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Educação e cultura midiática – v. I - EdUNEB

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<strong>Educação</strong> e Cultura<br />

Midiática<br />

Volume I


Universidade do Estado da Bahia - UNEB<br />

Lourisvaldo Valentim da Silva<br />

Reitor<br />

Maria Nadja Nunes Bittencourt<br />

Diretora da Editora<br />

Conselho Editorial<br />

Delcele Mascarenhas Queiroz<br />

José Cláudio Rocha<br />

Josemar Rodrigues de Souza<br />

Márcia Rios da Silva<br />

Maria Edesina Aguiar<br />

Mônica Moreira de Oliveira Torres<br />

Wilson Roberto de Mattos<br />

Yara Dulce Bandeira Ataíde<br />

Suplentes<br />

Kiyoko Abe Sandes<br />

Liana Gonçalves Pontes Sodré<br />

Lynn Rosalina Gama Alves<br />

Ronalda Barreto Silva


Maria Olívia de Matos Oliveira<br />

Lucila Pesce<br />

(Organizadoras)<br />

<strong>Educação</strong> e Cultura<br />

Midiática<br />

Volume I<br />

EDUNEB<br />

Salvador<br />

2012


© 2010 Editora da UNEB<br />

Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,<br />

resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma.<br />

Depósito Legal na Biblioteca Nacional<br />

Impresso no Brasil em 2012.<br />

Ficha Técnica<br />

Coordenação Editorial<br />

Ricardo Baroud<br />

Coordenação de Design e Capa<br />

Sidney Silva<br />

Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão<br />

Grajaú Gráfica e Encadernadora<br />

Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB<br />

<strong>Educação</strong> e <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong> / Organizado por Maria Olivia de Matos<br />

Oliveira; Lucila Pesce. <strong>–</strong> Salvador: EDUNEB, 2012.<br />

218p. v. 1.<br />

ISBN: 978-85-7887-122-2.<br />

Inclui referências.<br />

1. <strong>Educação</strong> - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3.<br />

Tecnologia educacional. I. Oliveira, Olívia de Matos. II. Pesce, Lucila.<br />

Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB<br />

Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula<br />

41150-000 - Salvador - Bahia<br />

Fone: + 55 71 3117-5342<br />

www.eduneb.uneb.br<br />

editora@listas.uneb.br<br />

CDD: 371.334


Prefácio<br />

A <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong> e os desafios para a educação<br />

Até perto do final do século XIX, o território da <strong>cultura</strong> nas sociedades<br />

ocidentais fazia-se compreender na oposição entre <strong>cultura</strong> erudita e<br />

superior, de um lado, e <strong>cultura</strong> popular, de outro. Trata-se de uma oposição<br />

decorrente do desenvolvimento da sociedade capitalista e da formação<br />

da burguesia, expressando a dominação desta classe, identificada com a<br />

<strong>cultura</strong> de elite, sobre a <strong>cultura</strong> popular de origem camponesa e proletária.<br />

Isso significa que a <strong>cultura</strong> erudita, própria das classes dominantes não<br />

impedia a existência de sistemas <strong>cultura</strong>is populares, tais como o folclore<br />

rural, enfim, a existência de produtos <strong>cultura</strong>is específicos capazes de dar<br />

expressão a experiências coletivas dotadas de um imaginário social próprio.<br />

De meados do século XIX em diante, como fruto da industrialização,<br />

da explosão demográfica, do êxodo rural e do surgimento do telégrafo, da<br />

fotografia e da presença do jornal, a oposição precedente entre <strong>cultura</strong><br />

de elite e popular passou a sofrer fundas alterações. A esse binômio veio<br />

se somar um novo tipo de <strong>cultura</strong>, a emergente <strong>cultura</strong> de massas e os<br />

mecanismos de um fenômeno inteiramente distinto, a industrialização da<br />

<strong>cultura</strong>. Com isso, deixaram de persistir as situações de produção daquilo<br />

que tão redondamente era chamado de <strong>cultura</strong> erudita versus <strong>cultura</strong><br />

popular. Embora os padrões <strong>cultura</strong>is tradicionais tenham continuado<br />

a existir, eles foram se tornando cada vez menos dominantes diante dos<br />

modos de produção <strong>cultura</strong>l que operam de acordo com a lógica da<br />

industrialização da <strong>cultura</strong>.


O que eram apenas prenúncios da <strong>cultura</strong> de massas no jornal, no<br />

cinema e na publicidade veio alcançar o seu clímax, em meados do século<br />

XX, nos processos de comunicação radiofônicos e televisivos. Foi nessa<br />

época que se deu a explosão da <strong>cultura</strong> pop, quando o papel desempenhado<br />

pela dimensão da <strong>cultura</strong> nas formações sociais foi se tornando cada vez<br />

mais proeminente. Essa proeminência intensificou-se nos anos 1980 com<br />

o advento da <strong>cultura</strong> das mídias, ou seja, uma <strong>cultura</strong> na qual emergiram<br />

a máquina xérox, o controle remoto, a TV a cabo, o vídeo cassete e outros<br />

equipamentos que começaram a permitir ao receptor alguma escolha no<br />

tipo de entretenimento ou informação que deseja receber.<br />

Impacto similar, na antiga oposição entre <strong>cultura</strong> erudita e popular,<br />

que fora provocado pela <strong>cultura</strong> de massas, esta passou a sofrer frente<br />

ao advento da <strong>cultura</strong> das mídias, visto que os pequenos dispositivos,<br />

aparentemente inofensivos, introduzidos por esta última, foram minando a<br />

hegemonia da <strong>cultura</strong> de massas. A segmentação do público, a possibilidade<br />

aberta para que o indivíduo possa escolher informação e entretenimento ao<br />

seu gosto e repertório <strong>–</strong> que são próprias da <strong>cultura</strong> das mídias, uma <strong>cultura</strong><br />

do disponível <strong>–</strong> começaram a preparar a sensibilidade do receptor para o<br />

surgimento da revolução digital, das redes planetárias de comunicação<br />

e da ciber<strong>cultura</strong> nos anos 1990. Além de provocar uma inflação ainda<br />

maior no papel desempenhado pela dimensão <strong>cultura</strong>l no todo social, a<br />

ciber<strong>cultura</strong> inaugurou a intensa dinâmica das conexões que torna o acesso<br />

à informação e ao conhecimento um bem ao alcance de uns poucos cliques<br />

no computador.<br />

Ora, o que importa reter nessa sequência acelerada e ininterrupta<br />

de transformações socio<strong>cultura</strong>is é que os diferentes tipos de formações<br />

<strong>cultura</strong>is <strong>–</strong> popular, erudita, massiva, das mídias e digital <strong>–</strong> criam ambientes<br />

cognitivos, perceptivos e sensórios que lhes são próprios. Esses ambientes<br />

vão se misturando e coexistindo, pois um novo ambiente não leva os


precedentes ao desaparecimento. É em função disso que a <strong>cultura</strong> em que<br />

hoje vivemos é complexa, densa, intrincada, híbrida e multifacetada. Não<br />

apresenta mais nada que possa lembrar a mera e simples oposição entre<br />

<strong>cultura</strong> popular e <strong>cultura</strong> erudita que era própria da sociedade pré-massa,<br />

do início do século XIX.<br />

As consequências que essas condições <strong>cultura</strong>is cada vez mais<br />

hipercomplexas trazem para a educação não são poucas. O que fica evidente,<br />

na passagem de uma formação <strong>cultura</strong>l para a outra, é o crescimento e<br />

diversificação da produção de informações e o acesso a elas que se amplifica<br />

cada vez mais. Que os processos de aprendizagem não são mais privilégio<br />

da formação escolar parece ser evidência que a <strong>cultura</strong> digital tornou<br />

incontestável. Os meios de massa <strong>–</strong> jornal, rádio, televisão <strong>–</strong> já trazem<br />

notícias, entretenimento e informações para dentro de nossas casas com a<br />

mesma facilidade com que chegam a luz e a água. Os equipamentos típicos<br />

da <strong>cultura</strong> das mídias <strong>–</strong> vídeo, TV por assinatura, xerox etc. <strong>–</strong> permitem que<br />

escolhas individuais se efetuem diante de uma pletora de opções.<br />

Agora, com as mídias digitais, notícias, informações, entretenimento,<br />

jogos, comunicação multilateral, veiculadas em redes fixas e móveis, podem<br />

ser acessadas, em qualquer momento, de qualquer lugar para qualquer<br />

outro lugar. Isso provoca transformações radicais nos modos de se informar,<br />

aprender, conhecer, nas práticas de lazer e de socialização. Não são poucos<br />

os autores que têm defendido a ideia de que a inteligência humana hoje se<br />

encontra expandida em uma inteligência coletiva, de caráter planetário que<br />

palpita e estala em ritmo exponencial.<br />

Embora desde o final do século XIX, tenha havido uma escalada<br />

crescente da penetração das mídias na existência individual e social, no<br />

mundo pré-digital, ainda era possível se perceber uma diferenciação nítida<br />

entre os espaços de vida e das funções que neles são desempenhadas,


tais como o espaço da escola, do trabalho, do lazer, o espaço do lar, dos<br />

encontros sociais. Agora, na <strong>cultura</strong> digital, espaços e funções tendem a<br />

se misturar. Eles se interpenetram e se complementam inelutavelmente<br />

de modo que tem se tornado cada vez mais difícil separar e discernir as<br />

funções que cabem a cada espaço.<br />

Levando em consideração apenas o que diz respeito à educação, é<br />

preciso levar em conta que os dispositivos digitais, especialmente aqueles<br />

de caráter móvel, estão propiciando novas formas de aprendizagem, ou<br />

seja, aprendizagem ubíqua, a qualquer tempo, de qualquer lugar, que<br />

ocorre ao sabor das circunstâncias no movimento vertente da vida. Diante<br />

disso, como estabelecer distinções precisas entre aprendizagem formal,<br />

planejada, sistematizada, organizada, de um lado, e aprendizagem informal,<br />

contingente, descontínua, caótica e ubíqua, de outro? Como conceber<br />

novas formas de ensino que possibilitem o intercâmbio dessas duas formas?<br />

Como incorporar a informação descontínua e fragmentária que é própria<br />

das redes, no contínuo e cumulativo que é próprio do saber protegido pela<br />

memória? Essas questões são apenas pequenas pontas do imenso iceberg<br />

dos desafios que hoje se apresentam aos educadores. Vem daí o grande<br />

valor dos dois volumes da coletânea que aqui se apresenta, voltada para<br />

uma miríade de reflexões sobre a educação frente à <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>. Por<br />

isso mesmo, aqui o leitor só terá a ganhar, pois a leitura desses livros já é<br />

um passo significativo na direção de um debate que não pode ser adiado.<br />

Lucia Santaella


Sumário<br />

Apresentação 13<br />

PArTE I: CUlTUrA MIdIáTICA<br />

Mídia, <strong>Educação</strong> e Cidadania 19<br />

Osvaldo Biz<br />

Comunicação, Multimeios e <strong>Educação</strong>: programas<br />

educacionais em pauta 47<br />

Adriana Rocha Bruno e Ana Maria Di Grado Hessel<br />

Mundos Virtuais, Games e Simulações em<br />

<strong>Educação</strong>: alternativas ao design instrucional 69<br />

João Mattar<br />

Processo Educativo e Inclusão Sócio<strong>–</strong>digital na<br />

EJA: uma proposição 97<br />

Adriana dos Santos Marmori Lima<br />

PArTE II: ForMAção On-line<br />

Formação Online de Educadores: uma proposta<br />

dialógica 121<br />

Lucila Pesce


Formação docente e Aprendizagens Online:<br />

reflexões sobre curriculo 145<br />

Maria Olivia Matos Oliveira<br />

Sala de Aula Virtual: novos lugares e novas<br />

durações para o ensinar e o aprender na<br />

contemporaneidade 169<br />

Daniel Mill, Nara Dias Brito e Aparecida Ribeiro Silva<br />

A Comunicação na “Era do Príncipe Eletrônico”:<br />

a EAd como desafio político e pedagógico 193<br />

Eliana Romão e César Nunes<br />

Sobre os Autores 213


Apresentação<br />

Caro leitor, o primeiro volume da coletânea que ora apresentamos<br />

reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de<br />

dois temas instigantes da sociedade contemporânea: <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong> e<br />

processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais.<br />

Os artigos que compõem a primeira parte deste livro <strong>–</strong> Cultura<br />

Midiática <strong>–</strong> revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade<br />

nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da<br />

vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico<br />

de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando<br />

ou negando a nossa condição de cidadãos.<br />

No primeiro parte do volume, de acordo com Osvaldo Biz, no seu<br />

texto Mídia, <strong>Educação</strong> e Cidadania, diante da exposição dos sujeitos aos<br />

meios de comunicação de massa, há necessidade de uma educação crítica<br />

para as mídias, pois “a construção da cidadania envolve a descoberta<br />

de que devemos nos tornar sujeitos da história e não meros objetos de<br />

manipulação”.<br />

Adriana Bruno e Ana Hessel chamam a atenção para a necessidade de<br />

trabalhar temas que integrem a <strong>Educação</strong> e a Comunicação. E o fazem com<br />

o relato analítico de propostas de programas educacionais, em diferentes<br />

mídias, que vêm sendo desenvolvidas por ambas as pesquisadoras desde<br />

2005.<br />

No contexto da <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>, “Mundos virtuais, games e<br />

simulações são elementos essenciais da <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>”, conforme adverte<br />

13


João Mattar. A partir dessa premissa, o autor explora os usos pedagógicos<br />

de mundos virtuais (em especial, o Second Life), games e simulações,<br />

apresentando o estado da arte do debate teórico e analisando algumas<br />

experiências práticas.<br />

A seu turno, Adriana Marmori Lima reflete sobre o processo<br />

educativo e a inclusão sociodigital na educação de jovens e adultos,<br />

procedendo a uma imersão na trajetória de vida pessoal e profissional dos<br />

educadores. Ao fazê-lo abre “possibilidades de articulação entre o aprender<br />

o mundo das letras e o aprender o mundo digital e a <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong> nos<br />

processos de EJA”.<br />

O conjunto das reflexões inerentes aos capítulos que compõem<br />

a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se<br />

conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha<br />

conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade.<br />

Para apresentar a segunda parte do livro <strong>–</strong> Formação Online <strong>–</strong><br />

julgamos pertinente iniciar com a questão formulada por Eliana Romão<br />

e César Nunes: Como é possível a comunicação num contexto em que o<br />

contato presencial não é condição para a relação educativa? Os referidos<br />

autores partem da premissa de que educação é comunicação e buscam,<br />

através do desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação<br />

do impasse de uma educação a distância para uma educação sem distância.<br />

Consideram a importância do desenvolvimento da autonomia intelectual<br />

dos sujeitos aprendentes, a partir de intervenções pedagógicas que<br />

possibilitem espaços de expressão, participação e criatividade.<br />

Na segunda parte do volume os textos voltam-se para os distintos<br />

aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos e interfaces<br />

digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais demandam<br />

dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de ressignificar as atuais<br />

14


práticas educacionais, em sintonia com as emergências dos sujeitos que<br />

participam das atuais organizações societárias.<br />

Também são abordadas questões relacionadas à docência, no<br />

contexto da <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>.<br />

Lucila Pesce relata uma pesquisa em desenvolvimento sobre<br />

formação de educadores no e para o contexto digital, cujos princípios e<br />

pressupostos teórico-metodológicos coadunam-se com a perspectiva<br />

dialógica.<br />

Ao discorrer sobre os limites e as possibilidades da formação de<br />

professores em cursos a distância, Maria Olívia Matos Oliveira pontua,<br />

no capítulo de sua autoria, questões relativas ao currículo dos cursos<br />

online, aprofundando reflexões sobre temporalidade e sua relação com as<br />

aprendizagens significativas.<br />

Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces<br />

digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e<br />

os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação<br />

continuada de professores para o exercício da mediação a distância e<br />

problemas quanto à adequação dos tempos nas aprendizagens online são<br />

discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por<br />

Maria Olívia Matos Oliveira e Lucila Pesce. A guisa de inconclusão <strong>–</strong> em<br />

um campo de trabalho e pesquisa em ebulição, no atual momento histórico<br />

<strong>–</strong> apontamos ao leitor os questionamentos expressos nas interrogações dos<br />

autores de um dos textos Daniel Mill, Nara Brito e Aparecida Silva: Como<br />

uma sala de aula se configura? Quais os tempos e espaços de uma (sala de)<br />

aula? Que mudanças conceituais as tecnologias digitais trouxeram para a<br />

aula e para a sala de aula?<br />

15


16<br />

Para compreender as concepções de aula e sala de aula na<br />

contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados<br />

à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e<br />

da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos<br />

estudantes na <strong>cultura</strong> digital.<br />

Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do primeiro<br />

volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais<br />

dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões<br />

pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de<br />

você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra.<br />

Maria Olívia Matos Oliveira<br />

Lucila Pesce


PARTE I<br />

CULTURA MIDIáTICA


Mídia, <strong>Educação</strong> e<br />

Cidadania<br />

A - MÍdIA<br />

o que se entende por Comunicação<br />

Osvaldo Biz<br />

(PUC-RGS)<br />

O processo da comunicação inicia com o emissor, que prédetermina<br />

o processo, a mensagem. Mas o elemento que dá sentido<br />

concreto à mensagem é o receptor. Havendo a percepção do sentido entre<br />

o emissor e o receptor, acontece a interpretação correta da mensagem e aí,<br />

sim, é possível falar em comunicação, ou seja, compartilhar, tornar comum<br />

a todos, interagir com as pessoas e com o mundo. As ferramentas utilizadas<br />

para tal fim são as mais variadas.<br />

Como afirma Bowditch e Buono (1992, p. 81), a comunicação<br />

existe quando há troca de informações entre o transmissor e o receptor e<br />

há percepção do significado entre os indivíduos envolvidos. Sem essa ação<br />

recíproca não existe comunicação, apenas difusão do noticiário a partir do<br />

emissor. Trata-se de informação, mas não comunicação. Uma comunicação<br />

excelente é aquela conhecida como simétrica, ou seja, de duas mãos. Temos,<br />

então, os elementos básicos: um emissor, uma mensagem, um receptor e<br />

uma interpretação da mensagem.<br />

A compreensão da importância dos meios de comunicação e<br />

sua influência no cotidiano das pessoas parte da discussão de quatro<br />

19


proposições (GUARESCHI; BIZ, 200 9 ) . A primeira afirmativa é a seguinte: a<br />

comunicação, hoje, constrói a realidade. Aqui a palavra realidade significa<br />

o que existe, o que tem valor, o que tem respostas, o que legitima e dá<br />

densidade significativa ao nosso cotidiano. Ou seja, algo passa a existir, ou<br />

não, se as mídias, no caso em foco, rádio, televisão e jornal, comentam ou<br />

mostram imagens.<br />

A segunda afirmativa é complemento da primeira: a mídia não só<br />

afirma o que existe, como decide o que não existe, em vista do seu silêncio.<br />

A terceira afirmativa é que os donos dos veículos de comunicação<br />

controlam a pauta da discussão. Se um fato que aconteceu não for<br />

comunicado ou comentado é sinal de que não existiu. Por consequência,<br />

os ouvintes de rádio, os telespectadores, os leitores de jornal deixaram de<br />

tomar conhecimento de sua existência.<br />

20<br />

Para Marcondes Filho (2004, p. 7)<br />

[...] apesar do volume imenso de aparelhos postos<br />

à nossa disposição, <strong>–</strong> televisão, internet, telefone<br />

celular, aparelhos de transmissão de fax, telões etc.<br />

<strong>–</strong> a vida de cada um ainda é uma caixinha fechada,<br />

um universo oculto, um mundo trancado.<br />

E, por fim, nesses tempos da era da informática, da internet, mas de<br />

modo especial do meio midiático mais popular que é a televisão, ela ocupa<br />

muito do tempo de uma parcela imensa de crianças e jovens, calculada<br />

entre quatro e cinco horas diárias. Normalmente são retratadas como parte<br />

de um nicho do mercado consumidor e não como seres humanos com<br />

direitos específicos.<br />

No Brasil, as crianças recebem mensagens para adquirir brinquedos<br />

e cobram de seus pais a aquisição dos mesmos. No Canadá, por exemplo,


antes e durante a apresentação de programas infantis é proibido fazer<br />

publicidade. Tudo isso é bastante complexo. Daí a necessidade de uma visão<br />

abrangente das mensagens que nos chegam através dos veículos eletrônicos,<br />

ou seja, rádio e televisão.<br />

Nosso texto, além de explicar o surgimento do jornal, rádio e televisão<br />

no Brasil, quer oferecer elementos que possam colaborar para uma análise<br />

mais crítica da realidade apresentada, ou seja, como algo acabado, pronto,<br />

invariável, desenraizado do passado. Ora, informações descontextualizadas<br />

privam o leitor de uma compreensão maior dos acontecimentos.<br />

Sabedores de quão poderosa é a mídia em nossa vida cotidiana,<br />

estudá-la significa entender o mundo, utilizando nossa capacidade de<br />

crítica e decifração para compreender sempre mais do que aquilo que<br />

lemos, vemos e ouvimos e compartilhar seus significados (SILVERSTONE,<br />

2002).<br />

Agora, é preciso ter cuidado. O senso de análise não nasce<br />

automaticamente. É uma tarefa diária de aprendizagem. Vai crescendo à<br />

medida que descobrimos a importância do ‘como’ os noticiários dizem as<br />

coisas, em detrimento do que eles afirmam.<br />

Ter uma visão de conjunto, contextualizar as informações, ligar as<br />

partes ao todo poderia ser um meio eficaz para a formação de um espírito<br />

crítico. Uma reflexão sobre mídia é inerente a todas as pessoas que afirmam<br />

e reafirmam sua cidadania, já que mídia está presente em todos os aspectos<br />

de nossa vida cotidiana.<br />

Frente às mídias (jornal, rádio e televisão), podemos ter uma postura<br />

de ingenuidade ou de supervalorização, encarando-as como simples<br />

entretenimento, ocupação das horas de ociosidade, ou uma crença total nas<br />

21


informações. É fundamental, porém, não ignorá-las, bem como é premente<br />

aprofundar um olhar crítico sobre as mesmas.<br />

A falta de contextualização, o realce a acontecimentos menores em<br />

detrimento dos principais que são esvaziados, constitui-se em esquemas<br />

de manipulação pelos proprietários das mídias. Com esse procedimento,<br />

certos noticiosos não geram polêmica, mas pura conformidade ao que é<br />

mostrado. Ora, a moeda mais forte desse milênio é a informação. Quem a<br />

detém possui o poder.<br />

Entender o funcionamento da mídia eletrônica<br />

22<br />

Para realizar a função de análise crítica é preciso ter algumas<br />

informações. A primeiríssima é saber que a mídia eletrônica <strong>–</strong> rádio<br />

e televisão <strong>–</strong> resulta de concessões feitas pelo Governo, por um período<br />

limite, necessitando de renovação quando esgotados os prazos, de 10 anos<br />

para estações de rádio e 15 para os canais de televisão.<br />

O que significa obter uma concessão? Em outras palavras, significa<br />

ter uma licença para usar o que não é seu. Na verdade, o povo é o verdadeiro<br />

dono das frequências dos canais. Mas a exploração é destinada a um<br />

pequeno grupo de empresários. Em vista de uma legislação que não muda,<br />

que já dura 47 anos, sempre as mesmas pessoas são beneficiadas por novas<br />

concessões. De acordo com Comparato (2000, p. 193),<br />

[...] deve-se partir do princípio fundamental de que<br />

a comunicação social, numa sociedade democrática,<br />

é matéria de interesse público, isto é, pertinente ao<br />

povo, não podendo, portanto, admitir nenhuma<br />

forma direta ou indireta de controle particular<br />

sobre os meios de comunicação de massa.


O que se está exigindo é o cumprimento da Constituição Brasileira<br />

de 1988, que em seu artigo 220, parágrafo 5º, prescreve: “Os meios de<br />

comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de<br />

monopólio ou oligopólio”.<br />

Enquanto não chegam as mudanças na legislação, urge criticar e<br />

denunciar os monopólios existentes na comunicação. A mídia eletrônica<br />

contorce-se dentro de um círculo vicioso férreo, que precisa ser rompido,<br />

se quisermos pensar em democracia e cidadania.<br />

Esta intrincada situação da mídia nacional fica bem esclarecida com<br />

a afirmativa de Thompson (1995, p. 327): “A liberdade está ameaçada não<br />

apenas pelo exercício do poder do Estado, mas também pelo crescimento<br />

desenfreado das organizações da mídia no campo privado”.<br />

A pergunta que a descrição deste quadro suscita é a seguinte: onde<br />

fica a pluralidade de informações, o contraditório, a diversidade de opiniões,<br />

o direito de dizer sua palavra, principalmente na linha do telejornalismo,<br />

que constitui a principal fonte de informação?<br />

As notícias repassadas para a maioria dos brasileiros de uma forma<br />

sintética podem ser comparadas como um “fast food”, um “drops”, uma<br />

“cesta básica”. E pior: esta postura pode ser observada na maioria dos canais<br />

abertos.<br />

Daí a necessidade de uma educação para a mídia, para desconstruir<br />

suas mensagens veiculadas pelos meios de comunicação. O mundo é pior<br />

do que a mídia diz naquilo que ela não diz: na desigualdade, na injustiça, na<br />

indiferença do serviço público.<br />

Jornalista não é apenas transmissor, mas verdadeiro construtor de<br />

conteúdos. De uma mesma informação é possível apresentar resultados<br />

23


totalmente diferentes. Depende de quem dá “forma” a essa informação. Ele<br />

deve localizar as contradições, os interesses que os proprietários defendem,<br />

uma vez que sempre há algo para ser descoberto.<br />

E o receptor deve deixar de lado a ideia de ser um mero leitor ou<br />

espectador. É fácil concluir, então, que não existe uma mídia impressa ou<br />

eletrônica independente, neutra, apartidária, em que o leitor é sua razão<br />

de ser, como gostam de lembrar, continuamente, os seus proprietários. De<br />

acordo com Hohenberg (1981, p. 29),<br />

24<br />

[...] o mero processo de decidir publicar uma<br />

matéria ou suprimi-la é um exercício de opinião do<br />

editor. Se a matéria vai levar uma manchete grande<br />

ou pequena, se será colocada na primeira página,<br />

no meio de anúncios de ‘precisa-se’, é, igualmente,<br />

não o resultado de qualquer processo objetivo,<br />

porém de uma escolha editorial, opinativa.<br />

Editar uma notícia é escolher e, essa escolha já é uma tomada de<br />

posição. O destinatário precisa ter uma visão abrangente das mensagens<br />

que a ele chegam. Só assim há de crescer seu discernimento, o que lhe<br />

possibilitará uma interpretação crítica. A postura crítica do receptor oferece<br />

condições de localizar as contradições, os interesses que os proprietários da<br />

mídia defendem.<br />

Morin (2001) é o autor da Teoria da Complexidade, entendida como<br />

aquilo que é tecido junto, ou seja, existe um elo interdependente entre as<br />

partes e o todo, o todo e as partes. Para este sociólogo francês, compreender<br />

significa ligar os conhecimentos.<br />

Caso contrário, viveremos rodeados por um cipoal de informações<br />

onde não haverá tempo para meditar sobre a primeira notícia, simplesmente<br />

porque já foi substituída por outra. Morin (1986) diz que estamos rodeados


de sub e super informações. O excesso abafa a informação, dificultando o<br />

discernimento sobre o que está acontecendo.<br />

A caminhada do monopólio da mídia brasileira<br />

Os serviços da radiodifusão são regulamentados através do Código<br />

Nacional de Comunicações, criado em 1962. No mesmo ano é fundada a<br />

Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), para<br />

defender os interesses dos donos desses veículos.<br />

Este Código sofre alterações a partir do regime militar (1964-1985),<br />

quando, em 1967, a legislação estabelece que nenhuma entidade ou pessoa<br />

pode ter participação em mais de dez emissoras de televisão em todo o<br />

país, das quais cinco, no máximo, devem ser em VHF. Esta legislação abriu<br />

brecha para burlar tal determinação. O registro começou a ser feito em<br />

nome de empresas diferentes e em nome de vários membros da família.<br />

Isso explica por que no Brasil alguns grupos familiares concentram<br />

toda a comunicação do setor de rádio e televisão, que abrange o território<br />

nacional. Família Roberto Marinho: Rede Globo Rio, com início em 26 de<br />

abril de 1965. Possui também: televisão paga, jornal O Globo, estações de<br />

rádio, revistas, agência de notícias, gravadora, televisão a cabo, telefonia<br />

celular, provedores de internet, gráfica.<br />

Família João Saad: Rede Bandeirante de Televisão inicia em 13 de<br />

maio de 1967 e dispõe de estações de rádio. O espólio da Rede Tupi, após<br />

25


sua falência foi distribuída entre a Família Abravanel (Sílvio Santos), que<br />

criou o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), e Adolf Bloch, que inaugurou<br />

a Televisão Manchete, que também entrou em falência. Em 1999, 15 de<br />

novembro, Amilcare Dallevo Júnior fica com a falida Televisão Manchete,<br />

sob novo nome: Rede TV. Edir Macedo, compra a Rede Record, que se<br />

transforma em Rede Nacional, dispondo de estações de rádio e televisão e<br />

mais jornais, revistas, com filiais no exterior.<br />

Nelson Tanure comprou e edita o centenário Jornal do Brasil, a<br />

Gazeta Mercantil (que fechou em 2009), e é dono do canal Jornal do Brasil<br />

de Televisão (JBTV), antiga Central Nacional de Televisão (CNT), do<br />

Paraná, pertencente à família Martinez.<br />

Existem também grupos regionais, repetidores dos grandes canais:<br />

Família Sirotsky, que comanda a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS),<br />

mantendo o controle midiático do Rio Grande do Sul através de repetidoras<br />

de televisão e estações de rádio. Além disso, é proprietária de quatro<br />

jornais diários: Zero Hora (Porto Alegre), O Pioneiro (Caxias do Sul),<br />

Diário Gaúcho (Porto Alegre) e Diário de Santa Maria (Santa Maria). Em<br />

Santa Catarina dispõe de repetidoras da RBS e mais quatro jornais: Diário<br />

Catarinense (Florianópolis), o Estado de Santa Catarina (Blumenau),<br />

A Notícia (Joinvile) e Hora de Santa Catarina (Municípios da Grande<br />

Florianópolis) 1 .<br />

A Família Daou, com influência no Acre, Amapá, Rondônia, e<br />

Roraima. A Família Jereissati, presente no Ceará, Alagoas, Pernambuco. A<br />

Família Zahran, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A Família Jaime<br />

1 O Ministério Público Federal de Santa Catarina, através de uma ação pública, pede que<br />

o Grupo RBS abra mão de um dos seus quatro jornais diários que circulam no Estado de<br />

Santa Catarina e escolha apenas duas, entre as seis emissoras da RBS TV regional. “Ainda<br />

esse ano podemos ter uma sentença. Porque essa ação tem instrução, ela se prova,” acredita o<br />

Procurador da República Federal de Santa Catarina, Celso Três (REVISTA ADVERSO, Porto<br />

Alegre, n. 162, p. 9, jun. 2009).<br />

26


Câmara: Goiás, Distrito Federal e Tocantins. Família Mesquita: Jornal<br />

o Estado de São Paulo e Rádio Eldorado. José Sarney dispõe de canal<br />

de Televisão, estações de rádio AM e FM, além de jornal no Estado do<br />

Maranhão.<br />

Mais algumas Famílias: Rômulo Mairana (Estado do Pará); Albano<br />

Franco (Sergipe); Fernando Collor (Alagoas); Alves (Rio Grande do<br />

Norte); Calisto Lobo (Piauí); Antonio Carlos Magalhães, na Bahia (canal<br />

de televisão, rádio, jornal).<br />

Muitas dessas famílias ocupam posições políticas nos seus Estados e<br />

em Brasília. Em resumo, noventa por cento da mídia brasileira é controlada<br />

por grupos familiares. Esta realidade está em perfeita contradição com o<br />

Artigo 220 da Constituição, parágrafo quinto: “Os meios de comunicação<br />

social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou<br />

oligopólio”.<br />

Há riscos na formação destas corporações?<br />

A formação de redes vai beneficiar o sistema capitalista, uma vez<br />

que será possível vender os bens produzidos em nível nacional. Servirá,<br />

e muito, para alavancar o período do denominado “milagre brasileiro”<br />

(1968-1972), quando há um forte crescimento do Produto Interno Bruto,<br />

sem, em contrapartida, uma distribuição de renda. A elite é a beneficiada.<br />

Além disto, um país todo interligado permite que o regime militar esteja<br />

informado sobre todos os acontecimentos internos. A transmissão da<br />

27


Copa do Mundo, em 1970, diretamente do México, serviria como símbolo<br />

máximo da integração nacional.<br />

Haveria algum inconveniente com a presença destas corporações?<br />

A formação deste monopólio e suas redes facilitam a transmissão de uma<br />

mesma imagem, um mesmo e único som e, principalmente, impossibilitam<br />

a multiplicidade de informações. Uma única voz percorre todo o país.<br />

Não há pluralidade e, como consequência, uma limitação no sentido da<br />

democracia, uma vez que é parte inerente dela o direito à informação<br />

correta.<br />

Observa muito bem o sociólogo português Boaventura de Souza<br />

Santos2 quando escreve:<br />

28<br />

Quem tem poder para difundir notícias, tem poder<br />

para manter segredos e difundir silêncios. Tem<br />

poder para decidir se o seu interesse é mais bem<br />

servido por notícias ou por silêncio. Podemos<br />

concluir, pois, que uma parte do que de importante<br />

ocorre no mundo, ocorre em segredo e em silêncio,<br />

fora do alcance dos cidadãos.<br />

A influência destas corporações é enorme. O ex-ministro das<br />

Comunicações, Sérgio Motta, na Presidência de Fernando Henrique<br />

Cardoso, percebeu esta realidade, em entrevista à revista Veja3 : “Não acho<br />

que a estrutura das comunicações que temos no Brasil seja justa, a mais<br />

adequada”.<br />

2 Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 mar. 1998. Caderno A, p. 2.<br />

3 Revista Veja, 23 jul. 1997. Páginas Amarelas.


A questão da democratização<br />

No Brasil, a entrega de canais de rádio e televisão funciona na base de<br />

concessões. O governo é quem os distribui. No caso do rádio, o período de<br />

concessão é de 10 anos e para um canal de televisão 15 anos. Normalmente,<br />

a permissão é renovada. Para evitar qualquer surpresa, é inevitável que<br />

exista um comprometimento destas famílias com o poder concedente.<br />

O que deve ser constatado é que se trata de serviço público. O povo<br />

é dono destes serviços, que são repassados para algumas famílias. A mídia<br />

eletrônica precisa ser democratizada. E isto significa dizer que deveria<br />

existir o “direito de antena”, ou seja, o direito de reclamar, de contra-atacar,<br />

de produzir programas a serem veiculados pelas redes. Aqui deveria estar<br />

presente o poder do Estado, para garantir espaço de transmissão e o acesso<br />

aos meios técnicos de produção.<br />

A moeda mais forte deste milênio é a informação. Segue-se, então:<br />

quem a detém, é possuidor de poder. Por isso mesmo é preciso ampliar o<br />

universo de discussão, ainda mais que a maioria da população permanece<br />

sem o direito de se fazer ouvir. A constatação é de Ramonet (1998, p. 72):<br />

Grupos mais poderosos que os Estados estão<br />

açambarcando o bem mais precioso das<br />

democracias: A informação. Será que vão impor sua<br />

lei no mundo inteiro ou, pelo contrário, abrir uma<br />

nova área de liberdade para os cidadãos?<br />

No artigo 224 do Capítulo V da Constituição, que trata da<br />

Comunicação Social, está escrito: “Para os efeitos do disposto neste capítulo,<br />

29


o Congresso Nacional instituirá como seu órgão auxiliar, o Conselho de<br />

Comunicação Social, na forma da lei”. Passaram-se anos da aprovação da<br />

chamada Constituição Cidadã para que acontecesse a regulamentação<br />

deste Conselho. Em dezembro de 1991 foi aprovada a lei Nº 8.398 que<br />

constituiu o Conselho de Comunicação Social, com 13 integrantes:<br />

quatro representantes dos empresários, quatro dos trabalhadores e cinco<br />

da sociedade civil. Passaram-se mais alguns anos até que os membros do<br />

Conselho fossem empossados. As restrições partiam do próprio governo,<br />

dos políticos e dos proprietários das redes de rádio e televisão. Sem uma<br />

mídia democrática, como podemos falar em soberania popular?<br />

30<br />

Para o jornalista Daniel Herz (1994, p. 9) 4 :<br />

O Conselho surge como primeiro espaço<br />

institucional para o debate da comunicação no<br />

Brasil, superando a relação direta e exclusiva<br />

entre o Executivo e o empresariado e criando<br />

uma instituição que pode se voltar para o<br />

equacionamento dos conflitos, busca do consenso<br />

e superação do atraso da sociedade civil sobre as<br />

questões da comunicação.<br />

Nos últimos dois anos (2008 e 2009), não aconteceu nenhuma<br />

reunião desta Comissão. Por que esta focalização nas mídias? Pergunta<br />

Gonnet (2004, p. 51):<br />

4 Jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, ab. 1994, p. 9.<br />

Porque elas não refletem a realidade. Elas a<br />

codificam. As mensagens <strong>midiática</strong>s não são<br />

neutras. Além de informar sobre o mundo, as<br />

mídias apresentam maneiras de percebê-lo e de<br />

o compreender. Este papel das mídias nos força a


Novas tecnologias e a Comunicação<br />

revisar a opinião corrente segundo a qual a única<br />

função das mídias é informar ou divertir.<br />

A Internet comercial completa 15 anos no Brasil com um grande<br />

desafio pela frente. Segundo o Massachusetts Institute of Technology (MIT)<br />

“em 2015 haverá 1 trilhão de aparelhos conectados o tempo todo.” São fatos<br />

marcantes: 1969, nasce a Arpanet, embrião da Internet. Em 1991, o cientista<br />

Tim Berners-Lee cria a World Wide Web (WWW) sistema de documentos<br />

interligados pela Internet que são acessados por meio de navegadores. No<br />

ano de 1995, temos o início da Internet comercial no Brasil. Já em 2010,<br />

a Internet entra na fase das redes sociais, com ferramentas como Twitter,<br />

Facebook, Orkut, blogs, ganhando notoriedade. É a chamada internet<br />

social, de comunidades5 . Temos, então, uma nova realidade em termos de<br />

comunicação.<br />

De acordo com Volton 6 , as técnicas aproximam os homens e a<br />

sociedade, tornando mais visível as diferenças <strong>cultura</strong>is, sociais e religiosas<br />

e, aumentam as dificuldades de inter-compreensão. Afirma: “As máquinas<br />

podem ser on line, os indivíduos e as sociedades não o serão jamais.<br />

Estreitam-se as distâncias geográficas e crescem as distâncias <strong>cultura</strong>is”.<br />

De um lado, as informações estão em toda a parte, de outro, constatase<br />

que falta muito para acontecer uma intercompreensão. A existência de<br />

milhões de aparelhos de comunicação significa mais comunicação? Fica<br />

sempre a mesma pergunta: O que é comunicação? Qual a visão de sociedade<br />

daqueles que possuem os veículos de comunicação? É preciso, na visão de<br />

5 MONTE, Fabiana. Internet faz 15 anos e enfrenta novos desafios. Jornal Brasil Econômico,<br />

25 maio 2010.<br />

6 Revista Famecos, p. 7-18, dez. 2002. [EXCERTOS]<br />

31


Volton 7 , “[...] utilizar o espírito crítico no dia-a-dia em relação aos ideais<br />

de comunicação e a realidade das indústrias de comunicação. Não vivemos<br />

com a internet na era das solidões interativas?”.<br />

32<br />

A comunicação é só técnica? Volton (2003, p. 31) observa que:<br />

[...] qualquer reflexão torna-se suspeita, toda crítica<br />

descabida. Nesse contexto desprovido de debate e<br />

de controvérsia, a menor manifestação de ceticismo<br />

é identificada com o medo de mudanças e de<br />

progresso. Isso explica a defasagem considerável que<br />

se estabeleceu há meio século entre a extraordinária<br />

rapidez das mudanças relativas à comunicação e o<br />

inexpressivo número de reflexões e análises, outras<br />

que não apologias.<br />

Vive-se uma era de graus de persuasão e manipulação, alguns mais<br />

visíveis, outros mascarados. De acordo com Roiz (1992, p. 6) “[...] é possível<br />

afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao<br />

corpo. É muito difícil rastrearmos as organizações discursivas que escapem<br />

à persuasão”. De fato, as campanhas de persuasão são mais aceitas entre<br />

indivíduos que já comungam com as ideias apresentadas ou que estão<br />

predispostos para os temas apresentados.<br />

7 Ibidem<br />

Na manipulação, alerta Berrio (1983, p. 78)<br />

[...] que existe a vontade expressa de mover-se no<br />

terreno da ambiguidade ou da mentira porque se<br />

perseguem determinados objetivos, eticamente<br />

condenáveis, aos que se subordinam e também,<br />

naturalmente, o auditório, o qual se converte em<br />

objeto em lugar de sujeito.


