BOLETIM ARQUITETOS 229.indd - Ordem dos Arquitectos
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Reposicionar<br />
a<br />
Arquitetura Portuguesa<br />
Em qualquer atividade económica, a via da internacionalização<br />
deve basear-se numa decisão estratégica minuciosamente<br />
planeada e agilmente executada. Essa decisão, independentemente<br />
de ter origem numa vontade indomável ou numa<br />
necessidade premente, nunca deverá perder de vista a criação de<br />
mais-valias económicas e financeiras para quem a toma. De outro<br />
modo, as eventuais atividades que possam surgir além fronteiras<br />
não passarão de eventos ocasionais, os quais, por muito entusiasmo<br />
que gerem, poucas ou nenhumas vantagens ou consequências<br />
terão. A internacionalização implica também a criação de relações<br />
duradouras e o estabelecimento de laços robustos de confiança com<br />
os potenciais parceiros e clientes, pelo que o conhecimento apropriado<br />
<strong>dos</strong> merca<strong>dos</strong> onde se quer atuar pode ser o fator determinante<br />
para a concretização efetiva de um determinado empreendimento.<br />
Raramente a internacionalização tem sucesso com a adoção<br />
de posturas passivas, expectantes sobre o reconhecimento <strong>dos</strong> méritos<br />
próprios ou confiantes na aproximação voluntária das entidades<br />
interessadas. Tampouco são de esperar ambientes tecnológicos,<br />
legais ou socioeconómicos imutáveis por muito tempo, pelo que o<br />
marketing e a inovação se apresentam como duas disciplinas incontornáveis,<br />
sem a aplicação das quais se estará mais debilitado e<br />
exposto ao provável fracasso.<br />
Parecerá tudo isto bastante distante da realidade <strong>dos</strong> gabinetes de<br />
arquitetura e <strong>dos</strong> seus arquitetos, para quem, na maioria <strong>dos</strong> casos,<br />
a definição de internacionalização se situa algures entre a participação<br />
ocasional em concursos internacionais e a eventualidade de<br />
um dia ter de emigrar. Se a primeira opção ainda se pode considerar<br />
como um <strong>dos</strong> vetores possíveis de uma estratégia de internacionalização,<br />
o abandono temporário ou definitivo do nosso país, sem a<br />
manutenção de qualquer vínculo a empresas nacionais, não é mais<br />
do que, para Portugal, a perda de recursos humanos qualifica<strong>dos</strong> e,<br />
para os países de acolhimento, uma forma de enriquecimento gratuito.<br />
É importante que to<strong>dos</strong> compreendam que quando a partida<br />
de arquitetos (ou outros profissionais qualifica<strong>dos</strong>) para o estrangeiro<br />
se deve a uma fatalidade e não à liberdade de escolha individual,<br />
isso não pode ser motivo de orgulho, mas sim de tristeza e até de<br />
alguma vergonha. A emigração nada tem a ver com internacionalização,<br />
na medida em que não se estabelece nenhuma relação comercial<br />
entre dois ou mais países, verificando-se apenas a deslocalização<br />
de conhecimento, recursos, processos e mais-valias para<br />
um país terceiro.<br />
A situação desesperante que muitos gabinetes de arquitetura atravessam<br />
é o resultado de uma degradação longa e contínua da nossa<br />
atividade profissional, fruto não só de interesses e influências exteriores,<br />
mas também da incapacidade própria de nos unirmos e de<br />
nos afirmarmos coletivamente. Deixámos que se criasse uma classe<br />
de profissionais desarticula<strong>dos</strong> da restante sociedade, com grandes<br />
dificuldades em justificar a sua existência e extremamente suscetíveis<br />
a eventuais ataques exteriores. Fomo-nos esquecendo que a<br />
prática da Arquitetura vai muito para além da obra de autor e que<br />
existe uma panóplia de serviços, <strong>dos</strong> quais abdicámos sistematicamente,<br />
e que só arduamente conseguiremos voltar a trazer para a<br />
nossa alçada. Uma classe com tantas dificuldades para se afirmar<br />
no mercado interno, muito dificilmente conseguirá singrar a nível<br />
internacional. Por isso, para se poder pensar na internacionalização<br />
<strong>dos</strong> gabinetes de arquitetura portugueses é imperativo começar<br />
pela afirmação da nossa prática profissional em Portugal, lutando<br />
pela definição objetiva e exaustiva do âmbito e da abrangência da<br />
nossa atividade e pela definição de fronteiras claras em relação aos<br />
serviços presta<strong>dos</strong> pelos outros agentes que, com toda a legitimidade,<br />
também atuam no setor da construção. Por outro lado, é urgente<br />
que se enraíze a noção de “classe profissional”, que compreendamos<br />
a responsabilidade que temos uns pelos outros, e que deixemos<br />
de desrespeitar as nossas capacidades, por exemplo, ao aceitar executar<br />
tarefas remuneradas abaixo do custo de produção. Finalmente,<br />
temos que nos apetrechar de ferramentas, adquirir mais conhecimentos<br />
e assumir conscientemente os riscos que nos legitimem a<br />
desempenhar os vários papeis que nos estão destina<strong>dos</strong>, desde as<br />
tradicionais fases de conceção, licenciamento e execução, até à gestão<br />
integral de projetos e obras de edifícios.<br />
A situação <strong>dos</strong> arquitetos não é muito diferente da de outros profissionais<br />
liberais, que, atuando numa sociedade fortemente descapitalizada,<br />
se digladiam oferecendo pelos seus serviços preços cada<br />
vez mais baixos. A dita “competição saudável”, quando não regulada,<br />
demonstra ser devastadora. Com esta postura não é possível gerar<br />
os meios suficientes para pagar condignamente a assalaria<strong>dos</strong>,<br />
nem investir em formação, inovação ou desenvolvimento, nem,<br />
muito menos, ter liquidez suficiente para atravessar os perío<strong>dos</strong> de<br />
contração <strong>dos</strong> ciclos económicos. Deste modo, a sociedade descapitaliza-se<br />
cada vez mais e, no limite, os indivíduos deparam-se com<br />
a incapacidade de satisfazer os seus desejos mais elementares, como<br />
manter uma habitação ou sustentar um agregado familiar. Quando