Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
que desmaiado arqueja agonizante do mar nas ondas apagando os raios, mas que altivo e zeloso de seus foros, p'ra morrer como sol, antes que morra com duplicada luz alaga o mundo. Assis assim morreu. Na ânsia extrema da mortal agonia, toda inteira su'alma concentrada num só ponto para da carne disparar seu vôo, luz celeste expandiu; ao clarão dela o mundo apareceu-lhe como um doudo enfeitado, brincando co'as alfaias; sorriu-se, desprezou-o, e seu desprezo todo se traduziu nessa sentença, com que sábio fechou, morrendo sábio, o livro d'ouro da existência sua. O amor paternal, da esposa o pranto também dos olhos pranto lhe arrancaram... mas nunca tocar pôde o desespero, de leve nem sequer, naquele peito ungido em fé cristã. Da Providência viu as mãos postas sobre as frontes de ambos- e creu e resignou-se. Esses fantasmas tristes, negros, medonhos, vaporosos, X XI Poesias completas 40
que na hora final o ímpio cercam, sôfregos, como abutres esfaimados farejando-lhe o leite, dele nem ousaram fitar; visões celestes nas madornas da morte o embalavam. Quebradas as cadeias que a prendiam, livre, das penas sacudiu o barro, e em leve adejo penetrou sua alma as áureas portas da cidade eterna entre aplausos risonha; e o seu arcanjo, ao dar conta ao Senhor da missão alta de a guardar sobre a terra, as níveas asas mostrou tão limpas, quais do céu trouxera. Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda; mas consola-te ao menos com lembrar-te que teu filho desceu sem mancha ao túmulo. Morreu!... mas grande foi. Da liberdade filho amante nasceu; dela soldado, morreu firme em seu posto. Da ciência candidato fiel, morreu filósofo. Era uma planta de primor nascida em campo estéril, pedregoso e imundo; mas tão cheia de vida, qu'inda nova e em terreno tão mau, brotava aos centos do tronco verde vigorosos ramos; XII XIII Poesias completas 41
- Page 2 and 3: Biblioteca Virtual Miguel de Cervan
- Page 4 and 5: Poesias líricas Se é vate quem ac
- Page 6 and 7: estas rugas, que trago sobre as fac
- Page 8 and 9: incar com as flores, revendo os lav
- Page 10 and 11: da tarde na hora; amava-o d'aurora
- Page 12 and 13: no mel de um beijo traidor!... Do G
- Page 14 and 15: minh'alma um raio morno de prazer s
- Page 16 and 17: Sobre leito de chumbo se reclina,-
- Page 18 and 19: da santa poesia, o sábio ressuscit
- Page 20 and 21: enquanto o lume santo d'inspiraçã
- Page 22 and 23: Sim, ó Virgem, do pranto de teus o
- Page 24 and 25: Tudo é dor, tudo agonia, e queixum
- Page 26 and 27: Envenenados farpões nos manda em s
- Page 28 and 29: Se houver um ente, que sorvido tenh
- Page 30 and 31: Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,
- Page 32 and 33: misérias enfeitadas. São flores s
- Page 34 and 35: se o povo, esquecido de loucos enga
- Page 36 and 37: tanta fertilidade ao pátrio solo,
- Page 38 and 39: e, concentrado em mim, disse comigo
- Page 42 and 43: amos cobertos de formosas flores, e
- Page 44 and 45: decidido no empenho de ganhá-la, c
- Page 46 and 47: Eis aqui Labatut. Aguiar, Siqueira,
- Page 48 and 49: minha dor, é morrer longe da pátr
- Page 50 and 51: Feliz, feliz aquele, a quem não ce
- Page 52 and 53: Este mundo é-me um deserto por ond
- Page 54 and 55: Descidas lá do céu, Virgens do Em
- Page 56 and 57: amor plantou -mais fundo- o seu fei
- Page 58 and 59: Serei Nume, ou Demônio sobre a ter
- Page 60 and 61: a gabar-me o sabor do pão grosseir
- Page 62 and 63: Demais tu não mudas; seja qual for
- Page 64 and 65: lenitivo à minha dor? Ah! minh'alm
- Page 66 and 67: nos narras inspirado dos livres os
- Page 68 and 69: do estéril pensamento os pecos fru
- Page 70 and 71: essa idéia de fogo, onde releva a
- Page 72 and 73: É uma visão divina, que a vida no
- Page 74 and 75: Leste-lhe a poesia? Eram arquejos d
- Page 76 and 77: Ai! seca flor, de bom grado, se tan
- Page 78 and 79: Mas a razão, que salva da baixeza
- Page 80 and 81: Mas não bastava: -ao martírio ime
- Page 82 and 83: de duas redenções; mostrando um'a
- Page 84 and 85: o dom da liberdade, que junto à di
- Page 86 and 87: Sus, vivente feliz, bendiz teu fado
- Page 88 and 89: Depois de tantas perdas só restou-
que na hora final o ímpio cercam,<br />
sôfregos, como abutres esfaimados<br />
farejando-lhe o leite, <strong>de</strong>le<br />
nem ousaram fitar; visões celestes<br />
nas madornas da morte o embalavam.<br />
Quebradas as ca<strong>de</strong>ias que a prendiam,<br />
livre, das penas sacudiu o barro,<br />
e em leve a<strong>de</strong>jo penetrou sua alma<br />
as áureas portas da cida<strong>de</strong> eterna<br />
entre aplausos risonha; e o seu arcanjo,<br />
ao dar conta ao Senhor da missão alta<br />
<strong>de</strong> a guardar sobre a terra, as níveas asas<br />
mostrou tão limpas, quais do céu trouxera.<br />
Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda;<br />
mas consola-te ao menos com lembrar-te<br />
que teu filho <strong>de</strong>sceu sem mancha ao túmulo.<br />
Morreu!... mas gran<strong>de</strong> foi. Da liberda<strong>de</strong><br />
filho amante nasceu; <strong>de</strong>la soldado,<br />
morreu firme em seu posto. Da ciência<br />
candidato fiel, morreu filósofo.<br />
Era uma planta <strong>de</strong> primor nascida<br />
em campo estéril, pedregoso e imundo;<br />
mas tão cheia <strong>de</strong> vida, qu'inda nova<br />
e em terreno tão mau, brotava aos centos<br />
do tronco ver<strong>de</strong> vigorosos ramos;<br />
XII<br />
XIII<br />
<strong>Poesias</strong> completas<br />
41