Muitas das crianças são submetidas ao mundo adulto, metralhadas<br />

por questões que não fazem parte do universo infantil. De acordo com a<br />

psicóloga Rosely Sayão8 [...] crianças não são pequenos adultos. Várias<br />

consequências de tantos estímulos levam a perda<br />

precoce da infância: depressão, medo da violência e<br />

consequente dificuldade para conseguir autonomia<br />

compatível com a idade, dificuldade de aprender,<br />

acúmulo de informações que não se transformam<br />

em conhecimento, e, claro, a erotização precoce que<br />

provoca super excitação à abeira do incontrolável.<br />

A Internet é uma resposta às novas formas de acumulação de<br />

capital. É uma evolução em vista das necessidades econômicas do sistema<br />

capitalista. Mas o que a maioria da população sem dinheiro, sem <strong>cultura</strong>,<br />

sem propriedade vai fazer com a Internet? Estamos, de novo, frente à<br />

economia política com características burguesas, ou seja, a uma nova<br />

exclusão, agora, digital. Para Schwarts (2000, p. 2)<br />

Conclusão<br />

[...] o maior risco, com a disseminação de redes de<br />

informação e comunicação, é o de se observar apenas<br />

a reprodução dos padrões de embotamento político<br />

e de passividade intelectual que predominaram na<br />

era do rádio e da televisão. A exclusão digital não<br />

é de ficar sem computador ou telefone celular. É<br />

continuarmos incapazes de pensar, de criar e de<br />

organizar novas formas, mais justas e dinâmicas<br />

de produção e distribuição de riqueza simbólica e<br />

material.<br />

8 Folha de S.Paulo, São Paulo, 31 mar. 2005. Folha Equilíbrio, p. 21.<br />

33


34<br />

Frente à mídia, podemos ter uma postura de ingenuidade, de<br />

supervalorização, encarando-a como simples entretenimento e ocupação<br />

na ociosidade. No entanto, a posição mais inteligente e, na verdade, um<br />

imperativo, é desenvolver um senso crítico, conscientes de que a mídia e a<br />

Internet servem como matérias de discussão, uma vez que elas refletem o<br />

poder dominante, a realidade social, econômica e política do país e, por isso<br />

mesmo, é preciso modificar o modo como as encaramos. Ainda mais que<br />

no caso da televisão, ela representa para uma imensa maioria da população<br />

a única fonte de informação.<br />

B - EdUCAção<br />

o Papel do Professor<br />

Ao longo da história da educação, assim como também nas<br />

revoluções industriais (FRANCHI, 1995), mudou a função do professor.<br />

Na história clássica e medieval, a classe dominante estudava nas escolas<br />

paroquiais e monacais. Os pobres se educavam trabalhando. O professor<br />

era o produtor de conhecimentos, e como tal falava a seus discípulos.<br />

Quando surgem as Universidades, o professor torna-se mediador<br />

entre os produtores de conhecimento, locados nas Universidades, e a<br />

grande massa de aprendizes. Conteúdos e instrumentos são selecionados<br />

pelas Universidades e repassados. Só que esses ensinamentos não podem<br />

ser absorvidos cegamente.<br />

Hoje, em vista das velozes mudanças no campo do saber, o professor<br />

deve buscar incessantemente a atualização, o aprender a aprender. O que<br />

hoje é a última palavra das pesquisas pode estar superado logo mais adiante.


No que diz respeito à <strong>Educação</strong>, entendida como um processo<br />

permanente, ela não pode parar no ensino, ou seja, na pura instrução. Nesta<br />

função, os meios de comunicação estão muitos anos luz à nossa frente. A<br />

informação está disponível em toda a parte.<br />

A aprendizagem, sintetizada em receber a informação e memorizála,<br />

também nada representa em termos de mudança. Infelizmente, em<br />

muitos lugares é a escola que temos. Trata-se de um processo alienante. A<br />

contribuição mais importante que podemos oferecer aos nossos alunos é<br />

ensinar a pensar.<br />

Um processo educativo envolve a produção do conhecimento, que<br />

não é uma necessidade só dos cursos de pós-graduação. É um meio essencial,<br />

para avançar, intervir, e melhor agir. De acordo com Barthes (1996, p. 47),<br />

“[...] há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida<br />

outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisa”.<br />

Em contraposição a uma educação alienante, devemos trabalhar pela<br />

libertação (PADIM et al., 1987), que deve ser criadora, antecipando o novo<br />

tipo de sociedade que queremos, aprofundando a consciência da dignidade<br />

do ser humano, aberta ao diálogo, e respeitando as peculiaridades locais e<br />

nacionais. Diz Guareschi et al. (2000, p. 79):<br />

[...] nossa concepção de ser humano é que ele é uma<br />

pessoa = relação, isto é, ele não é nem um indivíduo,<br />

alguém que é um e não tem nada a ver com os<br />

outros, como o compreende a filosofia liberal;<br />

nem é uma peça de uma máquina, alguém que não<br />

passa de um número, de uma parte de um todo,<br />

onde o que realmente ‘vale’ é o todo, a instituição,<br />

a organização do Estado, o partido. O ser humano,<br />

como o compreendemos, é o resultado dos milhões<br />

de relações que o vão construindo, e através das<br />

quais ele vai continuamente se transformando.<br />

35


36<br />

O conteúdo deve ser considerado um meio e não um fim. Professor e<br />

aluno devem se exercitar em descobrir o que está oculto nos livros, jornais,<br />

revistas, ou seja, as marcas, as pegadas, os traços deixados, e ler também as<br />

entrelinhas, o texto pelo contexto. Os alunos precisam saber como aquilo<br />

que estudam tem a ver com o que vivem. Brand (2001, p. 5) 9 afirma que<br />

[...] a escola precisa organizar-se em torno de<br />

poucos, mas significativos eixos temáticos, em<br />

torno dos quais giram as atenções na busca de<br />

conteúdos necessários. Eixos que não podem estar<br />

alheios num projeto político pedagógico da escola<br />

hoje: o cotidiano, educação para uma cidadania<br />

efetiva, a construção de uma prática dialógica e a<br />

afirmação incondicional da dignidade humana. [...]<br />

A escola necessária é a escola da e para a vida.<br />

A questão está em priorizar a educação em vez da instrução, a vida<br />

em relação ao mercado, embora, muitas vezes, pais e alunos pressionem<br />

pelo mercado, mais do que pela vida. É importante a educação para<br />

conseguir emprego hoje; questiona-se se é condição suficiente. No dizer de<br />

Demo (1997, p. 90),<br />

[...] o problema está em encontrar um termo médio<br />

entre a expectativa de mercado, inevitável para as<br />

pessoas ganharem a vida, e a competência humana,<br />

que deve poder se opor ao mercado, privilegiando o<br />

objetivo e a ética da cidadania sobre a produtividade<br />

econômica.<br />

9 BRAND, Táurio. Boletim da Associação Católica. Rio Grande do Sul: AECRS, 2001.


A escola deve fugir daquela qualidade apregoada pelo neoliberalismo<br />

que visa à preparação da mão-de-obra para o mercado e a proclamação de<br />

sua excelência, visando sempre à satisfação do cliente.<br />

o Pedagógico e o Político<br />

A competência de um professor na sala de aula não se mede somente<br />

pelo domínio que tem sobre sua matéria. Há o lado da formação política, do<br />

seu engajamento e de seus alunos na luta pela superação das injustiças, que<br />

são intrínsecas ao capitalismo.<br />

Trata-se, então, de tornar o pedagógico mais político, sem medo<br />

do outro discurso que defende a neutralidade da escola, para que tudo<br />

permaneça como está. Ao problematizar o conhecimento, o professor tornase<br />

junto com seus alunos mais crítico, tornando o político mais pedagógico.<br />

Paulo Freire insistia que o primeiro livro a ser lido é o da realidade.<br />

Para este educador, “ler mundo” e “ler palavra”, implicava em “reescrever o<br />

mundo”. Em outras palavras transformá-lo. No plano social, Gadotti (1991,<br />

p. 70) afirma que:<br />

[...] é ato pedagógico desvelar as contradições<br />

existentes, evidenciá-las com vistas à sua superação.<br />

O educador, nesse sentido, não é o que cria as<br />

contradições e os conflitos. Ele apenas os revela, isto<br />

é, tira os homens da inconsciência. Educar passa a<br />

ser essencialmente conscientizar. Conscientizar<br />

sobre o nada? Não. Sobre a realidade social e<br />

individual do educando. Formar a consciência<br />

crítica de si mesmo e da sociedade.<br />

37


38<br />

A educação deve girar ao redor de alguns eixos. Um deles, de acordo<br />

com Candau et al. (1995), é o cotidiano, significando o desenvolvimento da<br />

pedagogia do espanto e da indignação e não da resignação.<br />

O sociólogo português, Boaventura de Souza Santos reforça este<br />

aspecto, ao afirmar em palestra, promovida pela Secretaria Municipal de<br />

<strong>Educação</strong> de Porto Alegre: “Assistimos ao sofrimento humano e sequer<br />

perdemos o sono. É necessário recuperar a capacidade de espanto e<br />

indignação dos indivíduos, levando para as salas de aula imagens que<br />

despertem paixão e emoção” 10 .<br />

O professor e geógrafo Milton Santos, de renome internacional, em<br />

conferência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), segue<br />

na mesma linha ao insistir que não é a inteligência que empurra os homens,<br />

mas a emoção.<br />

É obrigação de o professor possibilitar ao menos uma reflexão sobre<br />

o que está acontecendo no processo social global. Ainda no cotidiano<br />

poderia ser incluída a pedagogia da admiração e da mística pela vida,<br />

justiça e liberdade. De acordo com Assmann (1998, p. 23), “[...] somente<br />

educadores entusiasmados com seu papel na sociedade conseguem uma<br />

opinião pública favorável aos seus reclamos”.<br />

Vamos restaurar, então, a nossa autoestima. Enquanto nos<br />

considerarmos heróis ou sacerdotes, a sociedade nunca se interessará por<br />

nós. Somos profissionais. Cobramos reconhecimento, respeito e salário.<br />

Um segundo eixo diz respeito a promover a educação para a<br />

cidadania, voltada para organização e radicalização dos movimentos<br />

populares contra qualquer tipo de subordinação e exploração. A maior<br />

parte do nosso povo vive nas trevas, não conhece seus direitos e nem sabe<br />

10 Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 2 jul. 1996. p. 51.


onde buscá-los. A população não sabe o que está acontecendo e nem ao<br />

menos sabe que não sabe, de acordo com o linguista norte-americano<br />

Noam Chomsky.<br />

Ao proferir sua aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária,<br />

no Colégio de França, a 7 de janeiro de 1977, Barthes (1996, p. 46) afirmou,<br />

entre outras tantas pérolas: “[...] se quero viver, devo esquecer que meu<br />

corpo é histórico, devo lançar-me na ilusão de que sou contemporâneo dos<br />

jovens corpos presentes e não de meu próprio corpo passado. Em síntese:<br />

periodicamente devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou”.<br />

A questão não é tanto saber o que estamos fazendo. A pergunta mais<br />

importante diz respeito àquilo que não fizemos. Deste modo, construiremos<br />

uma proposta, sem a qual não existe um processo educativo.<br />

Segundo Gonnet (2004, p. 41), “[...] desde o dia em que os professores,<br />

jornalistas e pais se perguntaram por que não se utiliza o noticiário e suas<br />

imagens para interessar às crianças, a problemática das mídias na educação<br />

estava colocada. Ora, esta questão é tão velha quanto às próprias mídias”.<br />

Althusser (1985, p. 80) elogia os professores, “que, em condições<br />

assustadoras de trabalho, se voltam contra a ideologia, contra o sistema, com<br />

as poucas armas que podem encontrar na história e no saber que ‘ensinam’.<br />

São uma espécie de heróis”. É que estes heróis não separam educação da<br />

sociedade, da economia, das mudanças tecnológicas, no interior das quais<br />

ela se desenvolve.<br />

39


C - A CoNSTrUção dA CIdAdANIA<br />

40<br />

No Novo Dicionário do Aurélio: CIDADÃO é entendido como o<br />

“indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado ou no seu<br />

desempenho para com este”. CIDADANIA: qualidade ou estado de cidadão.<br />

A construção da cidadania passa pela discussão do papel exercido<br />

pelos Meios de Comunicação Social. Daí sua importância em conhecê-los<br />

e discuti-los.<br />

Quem pode tirar o Brasil das dificuldades de todo gênero em que<br />

se encontra não é o governo, é a cidadania. E cidadania é, antes de tudo, o<br />

exercício de crítica permanente, de exigência crescente. Só esse cerco é que<br />

submete os governos às aspirações de um país11 .<br />

A cidadania é um processo de luta e conquista. Precisamos então<br />

aprender a falar, a reclamar, exigir nossos direitos. Duas palavras do<br />

historiador Capistrano de Abreu resumem bem nossa postura de brasileiro:<br />

“Povo Capado, Sangrado”, e Ribeiro (1994) no seu livro ‘A Identidade do<br />

Brasileiro’ acrescenta: e “Festeiro”. Ainda vivenciamos a <strong>cultura</strong> do silêncio.<br />

A construção da cidadania passa pela discussão do papel exercido<br />

pelos meios de comunicação social. Agora, se o professor nem cidadão é<br />

(também em vista dos salários) como fica a construção da cidadania?<br />

O exercício da cidadania depende da informação, por isso, ela<br />

precisa ser correta, honesta; momento importante para que a mídia, em vez<br />

de “vender” um candidato, trabalhe em favor da cidadania, auxiliando na<br />

educação política da sociedade.<br />

A participação política decorre fundamentalmente de três elementos<br />

(BIZ; PEDROSO, 1978, p. 13): 1) Primeiro a percepção da importância dos<br />

11 Folha de S.Paulo, 31 dez. 1998. Caderno 1, p. 8.


fenômenos políticos pelos cidadãos; 2) O interesse em conhecê-los e discutilos,<br />

e 3) A vontade de interferir na sociedade, isto é, para que as decisões<br />

políticas reflitam os interesses da maioria da população. Esta participação<br />

pode ser de intensidade, frequência e abrangências variáveis. Qualquer que<br />

seja sua natureza ou forma contribui para a democracia.<br />

Formas de Participação Política: Associação de Moradores, Escola<br />

(alunos, pais, professores, funcionários), Sindicatos, Partidos Políticos,<br />

Defesa dos Direitos Humanos, Defesa do Consumidor, Defesa do Meio<br />

Ambiente, Defesa de Minorias Étnicas e Religiosas.<br />

Afora estas formas de participação, a Constituição12 atual fornece<br />

aos cidadãos e às entidades da sociedade civil um conjunto de instrumentos<br />

jurídicos para que eles possam, diretamente, fazer cumprir os preceitos<br />

constitucionais: Mandado de Segurança Coletivo; Mandado de Injunção,<br />

“Habeas Data”, Ação Popular, Iniciativa Popular.<br />

Independentemente do nível de participação de cada indivíduo,<br />

o fato de estar engajado numa agremiação, lutando por uma causa que<br />

ultrapasse o seu interesse individual (embora o inclua), reduz a passividade,<br />

elimina a apatia geral da sociedade.<br />

Indivíduos lutando por seus direitos são indivíduos que os<br />

conhecem seus direitos e também seus deveres. Portanto, não são passíveis<br />

de manipulação, ou dominação. Indivíduos conscientes e participantes<br />

sentem-se como parte da sociedade <strong>–</strong> verdadeiros cidadãos que ajudam<br />

a definir as regras da sociedade e lutam para que elas sejam cumpridas e<br />

aperfeiçoadas.<br />

Enfim, tornam-se capazes de controlar os governantes e não serem<br />

controlados pelos mesmos. Alertamos, entretanto, que a construção de uma<br />

12 Constituição de 1988, Título II, Capítulo I, Item LXX ao LXXIII e Artigo 61, § 2.<br />

41


sociedade verdadeiramente democrática inclui dupla dimensão: a política<br />

<strong>–</strong> que diz respeito à participação nas decisões <strong>–</strong> e as socioeconômicas <strong>–</strong> que<br />

dizem respeito à participação na riqueza gerada pelo trabalho de todos. Se<br />

a síntese entre estas duas dimensões não se completar, usufruir do processo<br />

democrático será apenas privilégio de poucos.<br />

Para Pedro Demo (1992, p. 17), “[...] cidadania é um processo<br />

histórico de conquista popular, através do qual a sociedade adquire<br />

progressivamente condições de tornar-se sujeito histórico, consciente e<br />

organizado, com capacidade de conceber e efetivar projeto próprio”.<br />

A construção da cidadania propiciará a todos a descoberta da<br />

importância de se tornar sujeito da história e não objeto de manipulação.<br />

Isso significa dizer que o conceito de cidadania extrapola, e muito, aquela<br />

ideia de votar no dia das eleições, pagar os impostos devidos. Essa visão é<br />

de uma pobreza extrema.<br />

Ao longo da história, a população conseguiu uma série de direitos:<br />

eles resultaram das lutas de séculos, de muitas pessoas que nos antecederam.<br />

Não dependeram de concessões por parte do Estado.<br />

1689 - Carta dos Direitos, promulgada pelo Parlamento Inglês.<br />

Direito à vida. liberdade, propriedade e justiça.<br />

1776 - Independência dos Estados Unidos da América. Acrescenta à<br />

Carta Inglesa, o direito à felicidade.<br />

1789 - Revolução Francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do<br />

Cidadão. Resistência à opressão, liberdade de imprensa, liberdade religiosa.<br />

1948 - O.N.U. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Direito<br />

à vida, liberdade (pensamento, opinião, expressão, reunião, associação,<br />

participação política), à segurança, ao trabalho, repouso, lazer.<br />

42


1976 - Declaração Universal dos Povos (Argel). Direito de:<br />

• governar independentemente,<br />

• ser respeitado em sua identidade nacional e <strong>cultura</strong>l,<br />

• participar do progresso científico e tecnológico,<br />

• não imposição de uma <strong>cultura</strong> estrangeira.<br />

Para Silverstone (2003, p. 58),<br />

A cidadania no século XXI requer um grau de<br />

conhecimento que até agora poucos de nós têm.<br />

Requer do indivíduo que saiba ler os produtos da<br />

mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias.<br />

Isso envolveria capacidades que vão além do que foi<br />

considerado alfabetização em massa na época da<br />

mídia impressa.<br />

Para ser cidadão não basta ter certidão de nascimento, pagar<br />

impostos, obedecer leis, votar. Faz parte da cidadania exigir direitos e<br />

assumir deveres. Descobrir a relevância da cidadania, não aguardando a<br />

concessão de políticos e governantes.<br />

Trata-se de uma exigência crescente. Deste modo não há mais espaço<br />

para salvadores da pátria, ou seja, a crença de que a libertação depende<br />

somente dos detentores do poder.<br />

Ser cidadão significa preparar-se para revelar as contradições<br />

existentes na sociedade; acostumar-se ao exercício da crítica permanente.<br />

Ser cidadão é ter a história em suas mãos.<br />

Comunicação, <strong>Educação</strong>, Cidadania não são realidades excludentes<br />

para aqueles que, em especial, se dedicam ao magistério. Elas devem ser<br />

43


cotidianamente construídas, uma vez que são dinâmicas e necessitam de<br />

contínuos aperfeiçoamentos. Faz parte dessa construção o permanente<br />

questionamento, de forma a atingir milhões de brasileiros que ainda vivem<br />

nas trevas em relação a essas três realidades.<br />

Esse nosso Brasil, como o vemos hoje, em que poucos tomam parte<br />

da riqueza, foi feito por um grupo de homens. Não é, portanto, uma ordem<br />

que não pode ser mudada. Ao contrário, professores e alunos deverão<br />

investigar, indagar, procurar as causas dessas injustiças, que os impedem<br />

de serem cidadãos.<br />

Nesse momento estarão, alunos e professores, desenvolvendo a<br />

consciência crítica que os levará a alterar o projeto que beneficia poucos<br />

brasileiros. Essa é a função primordial da educação. A missão primeira do<br />

professor não é tanto repassar informações. Outros meios podem fazer esta<br />

tarefa com mais desenvoltura e rapidez.<br />

Sua missão como professor-educador é trabalhar no sentido de<br />

ajudar o alunado a compreender o mundo que nos rodeia; em suma: a<br />

desenvolver o espírito crítico. E, nessa missão, continuamos insubstituíveis.<br />

Esse é o nosso grande valor. E não há projeto, vindo de cima, que nos inibirá.<br />

Conclusão<br />

44<br />

O exercício da cidadania é feito em conjunto com outras pessoas.<br />

Não adianta só denunciar, reclamar. O exercício da cidadania é amplo. É<br />

preciso associar-se aos grupos que lutam em defesa da conservação do<br />

Planeta para mudar os rumos de uma sociedade predadora, consumista.<br />

A cidadania Global ou Planetária está ligada à ecologia, à sobrevivência do<br />

nosso Planeta Terra e, por uma dedução muito simples, à continuação da<br />

existência de bilhões de seres humanos, da própria flora e fauna.


eferências<br />

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46


Comunicação, Multimeios<br />

e <strong>Educação</strong>: programas<br />

educacionais em pauta<br />

Introdução<br />

Adriana Rocha Bruno<br />

(UFJF)<br />

Ana Maria Di Grado Hessel<br />

(PUC-SP)<br />

A ação docente do educador, em tempos de ciber<strong>cultura</strong> e <strong>cultura</strong><br />

das mídias, tem contribuído de forma singular para uma articulação entre<br />

as áreas do conhecimento. Nesse sentido, professores da área de educação<br />

são integrados a cursos diversos como corresponsáveis pelas discussões e<br />

ampliação dos campos de atuação para as profissões emergentes.<br />

Neste cenário, o presente texto apresenta as experiências de duas<br />

educadoras e pesquisadoras da pedagogia que têm em seu percurso a<br />

atuação em áreas multidisciplinares, tais como a <strong>Educação</strong> online e, no<br />

caso específico, o curso de Comunicação e Multimeios da Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).<br />

Estas ações materializam a integração de áreas do conhecimento para<br />

a formação do homem contemporâneo. Para além da integração de mídias,<br />

47


tão presente no contexto social atual, há se que articular ações de docência e<br />

pesquisa que oxigenem e de fato promovam o imbricamento de profissionais<br />

e de campos de conhecimento, respeitando suas especificidades.<br />

Para Marques de Melo (2003) o campo da comunicação compreende<br />

cinco áreas: Artes, Humanidades (incluindo a interface com a Pedagogia),<br />

Tecnologias, Ciências Sociais e Conhecimento Midialógico. A associação<br />

de áreas e o hibridismo marcante do século XXI exigem a dinamicidade que<br />

as mídias possibilitam. Coexistem a <strong>cultura</strong> de massa e a <strong>cultura</strong> de mídias<br />

e, neste cenário, há que se formarem profissionais plurais. Singulares em<br />

espaços de multiplicidades, no sentido deleuziano (BRUNO, 2010).<br />

No primeiro semestre de 2005, iniciamos um trabalho como<br />

docentes junto aos alunos do curso de Comunicação e Multimeios da<br />

PUCSP, na disciplina Novas Tecnologias e <strong>Educação</strong> (NTE). Desenvolvida<br />

em quatro semestres, buscava estudar o contexto imbricado das áreas da<br />

comunicação e educação e todos os seus desdobramentos, tais como as<br />

abordagens cognitivas, os processos de conhecimento que justificam o uso<br />

de tecnologias, a análise das mídias na ação de difusora do conhecimento,<br />

o debate sobre os limites e possibilidades para a atuação do profissional<br />

nas áreas de comunicação social e da educação etc. Em síntese, a disciplina<br />

oferecia elementos para a compreensão das múltiplas possibilidades da<br />

transmissão do saber e da <strong>cultura</strong> que são veiculadas através de instâncias<br />

de comunicação e não se reduzem às instituições educacionais.<br />

A partir de 2006, o curso passou por uma significativa reforma<br />

curricular. A consolidação da identidade do profissional da área de<br />

comunicação e multimeios foi amplamente debatida por todo corpo<br />

docente e discente do curso, culminando com uma proposta de<br />

reorientação curricular. Essa reformulação resultou na proposição de duas<br />

disciplinas assumidas pelos departamentos da Faculdade de <strong>Educação</strong> da<br />

48


PUCSP, ofertadas em dois semestres da nova matriz curricular, a qual foi<br />

introduzida em 2009: Metodologia de pesquisa para TCC e Tecnologias<br />

para a Aprendizagem.<br />

A proposta do curso voltou-se para a formação de um profissional<br />

cujo diferencial está na competência de integração de mídias. Não há<br />

intenção de formar o especialista, mas o profissional que possua visão<br />

sistêmica e integrada de áreas e que desenvolva olhar crítico e criativos para<br />

a sociedade contemporânea. Não se trata de incorporar uma disciplina a<br />

um público específico, tendo em vista a ampla área de atuação que esses<br />

temas envolvem, mas promover aos futuros profissionais de Comunicação<br />

e Multimeios as possibilidades para uma formação contextualizada e<br />

coerente com os avanços tecnológicos, com a formação humanística e com<br />

os campos emergentes no mercado.<br />

Tem-se em vista a formação de um profissional<br />

pronto para atuar (criar, produzir, dirigir) em<br />

novos meios comunicacionais e <strong>cultura</strong>is e, por<br />

conseguinte, vinculado à expansão da tecnologia e<br />

dos meios de comunicação. (LEOTTE et al., 2006,<br />

p. 33).<br />

Este texto tem por objetivo relatar e discutir as experiências<br />

docentes e discentes por ocasião do desenvolvimento dos programas das<br />

disciplinas “Novas Tecnologias e <strong>Educação</strong>” (NTE) e “Tecnologias para a<br />

aprendizagem”, no curso de Comunicação e Multimeios da PUCSP.<br />

49


Flexibilização Curricular<br />

50<br />

O mote que reza que “é preciso articular teoria e prática” se apresenta<br />

cotidianamente nos discursos, textos e documentos educacionais. Mas o<br />

que vem a ser isso?<br />

De origem grega, a palavra teoria (theórein) significa observar,<br />

assistir ou especular. É compreendida também como um olhar privilegiado<br />

próximo a Deus, ou seja, um olhar superior.<br />

A palavra prática (praktiké), também origina-se do grego práxis e<br />

significa agir, negociar, fazer algo em favor de si mesmo. Designa, desde<br />

Platão, além da ação imanente pela qual o sujeito o indivíduo vivencia o<br />

padrão rotineiro do ethos, também a possibilidade de transformá-lo, em<br />

virtude da finalidade de um bem-agir ou um bem-fazer (SODRÉ, 2000).<br />

Integrar estes dois aspectos no ethos educativo tem sido o grande<br />

desafio de todos os educadores e projetos pedagógicos.<br />

Na realidade, associamos a teoria com o saber (conhecer) e a prática<br />

com o fazer. Valorizamos em demasia o conhecimento, em forma de<br />

conteúdo e de informações e intencionamos que ele se evidencie na prática<br />

do aluno. Percebemos a prática como uma demonstração de que o aluno<br />

sabe o conteúdo, pois conseguiu colocá-lo em ação. Neste sentido, grande<br />

parte das aulas oferecidas nos cursos de graduação ainda está baseada em<br />

dois dos quatro pilares propostos por Delors (1999): aprender a conhecer<br />

(com ênfase no saber) e aprender a fazer. Os demais pilares (aprender a<br />

viver junto e aprender a ser) são colocados em segundo plano, como algo<br />

menor, sem importância.<br />

Revela-se, assim, um modelo curricular engessado e pautado na<br />

rigidez do conteudismo e da racionalidade técnico-científica instrumental.


Este modelo estimula o acúmulo de informações, a fragmentação dos<br />

conhecimentos e das práticas educativas e a cisão do espaço e tempo<br />

pedagógicos e do próprio indivíduo, criando o império do individualismo e<br />

da centralização do saber no professor.<br />

O modelo curricular educacional subjacente às práticas docentes<br />

dessa natureza torna-se inconsistente, visto que as práticas educacionais<br />

e a articulação teórico-prática, tão desejada por todos, prescindem da<br />

integração desses quatro pilares.<br />

Historicamente o currículo não tem sido concebido em sua<br />

dimensão complexa. Em verdade, o currículo não é neutro e possui papel<br />

social: 1) na produção de sujeitos dotados de classe, raça e gênero; 2) na<br />

expressão, representação ou reflexo de interesses sociais determinados, e 3)<br />

na produção de identidades e subjetividades sociais (GOODSON, 1995).<br />

A construção de um currículo voltado para uma classificação<br />

social discriminatória pode incorrer no erro de favorecer uma classe em<br />

detrimento da outra e, ainda criar a ilusão de solucionar problemas, ser<br />

democrático etc. Portanto, a concepção de currículo adotada no universo<br />

educacional vai promover a inclusão ou a exclusão social, perpetuando,<br />

neste segundo caso, o ‘guarda-chuva hegemônico’ (APPLE, 2000) que finge<br />

nos abrigar, mas nos sufoca, legitimando a política das desigualdades.<br />

Um dos modelos mais usuais adotados pelas instituições<br />

educacionais ainda tem suas bases no que Goodson (1995) definiu como<br />

‘pré-ativo’. Tal modelo compreende o conhecimento como algo externo ao<br />

indivíduo, dado pela sociedade, e que deve ser por todos incorporado.<br />

Hoje, sabemos que o currículo deve ser concebido numa linha<br />

emancipatória, a qual significa participação, autonomia, responsabilidade<br />

coletiva, criatividade, organização, planejamento e dialogicidade.<br />

51


52<br />

O conhecimento emancipatório é, portanto, aquele capaz de<br />

reconhecer a igualdade na diferença do outro, integrando, desse modo, os<br />

pilares ‘aprender a viver junto e aprender a ser’ aos outros dois, ‘aprender<br />

a conhecer e aprender a fazer’, privilegiados pelos sistemas educacionais.<br />

Diante deste cenário impõe-se a necessidade prática de um currículo<br />

flexível, que evidencie as transformações pelas quais todos estão vivendo.<br />

Compreendendo a importância da articulação e da integração destes<br />

conhecimentos para a qualidade do Curso de Comunicação de Multimeios,<br />

a disciplina NTE assumiu o compromisso de integrar os pressupostos<br />

da emancipação, com o propósito de colaborar para a construção de um<br />

currículo flexível.<br />

Por sua proposta flexível, é uma disciplina em constante construção.<br />

Sabemos que é pelo processo recursivo de construção-desconstruçãoreconstrução,<br />

no sentido espiralado, que o currículo flexível e emancipatório<br />

se mantém sólido em seus propósitos de coerência, não-engessamento e<br />

interdisciplinaridade.<br />

Neste contexto, cabe-nos a clareza do significado da palavra<br />

interdisciplinar e o que este conceito envolve.<br />

Interdisciplinaridade vem de Inter (entre) e disciplinas (regras), ou<br />

seja, o que está entre as regras. Devemos compreender que a “Inter” contém<br />

a disciplina e, portanto, tem origem na disciplinaridade, uma vez que propõe<br />

outra forma de trabalhar com as disciplinas, respeitando as especificidades<br />

de cada área do conhecimento, integrando-as, desfragmentando-as e<br />

buscando uma dimensão complementar a isto, no sentido de descobrir<br />

elementos que estejam além destas regras.<br />

A concepção de interdisciplinaridade remete-nos ao fio tênue que<br />

permeia o nosso conhecimento e consequentemente o nosso ser. Por isso,


ser interdisciplinar é diferente de estar ou fazer um trabalho e nomeá-lo<br />

de interdisciplinar. Tornar-se interdisciplinar é mudar posturas, quebrar<br />

paradigmas, é permitir-se e perceber-se complexo, “inacabado” como<br />

diria Paulo Freire, em construção contínua, pela articulação entre o tempo<br />

cronológico (Chrónos) e o tempo cairológico (Kairós <strong>–</strong> tempo vivido).<br />

Tecnologias para a aprendizagem: construção de uma área<br />

de estudo e pesquisa<br />

As disciplinas organizam os saberes no campo do conhecimento<br />

humano e viabilizam o funcionamento estrutural de um curso de forma<br />

vertical e horizontal. Entretanto compreendemos que esse conhecimento<br />

não é fragmentado nem estático.<br />

O currículo pode ser organizado não só em torno de<br />

disciplinas, como costuma ser feito, mas de núcleos<br />

que ultrapassam os limites das disciplinas, centrados<br />

em temas, problemas, tópicos, instituições, períodos<br />

históricos, espaços geográficos, grupos humanos,<br />

idéias etc. (SANTOMÉ, 1998, p. 25).<br />

O excerto de Santomé (1998) explicita claramente o que queremos<br />

dizer, elencando as possibilidades de um projeto curricular flexível, numa<br />

abordagem interdisciplinar. Acrescentaríamos aos itens destacados o<br />

trabalho por projeto, foco central da nossa proposta de disciplina.<br />

Embora o conhecimento tenha como característica a<br />

hipertextualidade, as disciplinas são tratadas de forma linear em grande parte<br />

dos cursos de graduação. O Curso de Comunicação e Multimeios se propõe<br />

a transcender essa estrutura e romper com a concepção funcionalista, por<br />

53


meio de um currículo interdisciplinar, pautado não apenas no diálogo entre<br />

as disciplinas, mas na possibilidade do avanço de nossas práticas no sentido<br />

de uma transversalidade, interpenetração e transformação dos saberes.<br />

A dimensão sistêmica é garantida pela dinâmica não-linear oferecida<br />

no curso, que concebe dois eixos integrados e complementares (vertical e<br />

horizontalmente), que viabilizam o imbricamento das demais dimensões<br />

previstas no curso e também nas disciplinas da área de educação.<br />

Tal estrutura tem em vista uma educação de qualidade, que apresente<br />

uma aproximação da realidade socioeducacional da comunidade e ofereça,<br />

ao futuro profissional, as oportunidades de vivenciar situações motivadoras<br />

através de projetos interdisciplinares. O uso de cases ou de cenários que<br />

reproduzam e viabilizem experiências teórico-práticas, na resolução coletiva<br />

de problemas, são estratégias utilizadas para desenvolver o pensamento<br />

crítico e potencializar o interesse pela pesquisa, para despertar um novo<br />

olhar sobre a avaliação do processo ensino-aprendizagem, bem como para<br />

orientar a escolha e a uso de diferentes mídias.<br />

Uma estrutura curricular espiralada compreende a tessitura entre a<br />

teoria e a prática, o contexto, a diversidade e a plasticidade. Estamos numa<br />

