O espaço na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
O espaço na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
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poetas brasileiros como João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto e Ori<strong>de</strong>s Fontela, autores que, a <strong>de</strong>speito<br />
<strong>de</strong> suas peculiarida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> suas idiossincrasias, almejaram uma palavra coleada, a<strong>de</strong>rida aos<br />
referentes, ao universo factual dos objetos.<br />
Tal característica, entretanto, não impossibilitou a esses escritores criarem, a partir da<br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao real, um universo feérico e mágico. Muitos <strong>de</strong>les, paralelamente a essa busca<br />
<strong>de</strong>scritivista do mundo, também foram guiados pela fantasia, a partir da qual esboçaram<br />
regiões que, apesar <strong>de</strong> mimetizarem com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> o mundo, possuíam certo ar <strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>nte realida<strong>de</strong>.<br />
Em <strong>poesia</strong>, cabe ressaltar, <strong>na</strong>da é estanque e unívoco e, muitas vezes, características<br />
em oposição acabam se confluindo, em mesclas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> riqueza e imprecisões <strong>de</strong> relevantes<br />
significados. Portanto, até mesmo <strong>Sophia</strong>, fiel em sua busca pela concretu<strong>de</strong> das coisas, pela<br />
precisão geométrica do mundo, serviu-se da velha e fecunda fonte dos sonhos para transmutar<br />
a ba<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do real em acontecimento surpreen<strong>de</strong>nte, inolvidável.<br />
Po<strong>de</strong>mos notar tal feito no poema “Paisagem”, da obra <strong>de</strong> estréia <strong>de</strong> <strong>Sophia</strong>, Poesia I:<br />
Passavam pelo ar aves repenti<strong>na</strong>s,<br />
O cheiro da terra era fundo e amargo,<br />
E ao longe as cavalgadas do mar largo<br />
Sacudiam <strong>na</strong> areia as suas cri<strong>na</strong>s.<br />
Era o céu azul, o campo ver<strong>de</strong>, a terra escura,<br />
Era a carne das árvores elástica e dura,<br />
Eram as gotas <strong>de</strong> sangue da resi<strong>na</strong><br />
E as folhas em que a luz se <strong>de</strong>scombi<strong>na</strong>.<br />
Eram os caminhos num ir lento,<br />
Eram as mãos profundas do vento<br />
Era o livre e luminoso chamamento<br />
Da asa dos <strong>espaço</strong>s fugitiva.<br />
Eram os pinheirais on<strong>de</strong> o céu poisa,<br />
Era o peso e era a cor <strong>de</strong> cada coisa,<br />
A sua quietu<strong>de</strong>, secretamente viva,<br />
E a sua exalação afirmativa.<br />
Era a verda<strong>de</strong> e a força do mar largo,<br />
Cuja voz, quando se quebra, sobe,<br />
Era o regresso sem fim e a clarida<strong>de</strong><br />
Das praias on<strong>de</strong> a direito o vento corre.<br />
(ANDRESEN, 2001, p.44)<br />
<strong>Sophia</strong> utiliza-se, por sua vez, da concretu<strong>de</strong> do mundo para mergulhar em<br />
sentimentos, em uma espiritualida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> abarcar os <strong>de</strong>sacertos e inci<strong>de</strong>ntes do eu.