Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes

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18.04.2013 Views

e, só para gozá-lo, eterna a vida. À mesma senhora Alcíone, perdido o esposo amado, ao céu o esposo sem cessar pedia; porém as ternas preces surdo ouvia o céu, de seus amores descuidado. Em vão o pranto seu d'alma arrancado tenta a pedra minar da campa fria; a morte de seu pranto escarnecia, de seu cruel penar se ria o fado. Mas ah! -não fora assim, se a voz tivera tão bela, tão gentil, tão doce e clara, daquela que hoje neste palco impera. Se assim cantasse, o túmulo abalara do bem querido; e, branda a morte fera, vivo o extinto esposo lhe entregara. Deus pede estrita conta de meu tempo, é forçoso do tempo já dar conta; mas, como dar sem tempo tanta conta, eu que gastei sem conta tanto tempo? Soneto VII O tempo 13 13 Segundo Teixeira de Mello, a autoria não é de Laurindo Rabelo, afirmando ser uma tradução de um soneto francês. Poesias completas 118

Para ter minha conta feita a tempo dado me foi bem tempo e não foi conta. não quis sobrando tempo fazer conta, quero hoje fazer conta e falta tempo. Oh! vós que tendes tempo sem ter conta não gasteis esse tempo em passatempo: cuidai enquanto é tempo em fazer conta. Mas, oh! se os que contam com seu tempo fizessem desse tempo alguma conta, não choravam como eu o não ter tempo. Para do mundo dar completo cabo, lá do negro recinto o soberano meditava a forjar horrível plano coçando a grenha, sacudindo o rabo. Merecedor enfim de imenso gabo, eis o que assim disse muito ufano: para a missão cumprir -digesto humano quero fazer -que nasça hoje um diabo. E o 23 de maio nisso raia... Teotônio nasceu, e a fama soa jamais ter visto infame dessa laia. Pois para Satã ser mesmo em pessoa, traja, qual bruxa velha, negra saia, como o rei dos bandalhos tem coroa. Vendo da peste o bárbaro flagelo mil vidas a ceifar a cada instante, d'África deixa o solo distante e veio no Brasil curar Otelo. O semblante imposto negro-amarelo Poesias completas 119

Para ter minha conta feita a tempo<br />

dado me foi bem tempo e não foi conta.<br />

não quis sobrando tempo fazer conta,<br />

quero hoje fazer conta e falta tempo.<br />

Oh! vós que ten<strong>de</strong>s tempo sem ter conta<br />

não gasteis esse tempo em passatempo:<br />

cuidai enquanto é tempo em fazer conta.<br />

Mas, oh! se os que contam com seu tempo<br />

fizessem <strong>de</strong>sse tempo alguma conta,<br />

não choravam como eu o não ter tempo.<br />

Para do mundo dar completo cabo,<br />

lá do negro recinto o soberano<br />

meditava a forjar horrível plano<br />

coçando a grenha, sacudindo o rabo.<br />

Merecedor enfim <strong>de</strong> imenso gabo,<br />

eis o que assim disse muito ufano:<br />

para a missão cumprir -digesto humano<br />

quero fazer -que nasça hoje um diabo.<br />

E o 23 <strong>de</strong> maio nisso raia...<br />

Teotônio nasceu, e a fama soa<br />

jamais ter visto infame <strong>de</strong>ssa laia.<br />

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,<br />

traja, qual bruxa velha, negra saia,<br />

como o rei dos bandalhos tem coroa.<br />

Vendo da peste o bárbaro flagelo<br />

mil vidas a ceifar a cada instante,<br />

d'África <strong>de</strong>ixa o solo distante<br />

e veio no Brasil curar Otelo.<br />

O semblante imposto negro-amarelo<br />

<strong>Poesias</strong> completas<br />

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