área em constante mutação, uma vez que emergem com muita rapidez novas<br />

mídias. O novo que se apresenta deve ser incorporado ao curso, de modo<br />

a garantir fluidez e atualização constantes na formação do profissional da<br />

Comunicação.<br />

As transformações decorrentes desse processo de reestruturação do<br />

curso e das áreas que o compõem caracterizam a identidade do curso e o<br />

sentido educacional dos saberes do profissional que se deseja formar:<br />

54<br />

• abertura ao novo;<br />

• produção de conhecimento e de serviços;


• captação, criação e inovação de produtos;<br />

• visão e práticas interdisciplinares;<br />

• gestão de projetos e processos;<br />

• desenvolvimento de pesquisa;<br />

• formação de profissionais multidisciplinares.<br />

O nome da disciplina “Tecnologias para a aprendizagem” espelha<br />

tais mudanças, e os trabalhos agora se voltam para o uso e a produção de<br />

mídias destinadas a segmentos educativos, bem como estudos sobre os<br />

fundamentos epistemológicos e abordagens do processo educacional em<br />

ambientes de aprendizagem contemporâneos.<br />

O profissional da área de Comunicação e Multimeios deve ter,<br />

como explicitado no Projeto Pedagógico para o Curso de Comunicação e<br />

Multimeios proposto pela reorganização curricular em 2006, uma formação<br />

sistêmica e baseada num contexto sócio-tecnológico em que as mudanças<br />

são rápidas e profundas.<br />

A flexibilidade foi o diferencial proposto para o Curso, de modo<br />

a atender às demandas sociais emergentes. Desse modo, a disciplina da<br />

área educacional, Tecnologias para a aprendizagem, propõe-se a trabalhar<br />

temas que integrem a <strong>Educação</strong> e a Comunicação para uma sociedade<br />

multi<strong>midiática</strong>. Os temas desenvolvidos nessa disciplina apresentam-se<br />

como fundamentais para a formação do profissional da área de Comunicação<br />

e Multimeios, por promover a reflexão sobre áreas nobres de atuação para<br />

esses profissionais, como a <strong>Educação</strong> a Distância e o desenvolvimento de<br />

Programas Educacionais, áreas de estudo e pesquisa, bem como de atuação<br />

da educação.<br />

55


56<br />

Composta por múltiplas áreas do conhecimento, a disciplina em<br />

questão desenvolve estudos teórico-práticos sobre design instrucional,<br />

objetos de aprendizagem, análise, desenvolvimento e produção de<br />

programas educacionais e de ambientes de aprendizagem online (<strong>Educação</strong><br />

a Distância), cujo escopo de estudo e atuação são abarcados pelo campo da<br />

educação e podem ser trabalhados por profissionais dessa área.<br />

Não se trata de incorporar uma disciplina a um público específico,<br />

tendo em vista a ampla área de atuação que esses temas envolvem,<br />

mas promover aos futuros profissionais de Comunicação e Multimeios<br />

possibilidades para uma formação contextualizada e coerente com os<br />

avanços tecnológicos, com a formação humanística e com os campos<br />

emergentes no mercado.<br />

o projeto “programas educacionais”: docência e pesquisa<br />

como campos de estudo e produção<br />

As mudanças socioeconômicas e <strong>cultura</strong>is decorrentes do mundo<br />

atual, associadas à plasticidade social e à aprendizagem (BRUNO, 2010)<br />

na área de multimeios, suscita uma ampliação do universo <strong>cultura</strong>l e<br />

profissional para todos os envolvidos neste processo.<br />

Diante desse cenário, a disciplina Tecnologias para a aprendizagem<br />

tem realizado, desde o ano de 2005 (ainda NTE) propostas que articulam<br />

teoria e prática, como é o caso do “Projeto: Programas educacionais”, foco<br />

principal do presente texto.<br />

A resistência dos alunos do curso em relação às disciplinas da<br />

área da <strong>Educação</strong> anunciavam que aquele ano de 2005 não seria fácil. A<br />

coordenação do curso já havia “preparado” a professora que acabara de


assumir a disciplina de NTE sobre tal situação, na esperança de que algo<br />

pudesse ser feito de modo a atenuar os possíveis conflitos. De fato, estudos<br />

e abordagens educacionais pouco ou nada significavam para aqueles alunos<br />

que se viam imersos num cenário multimidiático, fértil em ações voltadas<br />

para o cinema, produção de vídeos, trabalho com web, arte e tecnologia,<br />

leituras e produções imagéticas, dentre outros atrativos que o curso<br />

apresentava.<br />

Os primeiros contatos, entre a docente da área educacional e os alunos<br />

do curso, se pautaram na busca de uma nova identidade para a disciplina<br />

e identificação do contexto dos alunos, seus desejos, suas possibilidades e<br />

habilidades. Como inserir os estudos da área da educação neste cenário,<br />

de modo a envolver os alunos e ressignificar os conhecimentos das áreas<br />

envolvidas?<br />

Deste estudo, surgiu o projeto de trabalharmos com o<br />

desenvolvimento de Programas educacionais, por meio das mídias<br />

disponíveis, com vistas ao processo de convergência. A convergência de<br />

mídias no contexto educacional e nos processos de formação deve ser<br />

compreendida como possibilidade de relação e de aprendizagem. Quando<br />

pensamos nas relações estabelecidas no âmbito educacional, devemos<br />

também refletir que são relações intersubjetivas, que imbricam pontos<br />

da interpessoalidade e da interprofissionalidade e isso significa que o<br />

investimento na formação de todos os envolvidos neste processo deve se<br />

dar de forma contínua, ao longo do processo.<br />

A busca pela comunicação indica tentativas de construir<br />

comunidades, estabelecer relações, socializar informações e, nesse<br />

sentido, as tecnologias e as mídias contribuem para a criação de redes<br />

interdependentes (PALLOF; PRATT, 2002). Isto quer dizer que a<br />

necessidade de conexão com o outro motiva a criação de vínculos, de<br />

57


contato, e influencia no desenvolvimento de ações interativas que, por sua<br />

vez, alimentam a necessidade de comunicação. À luz destas premissas, o<br />

projeto de Programas educacionais foi colaborativamente se constituindo.<br />

Alem disso, cabe elucidar que este projeto assumiu o desafio<br />

de desenvolver um olhar crítico sobre a produção de simulacros<br />

potencializados pelas mídias, como a TV e mais recentemente a Internet,<br />

tais como apontados por Chauí (2006).<br />

Na prática, em sala de aula, os alunos se dividiram em grupos para<br />

o planejamento e desenvolvimento de um projeto piloto. O público alvo<br />

poderia contemplar qualquer faixa etária, qualquer mídia (web, vídeo, rádio,<br />

material impresso etc) e qualquer tema, desde que o foco, educativo ou<br />

educacional, fosse atendido. Os alunos acolheram prontamente a proposta<br />

e passamos a trabalhar, durante as aulas, conteúdos que subsidiassem<br />

o desenvolvimento do projeto. Mais do que uma atividade para uma<br />

disciplina, os alunos compreenderam que estavam construindo portfólios<br />

para sua vida profissional e, quanto mais se dedicassem, melhores seriam<br />

os resultados e a veiculação deste trabalho para o seu futuro. Estudos sobre<br />

a aprendizagem de crianças, jovens e adultos foram trabalhados com o<br />

objetivo de colher minimamente elementos que ajudassem na proposta de<br />

atividades, linguagens e as mídias, estudo de cores, interesse, brincadeiras,<br />

abordagem temática etc. Os estudos de Belloni (2001), Chauí (2006),<br />

Demo (2001), Napolitano (2003), Pfromm Netto (1999), dentre outros,<br />

fomentaram estas discussões. Também foram realizadas análises de alguns<br />

programas educacionais realizados para TV, vídeos educacionais, games,<br />

jogos etc.<br />

Após este período de estudos, cada grupo foi orientado a apresentar<br />

um Projeto escrito sobre o Programa a ser desenvolvido. A elaboração<br />

do projeto foi realizada no decorrer de duas aulas, nas quais cada grupo<br />

58


discutia as ideias com os membros e com a professora. A palavra de<br />

ordem foi “transgredir”. Isso porque as análises de programas educativos<br />

evidenciaram a carência existente em grande parte destes, especialmente<br />

no que diz respeito à utilização de abordagens e linguagens mais dinâmicas,<br />

hipertextuais e interativas.<br />

Questões emergiram neste processo coletivo de estudo e produção,<br />

tais como: Será que criança gosta de ouvir rádio? Por que não temos<br />

programas de rádio infantil? Hoje em dia, crianças e jovens escutam<br />

histórias sem que a imagem esteja associada? Como pensar num programa<br />

de rádio, interativo para crianças? Como desenvolver esquetes educativos<br />

sem “dar lição de moral”? Programa de culinária é educativo? Como dar<br />

feedbacks em jogos educativos na web? Podemos fazer um vídeo sobre como<br />

fazer vídeo? Jogo de tabuleiro educativo só pode ter “matéria” de escola?<br />

Estas perguntas ilustram parte do processo de construção do projeto<br />

e resultaram em discussões que foram essenciais para o desenvolvimento<br />

dos protótipos dos Programas Educativos.<br />

Os projetos escritos foram apreciados pelos colegas e pela professora<br />

com o objetivo de contribuir para a melhoria de cada proposta. Os<br />

alunos, mais experientes em relação na área da comunicação e das mídias<br />

trabalhadas na disciplina, teciam considerações e apresentavam sugestões<br />

do ponto de vista da comunicação, e a professora fazia a análise do ponto<br />

de vista educacional.<br />

Por fim, cada grupo se organizou para o desenvolvimento do produto,<br />

ou seja, um projeto piloto. Foi agendada uma data para apresentação dos<br />

protótipos e o resultado foi muito satisfatório.<br />

Durante os três primeiros anos foram realizados programas nas<br />

seguintes mídias: 13 em vídeos/DVD; 12 via rádio/podcast; oito para web;<br />

59


três como material impresso e seis tipos jogos de tabuleiro. Para efeito de<br />

ilustração, elencamos alguns destes projetos:<br />

60<br />

a. Videos-documentários, como por exemplo, reciclagem<br />

de lixo urbano <strong>–</strong> documentado em 8 min e 34’, a partir de<br />

visitas a aterros sanitários; entrevistas com catadores de<br />

lixo recicláveis que encontram nesta atividade o sustento<br />

de suas famílias; visitas a espaços como a Oficina Escola<br />

Cooparte (São Paulo) que conta com vinte moradores de<br />

rua que desenvolvem obras de arte a partir de material<br />

reciclável; cooperativas em condomínios; além de dados<br />

sobre os processos de reciclagem no Brasil e na cidade<br />

de São Paulo e com proposições para a melhoria das<br />

condições de vida nas cidades com a reciclagem.<br />

b. Esquetes de áudio como sobre Campanha de consciência<br />

ambiental, que trouxe quatro quadros, nonsense, com<br />

situações inusitadas que transgridem os formatos<br />

“tradicionais” de desenvolver campanhas publicitárias,<br />

com temas como chuva ácida.<br />

c. Programa de rádio para o público infantil, como o<br />

“viajando na maionese”, que trazia em sua programação<br />

a ‘contação’ de histórias infantis com a participação<br />

(via e-mail ou telefone) dos ouvintes mirins para a<br />

sua finalização; além de brincadeiras, dicas, música e<br />

curiosidades.<br />

d. Jogos na Web, como a viagem planetária de um<br />

extraterrestre que, perdido em nosso planeta precisa da<br />

ajuda das crianças para consertar sua nave construída<br />

com materiais recicláveis.


Alguns dos protótipos foram concebidos por meio de links com os<br />

trabalhos de conclusão de curso dos alunos e, nestes casos, as aulas de NTE<br />

auxiliaram tanto no desenvolvimento dos produtos para tais trabalhos,<br />

quanto na análise destes.<br />

Ao longo dos anos, os projetos foram incorporando melhorias<br />

estéticas e funcionais. Houve a demanda de grupos de alunos para<br />

o desenvolvimento de jogos de tabuleiro. A cada nova turma, eram<br />

apresentados os trabalhos desenvolvidos pelos colegas de turmas anteriores.<br />

O desejo de superação surgiu como fator decisivo para a criação de bons<br />

programas.<br />

Em 2009, a disciplina NTE incorporou algumas inovações, com a<br />

introdução dos estudos das midias emergentes na web 2.0. O uso de materiais<br />

pedagógicos destinados a segmentos educativos, em especial aos ambientes<br />

virtuais de aprendizagem, surgiu como uma nova demanda de produção no<br />

mercado de design educacional. A dinâmica interativa das redes sociais na<br />

web 2.0, no tocante à distribuição, produção e consumo de conhecimento<br />

propicia a disseminação dos materiais hipermediáticos. Ao tratar sobre<br />

a ciber<strong>cultura</strong>, Lévy (1999), anuncia uma mutação contemporânea da<br />

relação com o saber e ressalta que, devido à velocidade de aparição e de<br />

renovação dos saberes e do saber-fazer, trabalhar significa cada vez mais<br />

aprender, transmitir saberes e produzir conhecimento. A construção de<br />

novos modelos do espaço dos conhecimentos surge naturalmente na web<br />

2,0. Ao invés de uma representação em escalas lineares e paralelas, em<br />

pirâmides estruturadas por níveis, organizadas pela noção de pré-requisitos<br />

e convergindo para saberes superiores, estamos privilegiando a imagem de<br />

espaços de conhecimento emergentes, abertos, contínuos, em fluxos não<br />

lineares, reorganizando-se em função dos objetivos ou dos contextos, nos<br />

quais cada indivíduo ocupa uma posição singular e evolutiva.<br />

61


62<br />

Na implementação do novo currículo no curso de Comunicação<br />

e Multimeios, a disciplina denominada Tecnologias para a aprendizagem<br />

passou a focar a produção de vídeos educativos para a web, que pudessem<br />

ser divulgados no site distributivo de serviços Youtube 1 .<br />

Habitar a “rede” (Web) nos faz retomar Lévy (1999). Se para este<br />

autor o ciberespaço é o “espaço de comunicação aberto pela interconexão<br />

mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (Ibid., p. 92)<br />

e o virtual multiplica as oportunidades de atualização do real, os espaços de<br />

navegação na web se apresentam como possibilidades de caçada ou pilhagem.<br />

A primeira (caçada) nos coloca nos trilhos rápidos, rumo ao procurado. A<br />

segunda (pilhagem), assim como Alice (do país das maravilhas), nos indica<br />

que quando não sabemos qual rumo tomar, a procura (ou o caminho), a<br />

busca pode se apresentar por meio de descaminhos.<br />

Em todos os casos, a navegação pode se dar por meios (mídias)<br />

diversas, como nos apresenta o autor, e que já são conhecidas por<br />

muitos de nós. As redes, neste ciberespaço e na ciber<strong>cultura</strong> se enlaçam<br />

em configurações não mais lineares, mas plurais <strong>–</strong> todos/todos. É essa a<br />

dinâmica desejada para o desenvolvimento do Projeto e do curso.<br />

Os objetivos do curso adequaram-se à reorientação curricular e<br />

passaram a destacar: a utilização e desenvolvimento das mídias como<br />

instrumentos de acesso, transformação e produção do conhecimento; o<br />

reconhecimento do potencial das mídias e dos materiais educativos no<br />

processo de aprendizagem; a análise e produção de materiais educativos<br />

fundamentados no conhecimento sobre educação e comunicação.<br />

Uma dinâmica teórico/prática imprimiu uma tônica estratégica para<br />

a disciplina, desenvolvida por meio de estudos de referenciais teóricos e de<br />

atividades de criação dos vídeos educativos.<br />

1 .


Os temas abordados em aula priorizaram o conhecimento sobre<br />

as modalidades de vídeo, diferenciando-se segundo os objetivos de uso.<br />

Os textos de Ferrés (1996), Moran (2002) e Hessel (2004), nos auxiliaram<br />

na definição e planejamento de alguns tipos de vídeo, os quais foram<br />

sintetizados nas seguintes categorias: Vídeo sensibilização - utilizado para<br />

introduzir ou finalizar um tema, para provocar a reflexão sobre uma questão<br />

etc, assumindo um motivador ou conclusivo; Vídeo simulação - empregado<br />

para auxiliar na compreensão de temas densos ou abstratos, bem como<br />

para apresentar situações que não podem ser vivenciadas ou visualizadas;<br />

Vídeo documentário - apropriado para abordar um tema em detalhes,<br />

transmitir informações e fatos contextualizados, pois amplia a visão da<br />

realidade e permite a reflexão; Vídeo entrevista - adequado para apresentar<br />

pensamentos, trajetórias e trabalhos de pessoas, bem como para apresentar<br />

as diferentes posições sobre um assunto em evidência; Vídeo ilustração -<br />

empregado para exemplificar um fato, uma situação, um conceito, uma<br />

rotina, uma habilidade ou até mesmo uma sequência de procedimentos;<br />

Vídeo interativo - utilizado em circunstâncias nas quais o espectador pode<br />

opinar sobre a sequência do vídeo, pode participar na construção do enredo<br />

ao escolher um roteiro alternativo; Vídeo avaliação, também denominado<br />

de vídeo-espelho - apropriado para captar a ação de pessoas ou grupos de<br />

pessoas, a qual será analisada e avaliada pelos próprios figurantes.<br />

A produção dos vídeos teve início com uma fase de planejamento.<br />

Os alunos se reuniram em grupos e definiram os temas. Um briefing2 foi<br />

desenvolvido para cada vídeo, o que permitiu aos alunos experimentarem<br />

2 O briefing é um conjunto de informações, uma coleta de dados passadas em uma<br />

reunião para o desenvolvimento de um trabalho, documento, sendo muito utilizadas em<br />

Administração, Relações Públicas e na Publicidade. O briefing deve criar um roteiro de ação<br />

para criar a solução que o cliente procura, é como mapear o problema, e com estas pistas, ter<br />

idéias para criar soluções. (Disponível em: . Acesso<br />

em: 8 maio 2010).<br />

63


a dinâmica do processo de especificação do produto e validação do mesmo,<br />

junto a um cliente fictício.<br />

A primeira providência exigiu uma pesquisa cuidadosa, ou seja, um<br />

levantamento das informações relevantes, tais como a escolha do conteúdo,<br />

as demandas de aprendizagem, a profundidade do tema, a abordagem,<br />

a linguagem. O público alvo foi considerado no tocante à faixa etária, à<br />

escolaridade, ao interesse <strong>cultura</strong>l e à procedência <strong>cultura</strong>l. Esses elementos<br />

foram considerados na definição dos objetivos de cada produto, os quais<br />

atenderam à determinada necessidade cognitiva, à valoração de alguma<br />

atitude ou ao desenvolvimento de certas habilidades. Outras especificações<br />

complementaram o plano, tais como a duração do vídeo, a definição das<br />

técnicas e dos processos de trabalho, escolha de software de produção e<br />

edição etc. Foram estabelecidos um cronograma e a distribuição de tarefas.<br />

Por fim, o roteiro foi preparado, com a descrição da sequência das ações do<br />

vídeo, as imagens, a trilha sonora etc.<br />

Os planos foram divulgados entre os alunos da classe através de<br />

um fórum criado para tal função, na plataforma Moodle da PUCSP. Tal<br />

estratégia motivou a turma para uma ação colaborativa e integrada de troca<br />

de ideias e materiais. Todo o processo de planejamento ficou registrado<br />

cumulativamente, refletindo o caráter reconstrutivo da produção de um<br />

material midiático.<br />

Um canal 3 do Youtube foi criado para reunir os vídeos produzidos<br />

pelos alunos. Além de divulgar os trabalhos na web, o site de serviço<br />

de publicação e distribuição de vídeos proporciona a possibilidade<br />

de compartilhamento com usuários em diferentes espaços e distintos<br />

3 A URL do canal criado no ano de 2009: ; A URL do<br />

canal criado no ano de 2010: .<br />

64


tempos, pois nessa rede interativa todos assumem papeis de produtores e<br />

consumidores de conhecimento.<br />

À etapa de produção seguiu-se uma etapa de avaliação. Cada grupo<br />

preparou um registro dos percursos de produção, dando ênfase aos aspectos<br />

mais significativos do processo. Tais observações foram postadas em fórum<br />

com o fim de facilitar a divulgação e promover um debate avaliativo.<br />

Os depoimentos dos alunos revelaram situações e desafios que<br />

surgiram durante a produção dos vídeos. Em sua maioria, esses relatos<br />

tratam do processo criativo, das providências para alcançar um resultado<br />

harmônico, no que dia respeito à congruência e à complementaridade da<br />

imagem, som e texto. Em algumas circunstâncias, os alunos tiveram que<br />

lidar com aspectos técnicos tais como: a reorganização do tempo em função<br />

dos contratempos; autorizações e direitos autorais; com a escolha e uso de<br />

novos softwares de edição de imagens. Alguns grupos reconheceram que<br />

fizeram novas aprendizagens ao pesquisarem os conteúdos e materiais. A<br />

escolha de assuntos de natureza social e educacional contribuiu para uma<br />

ampliação de consciência sobre a vida em sociedade, bem como para uma<br />

reflexão sobre as responsabilidades cidadãs.<br />

Ao final do semestre, o melhor vídeo foi eleito. Reservamos<br />

uma aula para a avaliação final das produções. Todos os vídeos foram<br />

executados e pontuados segundo o critério de criatividade nos aspectos<br />

tema, roteiro, trilha sonora e imagens. Ao longo dos meses posteriores,<br />

pudemos acompanhar os acessos do público em geral, através dos registros<br />

quantificados, no site Youtube. Tal resposta nos estimulou a dar continuidade<br />

a este trabalho, nos anos seguintes.<br />

65


Considerações<br />

66<br />

Em virtude do crescente fluxo hipermediático na web, ativado<br />

pela expansão das redes sociais, o mercado de produção de materiais<br />

educativos tende a absorver profissionais oriundos das áreas de tecnologia<br />

e comunicação.<br />

Nesse sentido, a disciplina NTE reorganizou-se na dimensão<br />

curricular com vistas a proporcionar aos formandos da graduação em<br />

Comunicação e Multimeios, o conhecimento do potencial das diversas<br />

mídias como instrumentos de acesso, transformação e produção de<br />

conhecimento.<br />

A produção de materiais pedagógicos e programas educacionais,<br />

vivenciados pelos alunos da área de comunicação, revelou aos mesmos,<br />

um campo de trabalho no qual os conhecimentos sobre o fazer, são<br />

interdisciplinares. Ao lado de aspectos técnicos estão os aspectos<br />

pedagógicos. Os materiais da mídia estão, prioritariamente, a serviço da<br />

sociedade de consumo, mas também têm um importante papel na formação<br />

ética e conscientização dos seres humanos. Estes aspectos foram trabalhados<br />

pelas professoras das disciplinas da área da educação, denominadas Novas<br />

Tecnologias e <strong>Educação</strong>/ Tecnologias para Aprendizagem.<br />

O processo criativo dos produtos midiáticos foi pontuado por muitos<br />

momentos reflexivos, nos quais professores e alunos experimentaram um<br />

acréscimo de conhecimentos e saberes, ao mesmo tempo, específicos e<br />

contextualizados. O movimento interdisciplinar redundou em significativos<br />

avanços da prática docente e discente.<br />

Se somos parte de uma rede ciber<strong>cultura</strong>l é preciso que<br />

compreendamos que é este movimento é que nos faz universal e não


totalizante (LÉVY, 1999). Podemos entender que as redes, que são<br />

rizomáticas, são universais por sua plasticidade, sua dinamicidade, sua<br />

fluidez (BRUNO, 2010). Não são totalizantes pois não são fixas, lineares e<br />

determinadas. Suas conexões se fazem, desfazem, refazem. Se recriam, se<br />

transformam e contornam, reformam, deformam. Assim somos nós. Assim<br />

são os nós. Assim são as redes constituídas neste curso: vivas.<br />

Referências<br />

APPLE, Michael W. Política <strong>cultura</strong>l e educação. Tradução: Maria José Amaral<br />

Ferreira. São Paulo: Cortez, 2000.<br />

BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia educação. Campinas: Autores Associados,<br />

2001.<br />

BRUNO, Adriana Rocha. Travessias invisíveis: plasticidade, diferença e<br />

aprendizagem em redes rizomáticas de formação de adultos educadores nos<br />

ambientes online. In: ______ (Org.). <strong>Educação</strong> a distância e tecnologias da<br />

informação e comunicação: parte II. (Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Didática<br />

e prática de ensino: convergências e tensões no campo da formação e do trabalho<br />

docente, v. 2, p. 171-196.).<br />

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação<br />

Perseu Abramo, 2006.<br />

DELORS, Jacques (Coord.). Os quatro pilares da educação. In: EDUCAÇÃO: um<br />

tesouro a descobrir. São Paulo: UNESCO; MEC; Cortez, 1999. p. 89-102<br />

DEMO, Pedro. Conhecimento e aprendizagem na nova mídia. Brasília, DF:<br />

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FERRÉS, Joan. Vídeo e <strong>Educação</strong>. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.<br />

GOODSON, Ivor. Currículo: teoria e hiostória. Petrópolis: Vozes, 1995.<br />

67


HESSEL, Ana Maria et al. Tecnologia da informação e comunicação aplicada à<br />

educação. <strong>Educação</strong> corporativa: fundamentos e metodologia de ensino. Projeto<br />

Petrobrás. Módulo 1, Caderno 3. São Paulo: PUC/SP, 2004.<br />

LEOTTE, Rosângela (Coord.) et al. Projeto de reforma do curso de comunicação<br />

e multimeios. São Paulo: Faculdade de Comunicação e Filosofia/PUCSP/<br />

COMFIL, 2006.<br />

LÉVY, Pierre. Ciber<strong>cultura</strong>. São Paulo: Ed. 34, 1999.<br />

MARQUES DE MELO, José. História social da imprensa. Porto Alegre:<br />

EDIPUCRS, 2003.<br />

MORAN, Jose Manuel. O vídeo na sala de aula. 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2010.<br />

NAPOLITANO, Marcos. Como usar a televisão em sala de aula. São Paulo:<br />

Contexto, 2003.<br />

PALLOFF, R. M.; PRATT, K. Construindo comunidades de aprendizagem no<br />

ciberespaço: estratégias eficientes para sala de aula on-line. Tradução: Vinícius<br />

Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2002.<br />

PFROMM NETTO, Samuel. Telas que ensinam: mídia e aprendizagem: do cinema<br />

ao computador. Campinas: Alínea, 1999.<br />

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo<br />

integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998.<br />

SODRÉ, Muniz. Eticidade e campo comunicacional. In: CONGRESO LATINO-<br />

AMERICANO DE CIENCIAS DE LA COMUNICACIÓN - ALAIC, 5., 2000,<br />

Santiago do Chile. Disponível em: . Acesso em: abr.<br />

2010.<br />

68


Mundos Virtuais, Games e<br />

Simulações em <strong>Educação</strong>:<br />

alternativas ao design<br />

instrucional<br />

INTrodUção<br />

João Mattar<br />

(U. Anhembi-Morumbi)<br />

Mundos virtuais, games e simulações são hoje marcas registradas<br />

da <strong>cultura</strong> das mídias e da ciber<strong>cultura</strong>. Nos últimos anos, seu uso em<br />

educação tem crescido intensamente, nas mais diversas áreas. Para muitos<br />

autores, os três conceitos se confundem. Aldrich (2010), entretanto, em<br />

diversos posts em seu blog, diferencia-os em relação ao seu uso educacional.<br />

Enquanto os mundos virtuais seriam ambientes sociais mais amplos<br />

e livres para exploração e interação, os games seriam mais estruturados.<br />

As simulações educacionais, por sua vez, seriam processos rigorosos, ainda<br />

mais estruturados, que visam desenvolver habilidades específicas a serem<br />

transferidas ao mundo real. Ou seja, estariam voltadas para objetivos<br />

educacionais mais definidos, visando à aplicação do aprendizado. A<br />

69


gradação entre mundos virtuais, games e simulações educacionais passaria,<br />

portanto, pelo seu nível de estruturação e pela precisão dos objetivos de<br />

aprendizagem.<br />

Apesar de ser possível apontar essas e outras diferenças conceituais,<br />

Aldrich acrescenta que mundos virtuais, games e simulações são conceitos<br />

aninhados, melhor compreendidos como partes discretas de um contínuo,<br />

do que como sinônimos ou conceitos totalmente distintos. Todos os games<br />

ocorrem em algum tipo de mundo virtual, muitas vezes em um ambiente<br />

online multiusuário, e todas as simulações educacionais podem ser<br />

compreendidas como games bastante rigorosos.<br />

Acessar um mundo virtual não significa necessariamente jogar,<br />

assim como jogar um game não garante a transferência do aprendizado,<br />

que seria para Aldrich o objetivo principal das simulações educacionais. Se<br />

você parte de um mundo virtual para chegar a uma simulação educacional,<br />

terá que desenhá-la rigorosamente. Da mesma maneira, um serious game<br />

como SimCity não é por si só uma simulação educacional: não se espera que<br />

você seja um prefeito melhor apenas por jogá-lo.<br />

Aldrich explora ainda, especificamente, as relações entre serious<br />

games e simulações educacionais. Embora ambos estejam muito próximos<br />

em qualquer taxonomia, ainda assim seria possível apontar diferenças.<br />

Serious games são experiências leves, fáceis e divertidas que constroem algum<br />

nível de compreensão, enquanto simulações educacionais desenvolvem<br />

habilidades e capacidades de uma maneira rigorosa. De um lado, os serious<br />

games são geralmente mais independentes e inclusive se disseminam de<br />

maneira viral, enquanto as simulações educacionais, de outro lado, em geral<br />

exigem um instrutor e fazem parte de um currículo pré-definido.<br />

A diferença entre simulações educacionais e serious games poderia<br />

ser bem resumida por cada um de seus ‘exemplos originais’. O melhor


exemplo de uma simulação educacional seriam os simuladores de voo, que<br />

conseguem lidar ao mesmo tempo com atividades simples, como pequenos<br />

ajustes, e incrivelmente complicadas, como pousos de emergência.<br />

Um serious game típico seria o altamente divertido SimCity. Mesmo<br />

tendo sido concebido como um game, encontrou espaço em muitos<br />

currículos acadêmicos. É simples de usar, embora apresente elementos<br />

incrivelmente complicados e interessantes. Seus jogadores têm insights<br />

sobre planejamento urbano e se tornam orgulhosos de suas cidades.<br />

Para completar, um exemplo paradigmático de mundo virtual seria<br />

o Second Life, que será abordado na próxima seção.<br />

Analisando a questão por outra perspectiva, o mesmo Aldrich<br />

(2005) explora as semelhanças e diferenças básicas entre elementos de<br />

games, simulação e pedagogia. Avaliar a combinação entre esses elementos<br />

em mundos virtuais, games e simulações seria mais útil do que tentar<br />

responder às questões: “Qual é a diferença entre games e mundos virtuais?”,<br />

“Qual é a diferença entre um game e uma simulação?” e “Qual é a diferença<br />

entre simulações e mundos virtuais?”.<br />

‘Elementos de games’ oferecem interações familiares e divertidas,<br />

aumentando o prazer da experiência educacional. É possível conceber<br />

diversos usos de elementos de games em ambientes e conteúdos educacionais,<br />

como: misturar escalas; colocar o conteúdo em músicas; oferecer respostas<br />

exageradas para tornar a experiência mais divertida; utilizar gêneros de<br />

jogos estabelecidos; forçar o usuário a passar de fases; provocar a imersão<br />

em uma atmosfera interessante; possibilitar que o aprendiz molde seu<br />

personagem; criar papéis de heróis ou modelos; estimular a competição<br />

entre alunos; produzir conflito; apresentar um mistério ou um quebracabeça<br />

para ser resolvido etc.<br />

71


72<br />

Já os “elementos de simulação” representam objetos ou situações,<br />

envolvem interações entre os usuários, estimulam a prática e possibilitam<br />

transferência do aprendizado e de habilidades para o mundo real. É<br />

importante que o contexto da simulação esteja alinhado com o contexto<br />

da situação real que pretende simular, e tecnologias mais atuais permitem<br />

inclusive misturar elementos da realidade nas próprias simulações. O PEO<br />

STRI - Program Executive Office for Simulation, Training & Instrumentation,<br />

por exemplo, é um centro de aquisição de excelência do Departamento de<br />

Defesa norte-americano que fornece soluções em simulações, treinamento<br />

e testes.<br />

Seu novo Game After Ambush deve integrar dados do mundo real<br />

disponíveis nos sistemas de comando de batalha, permitindo dessa maneira<br />

que os treinadores modifiquem o jogo dinamicamente ao editarem terrenos,<br />

modificarem cenários e mexerem em estradas, muros, clima e personagens<br />

coadjuvantes. Essa evolução possibilitará, por exemplo, simular guerras<br />

irregulares, preparando assim melhor os soldados para o combate.<br />

Elementos pedagógicos, por fim, estão baseados na teoria do design<br />

instrucional, que exploraremos especificamente na terceira seção deste<br />

capítulo. Incluem objetivos de aprendizagem, os motivos para construir<br />

conteúdos instrucionais e a decisão sobre o que ensinar. Devem acompanhar<br />

os elementos de games e simulação para garantir que o tempo do aluno seja<br />

utilizado produtivamente.<br />

Assim, a combinação adequada entre elementos de games, simulação<br />

e pedagógicos deve servir não apenas para orientar a produção de mundos<br />

virtuais, games e simulações educacionais, mas também de currículos,<br />

cursos e disciplinas, objetos e ambientes de aprendizagem.<br />

Partindo desses conceitos, o restante deste capítulo explora, num<br />

primeiro momento, o uso de mundos virtuais (em especial o Second Life)


em educação, abordando em seguida o uso de games em educação e suas<br />

relações com o design instrucional. Em ambos os casos, são apresentados<br />

exemplos de simulações educacionais.<br />

MUNdoS VIrTUAIS: o USo do SeCOnD liFe EM<br />

EdUCAção<br />

Apesar do desconhecimento e da descrença de muitos educadores,<br />

mundos virtuais continuam sendo integrados ao currículo por diversas<br />

instituições de ensino. Isso pode ser percebido por pelo menos três<br />

perspectivas distintas: (a) a crescente produção de pesquisas e trabalhos<br />

acadêmicos; (b) a utilização cada vez mais comum de mundos virtuais como<br />

plataformas em eventos acadêmicos; (c) cursos que adotaram mundos<br />

virtuais como ambientes virtuais de aprendizagem. Exploramos a seguir<br />

essas perspectivas com exemplos da utilização do Second Life em educação.<br />

Em primeiro lugar, uma breve revisão de alguns trabalhos acadêmicos<br />

defendidos recentemente no Brasil, relacionando especificamente Second<br />

Life e aprendizagem.<br />

A pesquisa de Gomes (2008), que utiliza como referencial teórico<br />

a análise do discurso, compara o ambiente virtual da Unisul Virtual com<br />

o Second Life em dois cursos, analisando as atuações dos autores, tutores e<br />

alunos. A autora conclui que o Second Life é um ambiente mais adequado<br />

para a oferta de cursos abertos e a realização de atividades síncronas,<br />

cooperação e autoria, possibilitando novas formas de fazer pedagógico,<br />

produção e compartilhamento do conhecimento.<br />

O trabalho de Gecelka (2009), cuja defesa foi realizada no próprio<br />

Second Life e aberta ao público, analisou o planejamento, o desenvolvimento,<br />

a execução e os resultados de um curso oferecido na ilha do Sebrae. O autor<br />

73


conclui que, no Second Life, o professor pode visualizar o aprendizado<br />

dos alunos em um ambiente virtual lúdico, rompendo assim com uma<br />

característica marcante da educação a distância: o fato de o professor não<br />

poder acompanhar visualmente a aprendizagem. A avaliação de um dos<br />

alunos, ao final do curso, reforça algumas características do Second Life<br />

como ambiente virtual de aprendizagem:<br />

74<br />

Gostei muito das aulas, foram 100% interativas,<br />

pude aprender muito sobre o SL [...] percebi que<br />

o método de ensino via SL é tão eficaz quanto um<br />

presencial, pois disponibiliza para o aluno imagens<br />

em slide ao vivo, áudio do professor, interatividade<br />

síncrona e assíncrona com os colegas e o professor.<br />

(GECELKA, 2009, p. 50).<br />

Corrêa (2009) analisa como interações sociais cada vez mais<br />

complexas são permeadas pelo físico e pelo virtual. A pesquisa mostra<br />

como os processos de interação e comunicação, mediados por tecnologias<br />

hiper<strong>midiática</strong>s como o Second Life, possibilitam novas formas de<br />

construção do conhecimento.<br />

A pesquisa de Fernandes (2010) explora o uso do Second Life no<br />

ensino de ciências e biologia. A interação com os recursos nativos do próprio<br />

mundo virtual permite estruturar uma nova forma de pensar, um pensar<br />

hipertextual. Segundo o autor, a interface tridimensional do Second Life<br />

proporciona novos modos interação e comunicação. A navegação torna-se<br />

imersão: navegar não é mais preciso quando se pode caminhar, correr, voar<br />

e até mesmo teletransportar-se por caminhos construídos pelos próprios<br />

usuários. O Second Life possibilitaria assim novos modos de contato com<br />

a informação, que se encontra agora na forma de objetos multimeios e nas<br />

relações entre os usuários.


