responde o furacão! Nos olhos seca-lhe o pranto... Continua a caminhar, e noutra pedra distante descansa, e põe-se a chorar. É triste o seu fadário: mas ao menos oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas! II Poesias completas 52
Da infeliz peregrina a dor pungente um pouco mitigais. E só me alento quando posso chorar: são meus prazeres um banquete de lágrimas! Mil vezes alegre ter-me-ão visto entre os alegres, conversando, soltar ditos chistosos a rir e fazer rir. Um drama a vida não é? Porque julgar-se do semblante, do semblante, essa máscara de carne que o homem recebeu para entrar no mundo, o que por dentro vai? É quase sempre, se há estio no rosto, inverno n'alma. Confesso-me ante vós; ouvi, contentes! O meu riso é fingido; sim, mil vezes com ele afogo os ecos de um gemido qu'imprevisto me chega à flor dos lábios; mil vezes sobre as cordas afinadas que tanjo, o canto meu acompanhando, cai pranto. Oh! praza ao céu qu'inda o não vísseis! Eu me finjo ante vós, que o fingimento é no lar do prazer prudência ao triste. Louco fora por certo o que cantasse d'exéquias hino em bodas: ou de noiva, qu'em transportes de amor o esposo abraça, crepe de viuvez lançasse ao tálamo. Eu me finjo ante vós porque venero o sublime das lágrimas; conheço-as; são modestas Vestais, vivem no ermo, aborrecem festins; olhos que o fogo do banquete acendeu-lhes são odiosos: Poesias completas 53
- Page 2 and 3: Biblioteca Virtual Miguel de Cervan
- Page 4 and 5: Poesias líricas Se é vate quem ac
- Page 6 and 7: estas rugas, que trago sobre as fac
- Page 8 and 9: incar com as flores, revendo os lav
- Page 10 and 11: da tarde na hora; amava-o d'aurora
- Page 12 and 13: no mel de um beijo traidor!... Do G
- Page 14 and 15: minh'alma um raio morno de prazer s
- Page 16 and 17: Sobre leito de chumbo se reclina,-
- Page 18 and 19: da santa poesia, o sábio ressuscit
- Page 20 and 21: enquanto o lume santo d'inspiraçã
- Page 22 and 23: Sim, ó Virgem, do pranto de teus o
- Page 24 and 25: Tudo é dor, tudo agonia, e queixum
- Page 26 and 27: Envenenados farpões nos manda em s
- Page 28 and 29: Se houver um ente, que sorvido tenh
- Page 30 and 31: Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,
- Page 32 and 33: misérias enfeitadas. São flores s
- Page 34 and 35: se o povo, esquecido de loucos enga
- Page 36 and 37: tanta fertilidade ao pátrio solo,
- Page 38 and 39: e, concentrado em mim, disse comigo
- Page 40 and 41: que desmaiado arqueja agonizante do
- Page 42 and 43: amos cobertos de formosas flores, e
- Page 44 and 45: decidido no empenho de ganhá-la, c
- Page 46 and 47: Eis aqui Labatut. Aguiar, Siqueira,
- Page 48 and 49: minha dor, é morrer longe da pátr
- Page 50 and 51: Feliz, feliz aquele, a quem não ce
- Page 54 and 55: Descidas lá do céu, Virgens do Em
- Page 56 and 57: amor plantou -mais fundo- o seu fei
- Page 58 and 59: Serei Nume, ou Demônio sobre a ter
- Page 60 and 61: a gabar-me o sabor do pão grosseir
- Page 62 and 63: Demais tu não mudas; seja qual for
- Page 64 and 65: lenitivo à minha dor? Ah! minh'alm
- Page 66 and 67: nos narras inspirado dos livres os
- Page 68 and 69: do estéril pensamento os pecos fru
- Page 70 and 71: essa idéia de fogo, onde releva a
- Page 72 and 73: É uma visão divina, que a vida no
- Page 74 and 75: Leste-lhe a poesia? Eram arquejos d
- Page 76 and 77: Ai! seca flor, de bom grado, se tan
- Page 78 and 79: Mas a razão, que salva da baixeza
- Page 80 and 81: Mas não bastava: -ao martírio ime
- Page 82 and 83: de duas redenções; mostrando um'a
- Page 84 and 85: o dom da liberdade, que junto à di
- Page 86 and 87: Sus, vivente feliz, bendiz teu fado
- Page 88 and 89: Depois de tantas perdas só restou-
- Page 90 and 91: O fogo santo que dá vida à vida,
- Page 92 and 93: é tão pesada, é tão dura, que a
- Page 94 and 95: Adeus!... Perdoa se me queixo; as q
- Page 96 and 97: presente de amor, de ti, na hora da
- Page 98 and 99: ou se em todas as mentes apagado, p
- Page 100 and 101: Ah! que não fosse a hora de perdê
Da infeliz peregrina a dor pungente<br />
um pouco mitigais.<br />
E só me alento<br />
quando posso chorar: são meus prazeres<br />
um banquete <strong>de</strong> lágrimas! Mil vezes<br />
alegre ter-me-ão visto entre os alegres,<br />
conversando, soltar ditos chistosos<br />
a rir e fazer rir. Um drama a vida<br />
não é? Porque julgar-se do semblante,<br />
do semblante, essa máscara <strong>de</strong> carne<br />
que o homem recebeu para entrar no mundo,<br />
o que por <strong>de</strong>ntro vai? É quase sempre,<br />
se há estio no rosto, inverno n'alma.<br />
Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!<br />
O meu riso é fingido; sim, mil vezes<br />
com ele afogo os ecos <strong>de</strong> um gemido<br />
qu'imprevisto me chega à flor dos lábios;<br />
mil vezes sobre as cordas afinadas<br />
que tanjo, o canto meu acompanhando,<br />
cai pranto. Oh! praza ao céu qu'inda o não vísseis!<br />
Eu me finjo ante vós, que o fingimento<br />
é no lar do prazer prudência ao triste.<br />
Louco fora por certo o que cantasse<br />
d'exéquias hino em bodas: ou <strong>de</strong> noiva,<br />
qu'em transportes <strong>de</strong> amor o esposo abraça,<br />
crepe <strong>de</strong> viuvez lançasse ao tálamo.<br />
Eu me finjo ante vós porque venero<br />
o sublime das lágrimas; conheço-as;<br />
são mo<strong>de</strong>stas Vestais, vivem no ermo,<br />
aborrecem festins; olhos que o fogo<br />
do banquete acen<strong>de</strong>u-lhes são odiosos:<br />
<strong>Poesias</strong> completas<br />
53