Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
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Se houver um ente, que sorvido tenha<br />
gota a gota o veneno da amargura;<br />
que nem nos horizontes da esperança<br />
veja raiar-lhe um dia <strong>de</strong> ventura;<br />
se houver um ente, que, dos homens certo,<br />
neles espere certa a falsida<strong>de</strong>;<br />
que veja um laço vil num rir <strong>de</strong> amores,<br />
uma traição nos mimos da amiza<strong>de</strong>;<br />
se houver um ente, que, votado às dores,<br />
todo com a tristeza <strong>de</strong>sposado,<br />
<strong>de</strong> cruéis <strong>de</strong>senganos só nutrido,<br />
somente males a esperar do fado;<br />
que venha, acompanhar-me na agonia,<br />
qu'esta minh'alma, sem cessar, traspassa!<br />
Venha, qu'há muito luto, a ver se encontro<br />
quem sinta, como eu, tanta <strong>de</strong>sgraça<br />
Venha, sim, que talvez por nosso trato<br />
uma nova linguagem seja urdida,<br />
em que possam falar-se os <strong>de</strong>sgraçados,<br />
que do mundo não seja traduzida.<br />
Por lei inexorável do <strong>de</strong>stino,<br />
quem gemer à <strong>de</strong>sgraça con<strong>de</strong>nado,<br />
inda lidando no lidar do mundo,<br />
há <strong>de</strong> viver do mundo <strong>de</strong>sterrado.<br />
E em que <strong>de</strong>sterro! Os outros só nos tiram<br />
os olhos do lugar do nascimento;<br />
A linguagem dos tristes<br />
<strong>Poesias</strong> completas<br />
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