A investigação de Pires (2010) conclui que, ao contrário da<br />

telepresença, um mero deslocamento da voz e/ou da imagem, a criação de<br />

identidades digitais virtuais no Second Life faz com que o usuário se sinta<br />

envolvido em uma experiência imersiva e interativa mais rica, propiciada<br />

pela sensação de ser o avatar e pertencer ao ambiente. No Second Life, o<br />

estar junto virtual síncrono, e a possibilidade de expressar a corporalidade<br />

e criar identidades digitais virtuais por meio de avatares, aumentam o<br />

sentimento de presença e de pertencimento, contribuindo para a superação<br />

do paradigma da distância e da falta de presença física na educação online.<br />

A defesa da dissertação foi realizada no Second Life e aberta ao público.<br />

Por fim, a pesquisa em andamento de Silva (2010) analisa como o<br />

design de interação pode ser aplicado para tornar eficiente a integração entre<br />

LMSs baseados na Web e mundos virtuais 3D, nos quais as interfaces são<br />

desenvolvidas de forma emergente pelos usuários, e não necessariamente<br />

por designers. Para realizar a análise, são examinados projetos como o<br />

TIDIA-Ae, que utiliza o Sakai, e o Sloodle, que integra o Moodle ao Second<br />

Life.<br />

Esta lista, provavelmente incompleta, mostra como o Second Life<br />

tem sido objeto, em nosso país, de pesquisas acadêmicas que exploram seu<br />

uso como ambiente de aprendizagem. Suas conclusões apontam diversas<br />

vantagens no uso de mundos virtuais em relação aos ambientes virtuais de<br />

aprendizagem tradicionais.<br />

Vários eventos têm também utilizado o Second Life como plataforma<br />

virtual. Dentre eles, podem ser mencionados: Second Life Best Practices in<br />

Education (2007, 1.200 participantes, realizado integralmente no Second Life);<br />

Rock the Academy: Radical Teaching, Unbounded Learning (2008, realizado<br />

integralmente no Second Life); 7º SENAED <strong>–</strong> Seminário Nacional ABED de<br />

<strong>Educação</strong> a Distância (2009, mais de 2.000 participantes); Virtual Worlds<br />

75


Best Practices in Education (2009 e 2010, ao redor de 6.000 participantes na<br />

última versão, realizado integralmente no Second Life); Slactions (realizado<br />

integralmente no Second Life); III Simpósio Virtual de EaD (realizado pelo<br />

Portal <strong>Educação</strong> em 2009, com o número impressionante de mais de 8.000<br />

participantes); e Seminário Webcurrículo, promovido pela PUC-SP.<br />

Além disso, o Second Life tem sido utilizado em diversas disciplinas<br />

e integrado ao currículo em inúmeros cursos, que não seria possível aqui<br />

elencar. O Grupo de Pesquisa <strong>Educação</strong> Digital - GP e-du Unisinos/CNPq,<br />

por exemplo, liderado por Schlemmer (2010), desenvolveu um projeto de<br />

formação docente para 13 instituições da RICESU <strong>–</strong> Rede de Instituições<br />

Católicas de Ensino Superior, utilizando o Second Life. Os resultados do<br />

projeto indicam que os participantes, representados por seus avatares,<br />

puderam experimentar a telepresença e a presença digital virtual, o que<br />

lhes permitiu realizar ações e utilizar diferentes formas de comunicação<br />

(linguagem oral, textual, gestual e gráfica) na interação com os demais<br />

avatares, ampliando e tornando mais intensos os sentimentos de presença,<br />

proximidade, imersão e realidade. Schlemmer conclui que os processos<br />

de formação, capacitação e ação pedagógica em rede tornam-se mais<br />

significativos do ponto de vista da aprendizagem, pois os participantes<br />

configuram juntos um ECODI - Espaço de Convivência Digital Virtual.<br />

Gostaríamos de ressaltar ainda duas experiências internacionais de<br />

integração do Second Life ao currículo de maneira continuada.<br />

O Departamento de Tecnologia Educacional (Edtech) da Boise State<br />

University possui uma ilha no Second Life com inúmeros espaços voltados<br />

para educadores, como o Center for Virtual Educators (que distribui<br />

gratuitamente objetos para uso educacional), Amphitheater and Hollodeck<br />

Classroom (sala que pode mudar de ambiente com um simples clique),<br />

Sandbox (onde os usuários podem praticar a construção de objetos), espaços<br />

76


para aulas, workshops e atividades etc. Várias das disciplinas a distância<br />

oferecidas regularmente por seus cursos de mestrado em tecnologia<br />

educacional utilizam o espaço para atividades síncronas semanais: Teaching<br />

and Learning in Virtual Worlds (que capacita o aluno ao uso educacional<br />

de mundos virtuais), Educational Games & Simulations (que explora o uso<br />

de games e simulações em educação), Teaching Mathematics in Virtual<br />

Worlds (que explora o uso de mundos virtuais no ensino de matemática)<br />

e Educational Design and Building in Virtual Worlds (voltada à construção<br />

de objetos e ambientes em mundos virtuais). Ou seja, o programa de<br />

mestrado da Boise State University incorporou decisivamente o Second Life<br />

ao currículo, o que deve se intensificar nos próximos semestres.<br />

Num projeto ainda mais radical, o Texas State Technical College<br />

oferece quatro Certificados em Mídia Digital e Narrowcasting, além de um<br />

programa mais geral que envolve história, política, filosofia e matemática,<br />

todos inteiramente ministrados no Second Life. Os programas do vTSTC<br />

duram de 2 a 4 semestres e incluem diversas disciplinas. Em maio de 2009,<br />

Julie Shann foi a primeira aluna a se formar em um programa inteiramente<br />

ministrado em um mundo virtual.<br />

Essas e muitas outras pesquisas e experiências servem para comprovar<br />

que o Second Life pode ser utilizado com sucesso em substituição a ambientes<br />

de aprendizagem como Blackboard, Moodle e Sakai. Mundos virtuais como<br />

o Second Life são autossuficientes como ambientes de aprendizagem, ou seja,<br />

podem ser utilizados como apoio à educação presencial, ou mesmo como<br />

plataformas para educação a distância, sem a necessidade do suporte dos<br />

ambientes virtuais de aprendizagem tradicionais. Eles possuem ferramentas<br />

que permitem a combinação entre elementos de games, simulação e<br />

pedagogia de maneira que os professores sejam capazes de projetar, elaborar<br />

e adequar esses elementos durante o próprio andamento dos cursos, além<br />

da participação dos próprios alunos no co-design do processo de ensino<br />

77


e aprendizagem. Permitem, portanto, que os professores, assim como os<br />

próprios alunos, tornem-se autores, questionando assim a necessidade de<br />

divisão de trabalho entre conteudistas, designers instrucionais e tutores,<br />

comum em diversos projetos de educação a distância.<br />

As experiências pedagógicas que têm sido realizadas em mundos<br />

virtuais, mais especificamente no Second Life, chamam ainda a atenção<br />

para a importância do “espaço” de aprendizagem, que a literatura sobre<br />

interação em educação a distância em geral não aborda (MATTAR, 2009).<br />

O grau de envolvimento e imersão dos alunos com o conteúdo dos cursos,<br />

os colegas e o próprio professor, em um ambiente de realidade virtual 3D<br />

como o Second Life, não parece ser facilmente reproduzível nos ambientes<br />

de aprendizagem tradicionais. Isso facilita a introdução de elementos de<br />

games e simulação nas atividades educacionais.<br />

Além da importância do ambiente em três dimensões, o exercício de<br />

criação de uma identidade virtual no Second Life, por meio da construção<br />

de um avatar, desempenha também papel essencial no processo de<br />

aprendizagem. Segundo Pires (2010, p. 210):<br />

78<br />

As evidências resultantes desta investigação mostram<br />

que a possibilidade de criação de identidades<br />

digitais virtuais por meio de avatares, aumenta o<br />

sentimento de “presença” e de “pertencimento” dos<br />

sujeitos envolvidos em processos de ensinar e de<br />

aprender em Metaversos, por meio da telepresença<br />

e da presença digital virtual, o que contribui com<br />

a superação do paradigma vinculado à “falta de<br />

presença física” na <strong>Educação</strong> Online.<br />

A integração de mundos virtuais ao currículo de forma sustentada,<br />

entretanto, pressupõe a continuidade de pesquisas sobre seu uso em<br />

educação, além de processos de formação docente como o desenvolvido


pela Unisinos, já que há uma longa cura de aprendizado para que o professor<br />

seja capaz de utilizar e integrar essas novas ferramentas ao processo de<br />

ensino e aprendizagem.<br />

GAMES E EdUCAção<br />

O aprendizado através de games (game-based learning) tem diversas<br />

características que o distingue do aprendizado tradicional, mesmo em<br />

educação a distância (MATTAR, 2010).<br />

Portnow e Floyd (2008), por exemplo, desenvolvem o conceito de<br />

aprendizado tangencial, que não é o que você aprende ao ser ensinado, mas<br />

ao ser exposto a objetos, conteúdos e ambientes em um contexto no qual<br />

esteja envolvido. Há uma separação ainda muito marcante entre games<br />

para educação e games para diversão, principalmente porque vários games<br />

educacionais produzidos até agora são muito monótonos e enfadonhos,<br />

quando comparados aos games comerciais. Para superar essa dicotomia, os<br />

autores propõem a ideia de permitir e facilitar o aprendizado com games,<br />

em vez de ensinar. Sem sermos forçados, e estando envolvidos com o game,<br />

teríamos mais probabilidade de aprender. Portanto, a ideia de aprendizado<br />

tangencial considera que uma parte da sua audiência se autoeducará, caso<br />

você facilite sua introdução a assuntos que possam lhe interessar, em um<br />

contexto excitante e envolvente. E esse aprendizado poderá ainda contar<br />

com a atuação do professor, como um guia que auxilie o jogador a refletir<br />

sobre sua experiência e acrescente elementos de apoio à aprendizagem,<br />

após o jogo.<br />

Outra questão que separa os games do aprendizado tradicional é a<br />

forma de lidar com o erro. Nos games, o custo do fracasso é normalmente<br />

diminuído <strong>–</strong> quando os jogadores fracassam, podem, por exemplo,<br />

79


ecomeçar de seu último jogo salvo. Além disso, o fracasso é em geral<br />

encarado como uma maneira de aprender e, numa próxima oportunidade,<br />

tentar obter sucesso. Essas características do fracasso nos games permitem<br />

que os jogadores arrisquem-se e experimentem hipóteses que seriam<br />

muito difíceis de testar em situações em que o custo do fracasso é maior,<br />

como na vida real, ou onde nenhum aprendizado deriva do fracasso, como<br />

ocorre muitas vezes na educação formal. Esse design do fracasso seria um<br />

importante elemento de game a ser inserido nas experiências educacionais.<br />

Além disso, nos games os próprios jogadores podem determinar como<br />

aprendem, estando livres para descobrir e criar arranjos de aprendizado.<br />

Assim, além de compreender como as características dos próprios games<br />

suportam o aprendizado, podemos também avaliar a maneira pela qual os<br />

jogadores assumem papéis ativos de aprendizagem nos games.<br />

Muitos games são desenhados com objetivos determinados, embora<br />

deixem os jogadores livres para atingir esses objetivos da maneira que<br />

preferirem. Entretanto, games podem também permitir que os jogadores<br />

tracem seus próprios objetivos. Além disso, a reflexão e a interpretação são<br />

também encorajadas nos games: é possível, por exemplo, estudar um jogo<br />

com o recurso do replay e, por consequência, refletir sobre a experiência.<br />

Isso tudo desempenha, obviamente, um papel primordial no processo de<br />

aprendizagem.<br />

Para Lehto (2009), o que define um game é a necessidade de<br />

participação <strong>–</strong> se a interatividade é removida, ele deixa de ser um<br />

game. Games são de alguma maneira ‘escritos’ pelo jogador, não<br />

simplesmente lidos. Um game é um sistema dinâmico explorável, mas que,<br />

simultaneamente, é também construído pelas escolhas livres do jogador. O<br />

usuário está, portanto, ao mesmo tempo percebendo o que ocorre ao seu<br />

redor e participando da construção do ambiente que percebe.<br />

80


Enquanto o cinema está baseado na estética da narração audiovisual<br />

(e podemos aqui pensar na educação tradicional, baseada em aulas e<br />

leituras de livros-texto), os games estão baseados na estética do espaço<br />

de experiências. Um game pressupõe interação (com os colegas) e/<br />

ou interatividade (com os próprios elementos do game), ou seja, a sua<br />

exploração não pode se constituir numa visita guiada, pré-planejada ou<br />

pré-enlatada, mas deve incluir a possibilidade de construção do caminho<br />

pelo próprio usuário, liberdade, inclusive certo grau de incerteza, que<br />

garantam a sua imersão. Essa interação e interatividade colocariam os<br />

games um passo além do cinema e de outras formas estáticas de experiência<br />

estética. Jogar um game é diferente de testemunhar uma história ou um<br />

filme contemplativamente.<br />

Para Lehto (2009), se é possível falar de uma narrativa textual<br />

e de uma imersão cinemática, com os games é necessário falar de uma<br />

interação lúdica. A estrutura dos games (desafios, fronteiras, regras) seria<br />

uma mera desculpa, uma ilusão necessária para penetrarmos no reino da<br />

interatividade. É possível então falar de uma imersão interativa, de uma<br />

estrutura que é preenchida pelos próprios atos do jogador, que é estruturada,<br />

portanto, não apenas por elementos de games, mas também de simulação,<br />

como apresentados por Aldrich.<br />

Para Juul (2001), enquanto as narrativas estão baseadas numa<br />

sequência de eventos no passado, games são construídos pela influência<br />

que o jogador tem sobre os eventos no presente. Daí a ideia de uma ficção<br />

interativa, que você ‘lê’, da qual participa e que ao mesmo tempo cria. Num<br />

game, o ‘leitor’ é parte integrante do significado do jogo. Um game delega<br />

ao seu leitor um tipo de liberdade que o leitor de um texto tradicional não<br />

possui. O leitor de um game assume a posição de um autor, já que suas ações<br />

determinam a construção do texto. Mais do que simplesmente interpretar, o<br />

leitor de um game tem de fazer um esforço para progredir na história.<br />

81


82<br />

Murray (1998) explora a atuação do interator (interactor) em<br />

histórias digitais, alertando, entretanto, que seria um equívoco considerálo<br />

o autor da história. Seria necessário distinguir entre desempenhar um<br />

papel criativo em um ambiente autorado e ser autor do próprio ambiente.<br />

Os interatores só podem agir dentro das possibilidades que foram<br />

estabelecidas pela escrita e pela programação. Podem construir cidades<br />

simuladas, experimentar estratégias de combate, traçar um caminho único<br />

através de uma teia labiríntica ou mesmo impedir um assassinato, mas,<br />

ao menos que o mundo imaginário não seja mais do que uma fantasia de<br />

avatares vazios, todo o desempenho possível do interator teria sido criado<br />

com antecedência pelo autor original.<br />

O autor de mídias eletrônicas escreve tanto o texto quando as regras<br />

pelas quais o texto deve aparecer. Escreve as regras para o envolvimento do<br />

interator, ou seja, as condições pelas quais as coisas acontecerão, em resposta<br />

às ações do participante. Estabelece as propriedades dos objetos e objetos<br />

potenciais no mundo virtual, e as fórmulas pelas quais eles se relacionarão<br />

uns com os outros. O autor cria não apenas um conjunto de cenas, mas um<br />

mundo de possibilidades narrativas. Por analogia, poderíamos conceber<br />

uma nova função para o designer educacional, que criaria um universo<br />

de possibilidades a serem exploradas pelo aluno, ao invés de um percurso<br />

linear a ser obrigatoriamente seguido.<br />

Na narrativa eletrônica, o autor é o coreógrafo que fornece o ritmo,<br />

o contexto e o conjunto de passos que serão dados. O interator, por sua<br />

vez, seja um navegador, protagonista, explorador ou construtor, faria uso<br />

desse repertório de passos e ritmos possíveis para improvisar uma dança<br />

particular entre muitas danças que o autor tornou possíveis. Poderíamos<br />

dizer que o interator é o autor de uma performance particular no sistema<br />

de história eletrônico, ou o arquiteto de uma parte particular do mundo


virtual, mas é importante distinguir essa autoria derivativa da autoria<br />

originária do próprio sistema.<br />

O livro de Murray foi publicado originalmente em 1997, sendo<br />

então possível argumentar que nos games de hoje, o jogador estaria bem<br />

mais próximo da posição de autor descrita por Juul e Lehto, cujos textos são<br />

posteriores, inclusive pelas possibilidades de modificar a própria estrutura<br />

do sistema, com o recurso dos mods, que proporcionam a criação de games<br />

inteiramente novos e distintos dos originais. Além disso, é interessante<br />

apontar que um mundo virtual como o Second Life se aproxima bastante<br />

da ideia de ‘fantasia de avatares vazios’ de que fala Murray, já que tudo é<br />

construído pelos participantes, e o próprio avatar pode ser totalmente<br />

construído pelo usuário. O que, por analogia, nos transportaria para uma<br />

visão da educação em que os objetos e objetivos de aprendizagem, o ambiente<br />

e o próprio design fossem desenvolvidos colaborativamente durante o<br />

processo de ensino e aprendizagem, e não impostos com antecedência por<br />

um designer instrucional, que teria empacotado o conteúdo elaborado por<br />

um especialista. As regras para a aprendizagem não estariam, portanto,<br />

claramente traçadas antes do início do aprendizado, ou seja, o design<br />

continuaria durante a experiência educacional.<br />

Segundo Johnson (2006), a maioria dos videogames difere de jogos<br />

tradicionais, como xadrez ou Monopoly, pela maneira como restringem<br />

a informação sobre as regras subjacentes do sistema. Quando você joga<br />

xadrez sem ser um iniciante, as regras do jogo não possuem ambiguidades;<br />

você sabe exatamente os movimentos permitidos por cada peça e os<br />

procedimentos que permitem a captura de uma peça por outra. A pergunta<br />

que o provoca, quando você está frente ao tabuleiro, não é: ‘Quais são as<br />

regras aqui?’ mas ‘Que tipo de estratégia eu devo utilizar para tirar melhor<br />

proveito dessas regras?’<br />

83


84<br />

No mundo dos videogames, ao contrário, as regras raramente estão<br />

estabelecidas em sua totalidade antes que você comece a jogar. Você recebe<br />

poucas instruções básicas sobre como manipular objetos ou personagens<br />

na tela, além de um senso de algum tipo de objetivo imediato. Mas muitas<br />

das regras <strong>–</strong> a identidade do seu objetivo final e as técnicas disponíveis<br />

para atingi-lo, por exemplo <strong>–</strong> tornam-se aparentes apenas pela exploração<br />

do mundo. Ou seja, você literalmente aprende jogando; precisa descobrir<br />

sozinho o que deve fazer; deve explorar as profundezas da lógica do jogo<br />

para compreendê-lo, e, como em muitas expedições exploratórias, como<br />

nas visitas às ilhas do Second Life, obtém os resultados por tentativa e<br />

erro, tropeçando nas coisas e seguindo intuições. Em todos os outros<br />

empreendimentos que utilizam a linguagem dos jogos <strong>–</strong> poker, basquete<br />

e gamão, por exemplo <strong>–</strong> qualquer ambiguidade nas regras e nos objetivos<br />

seria uma falha fatal. Em videogames, ao contrário, a ambiguidade nas<br />

regras é uma parte essencial da experiência. Muitos jogos carregam histórias<br />

misteriosas embutidas, com perguntas como ‘quem o matou’, ‘quem roubou<br />

aquilo’ etc., mas o verdadeiro mistério que move o jogador no mundo do<br />

jogo é um mistério mais autorreferencial: ‘como este jogo é jogado?’. Na<br />

maioria dos games, portanto, a chave para o sucesso não está em aprender<br />

a manipular joysticks, mas em decifrar suas regras.<br />

Algumas dessas regras você descobre lendo manuais, mas outras só<br />

descobre jogando. No entanto, o computador faz mais do que mostrar ao<br />

jogador regras: ele constrói todo um mundo, o que Johnson (2006) chama<br />

de física do mundo virtual. E a exploração da física desse mundo envolve<br />

os mesmos passos da metodologia científica: exploração, hipóteses, teste,<br />

reformulação das hipóteses e assim por diante. Ou seja, quando os gamers<br />

interagem com os games, estão aprendendo os procedimentos básicos do<br />

método científico.


Essa ambiguidade das regras, portanto, seria outro importante<br />

elemento de games a ser injetado nos materiais e nas experiências<br />

educacionais, ao contrário do que propõem as matrizes exatas do<br />

design instrucional, em que os objetivos de aprendizagem encontram-se<br />

milimetricamente definidos e fatiados.<br />

‘Elementos de simulação’ e pedagogia nos games<br />

Shaffer (2008) desenvolve o conceito de games epistêmicos (epistemic<br />

games): mundos virtuais criados a partir de práticas profissionais e que<br />

estimulam o pensamento inovador. Eles ajudariam os jogadores a aprender<br />

a pensar, por exemplo, como engenheiros, planejadores urbanos, jornalistas,<br />

arquitetos e outros profissionais inovadores. Com os games epistêmicos, os<br />

jovens não precisariam esperar o ensino superior ou o mundo do trabalho<br />

para começar sua educação para a inovação.<br />

Estruturas epistêmicas (epistemic frames), por sua vez, são definidas<br />

como conjuntos de habilidades, conhecimentos, identidades, valores e<br />

epistemologia pelas quais profissionais enxergam o mundo de determinada<br />

perspectiva e pensam de maneira inovadora. A epistemografia envolveria<br />

o olhar para os tipos de ações e de reflexões-em-ação que desenvolvem a<br />

estrutura epistêmica de uma profissão.<br />

A principal mudança gerada com o uso de games epistêmicos<br />

seria pararmos de pensar que o objetivo da escola é simplesmente ensinar<br />

matemática, ciências ou estudos sociais. Games permitem criar mundos<br />

virtuais em que podemos pensar de maneiras diferentes. Para Shaffer (2008),<br />

eles representam uma mudança no mesmo nível das mudanças geradas com<br />

a linguagem, a escrita e a imprensa. Desenvolvem uma maneira profissional<br />

e prática de ver, pensar e atuar sobre problemas importantes, suportada<br />

pela reflexão com a ajuda dos colegas. Tornam possível nos movermos para<br />

85


além de disciplinas derivadas do conhecimento medieval e ensinadas em<br />

escolas programadas para a revolução industrial. Ou seja, os ‘elementos de<br />

simulação’ nos games permitem ensinar no futuro, preparar o aluno para<br />

uma atividade na prática, ao invés da pura teoria.<br />

Bogost (2007), por sua vez, analisa os videogames como mídias<br />

expressivas e persuasivas, que representam como os mundos real e<br />

imaginário trabalham, convidando os jogadores a interagir com esses<br />

sistemas e elaborar juízos de valor. Além de suportar posições sociais e<br />

<strong>cultura</strong>is existentes, games podem também ser disruptivos e modificar<br />

posições, gerando mudanças sociais de longa duração.<br />

Bogost (2007) utiliza como referencial a retórica, desde a Grécia<br />

Antiga, analisando sua função nos games. Ele define a retórica procedimental<br />

como a arte da persuasão através de representações e interações baseadas<br />

em regras, em vez de palavras faladas e escritas, imagens fixas ou em<br />

movimento. Para o autor, os videogames teriam poderes retóricos e<br />

persuasivos únicos, distintos de outros softwares.<br />

A procedimentalidade refere-se a uma maneira de criar, explicar<br />

e compreender processos que definem como as coisas funcionam <strong>–</strong> os<br />

métodos, técnicas e lógica que guiam a operação de sistemas, sejam eles<br />

mecânicos (como motores) ou organizacionais (como escolas). Já a retórica<br />

refere-se à expressão efetiva e persuasiva. A retórica procedimental,<br />

combinando os dois conceitos, seria a prática de utilizar processos<br />

persuasivamente. Mais especificamente, a prática de persuadir através de<br />

processos em geral, e processos computacionais em particular.<br />

Além da retórica verbal, que abrange os campos da fala e da escrita,<br />

Bogost explora o emergente campo de estudos da retórica visual, que<br />

envolve a análise de como fotos, desenhos, gráficos, tabelas e imagens em<br />

movimento são utilizados para influenciar as atitudes, as opiniões e os<br />

86


desejos das pessoas. A retórica visual costuma ser estudada de diversas<br />

maneiras: do ponto de vista social, da criação de comunidades de prática<br />

ao redor de novas mídias; da interatividade no sentido de comunicação<br />

mediada por computadores; ou ainda da maneira como computadores<br />

modificam práticas sociais (cartas, por exemplo, viraram e-mails).<br />

A retórica digital, por sua vez, abordaria o papel da procedimentalidade,<br />

a propriedade de representação específica dos computadores. Enquanto<br />

a retórica verbal é a prática de utilizar a oratória persuasivamente, e a<br />

retórica visual é a prática de utilizar imagens persuasivamente, a retórica<br />

procedimental seria a prática de utilizar processos persuasivamente. Games<br />

persuasivos seriam, por consequência, aqueles que constroem argumentos<br />

sobre como os sistemas funcionam no mundo real, levando o jogador a<br />

modificar sua opinião fora do jogo.<br />

Bogost está interessado na retórica procedimental como uma prática<br />

crítica, não como reprodução de práticas estabelecidas:<br />

[...] jogadores de videogames desenvolvem uma<br />

alfabetização procedimental pela interação com<br />

modelos abstratos de processos específicos, reais<br />

ou imaginários, apresentados nos games que eles<br />

jogam. Os videogames ensinam perspectivas<br />

tendenciosas sobre como as coisas funcionam. E<br />

a maneira como eles ensinam essas perspectivas é<br />

através da retórica procedimental, que os jogadores<br />

‘leem’ pelo envolvimento direto e crítico. (BOGOST,<br />

2007, p. 260).<br />

[...] os videogames para treinamento tornamse<br />

educacionais quando deixam de reforçar um<br />

processo como um conjunto de regras arbitrárias<br />

a serviço da organização, e começam a apresentar<br />

uma retórica procedimental do modelo de negócios<br />

no qual o empregado foi solicitado a trabalhar.<br />

87


88<br />

Quando o empregado tem uma perspectiva desse<br />

modelo de negócio, pode interrogá-lo como um<br />

sistema de valor, em vez de uma condição arbitrária<br />

de emprego. (BOGOST, 2007, p. 282).<br />

Bogost, portanto, propõe o uso dos videogames em nome de uma<br />

educação revolucionária, algo que talvez tenhamos dificuldade em enxergar,<br />

guiados que somos pela visão dos jogos comerciais triviais e violentos,<br />

submetidos ao regime <strong>cultura</strong>l dominante. Propõe, assim, que elementos<br />

pedagógicos sejam inseridos em games de uma maneira específica, distinta<br />

da maneira como são sugeridos pelo design instrucional clássico.<br />

Um exemplo interessante do uso de elementos de simulação<br />

como recursos persuasivos é a recriação da prisão de Guantánamo no<br />

Second Life por Nonny de la Peña, aluna de mestrado da USC (University<br />

of Southern California). Assim que você aceita o desafio, seu avatar se torna<br />

um prisioneiro, começa a ser espancado e é jogado em um helicóptero com<br />

o rosto vendado. Na prisão, você pede a assistência de um advogado <strong>–</strong> mas<br />

logo descobre que não tem esse direito. Aliás, rapidamente aprende que<br />

não tem direito a nada. Ou seja, a simulação é utilizada para sensibilizar<br />

politicamente o usuário, de uma maneira provavelmente mais poderosa<br />

do que um texto seria capaz. Seria esse o futuro do discurso político?<br />

(SANCTON, 2008).<br />

Outro exemplo é o Virtual Worlds Story Project (), desenvolvido por Marty Snowpaw e Jenaia Morane, que oferece<br />

viagens interativas, imersivas e educacionais no Second Life. Vivendo<br />

histórias como a de Uncle D, um personagem que morreu de AIDs, o<br />

usuário acaba criando sua própria narrativa e ao mesmo tempo sendo<br />

influenciado por ela. Apropriando-se dos objetos e interagindo com os


ambientes projetados pelos designers, o usuário assume o papel de autor de<br />

uma história que, magicamente, exercerá poder persuasivo sobre si próprio.<br />

Outro exemplo interessante é o Virtual Hallucinations, projeto<br />

desenvolvido no Second Life pela Universidade da California em Davis,<br />

em que seu avatar entra em um ambiente e passa a se sentir como um<br />

esquizofrênico: tem visões, ouve vozes e assim por diante. Neste caso, tratase<br />

da simulação de uma experiência puramente interna, que torna possível<br />

visualizar alucinações.<br />

Em todos esses casos, independente de sua classificação como games,<br />

mundos virtuais ou simulações, elementos pedagógicos são combinados<br />

criativamente com “elementos de simulação” e de games. Essas experiências<br />

têm o objetivo de alterar a perspectiva do usuário sobre determinados<br />

temas, atuando diretamente no nível emocional e produzindo novas<br />

atitudes. Pode-se, assim, dizer que elas são utilizadas para persuadir,<br />

educando eticamente.<br />

design instrucional e design de games<br />

O excesso de sobriedade dos modelos tradicionais de design<br />

instrucional não combina com as características das novas gerações para<br />

as quais eles, supostamente, deveriam estar facilitando a aprendizagem.<br />

Um comentário feito por um game designer, em um debate conduzido por<br />

Marc Prensky durante uma edição da Game Developers Conference, reforça<br />

essa ideia: “Assim que você acrescenta um designer instrucional em uma<br />

equipe [de game design], a primeira coisa que ele faz é arrancar a diversão”<br />

(PRENSKY, 2006, p. 83).<br />

Como já procuramos mostrar em diversos momentos, esses modelos<br />

de design instrucional precisam ser superados porque são inadequados para<br />

89


edesenhar a educação na <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>. Akilli (2007), por exemplo,<br />

defende que esses modelos surgiram antes dos games e das ferramentas de<br />

simulação, e, portanto, não precisam simplesmente ser atualizados, mas<br />

totalmente refeitos. Emendas ou remendas não resolvem o problema.<br />

Para Prensky (2007), o ISD - Instructional System Design, base para<br />

as várias versões de design instrucional, não é criativo; ao contrário, está<br />

cheio de ‘estes são os objetivos de aprendizagem’, ‘neste módulo você vai<br />

aprender a…’ etc., ou seja, recheado somente de elementos pedagógicos de<br />

que fala Aldrich. Isso pode ser lógico para o designer instrucional, mas essa<br />

racionalidade não garante o aprendizado do aluno, principalmente quando<br />

o estilo da nova geração é menos lógico que o das anteriores. Faltam ao ISD<br />

tanto elementos de games quanto de simulação.<br />

Para Gordon e Zemke (2000), o ISD é lento, sem graça e orientado<br />

a processos, mais do que a pessoas ou a aprendizado. Encoraja uma<br />

preocupação cega com os meios em detrimento dos fins, e sua ambição por<br />

um programa perfeito de instrução pode levar à perda de foco no problema<br />

real e no resultado. É um sistema de administração de projeto ultracuidadoso<br />

e burocrático, excessivamente preocupado em obedecer às regras e que<br />

precisa ser superado. O processo tende a criar programas enfadonhos<br />

e cookie-cutter (sem originalidade, uma referência à uniformidade que<br />

resulta da utilização de ferramentas para cortar massas de biscoito em um<br />

formato específico).<br />

Esse excesso de rigidez bloqueia a criatividade. Koster (2004), por<br />

exemplo, sugere um importante insight para designers de games: quanto<br />

mais formalmente construído um game, mais limitado ele será <strong>–</strong> e, por<br />

consequência, mais enfadonho e incapaz de prender a atenção do jogador.<br />

Podemos estar criando aprendizes incapazes quando lhes oferecemos<br />

instrução mastigada, num esforço para atingir resultados homogêneos. Se<br />

90


há uma frase que não descreve o estilo-ISD de programas de treinamento,<br />

é ‘flexível e fácil de modificar’, ao contrário dos exemplos de games,<br />

simulações e mundos virtuais que exploramos neste capítulo. Falta ao ISD<br />

conceber o aluno como autor de seu caminho, projetar mods na instrução,<br />

elaborar ambientes de aprendizagem que possam ser modificados durante<br />

o processo de aprendizagem, e assim por diante.<br />

Zemke e Allsion (2002), continuando as críticas, afirmam que o ISD<br />

pode fazer sentido no papel, mas na prática é um processo pesado e lento<br />

que pode levar à ‘paralisia da análise’. Em vez de uma abordagem flexível<br />

para suportar resultados de aprendizagem desejados, o ISD sistemático<br />

tornou-se simplesmente um checklist para administração de projetos,<br />

restrito a elementos pedagógicos.<br />

Para outros críticos, o ISD é uma abordagem rígida e ultrapassada<br />

que não contempla as novas teorias de ensino e aprendizagem, nem os<br />

novos desenvolvimentos tecnológicos, nem as características da <strong>cultura</strong><br />

<strong>midiática</strong>. A abordagem de design linear não está centrada no aprendiz,<br />

fazendo sentido para os burocratas preparam os cursos, não para os alunos.<br />

CoNClUSão<br />

Como alternativa ao design instrucional clássico, temos disponíveis<br />

hoje ferramentas como mundos virtuais, games e simulações que permitem<br />

exercitar uma educação criativa e inovadora, mais em sintonia com a<br />

<strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>. Procuramos neste capítulo indicar algumas delas, além<br />

de fundamentar teoricamente o seu uso. Essas ferramentas são o habitat<br />

dos nossos novos alunos, permitindo assim que possamos travar com eles<br />

uma comunicação mais adequada, além de exercitar uma interação que, nas<br />

91


ferramentas tradicionais de ensino, inclusive nos LMSs ou AVAs, não temos<br />

mais conseguido estimular.<br />

Entretanto, como sabemos, a questão não se resume apenas a<br />

novas ferramentas, mas principalmente ao uso pedagógico que fazemos<br />

delas. Utilizar games, mundos virtuais ou simulações em educação é uma<br />

tendência que parece inevitável, mas tão ou mais importante seria injetar<br />

nessas ferramentas uma combinação adequada de elementos de games,<br />

simulação e pedagogia.<br />

Tanto para o domínio técnico dessas ferramentas quanto para o<br />

uso adequado desses elementos, é imprescindível desenvolver programas<br />

de formação continuada para que os professores sejam capazes de integrálos<br />

ao processo de ensino e aprendizagem. Programas que não se resumam<br />

a simples treinamentos, mas que envolvam experimentação e pesquisa, e<br />

tenham continuidade. Treinamento é uma palavra que nos remete a linhas<br />

de montagem e a um modelo industrial de educação, com o qual o design<br />

instrucional clássico está identificado. Da mesma maneira que observamos<br />

a necessidade de utilizar games, simulações e mundos virtuais na educação<br />

de nossos novos alunos, envolvidos pela <strong>cultura</strong> <strong>midiática</strong>, observamos a<br />

necessidade de inserir elementos de games, simulações e mundos virtuais<br />

nos programas de formação profissional para professores.<br />

De qualquer maneira, além dos modelos e das ferramentas<br />

utilizadas, é necessário garantir tempo e oferecer suporte para os educadores<br />

aprenderem. Caso contrário, programas de formação continuada para a<br />

utilização de games, mundos virtuais e simulações em educação não terão<br />

sucesso.<br />

92


eferências<br />

AKILLI, Göknur Kaplan. Games and simulations: a new approach in education?<br />

In: GIBSON, David; ALDRICH, Clark; PRENSKY, Marc. Games and simulations<br />

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93


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95


Processo Educativo e<br />

Inclusão Sócio-digital na<br />

EJA: uma proposição<br />

Introdução<br />

Adriana dos Santos Marmori Lima<br />

(UNEB)<br />

Durante séculos a humanidade tem delegado à escola a<br />

responsabilidade de ensinar. Desde os códigos escritos da língua, números<br />

e regras matemáticas, biografias de pessoas ilustres perpassando pelos<br />

estudos sobre os fenômenos da natureza e sobre as próprias relações do<br />

homem com a técnica, ou as técnicas.<br />

Atualmente, é comum ouvir de alguns pais de estudantes “a escola<br />

não é mais como antigamente”, ou comentários aflitos de professores:<br />

“não sei mais o que fazer com meus alunos, pois não querem nada”. Esse<br />

descontentamento nos mostra que a mudança da sociedade é visível e ao<br />

não se ter clareza para onde iremos o melhor mesmo tem sido recorrer<br />

ao saudosismo do passado como na fala dos pais ou depositar as nossas<br />

angústias nos estudantes como na fala dos professores.<br />

Mas, e os estudantes, o que pensam e dizem? Estes, mesmo que<br />

não expressem oralmente a ação do “querer nada”, não aprenderem ou não<br />

97


corresponderem às expectativas da escola e da família, vêm demonstrando<br />

claramente suas críticas à educação atual.<br />

A tríade escola-vida-conhecimento, em plena era contemporânea,<br />

continua caminhando em sentidos opostos: “a vida na escola e a escola da<br />

vida” (CECCON et al., 1982, p. 2). No primeiro mundo, as informações ou<br />

blocos de conhecimentos são interiorizados por meio da leitura ou ensino<br />

pelo professor para serem devolvidos através das provas de conhecimentos ao<br />

final de semestres ou unidades letivas. No segundo mundo, o conhecimento<br />

é aprendido na convivência com/no meio, através da própria utilização das<br />

diversas linguagens (verbais, não verbais, sinestésica...) que possibilitam a<br />

realização de diferentes leituras e que servem aparentemente apenas para as<br />

relações diárias com outras pessoas e objetos.<br />

Corroborando essa discussão Alves (1991), reitera que a escola toma<br />

como base as respostas prontas, construídas em um tempo e espaço que não<br />

mais se encaixa neste momento, ao invés de possibilitar aos estudantes de<br />

hoje viverem e pensarem dentro da escola sobre um currículo vivo que não<br />

ignora as regras, os códigos, mas percebe-os como parte integrante de um<br />

contexto <strong>cultura</strong>l maior.<br />

Nesse caso, educar o homem é diferente de dar doses de<br />

conhecimentos conforme a idade e a série e ir aumentando as doses com o<br />

sonho de prepará-lo para o vestibular, para ingresso na universidade, mas é<br />

possibilitar a construção de um saber <strong>cultura</strong>l, coletivo e socializável.<br />

