Julho/Setembro de 2007 - Ano 4 - Nº 8 - Ministério Público do ...
Julho/Setembro de 2007 - Ano 4 - Nº 8 - Ministério Público do ...
Julho/Setembro de 2007 - Ano 4 - Nº 8 - Ministério Público do ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Família<br />
Ele tem 11 anos e vive em um<br />
orfanato na área rural <strong>de</strong> Santo Antônio<br />
<strong>do</strong> Descoberto (GO), a 70 quilômetros<br />
<strong>de</strong> Brasília. Não se lembra bem da última<br />
vez em que esteve com a família. O<br />
registro <strong>de</strong> entrada <strong>do</strong> menino na<br />
Socieda<strong>de</strong> Educacional Casa <strong>de</strong> Meu Pai<br />
atesta: o menino está lá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 2003. Fala pouco e sorri menos<br />
ainda. Fugiu cinco vezes <strong>do</strong> orfanato<br />
para encontrar os tios. "Já an<strong>do</strong>u mais<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z quilômetros a pé, sem água ou<br />
comida, queren<strong>do</strong> ver a família", conta a<br />
coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> abrigo, Berenice<br />
Rodrigues Souza. A criança sente<br />
sauda<strong>de</strong>s da irmã, <strong>de</strong> oito anos, e não<br />
conhece os irmãos mais novos: uma<br />
menina <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos e um menino <strong>de</strong><br />
quatro meses. Mamãe está na ca<strong>de</strong>ia.<br />
No Presídio Feminino <strong>do</strong> Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral (PFDF), apelida<strong>do</strong> <strong>de</strong> Colméia, a<br />
mãe sofre sem notícias <strong>do</strong>s três filhos<br />
mais velhos. "Sei que o Conselho Tutelar<br />
levou o menino para o orfanato porque<br />
foi <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> na rua", queixa-se, sem<br />
escon<strong>de</strong>r o ressentimento com a família.<br />
Isso aconteceu durante outra passagem<br />
da moça <strong>de</strong> 33 anos pelo presídio.<br />
Atualmente, cumpre pena por furto. Foi<br />
con<strong>de</strong>nada a <strong>do</strong>is anos e três meses <strong>de</strong><br />
reclusão por furtar produtos <strong>de</strong> higiene<br />
em um supermerca<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> estava<br />
em liberda<strong>de</strong>, entre as duas prisões, não<br />
levou o filho para casa: "Não tinha<br />
condições <strong>de</strong> ficar com ele".<br />
Ela também não sabe o que aconteceu<br />
com as duas meninas. "A mais velha<br />
estava com minha irmã, em Santo<br />
Antônio <strong>do</strong> Descoberto. Eu escrevi uma<br />
carta, mas não tive resposta. A mais<br />
nova parece que está com o pai", conta,<br />
sem muita certeza. O caçula, alheio à<br />
conversa, <strong>de</strong>scansa no colo da mãe. Ele<br />
nasceu na Colméia e, quan<strong>do</strong> completar<br />
seis meses, terá <strong>de</strong> ir embora. A mãe<br />
ainda não sabe com quem o pequeno<br />
ficará: "Estou tentan<strong>do</strong> achar o pai <strong>de</strong>le.<br />
Se não conseguir, não sei."<br />
A Lei Orgânica <strong>do</strong> Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />
em seu artigo 123, <strong>de</strong>termina que os<br />
estabelecimentos prisionais femininos<br />
""MMeeuu ffiillhhoo vvaaii tteerr<br />
nnoommee d<strong>de</strong>e ssaannttoo<br />
QQuueerroo oo nnoommee mmaaiiss bboonniittoo""<br />
(Renato Russo)<br />
atendam os filhos das mulheres presas<br />
até os seis anos. A Diretora <strong>do</strong> PFDF,<br />
Lúcia Antônia <strong>de</strong> Moraes, explica que,<br />
atualmente, não é possível prolongar o<br />
convívio <strong>de</strong> mães e filhos até essa<br />
ida<strong>de</strong>: "Nossa estrutura não permite<br />
acolher as crianças além <strong>do</strong>s seis<br />
meses", afirma. "Nossa rotina é rígida.<br />
Precisamos avaliar até que ida<strong>de</strong> as crianças<br />
po<strong>de</strong>m ficar aqui sem prejuízos<br />
para seu <strong>de</strong>senvolvimento. O presídio<br />
não é um lar", questiona. O Promotor<br />
<strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Defesa da Infância e da<br />
Juventu<strong>de</strong> Oto <strong>de</strong> Quadros concorda<br />
com a Diretora: "Consi<strong>de</strong>ro um exagero<br />
manter as crianças numa prisão até os<br />
seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>".<br />
Sobre a ida<strong>de</strong> em que <strong>de</strong>ve ocorrer a<br />
separação, o Promotor cita o trabalho<br />
da psiquiatra Maria da Graça Mota,<br />
Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Ambulatório <strong>de</strong><br />
Interação Pais-Bebês <strong>do</strong> Hospital <strong>de</strong><br />
Clínicas <strong>de</strong> Porto Alegre. O estu<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>monstra que crianças separadas das<br />
<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>do</strong> DF e Territórios<br />
mães antes <strong>do</strong>s três anos ten<strong>de</strong>m a<br />
<strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>pressão e diversos problemas<br />
clínicos, além <strong>de</strong> sofrer prejuízos<br />
cognitivos. Pensan<strong>do</strong> nisso, a<br />
Promotoria recomen<strong>do</strong>u à direção <strong>do</strong><br />
Presídio que assegure a permanência<br />
das crianças, pelo menos, até os três<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> a Diretora, está<br />
prevista a construção <strong>de</strong> um novo prédio<br />
para o PFDF. "Teremos uma creche,<br />
em área separada, e celas para as parturientes.<br />
Nestas condições po<strong>de</strong>remos<br />
aten<strong>de</strong>r à recomendação <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong><br />
<strong>Público</strong>", explica.<br />
Estatuto da Criança<br />
Gabriela Borelli<br />
Enquanto as mudanças não acontecem,<br />
as mães continuam se separan<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s bebês antes <strong>do</strong> tempo. Foi o que<br />
aconteceu com outra presidiária, <strong>de</strong> 39<br />
anos, que cumpre a segunda con<strong>de</strong>nação<br />
por tráfico <strong>de</strong> drogas. A filha<br />
mais nova tinha apenas um mês quan<strong>do</strong><br />
a mãe foi presa pela primeira vez, em<br />
15