Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Se houver um ente, que sorvido tenha gota a gota o veneno da amargura; que nem nos horizontes da esperança veja raiar-lhe um dia de ventura; se houver um ente, que, dos homens certo, neles espere certa a falsidade; que veja um laço vil num rir de amores, uma traição nos mimos da amizade; se houver um ente, que, votado às dores, todo com a tristeza desposado, de cruéis desenganos só nutrido, somente males a esperar do fado; que venha, acompanhar-me na agonia, qu'esta minh'alma, sem cessar, traspassa! Venha, qu'há muito luto, a ver se encontro quem sinta, como eu, tanta desgraça Venha, sim, que talvez por nosso trato uma nova linguagem seja urdida, em que possam falar-se os desgraçados, que do mundo não seja traduzida. Por lei inexorável do destino, quem gemer à desgraça condenado, inda lidando no lidar do mundo, há de viver do mundo desterrado. E em que desterro! Os outros só nos tiram os olhos do lugar do nascimento; A linguagem dos tristes Poesias completas 28
a desgraça, porém, do mundo inteiro desterra o coração e o pensamento. Ao menos a linguagem deste exílio mais suportável torne a vida crua; tenha ao menos a terra da desgraça uma linguagem propriamente sua. E quem tê-la melhor? Por mais que fale o sedutor prazer em frase ardente, por mais que se perfume e se floreie, nunca é, como a dor, tão eloqüente. Nos fenômenos d'alma o corpo sempre do seu modo de obrar diversifica: Pelas quebras da orgânica fraqueza a força esp'ritual se multiplica. Quando, livre, o esp'rito aos céus remonta, da Eternidade demandando o norte, toda força primeva recobrando- tomba a matéria, e cai nas mãos da morte! Quando o gás do prazer dilata o seio, a força do sentir dormente acalma; quando a pressa da dor o seio aperta, a força do sentir se expande n'alma. Assim novas palavras, novas frases, nova linguagem, pede o sofrimento; porque dobra o sentir, e duplas asas p'ra vôos duplos colhe o pensamento: Não, não pode em seus termos quase inertes, esse falar comum de cada dia, deste duplo sentir, d'idéias duplas, exprimir fielmente a valentia. Poesias completas 29
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a <strong>de</strong>sgraça, porém, do mundo inteiro<br />
<strong>de</strong>sterra o coração e o pensamento.<br />
Ao menos a linguagem <strong>de</strong>ste exílio<br />
mais suportável torne a vida crua;<br />
tenha ao menos a terra da <strong>de</strong>sgraça<br />
uma linguagem propriamente sua.<br />
E quem tê-la melhor? Por mais que fale<br />
o sedutor prazer em frase ar<strong>de</strong>nte,<br />
por mais que se perfume e se floreie,<br />
nunca é, como a dor, tão eloqüente.<br />
Nos fenômenos d'alma o corpo sempre<br />
do seu modo <strong>de</strong> obrar diversifica:<br />
Pelas quebras da orgânica fraqueza<br />
a força esp'ritual se multiplica.<br />
Quando, livre, o esp'rito aos céus remonta,<br />
da Eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandando o norte,<br />
toda força primeva recobrando-<br />
tomba a matéria, e cai nas mãos da morte!<br />
Quando o gás do prazer dilata o seio,<br />
a força do sentir dormente acalma;<br />
quando a pressa da dor o seio aperta,<br />
a força do sentir se expan<strong>de</strong> n'alma.<br />
Assim novas palavras, novas frases,<br />
nova linguagem, pe<strong>de</strong> o sofrimento;<br />
porque dobra o sentir, e duplas asas<br />
p'ra vôos duplos colhe o pensamento:<br />
Não, não po<strong>de</strong> em seus termos quase inertes,<br />
esse falar comum <strong>de</strong> cada dia,<br />
<strong>de</strong>ste duplo sentir, d'idéias duplas,<br />
exprimir fielmente a valentia.<br />
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