Os meios tecnológicos de comunicação influenciam estudantes<br />

a partir de um apelo multissensorial que os atraem e os levam a “querer<br />

tudo”, enquanto a escola continua insistindo que os mesmos estudantes<br />

“não querem nada”. Se, são sujeitos ávidos por conhecerem o mundo, por<br />

que mais precisamente as instituições de ensino não aproveitam o desejo<br />

de conhecer, mesmo que seja apenas uma alucinação temporal e desafia-<br />

98


os constantemente a pensarem, construírem perguntas que os levem as<br />

respostas?<br />

É nesse movimento continuo de busca, imersos no mundo<br />

contemporâneo que não nos cabe insistir em educar o homem fazendo-o<br />

“decorar” letras, sílabas, palavras, fragmentos de livros para aprender a<br />

ler. Pois na “sociedade informática” (SCHAFF, 2007, p. 16), textos lineares<br />

inflexíveis para leitura apenas sequenciais estão com os dias contados.<br />

O momento exige: primeiro, nos percebermos diante de redes de<br />

informações que ultrapassam sobremaneira os muros da escola; segundo,<br />

que os “hipertextos” com sua capilaridade plástica de manuseio e de viagem<br />

a outros e outros textos no mundo virtual, nos possibilitam enxergar a<br />

dinamicidade das coisas, a percebermos uma infinidade de autores, visões<br />

e posições sobre uma pluralidade de temas e de contextos. E, portanto<br />

descobrirmos que é hora de fazer leituras dinâmicas e críticas da realidade.<br />

A grande rede de informações não se esgota no computador<br />

conectado à internet, está presente em todos os lugares, em casas, ruas, na<br />

escola, em outros estados e países. Disponível via rádio, TV, jornais, livros,<br />

celulares e internet. Enfim, um mundo composto por leitores ou produtores<br />

de hipertextos. Leitores pela capacidade de interpretarem as realidades e<br />

produtores por serem responsáveis por transformar essa realidade em<br />

novos textos e contextos.<br />

É possível inverter o curso da história da educação brasileira e, ao<br />

invés de andar seguindo os passos deixados na areia, nos manuais dos<br />

alfabetizadores, nos ditados de palavras, nas cópias, na decoreba de regras,<br />

das leituras em coro, difundir o saber <strong>cultura</strong>l e construir novos saberes<br />

considerando o desejo de conhecer dos estudantes?<br />

99


Construir saberes fomentados pelos meios tecnológicos de<br />

comunicação e informação, coerentes com o processo de desterritorialização,<br />

transformando esses “saberes” em currículo vivo, nos remete a outra<br />

questão: não estaríamos preparando melhor os homens e mulheres para<br />

viverem nessa e para essa sociedade?<br />

O que vem a ser mais importante numa sociedade capitalista cheia<br />

de desigualdades sociais: os acúmulos de conteúdos desconectados da<br />

vida ou a capacidade de pensar criticamente sobre esses conteúdos e de<br />

reconstruí-los coletivamente?<br />

O cidadão que é preparado para pensar reconhece o momento de<br />

acumular conhecimentos para fazer um vestibular e concorrer igualmente a<br />

uma vaga na universidade ou em concursos. Um dos objetivos precípuos da<br />

escola, não deveria ser o de apenas formar cidadãos vazios, que acumulam<br />

informações como robôs, pois homens são dotados de pensamento. Desse<br />

modo, Lévy (1995, p. 130) afirma: “[...] nossa memória não parece em<br />

nada com um equipamento de armazenamento e recuperação fiel das<br />

informações”. Daí a importância do aprender a pensar e não a acumular<br />

dados desconexos da realidade.<br />

O uso dos instrumentos tecnológicos de comunicação e informação,<br />

principalmente do computador, por ser considerado atualmente um dos<br />

equipamentos mais eficientes que marcou a história da civilização, também<br />

pode marcar consideravelmente a discussão sobre as políticas públicas de<br />

inclusão a partir do contexto educacional.<br />

repensando a EJA no Contexto Socio-digital<br />

Nessa perspectiva das mídias na educação, ao processo de <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, não basta apenas garantir a execução de políticas


públicas que forneçam aulas de “ler e escrever” os códigos escritos. É<br />

preciso rever a formulação de tais políticas para que os Jovens e Adultos,<br />

já excluídos socialmente do processo educativo por idade e condição<br />

financeira, não sejam excluídos também da nova ‘condição humana’ 1 , de<br />

apreender e de ter acesso a todas as produções de saberes e a todas as formas<br />

de comunicação do/no mundo.<br />

A construção do alfabeto, a descoberta da escrita, e a criação<br />

da imprensa trouxeram mudanças significativas de paradigmas sobre a<br />

aprendizagem humana e sobre os processos de alfabetização nos contextos<br />

educativos, modificando sobremaneira as relações entre as pessoas.<br />

Portanto, as novas formas de comunicação, com o advento das tecnologias<br />

também transformam as formas de ensinar e aprender.<br />

Mesmo após significativas contribuições de Piaget advindos dos<br />

estudos sobre a gênese do conhecimento humano; de Emilia Ferreiro,<br />

com seus estudos linguísticos e de Vygotsky (1984), em seu livro<br />

intitulado A Formação Social da Mente no qual descreve os processos de<br />

aprendizagem por instrumentos de mediação, muitos alfabetizadores ainda<br />

não conseguiram perceber que a aprendizagem é autoconstruída pelos<br />

aprendizes nas suas interações e no curso das suas necessidades de serem<br />

entendidos e de entenderem o mundo.<br />

Diante de uma diversidade textual contemporânea, presente nos<br />

programas de TV, jornais, revistas, outdoors, filmes, receituários e músicas,<br />

enfim, da mídia, os sujeitos são capazes de construir suas hipóteses sobre a<br />

escrita, de realizar suas leituras e, motivados, de aprofundar o pensamento,<br />

constituindo-se leitores e escritores, capazes de utilizar a base alfabética e<br />

todos os demais códigos que produzem sentido.<br />

1 Schaff (2007, p. 18) no livro A Sociedade Informática esclarece que diante das velozes<br />

e profundas mudanças de ordem econômica, social, <strong>cultura</strong>l e política, o indivíduo vê<br />

transfigurar-se a sua “condição” como “homo autocreator”.<br />

101


102<br />

Dessa forma, os Programas voltados para Alfabetização de Jovens<br />

e Adultos, poderão dispor de outras formas de intervenção que desafiem<br />

as elaborações mentais dos sujeitos e os façam avançar no processo de<br />

construção da lecto-escrita. Para tanto vale lançar mão dos diversos<br />

ambientes de aprendizagem, da pluralidade textual e dos equipamentos<br />

disponíveis como o computador, para que estes aprendizes ao mesmo<br />

tempo em que se constituem cidadãos incluídos no mundo letrado, sejam<br />

também incluídos no mundo digital.<br />

A hipertextualidade oferecida pelas mídias é infinita e não só pode<br />

substituir as cartilhas e os métodos tradicionais utilizados para alfabetizar<br />

como poderá oportunizar aos usuários a fazerem relações durante o<br />

processo de aprendizagem até então não realizadas como, por exemplo,<br />

perceber a escrita enquanto forma de comunicação, para além do simples<br />

registro dos livros a fim de ser absorvida e tomada como verdade absoluta;<br />

perceber a leitura como uma elaboração humana, alterável, móvel visto<br />

que nenhuma ideia é totalmente definitiva assim como a evolução natural<br />

do homem e do mundo e ainda o mais importante, perceber-se capaz e<br />

autônomo para pensar e criar.<br />

Nesse universo de criação, de liberdade de expressão, de<br />

interatividade com os diferentes textos, a ciber<strong>cultura</strong>2 conforme afirma<br />

Silva (2003, p. 53) “[...] põe em questão o esquema clássico da informação”,<br />

uma vez que tanto o emissor quanto o receptor manipulam nesse novo<br />

espaço os sentidos e conteúdos da mensagem, é preciso uma reorganização<br />

das relações nessa grande rede.<br />

Ainda sobre hipertextualidade, Castells (2004, p. 174) defende a<br />

ideia de uma convergência entre internet e multimídia por considerar as<br />

2 Ciber<strong>cultura</strong> é a atualidade sociotécnica informacional e comunicacional definida pela<br />

codificação digital (bits), isto é, pela digitalização, que garante o caráter plástico, hipertextual,<br />

interativo e tratável em tempo real da mensagem (SILVA, 2003, p. 53).


transformações da Internet que se converteu em “[...] uma ferramenta<br />

organizativa da empresa e um meio de comunicação [...], constituindo-se,<br />

além disso, numa alavanca de transformação social”. Pensamento que se<br />

complementa com a afirmação de Pretto e Silveira (2008, p. 36) sobre a<br />

internet ao ressaltar que “[...] essa possibilidade fantástica ocorre devido à<br />

inexistência de um órgão central que decida o que pode e o que não pode<br />

ser criado”.<br />

Ramal (2003, p. 251) diz que, aplicada ao contexto escolar, a<br />

hipertextualidade funciona como “[...] ambiente de construção de<br />

novas identidades docentes”, e que a “[...] materialidade digital gera uma<br />

velocidade nunca imaginada na produção e na circulação de informações,<br />

materialidade essa construída para a interatividade”.<br />

Sendo, pois, a internet uma “alavanca de transformação social”<br />

encontra eco na educação, mais precisamente na escola, onde seus atores,<br />

professores e estudantes, diante das mudanças advindas dos usos das TICs,<br />

buscam uma posição e outras posturas, onde relações diferenciadas poderão<br />

ser assumidas, conforme afirma Silva (2003, p. 56):<br />

O professor para além do apresentador de<br />

conhecimentos pode tornar-se o provocador do<br />

conhecimento [...] formulador de problemas,<br />

proponente de situações, arquiteto de percursos,<br />

mobilizador de inteligências múltiplas e coletivas<br />

na construção de conhecimentos. O aprendiz<br />

experimenta a criação do conhecimento quando<br />

participa interferindo, agregando e modificando.<br />

[...] deixa o lugar de recepção passiva de onde ouve<br />

e olha, copia e presta contas para se envolver com<br />

a proposição do professor e/ou de outro aprendiz.<br />

103


104<br />

Uma educação pautada na liberdade para construir conhecimentos,<br />

na autonomia dos sujeitos, na utilização das múltiplas possibilidades de<br />

atuação para solucionar problemas, na interatividade, pode ser um dos<br />

caminhos para a garantia da inclusão sociodigital dos indivíduos no mundo.<br />

A educação que inclui sociodigitalmente requer uma mudança<br />

de paradigma, uma organização que garanta de fato a operacionalização<br />

dessas ideias. Nesse sentido, Silva (2003, p. 56) ao aprofundar o conceito de<br />

interatividade, propõe que um curso, para ser de fato interativo, deve buscar<br />

a garantia de três aspectos essenciais: “[...] a participação colaborativa, a<br />

bidirecionalidade e dialógica e, conexões em teias abertas”.<br />

Pensando esse formato para o curso de formação de alfabetizadores,<br />

os três aspectos poderiam ser tomados como base para o planejamento<br />

do curso, para sua execução e avaliação, transformados em princípios,<br />

teríamos as seguintes orientações.<br />

Primeira, quanto à participação colaborativa: “[...] participar não é<br />

apenas responder sim ou não, prestar contas ou escolher uma opção dada,<br />

mas significa intervenção na mensagem como co-criação da emissão e<br />

da recepção” (SILVA, 2003, p. 56.). Os alfabetizadores como co-criadores<br />

poderiam intervir na definição dos conteúdos do curso, apontando suas<br />

dificuldades pedagógicas para alfabetizar, seus conceitos de alfabetização,<br />

relatando suas formas de ensinar.<br />

Segunda orientação, ou seja, quanto à bidirecionalidade dialógica:<br />

“[...] a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção, os dois<br />

pólos codificam e decodificam” (SILVA, 2003, p. 56). De forma articulada,<br />

os coordenadores, professores formadores, professores alfabetizadores e<br />

alfabetizandos, numa comunicação multidirecional realizariam as trocas<br />

de saberes em rede, a fim de fortalecer suas ações no desenvolvimento dos


seus papéis, na perspectiva de que suas funções possam convergir para um<br />

objetivo a inclusão social dos sujeitos através do processo de letramento.<br />

A terceira orientação ou princípio poderia ser assim enunciado:<br />

“[...] a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexões e<br />

liberdades de trocas, associações e significações” (SILVA, 2003, p. 56). A<br />

Alfabetização de Jovens e Adultos neste sentido, deve ser compreendida<br />

como um processo de letramento, onde, os mais importantes nesse contexto<br />

não são: o método, o conteúdo ou o material a ser utilizado para alfabetizar,<br />

mas sim, a conquista da autonomia do cidadão que empoderado, percebese<br />

capaz de construir saberes e de utilizar esses saberes na sua vida cotidiana<br />

e na busca da transformação sua realidade.<br />

Portanto, um curso de formação de alfabetizadores, pautado nos<br />

princípios acima descritos vem reiterar que a educação se dá em todos os<br />

lugares e, sob a influência das mais variadas tecnologias de informação<br />

e comunicação sejam elas: sociais, <strong>cultura</strong>is e digitais, na qual a leitura é<br />

compreendida como ato individual e coletivo de interpretação e a escrita<br />

como forma de expressão livre do pensamento para ser socializada<br />

ou simplesmente guardada. Nesse contexto, o papel do alfabetizador<br />

alterna-se, hora como desafiador e mediador, hora como observador das<br />

construções dos alfabetizandos, mas, sempre como leitor e escritor que tem<br />

o compromisso de incluí-los sociodigitalmente no mundo contemporâneo.<br />

A sociedade atual está marcada por um processo civilizatório de<br />

mudanças e, como escreve Freire (1996, p. 99):<br />

Nem somos, mulheres e homens, seres simplesmente<br />

determinados nem tampouco livres de condicionamentos<br />

genéticos, <strong>cultura</strong>is, sociais, históricos,<br />

de classe, de gênero, que nos marcam e a que nos<br />

achamos referidos.<br />

105


106<br />

Para compreender melhor como alfabetizadores e alfabetizandos<br />

percebem-se os principais atores do processo formativo em EJA, e enquanto<br />

membros efetivos de uma sociedade desigual e excludente, é que trilhamos<br />

metodologicamente um estudo de caso, para verificarmos no interior de<br />

uma política pública de alfabetização de Jovens e Adultos na Bahia, como se<br />

efetiva tal política e quais as relações desta com as TICs e a inclusão digital.<br />

Percorrendo a Trilha Metodológica da Pesquisa<br />

A origem da pesquisa deu-se a partir da análise crítica do Programa<br />

TOPA — Todos pela Alfabetização — quanto às questões relacionadas às<br />

estratégias ou ações implementadas; às políticas de formação do professor<br />

alfabetizador e a própria gestão do Programa no âmbito da Universidade do<br />

Estado da Bahia (UNEB).<br />

Essa investigação teve como principal objetivo identificar<br />

possibilidades e limites do Programa Topa enquanto política pública do<br />

Estado da Bahia, verificando como acontece a formação de professores<br />

alfabetizadores e de que forma estes têm conduzido o processo educativo<br />

dos sujeitos jovens e adultos no contexto das tecnologias de informação e<br />

comunicação.<br />

Buscou-se como opção metodológica a abordagem qualitativa na<br />

perspectiva de compreender as possibilidades de articulação entre os atos<br />

de ler e escrever e a inclusão sociodigital dos alfabetizandos. Tal abordagem<br />

não tem a pretensão de alcançar a verdade, apenas tenta compreender<br />

a lógica que permeia, na realidade, as práticas desses alfabetizadores<br />

(MINAYO, 2004).<br />

A análise qualitativa ancorou-se na escolha do universo amostral<br />

com critérios distintos da metodologia quantitativa (representatividade


estatística). Por esse motivo, procurou-se privilegiar a escolha de sujeitos que<br />

pudessem elucidar a problemática levantada, ajudando-a a compreender<br />

melhor o objeto em estudo.<br />

Os sujeitos desta investigação, foram escolhidos pela facilidade<br />

de acesso aos alfabetizadores, pela necessidade de verificar através da<br />

opinião dos mesmos qual a efetiva contribuição do programa TOPA em<br />

sua formação docente e, principalmente porque boa parte do processo<br />

de alfabetização e inclusão dos alfabetizandos traduz-se pelo trabalho<br />

pedagógico desenvolvido.<br />

Os sujeitos da pesquisa foram os 116 alfabetizadores de 20 turmas<br />

do Programa Topa, entrevistados através do preenchimento de questionário<br />

contendo questões objetivas e subjetivas, ou seja, abertas e fechadas aplicadas<br />

nos municípios de: Capim Grosso, Contendas do Sincorá, Juazeiro, Santo<br />

Sé, Rio Real,Valença,Juazeiro, Casanova, Santa Maria da Vitória, Sta Rita de<br />

Cássia, Barreiras, Riachão das Neves, São Desidério, Brejolândia, Cotegipe,<br />

Baianópolis e Formosa do Rio Preto.<br />

Tratamento e Análise dos dados<br />

Para responder as indagações sobre os limites e as possibilidades<br />

do Programa TOPA, sobre quem são os alfabetizadores do programa<br />

e como estes compreendem sua relevância para a inclusão sociodigital<br />

dos alfabetizandos, e sobre quais as estratégias ou ações que estão sendo<br />

implementadas para melhorá-lo, foi aplicado um questionário com questões<br />

fechadas organizadas em dois grandes blocos: um para traçar o perfil dos<br />

alfabetizadores e outro para coletar as opiniões dos mesmos acerca do<br />

Programa TOPA.<br />

107


108<br />

No grupo 01, foram organizadas questões para caracterizar o perfil<br />

dos sujeitos a saber: idade, sexo, nível de escolaridade, tempo de experiência<br />

na alfabetização e na docência, os cursos que participou e os equipamentos<br />

de tecnologias de comunicaçao que utilizam diariamente.<br />

No grupo 02, foram organizadas questões referentes à opinião dos<br />

entrevistados acerca do Programa TOPA. Essas questões foram reagrupadas<br />

em cinco subgrupos:<br />

• Subgrupo 1 - As perguntas3 foram elaboradas para verificar<br />

como os sujeitos percebem o programa no que tange à formação<br />

de alfabetizadores para inclusão sociodigital dos alfabetizadores;<br />

• Subgrupo 2 - As perguntas induzem à verificação do papel da<br />

Universidade na formação docente, na articulação institucional<br />

e na interação com a comunidade externa;<br />

• Subgrupo 3 - As perguntas foram pensadas para esclarecimentos<br />

acerca do processo de formação de professores quanto aos<br />

conteúdos trabalhados no curso para a inserção do método<br />

Paulo Freire, contemplando a articulação entre teoria e prática,<br />

metodologia dinâmica e criativa do trabalho do alfabetizador,<br />

objetivo esse relacionado com a leitura e escrita;<br />

• Subgrupo 4 - As questões desse subgrupo referem-se à visão<br />

sistêmica do programa no que concerne à sua gestão e avaliação;<br />

• Subgrupo 5 - uma questão apenas foi inserida para repensar o<br />

lugar das tecnologias de comunicação e informação na formação<br />

3 As perguntas relacionadas com o Subgrupo 1 são as de n os 01, 02, 04, 05, 11, 12 e 13; as<br />

relacionadas com o Subgrupo 02 são as de n os 03, 06, 07 e 10. As referentes aos Subgrupos 03<br />

e 04 são, respectivamente, 08, 09, 15, 17 e 18 e 14 e 16. O Subgrupo 05 ficou com a questão<br />

08.


do alfabetizador enquanto docente que pode contribuir também<br />

para a inclusão socio<strong>cultura</strong>l e digital dos sujeitos.<br />

Vale destacar que os instrumentos foram aplicados com o auxílio<br />

dos professores formadores do programa que ministraram o curso de 60<br />

horas presenciais, para os docentes alfabetizadores.<br />

A escolha pela aplicação de questionário4 enquanto instrumento<br />

de coleta de dados deu-se pela necessidade de organização de questões<br />

objetivas que pudessem traduzir a realidade do TOPA e obter respostas que<br />

pudessem melhor expressar o perfil dos pesquisados e as opiniões acerca do<br />

referido programa.<br />

Para tabulação dos dados dos grupos 1 e 2, foi utilizado o Sistema<br />

SPSS , um software estatístico com interface de fácil manuseio, muito<br />

utilizado atualmente para organização de dados de pesquisa em ciências<br />

humanas por oferecer a possibilidade de gerenciamento, cruzamento<br />

e avaliação dos dados, otimizando a visualização geral e detalhada das<br />

respostas.<br />

Posteriormente, foram utilizados os relatórios de atividades,<br />

documentos do arquivo do Núcleo de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, como<br />

instrumentos para análise com o objetivo de contextualizar a fala dos<br />

sujeitos: docentes coordenadores de núcleos/formadores e alfabetizadores.<br />

O material coletado foi organizado em dois grupos: o primeiro<br />

com as falas dos professores formadores sobre suas trajetórias de vida<br />

e profissional na área de EJA e alfabetização, avaliação do curso de<br />

formação de alfabetizadores, avaliação do programa TOPA e o segundo<br />

4 O referido questionário utilizou a escala Likert de 1 a 7, num continum de respostas<br />

variáveis de ‘discordo totalmente’ iniciando do numero 1 com intervalo de 2 a 6, a ‘concordo<br />

totalmente’ finalizando com o numero 7.<br />

109


grupo, voltado para as falas dos professores alfabetizadores, sobre as<br />

dificuldades encontradas para alfabetizar, avaliação do curso de formação<br />

de alfabetizadores e avaliação do programa TOPA.<br />

A contextualização da fala dos sujeitos tanto nos questionários do<br />

grupo II que trata das opiniões dos mesmos sobre o Programa TOPA, como<br />

nos relatórios acima mencionados, implicou na necessidade de se utilizar a<br />

análise de conteúdo de Bardin (2009, p.11), tendo em vista que essa técnica<br />

representa um esforço de interpretação que:<br />

110<br />

Oscila entre o rigor da objetividade e a fecundidade<br />

da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador<br />

por esta atração pelo escondido, o latente, o não<br />

aparente, o potencial do inédito (do não <strong>–</strong> dito)<br />

retido por qualquer mensagem.<br />

A leitura dessa técnica não se restringe apenas à uma leitura “ao pé<br />

da letra” mas, levar em consideração as mensagens de forma mais ampla: o<br />

emissor, seu conteúdo e os efeitos/sentidos da mensagem.<br />

Foram definidas três etapas fundamentais: 1. Análise prévia do<br />

material (pré-análise com base nos questionários aplicados e nos relatos dos<br />

professores formadores (PF) e professores alfabetizadores (PA); 2. Análise<br />

do material realizando uma exploração flutuante sobre os depoimentos e<br />

3. inferências para interpretação das falas a partir das categorias de análise.<br />

Nesse sentido, no grupo II definiram-se as seguintes categorias :1. formação<br />

de alfabetizadores; 2. articulação universidade X comunidade 3. gestão e<br />

avaliação do programa; 4. Alfabetização e letramento e 5 inclusão sóciodigital/contribuições<br />

das TIC.


esultados<br />

O caminho trilhado para chegar aos resultados do estudo sobre o<br />

Programa TOPA/UNEB e a formação de professores alfabetizadores quanto<br />

às possibilidades de inserção das TIC na alfabetização de jovens e adultos<br />

na Bahia, representou um caminho ao mesmo tempo prazeroso e árduo,<br />

desafiador e instigante, comprometido e técnico.<br />

O prazer foi encontrado no resgate histórico da vida profissional de<br />

professores alfabetizadores e formadores, em sua maioria mulheres que,<br />

com garra e coragem, educam outros homens e mulheres na certeza de que<br />

através da educação se constrói um mundo melhor.<br />

Essa imersão nas falas dos sujeitos levou-me a concluir que nossas<br />

vidas são entrelaçadas por saberes do cotidiano agregados aos saberes<br />

das ciências e aos saberes tecnológicos, que imprimem nossas marcas em<br />

tudo que pensamos ou produzimos. Aos poucos, vamos tecendo redes de<br />

relacionamentos e de conhecimentos e, nesse emaranhado, nos constituímos<br />

como sujeitos históricos, políticos, comunicativos e, portanto críticos <strong>–</strong><br />

reflexivos e capazes de ensinar e aprender. A pesquisa constituiu-se em<br />

um trabalho árduo, no debruçar-me sobre os livros, no resgatar saberes<br />

dos inúmeros teóricos há tempos já lidos e nos atuais, para ressignificar<br />

conceitos e teorizar práticas. Nesse garimpo, o olhar construído sobre<br />

políticas públicas, formação de professores, alfabetização e letramento e<br />

também sobre as TICs como instrumentos para a inclusão sociodigital dos<br />

sujeitos, foi alterado significativamente.<br />

Ressalto que é preciso compreender as políticas públicas como<br />

decisões que não resultam apenas da vontade ou das demandas sociais do<br />

povo, mas, que tais políticas dependem das relações de poder estabelecidas<br />

pela economia, por grupos políticos ou por classes sociais, e, ainda,<br />

111


que estas encontrarem-se fortemente ancoradas no contexto histórico,<br />

conforme defende Boneti (2006). Para efetivamente intervir nas políticas<br />

públicas, os principais sujeitos poderiam participar efetivamente se fossem<br />

considerados “protagônicos”, conforme a abordagem de Brandão (2008).<br />

E se tal protagonismo fosse sustentado por uma participação dos sujeitos<br />

como co-criadores conforme afirma Silva (2003).<br />

Nessa lógica, pesquisar o Programa TOPA foi desafiador, uma vez<br />

que ao adentrar os meandros das políticas públicas desenvolvidas pela<br />

SEC-BA em parceria com as Universidades públicas, tive que manter uma<br />

postura impessoal de pesquisadora, para realizar um olhar como membro<br />

externo do objeto pesquisado, devido a minha condição de Pró-Reitora de<br />

Extensão que, cotidianamente, encontra-se às voltas com os documentos,<br />

relatórios e negociações junto à SEC para implementação do Programa. Daí<br />

a responsabilidade de encontrar subsídios nos documentos oficiais e nos<br />

registros das falas dos sujeitos para ter o respaldo necessário no percurso<br />

metodológico.<br />

O Programa se caracteriza pela busca do “desenvolvimento da<br />

leitura e escrita daqueles que estiveram excluídos do mundo letrado” com<br />

o objetivo de “diminuir os índices quantitativos de analfabetismo e de<br />

despertar a necessidade de escolarização dos sujeitos” (BAHIA, 2007, p. 2).<br />

Com tal objetivo amplo e complexo, foi instigante poder situar o Programa<br />

TOPA no contexto histórico em que foi elaborado, implementado e,<br />

principalmente, verificar quais as forças sociais e políticas que o conduzem.<br />

Dessa forma, inicialmente pautando-me nas técnicas de pesquisa<br />

quantitativa, busquei a utilização dos instrumentos de coleta de informações<br />

como aplicação de questionários. Em seguida busquei aprimorar o<br />

aprofundamento da questão através da pesquisa qualitativa realizando um<br />

estudo de caso a partir da utilização dos relatos dos sujeitos da pesquisa<br />

112


(professores alfabetizadores e professores formadores) e análise dos<br />

documentos disponibilizados pelo Núcleo de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

<strong>–</strong> NEJA da Pró-Reitoria de Extensão - PROEX da Universidade do Estado<br />

da Bahia (UNEB, 2008); registros e documentos por meio dos quais pude<br />

tecer algumas conclusões comprometidas com os resultados alcançados<br />

quanto ao perfil dos alfabetizadores, à gestão do programa e ao processo de<br />

formação dos professores alfabetizadores.<br />

Quanto ao perfil dos alfabetizadores, entrevistados, na amostra de<br />

116 docentes, observou-se que são em sua maioria mulheres, concluintes<br />

do ensino médio (65%), com menos de três anos em classe, embora com<br />

experiência em alfabetização (61,21%) e com pouca vivência em cursos de<br />

formação na área das novas tecnologias (30,17%). Dados que nos leva a<br />

afirmar que é necessário um maior investimento nesses profissionais para<br />

que estes possam cumprir adequadamente com o seu papel de preparar<br />

outros sujeitos para o mundo letrado.<br />

Quanto à gestão do programa, podemos concluir que a forma de<br />

organização encontrada pela UNEB para atender a demanda do Programa<br />

TOPA em todo o Estado da Bahia pressupõe a definição de papéis e<br />

a articulação entre os diversos atores (coordenadores, supervisores,<br />

formadores, monitores), a fim de cumprir com os objetivos de formar<br />

alfabetizadores, acompanhar e avaliar as ações do programa e que o sucesso<br />

dessa gestão está intimamente vinculado ao engajamento das pessoas que<br />

compõem a equipe e o desenvolvimento coerente de suas funções.<br />

Quanto ao processo de formação de alfabetizadores, concluímos<br />

diante do perfil dos sujeitos (professores alfabetizadores) que a carga horária<br />

estabelecida pelo MEC por meio do Programa Brasil Alfabetizado com uma<br />

carga horária de 60 horas para formação inicial e continuada, é insuficiente,<br />

pois, o aprofundamento dos conteúdos propostos pelo Programa TOPA,<br />

113


que toma como base os conceitos de Freire (1996), Ferreiro e Teberosky<br />

(1985) e Soares (1998) de Alfabetização e Letramento, requerem uma<br />

postura de estudo contínuo e uma imersão teórica profunda e detalhada<br />

com vistas à construção de uma metodologia para alfabetizar mais próxima<br />

das demandas educacionais do contexto em que os alfabetizandos estão<br />

inseridos.<br />

Mesmo diante dos relatos dos alfabetizadores a respeito das<br />

deficiências de infraestrutura do Programa, como a falta de material<br />

didático, de óculos para jovens e adultos, dentre outras demandas, há que<br />

se considerar também as dificuldades de transpor para a prática diária dos<br />

conhecimentos difundidos nos cursos de formação.<br />

Os resultados apontaram, ainda, para uma inclusão sociodigital<br />

dos alfabetizandos e para a necessidade de implementar ações que voltemse<br />

também para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação<br />

no contexto da alfabetização. Os alfabetizadores consideram importante<br />

a evolução da sociedade contemporânea e a necessidade de incluir os<br />

alfabetizandos também na era digital.<br />

Acredito que é na crise paradigmática provocada pela produção<br />

de novos instrumentos tecnológicos que se buscam caminhos para a<br />

educação enquanto um processo eminentemente de comunicação. E que<br />

tal comunicação deve respeitar a nova estrutura de rede onde os diversos<br />

pontos de convergência são inicio e fim das trocas de saberes. Nesse<br />

contexto da ciber<strong>cultura</strong>, professores, estudantes, outros atores sociais, são<br />

mediados pelas informações disponíveis e, ao tratá-las, transformam seus<br />

saberes, transformam seus textos, transformam, enfim, o próprio mundo.<br />

Face ao exposto, acredito na potencialidade do docente como sujeito<br />

que articula o conhecimento da experiência e o conhecimento teórico e que<br />

encoraja também os estudantes em seu processo educativo a articularem<br />

114


seus conhecimentos de vida com os conhecimentos científicos produzidos<br />

pela humanidade.<br />

Defendo a ideia de que a inclusão sócio-digital dos cidadãos, aqui<br />

entendida como a democratização do acesso dos homens e mulheres<br />

aos bens materiais e imateriais produzidos ao longo da história da<br />

sociedade, incluindo-se neste campo os bens das tecnologias digitais, não<br />

necessariamente se dá pela implementação de políticas públicas elaboradas<br />

em gabinetes ou por grupos isolados, mas sim pelo processo educativo<br />

escolar e extramuros.<br />

Para incluir sociodigitalmente os homens, a universidade e a escola<br />

desempenham papéis fundamentais por representarem um dos lócus de<br />

produção e socialização dos saberes e por disporem de espaço e tempo<br />

organizados para tal inclusão, mas, principalmente, por estarem inseridos<br />

nas discussões como propositoras e executoras dessa nova “política”.<br />

A universidade, mais especificamente, possui, ainda, outra<br />

responsabilidade, a de integrar as pesquisas realizadas ao ensino de<br />

graduação e a extensão, tripé acadêmico que deve garantir a excelência<br />

acadêmica e, consequentemente, dar retorno à sociedade quanto ao<br />

atendimento de suas demandas.<br />

Penso que os índices de analfabetismos na Bahia, retratados nessa<br />

pesquisa, encontram no percurso da história da educação brasileira as<br />

respostas para sua justificativa, embora seja necessário considerar que<br />

as alternativas até então encontradas para minimizar esse quadro de<br />

desigualdade e exclusão social não atendem a proporção esperada, ou<br />

seja, a de um dia podermos conviver com uma sociedade eminentemente<br />

letrada, na perspectiva do letramento defendida por Souza (2001), ou seja,<br />

com pessoas que possam utilizar sua condição humana para interagir com<br />

diferentes portadores e gêneros textuais em suas práticas sociais, enfim,<br />

115


que possam, parafraseando Freire (1987), articular a leitura dos diferentes<br />

mundos com a leitura e escrita das palavras.<br />

E o diálogo continua, porque é necessário a realização de novas<br />

pesquisas que apontem para aprimoramento do conceito de inclusão<br />

sociodigital e para a verificação dos resultados do processo de alfabetização<br />

na vida e no trabalho dos sujeitos jovens e adultos.<br />

referências<br />

ALVES, Rubens. Estórias de quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1991.<br />

BAHIA. Secretaria de <strong>Educação</strong>. Programa Todos Pela Alfabetização. Projeto<br />

Político Pedagógico. Salvador, 2007.<br />

BARDIN, L. Análises de Conteúdo. Lisboa: Edição 70, 2009.<br />

BONETI, L. W. Políticas públicas por dentro. Injuí: Ed. Unijuí, 2006.<br />

BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Memória (auto) biográfica como<br />

prática de formação. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v. 1, n. 1, jan./jul.<br />

2008. Disponível em: .<br />

Acesso em: 05 ago. 2009.<br />

CECCON, Claudius; DARCY DE OLIVEIRA, Miguel; DARCY DE OLIVEIRA,<br />

Rosiska. A vida na escola e a escola da vida. Petrópolis: Vozes, 1982.<br />

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto<br />

Alegre:Artes Médicas, 1985.<br />

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.<br />

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São<br />

Paulo: Paz e Terra, 1996.<br />

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da<br />

informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.<br />

116


MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa<br />

qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.<br />

PRETTO, Nelson De Luca; SILVEIRA, Sérgio Amadeu da (Org.). Além das redes<br />

de colaboração: internet, diversidade <strong>cultura</strong>l e tecnologias do poder. Salvador:<br />

Edufba, 2008.<br />

RAMAL, Andrea Cecília. Hipertextualidade como ambiente de construção de<br />

novas identidades docentes. In: ALVES, L.; NOVA, C. <strong>Educação</strong> e tecnologia:<br />

trilhando caminhos. Salvador: Eduneb, 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2003.<br />

SCHAFF, Adam. A sociedade informática: as conseqüências sociais na segunda<br />

revolução industrial. Tradução de Carlos Eduardo Jordão Machado e Luiz Arturo<br />

Obojes. 10. reimpr. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista; Brasiliense,<br />

2007.<br />

SILVA, Marco (Org.). <strong>Educação</strong> online: teorias, práticas, legislação, formação<br />

corporativa. São Paulo: Loyola, 2003.<br />

SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:<br />

Autêntica, 1998.<br />

SOUZA, Sandro Soares de. Eventos de letramento e portadores textuais: a<br />

educação de jovens e adultos sem terra no assentamento ‘Che Guevara’ do MST<br />

(Ocara/CE). In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE E<br />

NORDESTE, 15., São Luís, 2001. Anais… São Luís: UFMA, 2001. CD-ROM.<br />

[UNEB] UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Pró-Reitoria de Extensão<br />

Universitária. Núcleo de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos - NEJA. Sistemática de<br />

acompanhamento e formação continuada. Salvador, 2008.<br />

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.<br />

117


PARTE II<br />

FORMAçãO Online


Formação Online de<br />

Educadores: uma proposta<br />

dialógica 1<br />

Introdução<br />

Lucila Pesce<br />

(UNIFESP)<br />

Para pensarmos na formação online de educadores é necessário<br />

pensarmos nos desenhos didáticos de cursos online. Em concordância com<br />

Marco Silva (2008), sinalizamos que, grosso modo, os desenhos didáticos de<br />

cursos online tendem a abarcar três dimensões: conteúdos de aprendizagem,<br />

propostas de atividades e atuação nas interfaces. Este entendimento do<br />

pesquisador invita-nos a considerar que pensar nos desenhos didáticos de<br />

cursos online implica, necessariamente, pensar na relação dialética entre<br />

três elementos: fundamentos, organização e docência.<br />

Em relação aos fundamentos do desenho didático de cursos online, é<br />

basilar que voltemos nosso olhar para as vertentes curriculares tradicionais<br />

(TYLER, 1974) e críticas <strong>–</strong> estas últimas sob enfoque <strong>cultura</strong>lista<br />

