Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes

Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes

cervantesvirtual.com
from cervantesvirtual.com More from this publisher
18.04.2013 Views

que desmaiado arqueja agonizante do mar nas ondas apagando os raios, mas que altivo e zeloso de seus foros, p'ra morrer como sol, antes que morra com duplicada luz alaga o mundo. Assis assim morreu. Na ânsia extrema da mortal agonia, toda inteira su'alma concentrada num só ponto para da carne disparar seu vôo, luz celeste expandiu; ao clarão dela o mundo apareceu-lhe como um doudo enfeitado, brincando co'as alfaias; sorriu-se, desprezou-o, e seu desprezo todo se traduziu nessa sentença, com que sábio fechou, morrendo sábio, o livro d'ouro da existência sua. O amor paternal, da esposa o pranto também dos olhos pranto lhe arrancaram... mas nunca tocar pôde o desespero, de leve nem sequer, naquele peito ungido em fé cristã. Da Providência viu as mãos postas sobre as frontes de ambos- e creu e resignou-se. Esses fantasmas tristes, negros, medonhos, vaporosos, X XI Poesias completas 40

que na hora final o ímpio cercam, sôfregos, como abutres esfaimados farejando-lhe o leite, dele nem ousaram fitar; visões celestes nas madornas da morte o embalavam. Quebradas as cadeias que a prendiam, livre, das penas sacudiu o barro, e em leve adejo penetrou sua alma as áureas portas da cidade eterna entre aplausos risonha; e o seu arcanjo, ao dar conta ao Senhor da missão alta de a guardar sobre a terra, as níveas asas mostrou tão limpas, quais do céu trouxera. Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda; mas consola-te ao menos com lembrar-te que teu filho desceu sem mancha ao túmulo. Morreu!... mas grande foi. Da liberdade filho amante nasceu; dela soldado, morreu firme em seu posto. Da ciência candidato fiel, morreu filósofo. Era uma planta de primor nascida em campo estéril, pedregoso e imundo; mas tão cheia de vida, qu'inda nova e em terreno tão mau, brotava aos centos do tronco verde vigorosos ramos; XII XIII Poesias completas 41

que na hora final o ímpio cercam,<br />

sôfregos, como abutres esfaimados<br />

farejando-lhe o leite, <strong>de</strong>le<br />

nem ousaram fitar; visões celestes<br />

nas madornas da morte o embalavam.<br />

Quebradas as ca<strong>de</strong>ias que a prendiam,<br />

livre, das penas sacudiu o barro,<br />

e em leve a<strong>de</strong>jo penetrou sua alma<br />

as áureas portas da cida<strong>de</strong> eterna<br />

entre aplausos risonha; e o seu arcanjo,<br />

ao dar conta ao Senhor da missão alta<br />

<strong>de</strong> a guardar sobre a terra, as níveas asas<br />

mostrou tão limpas, quais do céu trouxera.<br />

Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda;<br />

mas consola-te ao menos com lembrar-te<br />

que teu filho <strong>de</strong>sceu sem mancha ao túmulo.<br />

Morreu!... mas gran<strong>de</strong> foi. Da liberda<strong>de</strong><br />

filho amante nasceu; <strong>de</strong>la soldado,<br />

morreu firme em seu posto. Da ciência<br />

candidato fiel, morreu filósofo.<br />

Era uma planta <strong>de</strong> primor nascida<br />

em campo estéril, pedregoso e imundo;<br />

mas tão cheia <strong>de</strong> vida, qu'inda nova<br />

e em terreno tão mau, brotava aos centos<br />

do tronco ver<strong>de</strong> vigorosos ramos;<br />

XII<br />

XIII<br />

<strong>Poesias</strong> completas<br />

41

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!