(MOREIRA, 1999; SILVA, 2000) <strong>–</strong> reconhecendo-se as distintas vertentes<br />

críticas, tais como a reprodutivista (ALTHUSSER, 1983; BOURDIEU;<br />

1 O presente texto foi escrito para a mesa redonda “Docência online: pressupostos, interfaces<br />

e mediações”, do II Simpósio Mídia-<strong>Educação</strong> (UNEB, 2009). Seu conteúdo pauta-se na<br />

discussão de dois outros artigos publicados em Pesce (2008a,b).<br />

121


PASSERON, 1975) e a neomarxista (APPLE, 2002; GIROUX, 1997). O<br />

estudo das concepções curriculares adquire sentido, em relação ao nosso<br />

objeto de investigação, na reflexão de como elas se materializam nos<br />

desenhos didáticos de cursos online.<br />

No tocante à organização, uma questão que se impõe aos desenhos<br />

didáticos dos cursos online são os limites e as possibilidades do meio digital.<br />

Ao considerarmos que tais circunstâncias situam-se como instâncias<br />

primordiais aos meios de objetivação do desenho didático de um curso<br />

online, é capital que levemos em consideração recursos interativos como<br />

wikipedia, blog, webconference, fórum, chat, portfólios, dentre outros.<br />

No contexto da organização, em concordância com Corazza (1997)<br />

<strong>–</strong> para quem o planejamento de ensino situa-se como estratégia de política<br />

<strong>cultura</strong>l <strong>–</strong> entendemos (assim como LIBÂNEO, 1994; TURRA, 2005) que o<br />

planejamento enraíza-se em uma dada concepção curricular. Com Arnold<br />

(2003) e Palloff e Pratt (2002), anunciamos que o planejamento de cursos<br />

online, além de se ancorar em uma dada concepção curricular, abarca um<br />

trabalho coletivo que se erige no imbricar de distintas áreas, tais como<br />

educação, comunicação, tecnologia da informação (TI) e áreas específicas<br />

ao conteúdo veiculado no curso.<br />

Na docência online, as principais implicações dos desenhos didáticos<br />

costumam centrar-se nas ações de tutoria e avaliação. Pensar na natureza<br />

singular da docência online e na sua relação com o desenho didático implica<br />

abordar temas como as especificidades do meio, notadamente as formas de<br />

comunicação, a partir de três determinantes circunstanciais: as interações<br />

nos ambientes de rede, a temporalidade inerente à aprendizagem em tais<br />

ambientes e os processos de acompanhamento e avaliação da aprendizagem.<br />

Como podemos observar, pensar nos princípios que balizam os<br />

desenhos didáticos de cursos online é pensar na orquestração harmoniosa


dos aludidos elementos. Contudo, não pretendemos nos debruçar<br />

sobre o conjunto dos elementos que perpassam a complexidade dos<br />

desenhos didáticos de cursos online. Faremos um recorte específico nos<br />

desdobramentos dos desenhos didáticos dos cursos online sobre os processos<br />

de formação online de educadores. Para tanto, é imperiosos desvelar os<br />

três conceitos que balizam a nossa proposta dialógica: agir comunicativo<br />

habermasiano, interação dialógica freireana e dialogia bakhtiniana.<br />

Agir comunicativo habermasiano<br />

Herdeiro da Escola de Frankfurt, Habermas (2002, 2003) busca<br />

uma alternativa aos impasses das sociedades contemporâneas, mediante a<br />

elaboração da Teoria da Ação Comunicativa, a qual se baseia no conceito de<br />

razão comunicativa e se ergue em meio a distintas fontes teóricas. Propõese<br />

a contribuir para a reconstrução do projeto social fundamentado no<br />

cultivo da razão comunicativa, tendo em vista a fecundidade da linguagem<br />

para a autorreflexão e para o entendimento mútuo.<br />

O filósofo situa a razão comunicativa como opositora da razão<br />

instrumental (calcada no sujeito egologicamente constituído), na medida<br />

em que se efetiva na materialidade histórica do contexto social e se manifesta<br />

nas relações cotidianas, mediante o agir comunicativo. Diferencia os tipos<br />

de ação social em dois níveis paradoxais. De um lado, o agir estratégico,<br />

orientado pela lógica instrumental e voltado ao sucesso e aos fins de<br />

controle e dominação. De outro, o agir comunicativo fundamentado na<br />

intersubjetividade do entendimento linguístico e voltado à emancipação<br />

humana.<br />

Para o estudioso, a razão instrumental faz com que a linguagem habite<br />

a periferia do mundo do sistema, cedendo espaço para a ação instrumental.<br />

123


Em meio a tal expansão, a razão comunicativa acaba por se restringir ao<br />

mundo da vida: o pano de fundo das manifestações <strong>cultura</strong>is. Habermas<br />

consolida a ideia de que as sociedades modernas se encontram em estado<br />

de mal-estar, pela distorcida relação entre sistema e mundo da vida. A<br />

partir de tal constatação, aponta que as sociedades modernas necessitam<br />

descolonizar o mundo da vida (Lebenswelt) da razão instrumental, a qual<br />

se ergue em meio à penetração controladora de mecanismos de integração<br />

sistêmica (como o dinheiro e o poder) nas instituições <strong>cultura</strong>is.<br />

Em contraposição à instrumentalização das ações sociais, no agir<br />

comunicativo, a comunicação intersubjetiva contribui com a produção de<br />

uma vida social solidária, dialógica, ética e emancipada. Nesse contexto, a<br />

linguagem situa-se como medium regulador do entendimento mútuo e se<br />

consubstancia como forma de ação social, para além da mera representação<br />

de mundo. Enquanto ação social, o agir comunicativo busca sua criticidade<br />

em meio a procedimentos argumentativos. Nesse movimento, reveste-se da<br />

capacidade de problematizar as sociedades contemporâneas, situando-se<br />

como elemento fundante no processo de emancipação humana.<br />

O filósofo destaca que o processo comunicativo é coordenado<br />

pela linguagem, em especial pelos atos de fala. Na perspectiva do agir<br />

comunicativo, a busca de consenso parte de uma base argumentativa da<br />

comunidade comunicacional. Somente nesse contexto intersubjetivo e<br />

provisório é que o consenso pode ser concebido.<br />

Outro aspecto que se revela ao estudioso é o papel das Tecnologias<br />

da Informação e Comunicação (TIC) nos atuais processos de organização<br />

societária. No texto O Caos da Esfera Pública, Habermas (2006), ao discutir<br />

o papel do intelectual nas sociedades contemporâneas, sinaliza a forma como<br />

este sujeito social tem se relacionado com as TIC. Ao fazê-lo, percebe as<br />

contradições inerentes a tal instrumental. Por um lado, a ampliação da esfera<br />

124


pública <strong>midiática</strong>, a condensação das redes de comunicação e o aumento<br />

do igualitarismo. Por outro, a descentralização dos acessos à informação<br />

e a fragmentação dos nexos de comunicação. Como consequência, outra<br />

tensão: em um turno, a subversão positiva em regimes totalitários; em<br />

outro, o enfraquecimento das conquistas das esferas públicas tradicionais,<br />

em meio ao anonimato e à dispersão de informações.<br />

Ancorado na perspectiva praxiológica e nas relações<br />

intersubjetivas mediatizadas pela linguagem, o agir comunicativo oferece<br />

amplas oportunidades para avaliar o modus operandi das sociedades<br />

contemporâneas, podendo vir a lhe auferir maior emancipação.<br />

A incursão de Habermas aos estudos linguísticos para a elaboração<br />

da Teoria da Ação Comunicativa evidencia sua positividade, ao buscar<br />

brechas para uma nova forma de organização social, mais solidária e<br />

emancipadora, embasada no entendimento mútuo. Habermas entende<br />

que a razão comunicativa ainda sobrevive nas práticas cotidianas. Erguese<br />

em meio à lógica pragmática argumentativa, expressa pela compreensão<br />

descentralizada do mundo. Em tal movimento, a contribuição fecunda<br />

para que o mundo da vida seja descolonizado pelo sistema. Ao considerar<br />

essa perspectiva evolutiva, Habermas concebe a possibilidade de o agir<br />

estratégico ceder espaço para o agir comunicativo, no evolutivo processo de<br />

descentração das sociedades contemporâneas.<br />

O projeto crítico e emancipado de Habermas para a superação<br />

das patologias das atuais sociedades capitalistas prevê a descolonização<br />

do mundo da vida, privilegiando-o sobre o mundo do sistema. A crítica<br />

habermasiana à racionalidade instrumental fundamentada no agir<br />

comunicativo situa-se como rico manancial às discussões educacionais. A<br />

positividade da teoria habermasiana supõe a reconstelação de novos modelos<br />

socio<strong>cultura</strong>is, embasados em um conceito amplo de racionalidade, que<br />

125


parte do paradigma da consciência e prossegue em direção ao paradigma<br />

da comunicação.<br />

dialogia bakhtiniana<br />

Bakhtin adentra o terreno das investigações de caráter pragmático,<br />

notadamente no tocante à filosofia da linguagem compromissada com<br />

suas angústias políticas e éticas. Ao fazê-lo, expande suas preocupações<br />

linguísticas e volta-se à linguagem como prática social. Desse modo aufere<br />

valor à enunciação, à interação verbal dos sujeitos sociais, ao contexto<br />

de produção dos discursos, enfim, às questões linguísticas atinentes ao<br />

cotidiano, pano de fundo da constituição da consciência humana.<br />

No livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (BAKHTIN, 1997a)<br />

sobressaem-se dois temas: o papel dos signos no pensamento humano e o<br />

papel da elocução na linguagem, de modo a anunciar o papel da linguagem<br />

enquanto instância constituinte dos sujeitos sociais. Bakhtin sinaliza a<br />

linguagem como campo eminentemente ideológico; daí sua relevância à<br />

formação da consciência humana. A constatação de que os seres humanos<br />

são historicamente datados embasa o entendimento bakhtiniano de que<br />

eles se constituem mutuamente, por meio da linguagem e dos históricos<br />

processos de interação social, nos quais se engendram negociações de<br />

sentido.<br />

Para Bakhtin, a consciência dos sujeitos sociais e a construção dos<br />

significados que a ensejam erguem-se em meio à alternância do diálogo.<br />

A palavra consubstancia-se como produto da interação entre locutor e<br />

ouvinte, os quais alteram seus papéis, no inconcluso diálogo da vida. Para<br />

o linguista, a palavra é o locus no qual a força social encontra sua maior<br />

expressão.


Preocupado com a relevância do contexto histórico-<strong>cultura</strong>l à<br />

formação dos processos mentais, Bakhtin debruça-se sobre o conceito de<br />

dialogia (1997b). Ao fazê-lo, preconiza o diálogo entre os homens como<br />

objetivo a ser atingido, em face do contexto de incomunicabilidade presente<br />

em nossa época. Postula que a competência linguística dos sujeitos ergue-se<br />

em meio às ações recíprocas de uns sobre outros, diretamente ou mediado<br />

por objetos ou signos. O linguista concebe dialogia como um profícuo<br />

cenário de contradições entre distintas vozes, no qual se explicita o contexto<br />

ideológico dos falantes. Ao fazê-lo, releva o valor da linguagem à elaboração<br />

e explicitação do contexto ideológico.<br />

Ao esclarecer que o conhecimento é construído na interação do<br />

sujeito com o objeto e do sujeito com outros sujeitos, Bakhtin avança para a<br />

concepção de sujeito interativo. Denuncia a característica sócio-ideológica<br />

da língua existente na dialética relação entre os sistemas da língua e seus<br />

enunciadores e conjuga as funções linguísticas de reprodução e reconstrução<br />

de mundo. Tal condição situa as preocupações de Bakhtin no contexto das<br />

relações sociais, em que os falantes assumem-se como sujeitos sociais.<br />

Ancorado em uma concepção materialista-histórica, Bakhtin<br />

esclarece que o sujeito é individual e socialmente constituído. O sujeito<br />

bakhtiniano é um ser corporificado no cotidiano, na enunciação, na<br />

dialogia. Sujeito social e <strong>cultura</strong>lmente situado em sua concretude histórica.<br />

O conceito bakhtiniano de dialogia (BAKHTIN, 1997b) percebe<br />

o quanto o individual e o social engendram-se mutuamente, a ponto<br />

de a <strong>cultura</strong> tornar-se parte de natureza intrínseca do ser humano. Na<br />

visão dialógica, a diversidade ocorrente na complexidade da existência<br />

humana também é outro ponto de atenção da abordagem bakhtiniana,<br />

a qual percebe a unidade do mundo nas múltiplas vozes e nos múltiplos<br />

significados que participam do diálogo da vida. A palavra é concebida como


elemento fundante na convivência com o outro, manifestada e edificada<br />

pela linguagem. Na acepção bakhtiniana, a interação verbal está sempre<br />

eivada do locus social no qual se realiza, sendo constitutiva dos sujeitos e<br />

da linguagem por eles veiculada. A consciência dos sujeitos ergue-se em<br />

meio aos signos internalizados, os quais são cunhados pelo trabalho social,<br />

histórico e ideológico. Nessa dialética relação, a dialogia ergue-se como<br />

elemento fundante da constituição mútua dos sujeitos sociais.<br />

Cada fala insere-se na infinita cadeia de enunciados, respondendo,<br />

pelas contra-palavras, questões anteriores e prevendo interpretações. Tal<br />

dinâmica aponta o inacabamento da linguagem, justamente por ser utilizada<br />

pelos sujeitos, os quais se constituem nos processos linguísticos históricos<br />

e interativos. A dialogia bakhtiniana foca sua atenção na dimensão<br />

reconstrutora da linguagem; dimensão esta que vive nas interações de seus<br />

enunciadores.<br />

O estudioso releva o valor da elocução ao desenvolvimento do sujeito<br />

social, nela incluindo a veiculação ideológica. Para Bakhtin, o enunciado não<br />

é determinado pela língua, como sistema puramente linguístico, mas pelas<br />

interações dos enunciadores. Nessa perspectiva, o fluxo da interação verbal<br />

é de fundamental importância à dimensão sócio-ideológica da linguagem.<br />

Para o estudioso, só há sentido no estudo da língua, se concebida no fluxo<br />

de comunicação verbal.<br />

A constituição social do sujeito o compreende na sua relação com o<br />

outro, diretamente ou mediada pelos signos. Dialogia, polifonia e polissemia<br />

são elementos fundantes na teoria bakhtiniana, a qual situa a interação<br />

verbal como locus primeiro da produção de linguagem e ideologia. Bakhtin<br />

defende uma interação horizontal, em oposição à interação diretiva de um<br />

sujeito sobre o outro.


Uma breve incursão junto ao conceito bakhtiniano de dialogia<br />

permite que desvelemos a positividade de suas proposições, em face das<br />

esferas constituintes dos sujeitos sociais. A dimensão dialógica bakhtiniana<br />

exprime o caráter inovador da sua racionalidade. A fecundidade da<br />

sua teoria linguística releva-se socialmente, na medida em que fornece<br />

elementos para situarmos a linguagem no bojo das ações compromissadas<br />

com a constituição de seres humanos. Em tais ações, a solidariedade,<br />

a conscientização, a emancipação, enfim, a humanização. Em linha<br />

semelhante, apresenta-se o conceito de interação dialógica freireana.<br />

Interação dialógica freireana<br />

A visão dialética de Freire, tendo como premissa a utopia inerente a<br />

todo e qualquer projeto social emancipador, parte da concretude histórica<br />

dos excluídos, dos desumanizados pela dinâmica societária do capitalismo<br />

tardio, para problematizar o mundo em que estão inseridos. De que<br />

modo? Mediante o estabelecimento de uma relação dialógica, crítica,<br />

transformadora, aberta à alteridade e ao novo.<br />

Freire elabora seu discurso calcado na transcendente natureza<br />

humana, a qual se expressa, em devir, em sua inconclusão, à busca de<br />

constante superação. A ciência de que a constituição humana ergue-se<br />

em meio à sua historicidade, na qual são engendradas circunstâncias<br />

socio<strong>cultura</strong>is, é elemento fundante na cosmovisão freireana. Em tais<br />

circunstâncias, a relevância auferida ao diálogo. A atitude praxiológica de<br />

proporcionar aos sujeitos sociais, sobretudo aos oprimidos, uma tomada<br />

de consciência mediante interações dialógicas mobilizadoras de constante<br />

reflexão sobre a realidade concreta que os entorna consubstancia-se como o<br />

129


ojo da proposta educacional freireana. O diálogo freireano situa-se como<br />

instrumento capital à conscientização e emancipação.<br />

Freire contrapõe-se a todo e qualquer projeto societário que<br />

se oponha à humanização e que, ao contrário, trabalhe em favor da<br />

coisificação do homem. Nessa denúncia é que o autor cunha, no livro<br />

Pedagogia do Oprimido, o termo “educação bancária”, como metáfora de<br />

uma vertente educacional alienante (FREIRE, 2002). Ao refutar a educação<br />

bancária, Freire propõe a educação libertadora como contribuinte aos<br />

projetos educacional e social emancipadores, nos quais os aprendizes<br />

compreendem o mundo como realidade em transformação, em processo.<br />

Ao fazê-lo, salienta a importância de a intervenção pedagógica ocorrer em<br />

contexto dialógico, a partir do tema gerador emergente do mundo vivido<br />

do educando.<br />

Freire destaca a dialética relação da educação, como toda e qualquer<br />

instância social desenvolvida no seio do sistema capitalista: reproduz<br />

o modus vivendi ou o reconstrói, a depender do enfoque que se dê. Ao<br />

distinguir a dialética relação de emancipação e subordinação que os seres<br />

humanos podem estabelecer com as TIC (FREIRE, 1997), de modo a<br />

humanizá-los ou a coisificá-los, o estudioso vai à contramão do fetiche a<br />

elas auferido. Nesse movimento, ressalta a tensão e o valor relativo deste<br />

instrumental à humanização. No movimento de denúncia e superação,<br />

Freire situa a linguagem e as relações dialógicas por meio dela estabelecidas,<br />

como instrumento capital à constituição dos sujeitos sociais realizadores<br />

das circunstâncias históricas que os entornam.<br />

A relevância auferida à linguagem como instrumento primordial<br />

à constituição dos sujeitos sociais e ao movimento dialógico à edificação<br />

legítima de relações sociais evidencia-se no conjunto de sua obra. Todavia,<br />

é no livro ‘Extensão ou Comunicação?’ que o conceito de interação<br />

130


dialógica é cunhado, com o firme intento de pensar a dialogia no contexto<br />

educacional (FREIRE, 1983). Ao fazê-lo, anuncia que o processo de<br />

constituição mútua dos sujeitos sociais em formação ocorre em meio à<br />

interação dialógica, em três instâncias: investigação temática, tematização<br />

do conhecimento articulada à realidade vivida e problematização<br />

do conhecimento. Na investigação temática, Freire esclarece que o<br />

conhecimento da visão de mundo do sujeito social em formação implica<br />

o levantamento de temas geradores de estudo. Tais temas advêm de uma<br />

metodologia dialógico-problematizadora, na qual, o formador, mediante<br />

interação dialógica, forma-se juntamente com o formando. Sobre a<br />

tematização do conhecimento articulada à realidade vivida, Freire alerta<br />

que a problematização deve ocorrer no campo da comunicação, em torno<br />

de situações reais vividas pelos sujeitos em formação. Com isso, evidencia<br />

o quanto a intervenção pedagógica deve ocorrer em meio à concretude<br />

histórica do mundo vivido dos sujeitos sociais em formação. Problematizar,<br />

no entendimento freireano, é trabalhar no pólo educacional reconstrutor; é<br />

refutar a hegemonia educacional reprodutora do modus vivendi.<br />

A positividade de Habermas, Bakhtin e Freire frente à fecundidade da<br />

linguagem para se repensar os atuais processos societários consubstancia-se<br />

como elemento fundante, na proposição de desenhos didáticos dialógicos<br />

de cursos online, em virtude dos seus desdobramentos sobre os processos<br />

de formação online dos educadores.<br />

desenhos didáticos dialógicos de cursos online<br />

De modo geral os cursos online costumam habitar dois universos:<br />

acadêmico e corporativo. Os cursos corporativos voltam-se ao<br />

aprimoramento profissional imediato e se dividem em dois grandes grupos,<br />

131


com primazia do primeiro sobre o segundo. Os ancorados na concepção de<br />

treinamento costumam trabalhar com a vertente educacional instrucional,<br />

embasada na transmissão de informação e se voltam ao aprimoramento<br />

profissional dos trabalhadores que lidam no plano operacional. Em geral,<br />

costumam ser cursos auto-instrucionais, que não prevêem interação e o<br />

sistema de avaliação tende a assumir a concepção somativa. A seu turno,<br />

os cursos ancorados na concepção de formação costumam trabalhar com a<br />

vertente educacional interacionista, embasada na construção sócio-histórica<br />

do conhecimento. Em geral, tais cursos apostam no uso de estratégias<br />

metodológicas que mobilizem as interações do grupo, tais como cenários,<br />

situações-problema e desenvolvimento de projetos. Seu desenho didático<br />

tende a incorporar instrumentais que propiciem ações colaborativas, como<br />

chats, fóruns de discussão e webconference, dentre outros. Tais cursos<br />

prevêem ações de tutoria e se voltam para os princípios da avaliação<br />

formativa, a qual, por assumir um caráter processual e autorregulador,<br />

costuma fazer uso de instrumentos como portfólio, diário de bordo e<br />

memorial reflexivo. Geralmente, os cursos balizados na concepção de<br />

formação encontram um campo fértil no universo acadêmico. Quando<br />

fazem parte do setor corporativo, costumam voltar-se à formação dos<br />

trabalhadores que operam no plano simbólico e, como tal, necessitam lidar<br />

com situações complexas que lhes demandam muita iniciativa, criatividade,<br />

criticidade e rapidez na tomada de decisão, dentre outras habilidades.<br />

Tomando como base os cursos online voltados à esfera da formação<br />

e tendo como ponto de partida o intertexto teórico acima elaborado,<br />

propomos que os desenhos didáticos de tais cursos sejam pensados sob<br />

enfoque dialógico (PESCE, 2008a).<br />

Desenhos didáticos elaborados sob enfoque dialógico recusam<br />

a perspectiva monológica, de caráter pragmático e impositivo, afeita<br />

à dimensão funcionalista, ancorada no pólo gnosiológico, que gera<br />

132


conformismo, bem como relacionamentos e processos de formação<br />

aligeirados e planificados. Ao contrário, defendem a formação em meio<br />

ao caráter relacional, afeito à dimensão <strong>cultura</strong>lista, ancorado no pólo<br />

ontológico, em diálogo com o gnosiológico. Desenhos didáticos de cursos<br />

online voltados à emancipação buscam uma estrutura que propicie a leitura<br />

crítica das circunstâncias micro e macro-estruturais dos sujeitos sociais em<br />

formação; voltam-se à aproximação destes sujeitos, na mobilização de ações<br />

conjuntas de enfrentamento aos desafios que se lhes apresentam.<br />

Desenhos didáticos dialógicos concebem a linguagem como prática<br />

social. Elaborar desenhos didáticos dialógicos é equacionar ações de<br />

formação que partam do senso comum e levem o sujeito social à consciência<br />

emancipada, sem, contudo, solapar seu tempo vivencial.<br />

No entendimento habermasiano, os desenhos didáticos dialógicos<br />

refutam ações de formação pautadas no agir estratégico, em meio à lógica<br />

instrumental, voltada aos fins de controle e dominação. Ao contrário,<br />

buscam no agir comunicativo as bases de uma formação emancipadora:<br />

compromissada com a descolonização do mundo da vida, pelo sistema,<br />

através da relação dialógica que se erige em meio ao argumento livre de<br />

coação.<br />

Amparados na acepção freireana, desenhos didáticos dialógicos<br />

pautam suas ações no seguinte movimento metodológico: investigação<br />

temática, tematização e problematização. Na investigação temática, a<br />

abertura à alteridade, na superação do senso comum, no diálogo profícuo<br />

com formadores teoricamente consistentes e atentos à inscrição histórica<br />

dos sujeitos sociais em formação. Desenhos didáticos que refutam a<br />

operacionalidade técnica travestida no acento ao pólo gnosiológico.<br />

Que resistem à implementação de princípios como eficiência, eficácia<br />

e produtividade, travestidos no desenvolvimento de competências e<br />

133


habilidades. Que dizem não ao atendimento massivo, que torna os cursos<br />

online economicamente viáveis. Como desdobramentos positivos, a<br />

constituição mútua dos sujeitos sociais envolvidos e a saudável orquestração<br />

das temporalidades cronológica e vivencial que constituem a formação.<br />

A investigação temática descarta a possibilidade de réplica dos materiais<br />

didáticos, sem minucioso estudo prévio. Na tematização do conhecimento,<br />

o firme intuito em uma intervenção pedagógica consistente, que amplie o<br />

repertório conceitual dos sujeitos sociais, sem, contudo, deixar de responder<br />

a concretude histórica do seu mundo da vida, mediante um diálogo profícuo<br />

do gnosiológico com o ontológico.<br />

Na problematização do conhecimento, desenhos didáticos de<br />

formação erguidos em meio à estratégia metodológica que não se restrinja<br />

à perspectiva internalista, que desconsidera os determinantes contextuais<br />

mais amplos em que se insere o trabalho dos sujeitos sociais em formação.<br />

Na problematização, o trabalho com os fundamentos da educação percebe<br />

os conteúdos de formação como instrumentos de conscientização e<br />

emancipação. Por isso a importância de se superar o neopragmatismo<br />

imperante, com acento quase que exclusivo nas questões metodológicas<br />

e avançar para indicadores basilares, como a íntima relação entre leitura<br />

da palavra e leitura de mundo. A problematização compromissada com a<br />

formação como prática social tem como meta a formação emancipadora<br />

do sujeito social em formação, pelo compromisso com a constituição da<br />

sua identidade, no seio da sua concretude histórica. Daí a problematização<br />

consubstanciar-se como estratégia primordial à elaboração dos desenhos<br />

didáticos dialógicos dos cursos online.<br />

Desenhos didáticos dialógicos preocupam-se com a adequada<br />

equação das temporalidades inerentes aos processos de formação, para que<br />

o tempo vivencial dos sujeitos sociais em formação não seja solapado. Para<br />

que as ações de formação contribuam com a superação do senso comum,<br />

134


é necessária a contratação de formadores cujo repertório conceitual e cuja<br />

vivência profissional os situem como educadores aptos a problematizar<br />

a realidade dos sujeitos sociais em formação, a partir da tematização<br />

teoricamente consistente e relacionada à sua concretude histórica, porque<br />

advinda da investigação temática. Para tanto, as equipes de formação<br />

devem ter um currículo diferenciado, o que implica outro patamar de<br />

remuneração e rigorosa política de seleção, que leve em conta a qualificação<br />

profissional do candidato, sua trajetória profissional e seu repertório teórico.<br />

Os formadores, por também serem chamados a pensar o desenho didático<br />

dos programas de formação desde a sua concepção, não mais procedem a<br />

intervenções pedagógicas artificiais, porque desenvolvidas a partir de um<br />

script de autoria alheia e têm autonomia sobre a temporalidade inerente à<br />

relação pedagógica constituinte dos processos de formação.<br />

Desenhos didáticos dialógicos buscam engendrar nova sensibilidade<br />

às relações, em recusa a vínculos pedagógicos aligeirados e planificados e<br />

em favor da aproximação dos sujeitos sociais envolvidos nos processos<br />

de formação. Nesse movimento, tentam privilegiar: a) a tematização do<br />

conhecimento intimamente imbricada à concretude histórica dos sujeitos<br />

sociais; b) ações de formação com autonomia sobre o tempo de formação e,<br />

por isso, atentas ao momento mais adequado para intervir; c) a ampliação<br />

da alteridade, mediante imersão nas circunstâncias históricas dos sujeitos<br />

sociais, em diálogo com o sólido repertório conceitual dos formadores;<br />

d) a condução dos formadores para o centro do processo educativo e não<br />

somente para as periféricas ações de tutoria e avaliação.<br />

Para verificar em que medida tais indicadores têm se materializado<br />

nos desenhos didáticos de cursos online de formação de educadores,<br />

coordenamos uma pesquisa, que se encontra em desenvolvimento no<br />

Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design<br />

Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TIDD - PUC/SP).<br />

135


o enfoque dialógico da pesquisa em desenvolvimento no TIdd<br />

136<br />

Conforme apontado em estudos anteriores (PESCE, 2008b), a<br />

pesquisa em desenvolvimento <strong>–</strong> Formação Docente e Cidadania: Utilização<br />

Dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob Enfoque Dialógico <strong>–</strong> parte<br />

da ideia anunciada no Projeto Internacional Red Internacional de Ecologia de<br />

los Saberes (TORRE; MORAES, 2008), de que a formação docente precisa<br />

de uma renovação conceitual, estratégica e atitudinal. O supracitado Projeto<br />

Internacional é sediado na Universidade de Barcelona e, até agora, abarca<br />

pesquisadores vinculados a programas de pós-graduação de quatorze<br />

países.<br />

A pesquisa vincula-se ao oitavo item do decálogo do referido projeto<br />

internacional: Proyección en las Reformas Educativas: Formar Ciudadanos en<br />

la Sociedad del Conocimiento, o qual considera que a sociedade da informação<br />

e do conhecimento está regida pelo predomínio das comunicações e que<br />

a aquisição de conhecimentos deve ocorrer intimamente articulada ao<br />

desenvolvimento de valores e atitudes pertinentes à formação de cidadãos<br />

éticos e felizes.<br />

Com base nos anunciados princípios da Red Internacional de<br />

Ecologia de los Saberes, a pesquisa tem como objetivo geral contribuir com<br />

o desenvolvimento e implantação de ações online de formação docente<br />

voltadas ao humanismo e à emancipação do profissional da educação básica.<br />

Do objetivo geral decorrem os seguintes objetivos específicos:<br />

• Aprofundar os estudos sobre a perspectiva dialógica de<br />

formação de educadores;


• Investigar sobre o sentido e o significado da experiência de<br />

formação de educadores em ambientes digitais de aprendizagem,<br />

em distintos segmentos: educação básica, ensino superior, pósgraduação<br />

e gestão escolar;<br />

• Discutir os resultados, à luz da abordagem dialógica de<br />

formação de educadores:<br />

• Levantar propostas de ação, relativas aos novos rumos dos<br />

programas de formação docente, nos ambientes virtuais de<br />

aprendizagem.<br />

A pesquisa levanta a seguinte problemática: qual a contribuição da<br />

perspectiva dialógica para o desenvolvimento e implantação de ações de<br />

formação docente desenvolvidas nos ambientes virtuais de aprendizagem,<br />

sob enfoque humanista e emancipatório?<br />

No tocante à justificativa, do ponto de vista social, o grande<br />

contingente de educadores brasileiros, aliado às recomendações legais<br />

relativas ao aprimoramento docente, tem demandado políticas públicas<br />

voltadas à implantação de programas de educação continuada desses<br />

profissionais da educação.<br />

Com o advento das atuais tecnologias de informação e comunicação,<br />

muitos desses programas têm percebido a contribuição dos ambientes<br />

virtuais de aprendizagem, o que justifica o aumento significativo do número<br />

de programas de formação de educadores que têm se valido do instrumental<br />

telemático. Entretanto, é preciso destacar: se a intenção é que a formação<br />

de educadores situe-se em contexto emancipador, urge uma investigação<br />

sobre as abordagens educacionais e os procedimentos metodológicos que<br />

sustentam as propostas de tais programas de formação.<br />

137


138<br />

No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de<br />

Professores de <strong>Educação</strong> Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura,<br />

de Graduação Plena (BRASIL, 2001a,b, 2002) e as Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2005) enfocam a relevância<br />

de uma formação docente que abarque a utilização crítica das tecnologias<br />

da informação e comunicação. Nesse sentido, vale ressaltar que o êxito de<br />

qualquer programa de formação de educadores desenvolvido nos ambientes<br />

virtuais de aprendizagem e que se pretenda inovador depende de distintos<br />

aspectos, em especial do desenho didático, do trabalho integrado de uma<br />

equipe multidisciplinar e da figura do mediador.<br />

Sabe-se que as atuais políticas educacionais brasileiras anunciam<br />

a necessidade premente de investir em programas de formação docente<br />

e percebem os ambientes virtuais de aprendizagem como estratégia<br />

contribuinte a tal intento. Por outro lado, uma análise crítica de tal<br />

proposição ancora-se na percepção da necessidade de formar o trabalhador<br />

em consonância com as demandas do ideário neoliberal, de modo a inserir<br />

o Brasil de modo dependente no cenário mundial competitivo. Isso requer<br />

uma profunda modificação no modus operandi da educação brasileira. Daí<br />

a razão pela qual tem havido, por parte do Estado brasileiro, a preocupação<br />

em promover ações de formação de educadores por vezes pautadas em<br />

uma racionalidade instrumental, como quer Habermas (2003). Este<br />

cenário perverso vai de encontro à concepção educacional emancipatória<br />

e humanista defendida pela Red Internacional de Ecologia de los Saberes e<br />

pela presente pesquisa.<br />

Em consonância com as atuais recomendações legais, o estudo<br />

situa a dimensão tecnológica como um dos aspectos da formação humanista<br />

e emancipatória de educadores. Entretanto, adverte que essa vertente de<br />

formação pode ocorrer, a depender do enfoque que se dê à utilização deste<br />

novo instrumental.


Atento às circunstâncias históricas do profissional da educação,<br />

a pesquisa Formação Docente e Cidadania: Utilização dos Ambientes<br />

Virtuais de Aprendizagem sob Enfoque Dialógico, no que se refere ao<br />

marco teórico, busca no intertexto dos três anunciados conceitos <strong>–</strong><br />

dialogismo bakhtiniano, agir comunicativo habermasiano e interação<br />

dialógica freireana <strong>–</strong> a construção coletiva de novas formas de sentir, pensar<br />

e atuar do docente em formação, nos ambientes virtuais de aprendizagem.<br />

Em meio às especificidades cosmovisivas de cada um dos três teóricos<br />

em discussão neste intertexto, podemos encontrar diversas ideias que se<br />

coadunam, frente à visão de homem, de sociedade e do papel da linguagem<br />

na constituição da consciência humana e na emancipação social.<br />

Quanto ao método urge observar que a pesquisa não é neutra,<br />

objetiva, tampouco isenta de valores subjetivos. Daí a consciência de que<br />

as concepções epistemológicas, interpretativas e subjetivas do pesquisador<br />

engendram-se à sua análise (CHIZZOTTI, 1998). Em outros termos, as<br />

concepções metodológicas e ontológicas relativistas moldam a cosmovisão<br />

do pesquisador.<br />

Partindo dessa premissa, o presente projeto de pesquisa prevê como<br />

procedimentos investigativos o desenvolvimento de:<br />

• pesquisa bibliográfica sobre formação online de educadores,<br />

pautada no intertexto dos três conceitos dialógicos anunciados;<br />

• pesquisas de campo sobre o sentido e o significado da<br />

aprendizagem em ambientes virtuais, nos programas de<br />

formação de educadores. Cada uma das pesquisas de campo<br />

deverá ser desenvolvida por alunos da PUC/SP, em nível de<br />

dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em<br />

Tecnologias da Inteligência e Design Digital;<br />

139


140<br />

• pesquisa documental erguida em meio à análise comparativa<br />

dos resultados de análise das pesquisas de campo presentes nas<br />

dissertações em tela.<br />

No tocante aos métodos e técnicas de investigação, a opção por<br />

entrevistas semiestruturadas e pela gravação objetiva deixar os sujeitos<br />

de pesquisa o mais à vontade possível, para que as representações sociais<br />

possam emergir (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1998).<br />

Nas pesquisas de campo, as entrevistas semi-estruturadas são<br />

aplicadas aos sujeitos de pesquisa deste projeto (educadores em formação),<br />

os quais deverão comentar a experiência de aprendizagem no ambiente<br />

virtual, apontando avanços alcançados e desafios a serem vencidos.<br />

Em relação à seleção dos sujeitos de pesquisa, ressalta-se que, de<br />

acordo com Jodelet (apud GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1998, p.<br />

120), as respostas individuais dos sujeitos de pesquisa devem ser percebidas<br />

como “manifestações de tendências do grupo de pertença ou de filiação na<br />

qual os indivíduos participam”.<br />

No momento presente, a primeira parte, referente à pesquisa<br />

bibliográfica, encontra-se em curso. A segunda etapa da pesquisa, que<br />

abarca as pesquisas de campo, já conta com investigações de duas alunas<br />

do Programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital da Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo. A primeira pesquisa, já defendida,<br />

volta-se à formação de professores do Ensino Superior e a segunda, com<br />

defesa prevista para março de 2010, volta-se à formação de gestores<br />

escolares.


Considerações finais<br />

O intertexto de três conceitos <strong>–</strong> agir comunicativo habermasiano,<br />

dialogia bakhtiniana, interação dialógica freireana <strong>–</strong> respalda-nos na defesa<br />

de desenhos didáticos dialógicos de cursos online, que se pautem: a) na<br />

seleção de formadores altamente qualificados e atuantes nas capilaridades,<br />

o que significa a superação do conceito tecnicista de formação em cadeia,<br />

que cinde conceptores e tutores; b) em interações genuínas entre formando<br />

e formador, em recusa a interações artificiais, erguidas em meio a um script<br />

de autoria alheia; c) na condução autônoma da temporalidade constituinte<br />

dos processos de formação; d) na proporção adequada do número de<br />

formandos por formador, de modo a não comprometer a relação pedagógica<br />

inerente a esse processo.<br />

As proposições iniciais aqui alinhavadas situam-se como esboço<br />

primeiro, para pensarmos os desenhos didáticos de cursos online erguidos<br />

em meio à vertente dialógica e se revelam nos princípios e pressupostos<br />

da pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em<br />

Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade<br />

Católica de são Paulo <strong>–</strong> Formação docente e cidadania: utilização dos<br />

ambientes virtuais de aprendizagem sob enfoque dialógico.<br />

Acreditando que o desenho didático de cursos online tem<br />

desdobramentos diretos sobre a qualidade dos processos de formação<br />

online de educadores, convidamos você, leitor, a aprofundar conosco o<br />

diálogo na área, com vistas à elaboração de propostas coletivas de ação, no<br />

atual momento histórico.<br />

141


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Parecer CNE nº. 09/2001, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais<br />

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licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do<br />

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144


Formação Docente e<br />

Aprendizagens Online:<br />

reflexões sobre currículo<br />

Pedagogia Crítica e Currículo<br />

Maria Olivia de Matos Oliveira<br />

(UNEB)<br />

O avanço da tecnologia, a velocidade e o fluxo de informações<br />

têm gerado mudanças significativas na dinâmica das sociedades atuais.<br />

O novo contexto socioeconômico e <strong>cultura</strong>l emergente traz profundas<br />

transformações nas funções tradicionais do Estado e (re)configura um<br />

novo modelo de sociedade e de educação que, se por um lado, apresenta<br />

avanços científicos e tecnológicos, por outro, gera desigualdades cada vez<br />

mais profundas. Santos (2001, p. 31) explica que “[...] a globalização1 traz<br />

a cognoscibilidade do planeta, possibilitando que os sujeitos conheçam<br />

de forma extensiva o mundo e aproveitem todas as possibilidades de se<br />

recolocarem como sujeitos no universo”. No entanto, também relaciona um<br />

1 Santos (2001, p. 28) no seu livro “Por uma outra globalização. Do pensamento único à<br />

consciência universal” relata quatro fatores que contribuem para explicar a globalização<br />

atual: unicidade da técnica; convergência dos momentos; cognoscibilidade do planeta e<br />

existência de um motor único na história.<br />

145


fator perverso que explica a globalização: a existência de um motor único<br />

na história, representado pela mais valia globalizada (SANTOS, 2001, p.<br />

24). Essa “mais valia” atua como alavanca do capitalismo, onde a produção<br />

acontece entre os grandes conglomerados econômicos, que sobrevivem<br />

graças a uma concorrência extremamente agressiva. Nessa forma de<br />

capitalismo, o Estado fortalece suas conexões com grupos econômicos,<br />

não assumindo a defesa dos cidadãos e, por isso, assiste-se à emergência<br />

de mobilizações frequentes da sociedade civil. Os movimentos populares,<br />

comunitários ou acadêmicos representam rachas nas estruturas de poder e<br />

provocam práticas alternativas de resistência.<br />

Apesar da Constituição de 1988 consagrar o ideal da universalização<br />

das políticas públicas sociais, o Brasil ainda não conseguiu implantar um<br />

estado justo e igualitário, pois as políticas, sobretudo as voltadas para<br />

a educação, se mostram ineficientes para dar conta das necessidades e<br />

expectativas da população, em termos de qualidade de ensino.<br />

Entre as décadas de 1970 e 1980, no Brasil, a ideologia neoliberal,<br />

incorporada pelo Estado nas diretrizes curriculares norteadoras dos<br />

programas oficiais, adota uma posição universalista de currículo<br />

hegemônico, que desrespeita a diversidade e autonomia dos professores<br />

e das escolas. Nos anos 1990, período emblemático no campo político e<br />

do currículo com o término da ditadura militar, a circulação da literatura<br />

internacional e a reestruturação produtiva do país, a introdução das<br />

Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC geram, de um lado,<br />

reformas ligadas ao desenvolvimento econômico, e, de outro, reformas<br />

oriundas de esquerda, comprometidas com a defesa de um currículo mais<br />

acolhedor e diversificado e com qualidade para a educação pública. As<br />

políticas públicas do atual governo já começam a chamar a atenção para a<br />

questão da diversidade <strong>cultura</strong>l e para o questionamento do currículo e das<br />

suas lógicas até então vigentes.<br />

146


Os estudos teóricos da pedagogia crítica assinalam como as escolas<br />

devem ser convertidas em espaços de maior igualdade social e de maior<br />

oposição às estruturas de poder, defendendo uma forma de currículo que<br />

enfatize o histórico, o <strong>cultura</strong>l e as vozes de todos os sujeitos envolvidos.<br />

Um dos mais legítimos representantes dessa concepção, Giroux (2005), ao<br />

se posicionar sobre a questão, diz que é necessário que as experiências e<br />

os saberes não escolares sejam compreendidos e valorizados, abandonando<br />

marcos de referência da <strong>cultura</strong> dominante.<br />

Nessa perspectiva, a concepção de currículo aqui exposta é a de<br />

que o currículo vai além de um conjunto de conhecimentos organizados<br />

e sistematizados, envolve também uma reflexão coletiva nas instituições<br />

escolares sobre as experiências do mundo da vida, da <strong>cultura</strong> popular<br />

ainda não devidamente incorporadas às práticas pedagógicas. “O currículo<br />

oficial ao lado do real mesclam-se no espaço escolar, num processo social<br />

de conflitos e lutas, que envolve controle, poder, interesses, conhecimentos<br />

científicos, crenças, visões sociais e resistências” (MATOS OLIVEIRA,<br />

2007, p. 29).<br />

Nesse sentido, poderíamos dizer que o currículo escolar representa<br />

todo um conjunto de experiências propostas pela escola, aceitas ou<br />

negadas pelos alunos. De acordo com MacLaren (1991), as salas de aula<br />

são espaços para se compreender como se problematizam as experiências<br />

e as necessidades dos estudantes socialmente construídas e às vezes<br />

contraditórias.<br />

Santomé (2005) também reconhece a necessidade de inserir, no<br />

currículo das escolas, as <strong>cultura</strong>s negadas1 , sob pena de se cair em falsas<br />

1 Dentre as <strong>cultura</strong>s negadas, Santomé cita: às vozes silenciadas do terceiro mundo,<br />

as <strong>cultura</strong>s infantis juvenis e da terceira idade; as etnias minoritárias e dos sem poder;<br />

ao mundo feminino, rural e litorâneo; às sexualidades lésbica e homossexual; à classe<br />

trabalhadora e ao mundo das pessoas pobres e de pessoas com deficiências físicas.<br />

147


propostas de currículo turístico, desconectado de situações da vida<br />

cotidiana, nas quais os problemas raciais e sociais são psicologizados. O<br />

citado autor ainda afirma que o professor é fruto de modelos de socialização<br />

profissional em que não lhe exigem a seleção de conteúdos <strong>cultura</strong>is nos<br />

currículos, porque esses são definidos pelas editoras de livros didáticos,<br />

aparecendo como os únicos possíveis e pensáveis (SANTOMÉ, 2005, p.<br />

160-161).<br />

Hoje, o campo curricular não vem dando respostas satisfatórias<br />

quer pela complexidade do espaço escolar, quer pelas contradições entre o<br />

anunciado nas orientações curriculares emanadas da legislação educacional<br />

e o realizado nas salas de aula. A <strong>cultura</strong> centralizadora, burocrática e pouco<br />

flexível dos sistemas de educação não observa que os professores precisam<br />

antes, discutir os projetos nas escolas, para depois, incorporá-los às suas<br />

práticas, a partir das singularidades de cada situação.<br />

Por outro lado, a sociedade tecnológica que substituiu a sociedade<br />

industrial expõe a convivência cada vez mais presente da comunicação<br />

oral e escrita com a comunicação eletrônica, modificando relações entre<br />

instituições e pessoas e introduzindo novas formas no ensinar e no aprender,<br />

assim como práticas sociais mais compartilhadas.<br />

A passagem da <strong>cultura</strong> impressa para uma <strong>cultura</strong> baseada no meio<br />

áudio visual, nas mídias e na <strong>cultura</strong> digital gera subjetividades inteiramente<br />

diferentes com as quais a escola e os professores não estão conseguindo<br />

lidar. De maneira geral, o temor de muitos professores, com relação às<br />

tecnologias, é a de que possam ser superadas, no plano cognitivo, pelos<br />

recursos instrumentais da informática (ASSMANN, 2000, p. 8).<br />

Pimenta e Anastasiou (2005) e Cunha (2006) levantam a necessidade<br />

de uma mudança de postura de alunos e professores diante da ciência e do<br />

conhecimento, para reconhecer as possibilidades educacionais e políticas<br />

148


a serem construídas pelos estudantes oriundos das camadas populares.<br />

Mostra a importância do conhecimento do aluno, enquanto sujeito de<br />

aprendizagem e a importância da escola reconstruir a imagem dos jovens<br />

da era digital de forma inteiramente diferente e negociada com essa nova<br />

geração.<br />

Pelo exposto concluímos que, as novas tecnologias não podem<br />

substituir o professor, mas criam necessidades de definir novas estruturas<br />

e novas práticas de escolarização. Segundo Green e Bigun (2005, p. 228),<br />

“[...] estamos diante de subjetividades construídas a partir de relações<br />

sociais e práticas tecnologicamente mediadas” e, por isso, os educadores<br />

devem delinear espaços dialógicos de interação e de construção coletiva do<br />

conhecimento, utilizando as TIC de forma crítica.<br />

Saberes docentes e Formação Universitária: impasses e<br />

possibilidades<br />

As profundas mudanças que caracterizam a sociedade atual revelam<br />

que nenhuma reforma educacional resolve a crise em que estamos imersos,<br />

sem a adequada formação dos professores. O cenário atual está mudando<br />

rapidamente e essas mudanças exercem impacto sobre o professor que,<br />

despreparado para enfrentar tantas exigências e pressões, encontra-se<br />

desestabilizado e vivendo inúmeras contradições postas pela sociedade<br />

contemporânea. Charlot (2008) descreve o professor como o profissional<br />

das contradições que tenta superar a distância entre o excesso de discursos<br />

sobre a educação e a pobreza das práticas pedagógicas. O autor argumenta<br />

que as contradições relativas à escola são contradições sociais que, mesmo<br />

não estando necessariamente dentro da escola, desestabilizam a função<br />

docente. Tais contradições estão refletidas na valorização do professor no<br />

texto da lei e no discurso político, porém são desmentidas, a todo momento,<br />

149


pela realidade dos baixos salários docentes, desconfiança e desprestígio<br />

social do professor (CHARLOT, 2008, p. 31). Nesse sentido, o horizonte<br />

social no qual a subjetividade dos docentes é constituída, está marcada por<br />

uma visão ideológica que o desprofissionaliza e enfraquece o exercício da<br />

docência.<br />

Nas últimas décadas, para fazer frente aos recorrentes problemas<br />

enfrentados pelos professores, surgem abordagens enfatizando a formação<br />

reflexiva do professor, sugerindo que o mesmo seja um profundo<br />

questionador do seu fazer pedagógico. O exercício da reflexão exige um<br />

repensar contínuo das ações pedagógicas e atribuição de significados às<br />

ações docentes, num processo de revisão contínua da prática pedagógica.<br />

A reflexão envolve responsabilidades partilhadas, discussões e<br />

atividades em grupo, sendo um ato solidário, jamais solitário. SHÖN (1992)<br />

questiona o processo de formação universitária, pois esse distancia a teoria<br />

da prática, uma vez que fornece ao aluno inicialmente a teoria e, só no<br />

final do curso, a vivência da prática através do estágio. Segundo o citado<br />

autor, a reflexão da ação exige que o professor fale sobre suas experiências,<br />

no coletivo da escola para repensá-la e reconstruí-la de forma criativa, no<br />

cotidiano.<br />

Partilhando a mesma opinião de Shön (1992), Tardif (2002) faz<br />

críticas ao modelo universitário de formação docente, propondo uma<br />

epistemologia da prática profissional do professor que seria o estudo do<br />

conjunto de saberes mobilizados pelos profissionais em seu espaço de<br />

trabalho cotidiano, para desempenhar suas tarefas. Na visão de Tardif (2002),<br />

mudanças deveriam acontecer no rumo das pesquisas na universidade,<br />

pois existem problemas epistemológicos no modelo universitário de<br />

formação. O autor aponta dois problemas: a) modelo centrado na lógica<br />

disciplinar e b) prática equivocada de tratar os professores como espíritos<br />

150


virgens destituídos de crenças ou expectativas. A solução para os problemas<br />

mencionados, segundo Tardif, está numa nova postura da universidade,<br />

no sentido de incorporar mudanças curriculares que tenham a efetiva<br />

participação do professor. Essas mudanças não visam necessariamente<br />

esvaziar a lógica disciplinar dos programas de formação, mas executar “um<br />

trabalho profundo sobre os filtros cognitivos sociais e afetivos através dos<br />

quais os professores recebem e processam essas informações” (TARDIF,<br />

2002, p. 273).<br />

De maneira geral, Tardif (2002) tem enfatizado nos seus trabalhos a<br />

necessidade de tratar os professores como atores que possuem um saber e<br />

um saber fazer e devem ser considerados como sujeitos do conhecimento.<br />

Nesse sentido, enquanto sujeitos de sua prática, os professores da escola<br />

básica devem partilhar com os pesquisadores universitários todas as<br />

experiências e, portanto, estar no centro das pesquisas realizadas na escola.<br />

Por conseguinte, o hábito da prática reflexiva, quando incorporado<br />

às ações do profissional docente, torna-se o motor de articulação entre a<br />

teoria e a prática. A prática não pode ser individualista ou solitária, mas<br />

coletiva, para o enfrentamento responsável da crise em que a escola está<br />

mergulhada.<br />

o Ensinar e o Aprender na Sociedade Tecnológica<br />

A educação online 2 tem enfrentado interpretações divergentes por<br />

parte de muitos educadores desde pequenas resistências até a mais profunda<br />

rejeição.<br />

2 O termo educação online é, neste artigo, utilizado para identificar a 5ª geração da<br />

EaD, assim denominada por Moore (2007), para caracterizar a educação que utiliza o<br />

computador, a internet e outras ferramentas online, características deste momento histórico.<br />

151


152<br />

As críticas à <strong>Educação</strong> a Distância crescem na medida em que<br />

aumentam significativamente os cursos nessa modalidade de ensino.<br />

Inúmeras análises realizadas no nosso país mostram o caráter instrumental<br />

de que a EAD se reveste, baseando-se em critérios técnicos de adequação<br />

e organização dos meios aos fins, próprios da racionalidade científica.<br />

Esta modalidade de educação tem sido, no Brasil, cada vez mais assumida<br />

pelas universidades particulares, recebendo críticas dos acadêmicos que<br />

a classificam como produto típico das políticas públicas nesse contexto<br />

neoliberal em que estamos mergulhados.<br />

Por outro lado, a <strong>Educação</strong> a Distância, rompendo com as limitações<br />

do ambiente físico e (des)construindo a idéia da presença física do professor,<br />

não tem conseguido retirar o aluno do isolacionismo, gerando índices de<br />

evasão crescentes. 3<br />

As reflexões de Habermas (1987) são pertinentes para se entender<br />

o isolacionismo gerado pela falta de diálogo nas sociedades industriais<br />

em que os problemas não residem no desenvolvimento científico ou<br />

tecnológico, mas no abandono da razão comunicativa que contém em si as<br />

possibilidades de diálogo sobre questões vitais para os indivíduos. O referido<br />

teórico posiciona-se radicalmente contra a penetração da racionalidade<br />

instrumental na esfera pública4 na qual deve predominar a racionalidade<br />

comunicativa. (GONÇALVES, 1999).<br />

Neste cenário, dialogar é uma condição fundamental para interagir<br />

e fazer valer a comunicação e, quando a aprendizagem acontece numa<br />

3 Dados do INEP (2006) mostram uma evasão média de alunos de cursos a distância no<br />

Ensino Superior de 30,9% de vários tipos de universidades (INEP, 2006 apud TOCZEC et al.,<br />

2008).<br />

4 Thompson (2009, p. 155) argumenta que há limitações na tese de Habermas porque a<br />

esfera pública, tal qual o autor a apresenta não pode ser reativada nas novas bases por ele<br />

propostas, porque a natureza da comunicação de massa e as condições em que ela se dá, na<br />

contemporaneidade, não é a mesma.


parceria co-instituinte e co-estruturante, na qual a máquina representa um<br />

novo patamar, alguma coisa muda no processo de aprender. Muda porque os<br />

meios de comunicação e as novas tecnologias não criam apenas máquinas,<br />

mas são estruturadores de nossos modos de organizar e configurar as<br />

linguagens, ampliando “o potencial cognitivo do ser humano (cérebro/<br />

mente) e possibilitando mixagens cognitivas complexas e cooperativas”<br />

(ASSMANN, 2000, p. 9). Muda porque exige novas formas de investigação<br />

e trilhas metodológicas diferentes a serem seguidas pelos pesquisadores<br />

online. Finalmente, muda porque exige um professor com a cabeça mais<br />

aberta e flexível, disposto a construir novas relações de aprendizagem<br />

através da internet.<br />

Bakthin (1988) também mostra o papel da linguagem e do diálogo<br />

como um objetivo a ser atingido face a incomunicabilidade da nossa era.<br />

Enfatiza o fenômeno social da interação verbal que se realiza através da<br />

enunciação, mas que não é uma enunciação monológica isolada (BAKTHIN,<br />

1988, p. 117). No diálogo, o sujeito bakthiniano perde o papel de centro<br />

e é substituído por vozes sociais que fazem dele um sujeito histórico e<br />

contextualizado. A concepção e os conceitos apresentados por Bakhtin<br />

(1988) permitem entender que, na produção dos discursos, os lugares que<br />

as pessoas ocupam interferem no significado produzido.<br />

Freire (1988) também vê o diálogo, a abertura respeitosa aos outros,<br />

como objetivo da reflexão crítica e da aventura docente. “Seria impossível<br />

saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de<br />

explicação, de respostas a múltiplas perguntas” (FREIRE, 1988, p. 86).<br />

No intertexto das concepções de Habermas, Bakthin e Freire e<br />

dos teóricos da pedagogia crítica, buscamos respaldo para refletir sobre a<br />

necessidade de uma formação adequada nos cursos em EAD, chamando<br />

153


a atenção para a necessidade de interações mais autênticas entre a equipe<br />

docente formadora (autor, formador e tutor) e os discentes.<br />

Acreditamos que as instituições formadoras têm o papel de viabilizar<br />

a interlocução e comunicação dos sujeitos da ação educativa e a autonomia<br />

do estudante no processo de construção de sua aprendizagem. Para tal, é<br />

necessária uma reflexão coletiva para possibilitar a adoção de posturas que<br />

superem as tradicionais e considerem a educação online como um sistema<br />

aberto, interconectado a outras práticas sociais.<br />

Pelo exposto, há necessidade de se pensar uma nova proposta nos<br />

programas de formação de professores em ambientes virtuais, assegurada<br />

por um desenho didático que favoreça a dialogia e que proporcione um<br />

tempo adequado para aprendizagens significativas. Tudo isso demanda<br />

espaços mais abertos, onde adultos formandos tenham não apenas acesso às<br />

informações, mas uma participação autônoma na produção e apropriação<br />

dos valores que as tecnologias agregam.<br />

Formação Online e Tempos de Aprendizagem<br />

154<br />

“Todos estão matriculados na escola da vida, onde o<br />

mestre é o tempo”. Cora Coralina (1989) 5<br />

5 Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas Brandão, mulher<br />

simples de Goiás, nasceu em 1898 e faleceu em 1985, produziu uma obra poética, muito<br />

admirada por Carlos Drummond de Andrade. Foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio<br />

Juca Pato, em 1983, com o livro Vintém de Cobre <strong>–</strong> Meias Confissões de Aninha. Sua filha,<br />

Vicência Brêtas Tahan é autora do livro biográfico Cora Coragem Cora Poesia, lançado em<br />

1986. Para falar do tempo, iniciamos com a significativa frase da famosa poetiza: “Todos<br />

estão matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2009


Autores como Tardif e Raymond (2000) colocam que os saberes<br />

ligados ao trabalho são temporais, pois são construídos e dominados<br />

progressivamente durante um período de aprendizagem variável, de acordo<br />

com cada ocupação. Essas são competências e aptidões constitutivas da<br />

dimensão laboral, adquiridas no próprio ambiente de trabalho e não no<br />

ambiente formal da escola.<br />

que<br />

Pesquisas realizadas ao longo dos anos com os professores mostram<br />

[...] os saberes profissionais dos professores parecem<br />

ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos,<br />

pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho,<br />

conhecimentos e manifestações do saber-fazer e<br />

do saber-ser bastante diversificados, provenientes<br />

de fontes variadas, as quais podem supor que<br />

sejam também de natureza diferente (TARDIF;<br />

RAYMOND, 2000, p. 213).<br />

Nessa tipologia multidimensional de saberes, os autores procuram<br />

“associar a questão da natureza e da diversidade dos saberes do professor à<br />

de suas fontes, enfatizando sua proveniência social” (TARDIF; RAYMOND,<br />

2000, p. 214). Os referidos autores apresentam um quadro no qual encontram<br />

“[...] fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da<br />

sociedade, da instituição escolar, dos programas e livros didáticos, dos outros<br />

atores educativos, dos lugares de formação etc.” (TARDIF; RAYMOND,<br />

2000, p. 214). Esses diferentes saberes se inscrevem numa dimensão<br />

temporal ao longo da carreira docente. Os autores mostram ainda que a<br />

inscrição no tempo é significativa para a compreensão da genealogia dos<br />

saberes docentes e revelam que a memorização de experiências educativas<br />

é marcante para a construção do eu profissional docente. Um outro aspecto<br />

155


importante citado pelos autores são os saberes docentes que são sociais e<br />

adquiridos em tempos distintos: tempo da infância, da escola, da formação<br />

profissional, do ingresso na profissão, da carreira (TARDIF; RAYMOND,<br />

2000, p. 236).<br />

O tempo não é um dado objetivo representado por horas de trabalho,<br />

nem apenas um meio no qual estão imersos os trabalhadores da educação,<br />

mas, como dizem com muita propriedade os citados autores, uma referência<br />

na aquisição de conhecimentos e domínio laboral:<br />

156<br />

A própria noção de experiência, que está no<br />

cerne do eu profissional dos professores e de sua<br />

representação do saber ensinar remete ao tempo,<br />

concebido como um processo de aquisição de<br />

um certo domínio do trabalho e de um certo<br />

conhecimento de si mesmo. (TARDIF; RAYMOND,<br />

2000, p. 239).<br />

Outra referência quanto à questão do tempo escolar é a de Moura<br />

(2009) que reflexiona criticamente sobre a <strong>cultura</strong> escolar, colocando que<br />

esta prima pela homogeneidade do tempo, do espaço, das normas, tornandose<br />

pouco acessível a mudanças. A repetição, a ênfase na individualidade, o<br />

caráter pouco interativo das atividades escolares cria resistências escolares<br />

que se traduzem no abandono, na evasão e, evidentemente, no insucesso<br />

escolar. O aluno resiste de forma implícita ou explícita aos objetivos, ao<br />

tradicionalismo da organização escolar e aos modos de socialização da<br />

<strong>cultura</strong> escolar (MOURA, 2009, p. 7).<br />

Pelo exposto, o tempo da escola é curto, centralizado na ação do<br />

professor que não oportuniza momentos de reflexão crítica, desconsiderando<br />

os sujeitos aprendentes, e nesse sentido pode funcionar como opressor, que<br />

gera resistências.


A perspectiva marxista de Piazze (2007) mostra que a vida do<br />

indivíduo gira em torno do binômio: trabalho e tempo livre, ou seja, um<br />

tempo destinado à produção e outro tempo destinado a si mesmo ou às<br />

suas preocupações mais íntimas, porém frisa que os seus momentos de<br />

lazer ou de diversão são também programados pela indústria da <strong>cultura</strong>,<br />

sendo o sujeito uma mera engrenagem do sistema capitalista e o tempo<br />

um aliado desse sistema (PIAZZE, 2007, p. 1). Essa redução do indivíduo<br />

a uma simples peça de engrenagem do sistema capitalista foi muito bem<br />

problematizada por Chaplin na película Tempos Modernos.<br />

Pereira (2004) também enfatiza a condição de trabalho produzida<br />

pelo avanço capitalista na primeira década do século XX, relativizando<br />

a percepção individual do tempo que reorganiza o espaço e fragmenta a<br />

organização espacial de produção. Apresenta duas categorias distintas<br />

de temporalidade: o tempo cósmico, mensurável pela ciência e o tempo<br />

fenomenológico, tempo do interior da consciência, inseparável da vivência<br />

(PEREIRA, 2004, p. 6).<br />

As concepções filosóficas sobre o tempo também divergem. Os<br />

gregos concebem o tempo como a ordem mensurável do movimento e<br />

essa concepção cíclica do mundo forneceram as bases para a mecânica<br />

de Newton. Santo Agostinho reduz a concepção do tempo à consciência e<br />

desconhece, pelo menos filosoficamente, a existência de um tempo objetivo.<br />

O tempo em sua teoria não é um “ente” independente do homem e objetivo,<br />

mas, pelo contrário, existe tão somente dentro de nossa consciência.<br />

A noção mais antiga de tempo na filosofia remonta aos gregos.<br />

Chrónos refere-se ao tempo cronológico ou sequencial. É medido pelo<br />

relógio e calendário; é ordenado, rítmico e previsível. O kairos é o tempo da<br />

sensibilidade e das verdadeiras aprendizagens, que na literatura corresponde<br />

157


ao tempo psicológico. Numa comparação entre as duas palavras enquanto<br />

chronos é de natureza quantitativa, o kairos é qualitativo.<br />

Já na pós-modernidade, o tempo é efêmero e desordenando<br />

numa sequência de eventos simultâneos (CASTELLS, 1999, p. 490).<br />

Com o advento das tecnologias digitais uma nova visão paradigmática<br />

emerge na educação e surgem novos formas de gerenciar o tempo bem<br />

como novas temporalidades. Castells (1996 apud SANTAELLA, 2010, p.<br />

111) diz que, nas sociedades em rede, o espaço organiza o tempo e passa<br />

a representar uma figura central nos estudos de mobilidade, fazendo<br />

emergir certos constrangimentos impostos a mobilidade dos cidadãos, fato<br />

indissoluvelmente ligado a natureza expansiva do mundo capitalista. Por<br />

outro lado, o tempo linear, segundo Nowotny (apud SANTAELLA, 2010,<br />

p. 111) vem sendo substituído pela “ilusão de simultaneidade” e por “series<br />

temporais superpostas”.<br />

O grande desafio para a educação e os educadores, portanto, é<br />

o de administrar todas as questões referentes a uma nova concepção de<br />

temporalidades, na qual o que importa não é o sentido cronológico do<br />

tempo, mas fundamentalmente o relacional e o comunicativo.<br />

Além das inúmeras atribuições para administrar os processos<br />

formativos online existe ainda o problema provocado pela presença<br />

de uma <strong>cultura</strong> resultante da incorporação das novas tecnologias na<br />

qual o tempo tem uma dimensão contraditória: flexível, com excesso de<br />

informações e, muitas vezes, difícil de ser administrado. Para enfrentar esse<br />

desafio são necessárias estratégias pedagógicas diferentes e relações mais<br />

compartilhadas e solidárias, para dar voz aos sujeitos aprendentes como<br />

explicita Nóvoa (1988, p. 26), “[...] a troca de experiências e a partilha de<br />

saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor<br />

158


é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de<br />

formando”.<br />

Pesce (2008) apresenta uma cronologia histórica do tempo, a<br />

saber: tempo dos deuses; tempo dos corpos; tempo das máquinas e, na<br />

contemporaneidade, o tempo dos códigos. Adverte que se perdeu a<br />

dimensão kairológica do tempo, para se ficar à mercê do tempo cronológico<br />

e isso tem implicações na constituição das identidades dos sujeitos, pois<br />

solapa a noção histórica do tempo e ameaça o tempo como possibilidade<br />

pessoal e social. A referida autora mostra ainda a necessidade dos cursos<br />

de formação online de professores levarem em conta o equilíbrio entre o<br />

tempo cronológico e o kairós:<br />

[...] para que as distâncias sejam geográficas e não<br />

simbólicas, os programas de formação docente<br />

online devem buscar um tempo de aprendizagem<br />

mais equilibrado na conjugação harmoniosa entre<br />

chrónos e kairós. (PESCE, 2008, p. 33).<br />

Corroborando com a autora supracitada, transcrevemos alguns<br />

depoimentos dos sujeitos do nosso estudo, que serão delineados nas<br />

próximas páginas e que revelam a necessidade de reflexão sobre a<br />

temporalidade e a importância de se estabelecer diferenças entre o tempo<br />

do relógio (chrónos) e o da sensibilidade ou psicológico (kairós), porque as<br />

verdadeiras aprendizagens não são apenas produzidas pela mera passagem<br />

do tempo.<br />

159


o Percurso Metodológico da Pesquisa: a Escuta das Vozes<br />

docentes<br />

Os sujeitos do presente estudo foram 66 professores selecionados<br />

que atuam nos diversos campi da Universidade do Estado da Bahia,<br />

integrantes de dez grupos do Curso de Especialização em EaD do Projeto<br />

UNEB, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB) em uma<br />

das disciplinas do curso intitulada: Metodologia do Ensino Superior. Nessa<br />

disciplina, oportunizamos momentos de reflexão sobre o cenário atual em<br />

que se insere a prática profissional docente, discutimos os saberes que os<br />

professores mobilizam nas situações específicas de ensino, questões relativas<br />

ao desenho didático dos cursos <strong>–</strong> interações e tempo de aprendizagem, este<br />

último aspecto, objeto do presente artigo.<br />

A nossa vivência como professora, autora e formadora em cursos a<br />

distância e, sobretudo, a experiência interinstitucional intitulada: “Formação<br />

de professores para a Docência online” vivida no espaço virtual do ambiente<br />

Moodle6 e os enriquecedores debates sobre essa problemática encabeçados<br />

pela impecável equipe da PUC/SP7 , me instigaram a aprofundar, com os<br />

alunos do Curso de especialização em EAD, os seguintes questionamentos:<br />

Os cursos de formação docente online estão equacionando bem os tempos<br />

de aprendizagem? Há tempo suficiente para os participantes construírem<br />

aprendizagens significativas? Quais as interferências no processo de<br />

constituição das identidades docentes advindas do meio digital?<br />

6 Nesse espaço, desenvolvemos o projeto interinstitucional intitulado: Formação de<br />

Professores para a Docência Online, coordenado pelo professor Marco Silva, no qual<br />

utilizamos o ambiente Moodle. Foram vários pesquisadores representando vários programas<br />

de pós-graduação do Brasil e exterior, discutindo temáticas importantes relacionadas à<br />

docência na ciber<strong>cultura</strong>. Disponível em: .<br />

7 Destaco os professores que compõem a equipe do PPGE/PUC/SP, em especial, as<br />

professoras doutoras Lucia Santaella e Lucila Pesce de Oliveira.<br />

160


Os depoimentos dos sujeitos oriundos de grupos de vários campus<br />

da Universidade do Estado da Bahia que participaram do curso foram<br />

longos, bem fundamentados, com a incorporação de imagens e vídeos aos<br />

textos discutidos na interface: Fórum e levantaram discussões sobre tempo<br />

de aprendizagens nos cursos online.<br />

Seguem-se as vozes de dois sujeitos da pesquisa que assim definiram<br />

o tempo como referência para aprendizagens significativas:<br />

[...]Portanto, as aprendizagens significativas acontecem no Kairós, tempo que não<br />

pode ser medido pelo tempo (Chrónos) permanência nos ambientes virtuais mas<br />

pela qualidade das interações e pelas possibilidades ilimitadas de construção de<br />

conhecimento [...] (PE-G10.)<br />

O excesso de textos e tarefas no ambiente virtual que impedem o<br />

aluno, dentro do tempo previsto, de obter uma aprendizagem significativa<br />

foi outro aspecto abordado pelos sujeitos da pesquisa. Os sujeitos mostram<br />

ainda o tempo como fator de referência e defendem a flexibilidade de<br />

horários nos cursos online para viabilizar maiores possibilidades de<br />

administrar o tempo e as atividades propostas.<br />

[...] nós, professores, podemos controlar o tempo disponível com nossos alunos e<br />

acrescento que cabe ao professor apresentar as tarefas em etapas acessíveis, para<br />

evitar o excesso de informações. [...] Então, cabe ao professor ajudar os alunos a<br />

gerenciar seu próprio tempo online e desenvolver disciplina suficiente para realizar<br />

as tarefas [...] (LMN-ESPG4).<br />

[...] o tempo é um elemento organizador de nossas ações; não podemos perdêlo<br />

como referência. É natural que, no processo de transição e estabelecimento de<br />

161


um novo paradigma (como a relatividade do tempo), os equívocos e incertezas<br />

ocorram na ação educativa. O amadurecimento de aprendizagens é consequencia<br />

de discussões, de reflexões e de trocas que podem ou não ser contempladas, com<br />

base nos tempos disponíveis e bem aproveitados. (PBRESP-G5).<br />

Os depoimentos também mostram a dificuldade de se administrar<br />

o tempo nos cursos online, enfatizando a falta de tempo dos docentes para<br />

acompanhar as atividades propostas como se pode observar a seguir.<br />

[...] É verdade também que enfrentamos a falta de tempo daqueles que se propõem<br />

a nos orientar [...]. (HLCD-ESP-G4).<br />

[...] Dessa maneira, o tempo do relógio sendo escasso, como administrá-lo de modo<br />

a ser investido para a formação? Chega a ser utópico acreditar que um professor<br />

que trabalhe 60h, conforme o nosso colega relatou, tenha a mesma motivação, vigor<br />

físico e disponibilidade para estar em cursos de formação. Junte-se a isso o fator<br />

socio<strong>cultura</strong>l: o da mulher, que além de ser profissional, necessita assumir o papel<br />

de dona de casa, esposa e mãe. [...] (ASCO-ESP-G5).<br />

Um dos sujeitos da pesquisa assinalou a necessidade de uma<br />

reflexão coletiva para o enfrentamento das questões nos cursos a distância<br />

e a necessidade de evitar a superficialidade dos cursos, atentando para os<br />

ganhos formativos produzidos.<br />

[...] a pretensa eficiência quantitativa de muitos cursos, respaldada em critérios<br />

de eficácia, geralmente mostra uma falsa impressão de aprendizagem e sucesso<br />

formativo, escondendo uma perda significativa de qualidade, justamente pelo<br />

atropelamento do kairós (tempo vivencial, da sensibilidade e das verdadeiras<br />

162


aprendizagens) ante a “ditadura” do chrónos (tempo opressor, objetivo, linear e<br />

hegemônico por essência), que obriga os sujeitos a cumprir programas e prazos em<br />

busca de resultados não condizentes com o real intuito da educação, a qual vai além<br />

do abarrotamento de conteúdos curriculares rumo à formação crítico-reflexiva,<br />

comprometida com a ética e a cidadania, acima de tudo. (PL-G2).<br />

Como nos encontramos no espaço virtual, com novas configurações,<br />

optamos por adotar uma postura etnográfica que possibilitasse a interação<br />

necessária entre os sujeitos da pesquisa, viabilizando a construção conjunta<br />

de sentidos e de resultados (HINE, 2000). Adotamos a etnografia como<br />

opção metodológica para analisar os depoimentos extraídos da interface:<br />

Fórum Virtual.<br />

Esclarecemos que, como estamos analisando escritas produzidas<br />

em ambientes mediados pelo computador e pela internet, um aspecto<br />

importante a ser considerado é a refletividade, em que pesquisador e<br />

pesquisados devem crescer por meio da pesquisa e se auto‐analisarem.<br />

Além disso, a adoção da uma postura etnográfica permite a confluência da<br />

subjetividade com a objetividade, articulando as distintas vozes docentes e<br />

discentes. Justificamos tal esforço metodológico para compensar a falta do<br />

contato mais direto entre pesquisador e sujeitos da investigação, fato comum,<br />

quando estamos em ambientes virtuais, mediados pelo computador.<br />

Ao discutir a questão do tempo, a percepção construída dessa<br />

pesquisadora também foi modificando, a partir da interação comunicativa<br />

com os sujeitos do estudo. Esclarecemos que os Fóruns deixaram outros<br />

questionamentos referentes à docência online, que serão discutidos<br />

posteriormente, não se constituindo em objeto do presente artigo.<br />

O percurso metodológico do presente estudo ainda não concluído,<br />

já atingiu uma primeira etapa caracterizada pela leitura crítica das escritas<br />

digitais colhidas no Fórum bem como, por uma leitura flutuante dessas, para<br />

163


uma primeira análise de conteúdo. Pelo exposto, espera-se que a presente<br />

pesquisa possa contribuir para revelar outros espaços de investigação e<br />

possibilidades de formação que desloquem o eixo da docência tradicional<br />

para um espaço-tempo de escuta dos formadores da universidade com<br />

os professores da educação básica, levando-os a exercerem uma reflexão<br />

crítica sobre a sua própria formação, nos espaços online de aprendizagem.<br />

Conclusões, ainda que Parciais<br />

164<br />

Discutimos, neste artigo que as tecnologias apontam para um<br />

novo tipo de sociedade, predisposta à interações mais democráticas, mas<br />

também sinalizam outras formas de desigualdades e divisão social.<br />

Enfatizamos o posicionamento dos críticos dos estudos <strong>cultura</strong>is<br />

da Pedagogia que defendem uma concepção de currículo que leve em<br />

consideração as vozes dos sujeitos excluídos.<br />

Analisamos como a <strong>Educação</strong> online pode dar suporte à inovação<br />

pedagógica e desafiar a educação tradicional, se estiver disposta a repensar<br />

seus modelos de formação docente e de gestão educacional.<br />

Chamamos a atenção para a questão da temporalidade nos processos<br />

formativos à distância e aprofundamos a questão dos cursos online<br />

atentarem para a singularidade nos ambientes virtuais e para a necessidade<br />

de se formar professores competentes e comprometidos, capazes de mediar<br />

a aprendizagem dos alunos nesses espaços.<br />

Como discutimos ao longo do texto e dos depoimentos aqui<br />

registrados, ainda persistem dúvidas e incertezas no que diz respeito ao<br />

tempo utilizado pelas instituições de ensino a distância e alguns sujeitos<br />

questionam a forma como o tempo tem sido utilizado nos desenhos


didáticos dos cursos online. Nesse particular, destacamos o tempo<br />

construtor de aprendizagens significativas, que não pode ser medido pelo<br />

relógio, o Kairós, que envolve dialogia e interrelações mais afetivas entre<br />

formadores e formandos em ambientes virtuais. São aprendizagens que<br />

“[...] tocam o coração das pessoas” 8 , como nos ensina Cora Coralina com<br />

sua sensibilidade e sabedoria exemplares, aprendidas ao longo da sua vida<br />

e das suas ricas experiências.<br />

As intervenções dos sujeitos também revelam descontentamento e<br />

a necessidade de uma atitude crítica para o enfrentamento dessas questões.<br />

Pelo exposto, fica evidente que precisamos estar preparados para<br />

enfrentar esses desafios, abertos e flexíveis para as mudanças paradigmáticas<br />

na educação. Concordamos com Hine (2004) quando diz que, quando se<br />

trata de pesquisa, em que se utiliza o ambiente virtual, o agente de mudanças<br />

não é a tecnologia, mas os sentidos que se constroem em torno dela. Não<br />

estamos lidando apenas com novas tecnologias, mas com novos conceitos,<br />

o que está no centro da questão, a essência substantiva do nosso problema,<br />

é a qualidade da educação, seja ela presencial ou à distância.<br />

O desafio que está sendo posto vai muito além, exigindo mudanças<br />

paradigmáticas que se constroem no coletivo das instituições, superando<br />

as visões lineares que ainda perduram, procurando formar uma equipe<br />

interdisciplinar que tenha como ponto de partida a consideração pelo perfil<br />

e expectativas da clientela envolvida, uma gestão de sistema eficaz, um<br />

projeto pedagógico e um desenho didático que acolham verdadeiramente<br />

uma educação sem distância.<br />

8 Disponível em: .<br />

165


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168


Sala de Aula Virtual: novos<br />

lugares e novas durações<br />

para o ensinar e aprender<br />

na contemporaneidade<br />

Introdução<br />

Daniel Mill<br />

(UFSCar)<br />

Aparecida Ribeiro da Silva<br />

(UFSCar)<br />

Nara Brito<br />

(UFSCar)<br />

O que é uma aula? Como uma sala de aula se configura? O que<br />

a caracteriza? Quais os tempos e espaços de uma (sala de) aula? Que<br />

mudanças conceituais as tecnologias digitais trouxeram para a aula e para<br />

a sala de aula? Para compreender as concepções de aula e sala de aula na<br />

contemporaneidade é preciso antes entender aspectos relacionados à sala<br />

de aula presencial.<br />

Assim, o objetivo deste texto é discutir e buscar compreender a aula<br />

e a sala de aula virtual como espaços e tempos diferenciados, tendo como<br />

referência a compreensão vigente de sala de aula presencial e o atual estágio<br />

169


de desenvolvimento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação<br />

(TDIC). A influência dessas TDIC na educação (especialmente na educação<br />

a distância) trouxe diferentes entendimentos sobre espaços e tempos<br />

educacionais.<br />

Entendemos que essas análises e discussões são fundamentais para<br />

compreender a educação na contemporaneidade. A sala de aula virtual está<br />

no bojo das transformações mais profundas pelas quais passou a educação<br />

ultimamente e, por isso, merecem ser estudadas.<br />

A sala de aula presencial: definições e considerações<br />

preliminares<br />

A sala de aula tem papel central no espaço escolar, pois é nele que<br />

as relações educacionais e a formação dos alunos acontecem de modo<br />

privilegiado. O espaço da sala de aula é composto de inúmeros elementos<br />

e sua identificação ou compreensão está na base de análise da educação<br />

na atualidade, especialmente na educação a distância (EaD). Discutiremos<br />

a seguir noções sobre aula e seus espaços e tempos, caracterizando-as em<br />

seus entendidos como lugar e duração de ensinar e aprender.<br />

170<br />

Entendendo uma aula<br />

Para compreender adequadamente uma concepção de sala de aula,<br />

é preciso antes entender o que é uma aula. Em seu livro, Veiga (2008) nos<br />

apresenta uma concepção de gênese, dimensões, princípios e práticas da<br />

aula. De forma simplificada e numa concepção tradicional, podemos dizer<br />

que uma aula é um fato social que ocorre na relação ensino-aprendizagem<br />

num espaço e tempo determinado, envolvendo docente e educando. Com as


mudanças tecnológicas mais recentes, essa noção de aula sofreu mudanças<br />

também. Assim, questiona-se: o que é uma aula? O que a caracteriza e qual<br />

sua relação efetiva com os tempos e espaços da sala de aula?<br />

Como princípio, uma aula se instala num espaço e tempo<br />

determinado para o ensino-aprendizagem, em que as intencionalidades<br />

docente e discente devem vigorar. Tradicionalmente, a sala de aula é o lócus<br />

privilegiado para a realização da aula, pois foi planejada e construída para<br />

essa finalidade. Além disso, a organização de tempos e espaços destacase<br />

como elemento fundamental na constituição da aula. “[...] A aula se<br />

realiza em um espaço e em um tempo demarcados, mas apresenta uma<br />

composição de unidades, que pressupõe uma estruturação entre objetivo,<br />

finalidade, conteúdo, método e técnica de ensino, tecnologia e avaliação”<br />

(ARAÚJO, 2008, p. 59).<br />

Tendo como referência noções de espaço/lugar e tempo/duração<br />

de uma aula, o docente planeja a aula e as atividades que desenvolverá<br />

com os alunos de acordo com a sua concepção dos processos de ensino<br />

e aprendizagem. O desenvolvimento do pensamento, da cognição e da<br />

racionalidade humana é explicado diferentemente por diversos autores e<br />

teorias, que embasam as relações de ensino e aprendizagem entre alunos<br />

e professores e vão configurar o desenvolvimento do trabalho pedagógico.<br />

A intencionalidade docente é influenciada, portanto, por essas teorias e<br />

estudiosos da educação.<br />

[...] o que orienta a organização dos espaçostempos<br />

de aula é a intencionalidade do trabalho<br />

pedagógico: a forma como são selecionados<br />

os objetivos educativos, os conteúdos, os<br />

métodos, o processo de avaliação, como<br />

a relação professor-aluno é conduzida e a<br />

compreensão de que essas opções teórico-<br />

171


metodológicas não se caracterizam pela<br />

neutralidade, ao contrário, expressam<br />

concepções de sociedade, educação e homem<br />

(SILVA, 2008, p. 38).<br />

A forma como os professores organizam as relações de ensinoaprendizagem<br />

e os conhecimentos no tempo e espaço disponíveis é norteada<br />

pelos seus referenciais epistemológicos. Em cada linha teórica, a aula se<br />

configura de determinada maneira e, também por isso, uma aula nunca<br />

é neutra, pois carrega uma concepção e uma maneira de compreender os<br />

processos envolvidos no ensinar e aprender. Assim, uma aula é a organização<br />

didático-pedagógica de uma determinada fatia de conhecimento,<br />

prevista para se desenvolver num lugar e durante um intervalo de tempo<br />

predeterminados, numa discussão entre sujeitos (educador e educandos)<br />

socialmente e historicamente estabelecidos, objetivando o desenvolvimento<br />

cognitivo especialmente dos estudantes do grupo. Como dissemos, por<br />

ser planejada pedagogicamente para um determinado fim (intenção de<br />

ensinar) e por atender a um determinado grupo de interessados (desejo<br />

de aprender), uma aula pressupõe intencionalidade docente e interesse<br />

discente na construção do conhecimento.<br />

Sobre sala de aula como lugar privilegiado para a<br />

formação<br />

O espaço planejado e privilegiado para que a aula aconteça é a sala<br />

de aula, que geralmente compõe parte de uma instituição educacional<br />

igualmente planejada e construída. O espaço escolar é arquitetado para<br />

fins educacionais. A arquitetura escolar prevê a construção de espaços<br />

como bibliotecas, secretarias, sala de aula, sala de professores, banheiros,<br />

espaço para recreio etc.. Entretanto, por princípio, é no espaço da sala de


aula que acontece o processo da ação educativa. É nesse espaço da sala<br />

de aula que alunos e professores se reúnem para compartilhar o ensino e<br />

a aprendizagem. Dessa forma, o espaço da sala de aula é um importante<br />

e privilegiado espaço para a formação do estudante (e do professor,<br />

indiretamente). Apesar dessa importância, ainda há aspectos da sala de aula<br />

por compreender, especialmente no contexto multimidiático e ciber<strong>cultura</strong>l<br />

atual. Como ocorre o processo de ensino e aprendizagem nos espaços de<br />

uma sala de aula na contemporaneidade? Qual o lugar da aula atualmente?<br />

O tempo de uma aula é cronometrado em minutos, mais<br />

especificamente, em hora/aula. É nessa duração da hora/aula que o docente<br />

desenvolve o processo de formação dos alunos, no espaço da sala de aula.<br />

Frago e Escolano (2001, p. 27) explica que “[...] a espacialidade precisa ser<br />

parte integrante da arquitetura escolar, de forma que se observa tanto na<br />

separação das salas de aula como na disposição regular das carteiras”. Essas<br />

coisas, segundo Frago e Escolano, facilitam também a rotina das tarefas<br />

e economia do tempo. Sendo assim, é importante que ao projetarem o<br />

espaço de uma sala de aula, seja pensado no tempo compartilhado entre<br />

o professor e os alunos na relação de ensino e aprendizagem. Bernard<br />

(apud BUFFA; PINTO, 2002, p. 19) afirma que, “[...] geralmente, as escolas<br />

são muito pequenas, sem espaço suficiente para a circulação dos alunos;<br />

são mal iluminadas, mal ventiladas e mal aquecidas. Os móveis não são<br />

ajustados aos alunos, nem dispostos de forma a lhes proporcionar conforto<br />

e a fácil supervisão do mestre”.<br />

Portanto, para possibilitar formação adequada aos alunos, a<br />

arquitetura escolar deve levar em consideração o espaço da sala de aula,<br />

com destaque para as dimensões de conforto: espaço disponível, a claridade<br />

e iluminação, ventilação, temperatura ambiente, organização dos alunos/<br />

mobiliário e o manejo da turma pelo docente. É essencial que o ambiente de<br />

estudos da sala de aula configure-se como um espaço agradável, confortável<br />

173


e que proporcione boas condições de discussão entre os participantes e<br />

desenvolva cognitivamente os educandos. Além disso o docente leva em<br />

consideração que “[...] a aula possui alguns componentes, e entre eles está<br />

o tempo, que é o processo de duração de uma aula, cronometrada pelo<br />

relógio, em 40’ a 50’, que se configura em uma hora-aula” (ARAUJO, 2008,<br />

p. 61). É nessa hora/aula, espaço/lugar que o professor/docente discute<br />

com os alunos/discentes, sobre os conteúdos no processo de ensino e<br />

aprendizagem. Num plano geral e como fundamento da construção<br />

do conhecimento em sala de aula, pode-se concluir que o momento de<br />

convivência em sala de aula precisa ser uma duração relacional rica e fértil,<br />

o que exige boas condições para a sala ambiente da aula.<br />

Além disso, mesmo em condições adequadas a configuração de uma<br />

sala de aula pode ser fator limitante para o desenvolvimento do educando.<br />

Segundo Kenski (2007), a arquitetura da sala de aula tradicional limita o<br />

potencial de discussão de uma aula, levando-nos à conclusão de que são<br />

espaço-tempo finitos e de difícil gerenciamento. Embora longa, a citação<br />

abaixo traduz a afirmação da autora.<br />

174<br />

Se as arquiteturas das escolas e os espaços das<br />

salas de aula nos falam de uma educação em que<br />

se privilegia o ensino, os tempos das escolas vão<br />

reforçar essa minha tese, porque o tempo nas salas<br />

de 50 ou mais alunos é determinado, curto e finito.<br />

Um tempo curto demais para que todos possam<br />

falar, dizer o que pensam. Um tempo em que não<br />

há como debruçar-se sobre a informação, refletir e<br />

posiciona-se criticamente, apresentar suas reflexões<br />

para os que freqüentam a mesma sala de aula. Um<br />

tempo que precisa ser gerenciado pelo professor<br />

para poder transmitir a informação, encaminhar<br />

exercícios, corrigir, tirar dúvidas, avaliar. Um<br />

tempo pequeno demais para o professor e todo o<br />

‘programa’ da disciplina que precisa cumprir. Um


tempo que, assim como o espaço, aposta na função<br />

de ensinar e na ação do professor e desconsidera o<br />

aluno e suas formas de aprender (KENSKI, 2007, p.<br />

108).<br />

Por outro lado, podem haver modelos alternativos, pois nem sempre<br />

os tempos e espaço da (sala de) aula foram definidos e organizados em<br />

função da arquitetura escolar. Essa relação altera-se tanto em função da<br />

época histórica quanto com relação à sociedade considerada. Segundo Silva<br />

(2008, p. 17), “[...] na Europa medieval não existia um espaço construído<br />

e destinado a ser uma sala de aula. Na verdade, os filhos de aristocratas<br />

que viviam no campo se organizavam em grupos e remuneravam os<br />

professores”. Para essa autora, a duração de uma aula não estava circunscrita<br />

no espaço de uma sala de aula. Após a Idade Média, “[...] as relações de<br />

aprendizagem dos nobres passaram a ser nas aulas particulares, interagindo<br />

com um professor, conhecido como interceptor” (XAVIER; FERNANDES,<br />

2008, p. 228). Somente após a Revolução Industrial que o espaço de ensinoaprendizagem<br />

começa a tomar a configuração do que conhecemos hoje<br />

como uma sala de aula.<br />

Caracterizando aula como duração e a sala de aula<br />

como lugar de aprendizagem<br />

Sabemos que o surgimento da sala de aula (como a conhecemos<br />

hoje) é relativamente recente, mas ganhou importância central na análise<br />

do ensino-aprendizagem. Embora sala de aula pareça um termo simples<br />

e claro, trata-se de uma expressão bastante complexa até mesmo para<br />

educadores. Nem todos sabem o que é uma sala de aula e quais suas<br />

principais características. Quais as particularidades de uma sala de aula em<br />

175


elação a outros espaços arquitetônicos? Quais as principais características<br />

físicas/arquitetônicas e/ou pedagógicas que determinam uma sala de aula?<br />

Segundo Mill e Fidalgo (2006, p. 25), os espaços são percebidos de<br />

maneira simbólica. Afirmam que cada espaço e lugar são compreendidos<br />

a partir de sua função e, dessa maneira, a sala de aula é percebida como<br />

esse espaço de ensino-aprendizagem por ter determinadas características<br />

e por ser planejada e desenvolvida com o objetivo pedagógico. É essa<br />

característica que diferenciará o espaço da sala de aula de outros espaços.<br />

A sala de aula é composta por vários elementos e não apenas por<br />

docentes e alunos. Conforme Dussel e Caruso (2003, p. 36), há também<br />

“[...] mobiliário, instrumentos didáticos, as questões da arquitetura escolar,<br />

tudo faz parte da sala de aula”. Assim, o espaço da sala de aula é percebido<br />

pelas suas características, em relação à sua arquitetura e à disposição dos<br />

objetos em seu interior. Por questões contextuais, é necessário um olhar<br />

histórico para a sala de aula buscando entendimento das transformações e<br />

decisões que a configuraram como ela é hoje. Por ser um espaço construído<br />

socialmente, Dussel e Caruso (2003, p. 36) sugerem que a sala de aula seja<br />

analisada como construção histórica dos seres humanos.<br />

Os aspectos arquitetônicos, de configuração e organização dos<br />

objetos e pessoas fazem parte do que constitui a sala de aula como espaço<br />

destinado à relação pedagógica entre discentes e docentes. Segundo Frago<br />

e Escolano (2001, p. 74), o espaço escolar educa e, por esse motivo, ele deve<br />

ser pensado e construído com essa intenção educacional, pois o espaço<br />

nada tem de neutro. Dessa forma, educação e arquitetura estão ou estiveram<br />

intimamente inter-relacionadas.<br />

O papel do professor na configuração de um espaço educativo<br />

(ou espaço que educa) é fundamental. Ainda segundo Frago e Escolano<br />

(2001, p. 139), o espaço da sala de aula vai se configurar conforme a<br />

176


visão de organização e, portanto, de educação que o professor carrega.<br />

Nesse sentido, o docente é também arquiteto, pois ele pode transformar<br />

o espaço da sala de aula em um espaço mecânico e frio ou dinâmico e<br />

vivo. Sua capacidade de criar um ambiente agradável e adequado para si<br />

e seus alunos está relacionada à forma como o professor organizará os<br />

objetos e pessoas na sala de aula e também na concepção de formação que<br />

a sua prática pedagógica é baseada. Acreditamos que essa caracterização<br />

do espaço da sala de aula é identificada a partir da compreensão de<br />

Therrien e Therrien (2001, p. 78), que compreendem a racionalidade do<br />

fazer pedagógico cotidiano dos professores a partir da exploração do “[...]<br />

universo epistemológico que fundamenta o agir pedagógico; isto é, a partir<br />

da identificação e caracterização dos elementos fundantes de uma razão<br />

eminentemente prática que estrutura o fazer”.<br />

Assim, com base nos estudos de Mill e Fidalgo (2006, p. 21), podese<br />

afirmar que o aspecto organizacional da sala de aula é importante e<br />

inerente a prática pedagógica; embora ele não deva se desprender do<br />

aspecto arquitetônico da escola. Ambos os aspectos são partes importantes<br />

na compreensão das relações de ensino e aprendizagem. Os espaços físicos<br />

da escola (inclusive aqueles extraclasse), sua arquitetura é parte importante<br />

na organização do espaço escolar para possibilitar melhor ensino e<br />

aprendizagem, esse é um aspecto que não deve ser ignorado por ser parte<br />

importante no contexto escolar. Como disse Silva (2008), há aspectos<br />

organizacionais e arquitetônicos extraclasse que compõem o processo<br />

educacional e isso também deve ser considerado na análise da sala de aula.<br />

A sala de aula se vincula à dimensão física <strong>–</strong><br />

local apropriado para a realização de ações,<br />

ao passo que a aula assume a dimensão de<br />

organização do processo educativo, tempo e<br />

177


178<br />

espaço de aprendizagem, de desconstrução<br />

e não se vincula a um lugar específico, uma<br />

vez que a aula pode realizar-se em espaços<br />

não convencionais, para além de uma sala<br />

retangular com cadeiras e mesas dispostas<br />

linearmente, com um quadro de giz na parede<br />

e um espaço central para o professor (SILVA,<br />

2008, p. 36).<br />

A partir dessa compreensão, podemos entender que uma aula<br />

acontece em qualquer espaço, sendo a sala de aula o lócus privilegiado e<br />

intencionalmente construído para o exercício do ensino e aprendizagem.<br />

Atualmente, com o desenvolvimento intenso da EaD, a aula e a sala de<br />

aula passaram por transformações em decorrência do redimensionamento<br />

espaço-temporal promovido pelas tecnologias de informação e comunicação<br />

(TDIC). A maneira como as relações de ensino-aprendizagem socialmente<br />

construídas nos tempos atuais (na EaD, em especial) retira a centralidade da<br />

sala de aula como espaço privilegiado para a construção de conhecimentos<br />

e expande o lugar da formação e a duração de uma aula para outros limites.<br />

Consideramos ser importante compreender esses aspectos e é por isso que<br />

aprofundaremos o assunto no próximo tópico.<br />

A aula e a sala de aula na contemporaneidade: virtualidades<br />

e redimensionamentos<br />

Como afirma Harvey (2001), o desenvolvimento das tecnologias<br />

de informação e comunicação, principalmente da internet, possibilitou<br />

outras maneiras de experimentar os tempos e espaços. Possibilitou, por<br />

conseguinte, outras formas de pensar e configurar a aula como duração e<br />

a sala de aula como lugar. Essa nova configuração emerge num contexto


de mudanças de paradigma no campo educacional. A maior contribuição<br />

que a internet pode proporcionar ao processo educacional diz respeito à<br />

mudança de paradigma, impulsionada pelo grande poder de interação que<br />

ela propicia (SCHLEMMER, 2005, p. 30).<br />

As mudanças de paradigmas promovidas pela intensificação do<br />

uso das tecnologias digitais na educação estão diretamente relacionadas<br />

aos tempos e aos espaços do ensinar e aprender. Assim, compreender esta<br />

relação entre tecnologias digitais e educação parece necessário.<br />

A evolução das Tecnologias de Informação e<br />

Comunicação: contextualizando<br />

Autores como Castells (2003) e Harvey (2001), dentre outros<br />

tantos, analisam as mudanças das últimas décadas sob o ponto de vista das<br />

tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). A tese central é<br />

que as experiências sociais com os tempos e espaços passaram por mudanças<br />

abissais desde a virada do século. As tecnologias de base telemática e<br />

informacionais têm gerado transformações <strong>cultura</strong>is em todas as instâncias<br />

sociais do mundo, inclusive na educação. Algumas dessas mudanças<br />

educacionais podem ser consideradas positivas e importantes, embora<br />

outras consequências menos benéficas possam ser identificadas. Do ponto<br />

de vista da sociedade ciber<strong>cultura</strong>l, as TICs fizeram emergir novas formas<br />

de relacionamento sociais e novas maneiras de experimentar o tempo e o<br />

espaço. No centro destas análises, estão as questões espaçotemporais da<br />

educação, com destaque para a aula e a sala de aula.<br />

Conforme Kenski (2003, p. 23), o uso das tecnologias de informação<br />

e comunicação, caracterizadas como <strong>midiática</strong>s, criaram uma nova <strong>cultura</strong> e<br />

um novo modelo de sociedade — o que, direta ou indiretamente, influenciou<br />

179


a educação em praticamente todos os sentidos. Em sentido semelhante, Mill<br />

e Fidalgo (2006, p. 20) afirmam que, “[...] sendo a educação uma atividade<br />

perpassada pelos processos comunicacionais, ela é diretamente influenciada<br />

pelas novas possibilidades comunicacionais criadas pela digitalização ou<br />

virtualização”. Enfim, é nessa direção que várias discussões contemporâneas<br />

são abertas sobre as transformações ocorridas na educação em função do<br />

avanço tecnológico. Tais transformações ocorrem em diversos aspectos,<br />

principalmente nos espaços/tempos educacionais (especialmente o ensinar<br />

e aprender na sala de aula).<br />

Com o uso das tecnologias digitais na educação, a noção de espaços<br />

e tempos mudou drasticamente, inclusive no âmbito da educação. As TDIC<br />

possibilitaram “[...] a criação de situações pedagógicas diversificadas, ricas<br />

e complexas, incentivando a autonomia do aluno e de todos os envolvidos”<br />

(PERRENOUD, 2000, p. 139). Seguindo a mesma linha de raciocínio e<br />

referindo-se aos espaços da sala de aula, Kenski (2003) acrescenta outras<br />

alterações provocadas pela inserção das tecnologias digitais na educação,<br />

destacando aí dois aspectos.<br />

As tecnologias redimensionam o espaço da sala de aula em dois<br />

aspectos: primeiro aos procedimentos realizados pelo grupo de alunos e<br />

professores no espaço físico da sala de aula. No segundo aspecto, é o próprio<br />

espaço da sala de aula que também se altera (KENSKI, 2003, p. 50).<br />

Mudanças, portanto, nas concepções de sala de aula (organização<br />

espacial e conforto) e aula (relação social com o tempo e o conteúdo). Como<br />

argumenta Araujo (2008, p. 59), uma “[...] aula se realiza em um espaço e em<br />

um tempo demarcados, mas apresenta uma composição de unidades, que<br />

pressupõe uma estruturação entre objetivo, finalidade, conteúdo, método<br />

e técnica de ensino, tecnologia e avaliação”. Dussel e Caruso (2003, p. 237)<br />

acrescentam que “[...] o espaço da sala de aula não é definido unicamente


pelas tecnologias, mas em grande parte do que homens e mulheres se<br />

dispunham a fazer destas tecnologias”. A despeito do atual estágio de<br />

desenvolvimento das tecnologias digitais, a relação ensino-aprendizagem<br />

ainda possui como princípio primeiro a relação entre educador e educando.<br />

No âmbito da educação a distância (EaD), a relação entre educação<br />

e telemática é mais explícita e também intensamente explorada. Os<br />

ambientes virtuais de aprendizagem, as videoconferências, as discussões<br />

virtuais em fóruns e outras ferramentas da modalidade de EaD representam<br />

possibilidades até então desconhecidas de experimentar o tempo e o espaço<br />

na educação. Vejamos mais detalhadamente no próximo tópico essa<br />

questão.<br />

Mudanças espaços-temporais na educação<br />

contemporânea<br />

Nos últimos anos, muito se ouve falar em mudanças paradigmáticas.<br />

Também na educação, essas discussões são evidentes e é nesse contexto<br />

que a modalidade de EaD emerge como uma possibilidade adicional de<br />

formação inicial ou continuada. Intensamente permeada por TDIC, o<br />

contexto educacional contemporâneo caracteriza pela mudança nas formas<br />

de aprender e de ensinar. A EaD ganha impulsos como uma modalidade<br />

educacional com intenso uso de mídias informacionais e com proposta<br />

pedagógica descentralizada, em que docentes e estudantes compartilham<br />

informações e aprendem colaborativamente. Especialmente na EaD, o<br />

professor perde a centralidade do processo e ganha status de orientador<br />

da aprendizagem dos seus alunos. Pelas possibilidades de comunicação<br />

síncronas e assíncronas das TDIC, o aluno da EaD pode não ter contato<br />

direto com o docente. Esta relação diferenciada entre professor-aluno é<br />

mediada por múltiplas mídias e por materiais didáticos diversos. Isso está<br />

181


diretamente relacionado às formas como as pessoas se organizam na “sala<br />

de aula”: os alunos para aprenderem (colaborativamente) e o professor para<br />

manejar sua turma e oferecer uma aula didaticamente organizada.<br />

Para atender a uma nova distribuição espaço-temporal dos sujeitos<br />

do ensino-aprendizagem na EaD, aos poucos foram sendo criadas outras<br />

estruturas de “sala de aula” e novos tempos educacionais. Segundo Frago<br />

e Escolano (2001, p. 134), a imagem do espaço de sala de aula é como um<br />

espaço aberto, não mais a imagem de sala de aula como espaço fechado.<br />

As TDIC possibilitaram a reformulação do processo educativo, da relação<br />

professor-aluno, da aula e do manejo da turma, da sala de aula e de todos os<br />

espaços escolares. Essa mudança de paradigma educacional não é exclusiva<br />

da EaD e também vale para a educação presencial. Como afirma Behar<br />

(2009, p. 20).<br />

A mudança paradigmática na educação aconteceu de fora para<br />

dentro, resultante da introdução das tecnologias da informação e da<br />

comunicação, levando a um novo perfil de instituição e à reformulação das<br />

funções do ‘atores’ envolvidos, entre eles gestores da educação, professores,<br />

alunos e monitores (BEHAR, 2009, p. 20).<br />

Da sala de aula presencial entre quatro paredes para uma sala de<br />

aula virtual, muita coisa muda, mas não em essência. Continua a idéia de<br />

um docente com intenção de ensinar e alunos com desejo ou interesse<br />

em aprender. As mudanças nos espaços e tempos da educação permitem<br />

o ensino-aprendizagem sem que alunos e professores estejam, face-a-face,<br />

num mesmo lugar e num determinado momento ou duração. A aula acontece<br />

em espaços e tempos diferentes. Segundo Xavier e Fernandes (2008, p. 238),<br />

existem outros espaços e tempos que precedem e sucedem no momento<br />

da aula, que não se resume ao que ocorre entre quatros paredes. Para<br />

possibilitar o gerenciamento destas relações sociais e de aprendizagem na<br />

182


EaD, foram desenvolvidos sistemas informáticos, denominados ambientes<br />

virtuais de aprendizagem (AVA). Esses sistemas permitem o gerenciamento<br />

das atividades organizadas de modo espaço-temporalmente diversificado<br />

e, grosso modo, funcionam como uma simulação do ambiente escolar ou<br />

universitário.<br />

Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) como simulação<br />

do ambiente escolar ou universitário<br />

A compreensão do que são os ambientes virtuais de aprendizagem<br />

passa pela noção de redimensionamento da temporalidade e espacialidade<br />

da educação escolar e universitária. Trata-se de um lugar e uma duração<br />

diferenciada daqueles experimentados na educação presencial e isso exige<br />

uma reorganização dos processos de ensino e aprendizagem. A noção<br />

dos tempos de aula e dos espaços de sala de aula influencia na forma de<br />

ensinar e aprender. Portanto, alunos e professores da educação a distância<br />

(e mesmo da educação presencial, quando utiliza tecnologias digitais)<br />

precisam reformular sua forma de pensar e construir o conhecimento. A<br />

configuração de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) representa<br />

um primeiro passo para essa mudança de mentalidade psicopedagógica<br />

necessária aos sujeitos da educação, pois se instala no ciberespaço como<br />

um novo espaço que se desenvolve do nada. Como explicam Mill e Fidalgo<br />

(2006, p. 5), as redes globais de computadores não estão expandindo<br />

em nenhum domínio previamente existente, esse novo espaço tem certa<br />

dependência em relação ao espaço físico e ele só existe se as pessoas<br />

fizerem uso dele. Ao contrário do espaço físico, que existe com ou sem a<br />

nossa interferência. Esta é a primeira noção que um docente e um aluno<br />

precisam reformular: os espaços e tempos da educação virtual são sociais<br />

e fluidos, o que exige participação efetiva e colaboração. Do contrário, não<br />

183


existe os lugares e durações de aprendizagem e, portanto, nem as relações<br />

de aprendizagem em si.<br />

Além disso, esses autores ressaltam que o ciberespaço surge em<br />

complemento ao espaço existente, não substituindo o espaço físico<br />

conhecido.<br />

O surgimento do ciberespaço não suprime, obviamente, a existência<br />

do espaço físico; e, por outro lado, salienta-se que ambos, espaço físico e<br />

ciberespaço, estão entrelaçados <strong>–</strong> a começar pelo simples fato do ‘ciberEU’<br />

ter como referencial o Eu físico; trata-se de um espaço que se abre somente<br />

quando o usuário conecta-se com a rede (MILL; FIDALGO, 2006, p. 7).<br />

Portanto, os AVAs são criados como referência virtual de espaços e tempos<br />

para sujeitos habitantes em contextos multiformes tradicionais. Professores<br />

e alunos coabitam dois mundos e as relações de ensino-aprendizagem se<br />

estabelecem em ambos os espaços e tempos. Esta complexidade inerente da<br />

aula virtual é simplificada pela noção de ambientes virtuais de aprendizagem,<br />

conhecidos como referência da comunidade de determinado grupo. Nesta<br />

perspectiva, existem diversos sistemas informáticos que se propõem<br />

como ambientes virtuais de aprendizagem, sendo todos portadores de<br />

positividades e limitações.<br />

O desenvolvimento dos ambientes virtuais de aprendizagem só<br />

foi possível com o avanço das novas tecnologias digitais e principalmente<br />

da internet, que possibilita a interatividade síncrona e assíncrona, o<br />

redimensionamento espaço-temporal na educação entre outros aspectos.<br />

Utilizando a web, tornam-se possíveis ações como a utilização,<br />

o armazenamento e a recuperação, a distribuição e compartilhamento<br />

instantâneo da informação; a superação dos limites de tempo e espaço; a<br />

construção do conhecimento pelo sujeito, da aprendizagem colaborativa e<br />

cooperativa, da maior autonomia dos sujeitos no processo de aprendizagem,<br />

184


do relacionamento hierárquico, do processo de avaliação continuada e<br />

formativa, por meio do uso de portfólio; um maior grau de interatividade<br />

pela utilização de comunicação síncrona e assíncrona (SCHLEMMER,<br />

2005, p. 31).<br />

Percebe-se, portanto, que o ciberespaço cria possibilidades<br />

educacionais antes não experimentadas, sendo o AVA uma sistematização<br />

objetiva dessas possibilidades num lugar e numa duração habitáveis pelos<br />

interessados. No AVA há interações síncronas (exemplos: bate-papo,<br />

webconferências etc.) e assíncronas (exemplo: fóruns, email etc.). Em<br />

qualquer dessas formas comunicacionais, o objetivo do AVA é viabilizar<br />

encontros e promover discussões e debates entre docentes e discentes.<br />

Segundo Oliveira (2008, p. 205), nos fóruns, o orientador acadêmico<br />

lança inicialmente um tema ou uma situação-problema inter-relacionada<br />

ao conteúdo em questão e os educandos registram suas argumentações<br />

e opiniões, interagindo com os demais participantes, sob a supervisão<br />

do moderador e coordenador. Tecnicamente, esta dinâmica é gerenciada<br />

pelo AVA, que são configurados de maneira específica de acordo com a<br />

concepção pedagógica do grupo de educadores envolvido. Do ponto de vista<br />

pedagógico, o AVA dá suporte ao professor e sua equipe de profissionais no<br />

auxílio aos seus alunos.<br />

Esta nova configuração das relações de ensino-aprendizagem na<br />

EaD virtual acaba reformulando as formas de ensinar e aprender. O fato<br />

de não existir (ou reduzir) os contatos face-a-face entre professor-alunos<br />

exige outras formas de pensar a interação e o uso da linguagem. Isso não<br />

é necessariamente um problema ou dificultador, pois como afirma Kenski<br />

(2007, p. 88), “[...] o uso adequado das tecnologias em atividades de EaD<br />

pode criar laços e aproximações bem mais firmes do que as interações que<br />

ocorrem no breve tempo da aula presencial”.<br />

185


186<br />

A educação a distância se configura de maneira diferenciada<br />

quando comparada com a modalidade presencial porque a construção do<br />

conhecimento e a relação professor e aluno acontece em tempos e espaços<br />

distintos, com isso a configuração do modelo pedagógico deve ser pensado<br />

com base nessas e outras peculiaridades presentes na educação a distância<br />

(BEHAR, 2009, p. 17).<br />

Dependendo da concepção pedagógica, o AVA pode potencializar<br />

o desenvolvimento dos estudantes, especialmente aquelas propostas de<br />

formação baseadas nas relações sociais. Por esse motivo, a maioria das<br />

experiências de EaD atuais se propõem como interacionista. Schlemmer<br />

(2005, p. 34) faz essa associação entre a “concepção interacionista” e<br />

os “ambientes virtuais de aprendizagem” e as “comunidades virtuais de<br />

aprendizagem”, tratando-os como “espaços nos quais os sujeitos podem<br />

interagir e construir conhecimento”. Daí a importância da escolha de um<br />

AVA adequado.<br />

Na utilização de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA),<br />

o primeiro e mais importante item a ser analisado é o critério didáticopedagógico<br />

do software, pois todo e qualquer desenvolvimento de um<br />

produto para educação é permeado por uma concepção epistemológica, ou<br />

seja, por uma crença de como se dá a aquisição do conhecimento, de como<br />

o sujeito aprende (SCHLEMMER, 2005, p. 34).<br />

Enfim, a escolha e configuração dos ambientes virtuais de<br />

aprendizagem é aspecto muito importante dos cursos a distância, pois a<br />

forma como é planejada e as ferramentas utilizadas carregam concepções<br />

de educação. Se do ponto de vista técnico um AVA se pretende neutro<br />

(embora não o seja, visto que nenhuma tecnologia o é), do ponto de vista<br />

pedagógico ele não pode se omitir desta não-neutralidade. É nesse espaço<br />

que os processos educacionais da EaD acontecerão mais intensamente,


pois é nele que alunos e professores irão desenvolver atividades de ensino<br />

e aprendizagem através das interações proporcionadas pelas tecnologias de<br />

informação e comunicação.<br />

Também os tempos do ensinar e aprender são influenciados pela<br />

proposta de ambiente virtual de aprendizagem. Afinal de contas, é no<br />

tempo que está o movimento do espaço. O tempo entendido como quarta<br />

dimensão do espaço. No espaço tridimensional não há movimento, até que<br />

a duração se instale.<br />

Sala de aula virtual: considerações finais<br />

Neste texto, propusemos uma reflexão sobre a sala de aula virtual<br />

como novo ambiente de ensino-aprendizagem, em que se estabelecem as<br />

relações entre docente e alunos. Como afirmaram Mill e Fidalgo (2006,<br />

p. 24), “[...] uma sala de aula virtual continua sendo uma sala de aula”. O<br />

que muda na instalação da sala de aula virtual é o redimensionamento dos<br />

espaços e tempos do ambiente. Decorre daí uma série de mudanças nos<br />

processos, mas todos partem desse mesmo aspecto: novos tempos e espaços<br />

de ensinar e aprender. Como vimos, o Ambiente Virtual de Aprendizagem<br />

(AVA), entendido como o ambiente de sala de aula virtual, comporta a<br />

ação educativa da maioria das experiências da EaD na contemporaneidade.<br />

É na sala de aula virtual que os envolvidos com o processo de ensinoaprendizagem<br />

na modalidade de educação a distância compartilham seus<br />

conhecimentos.<br />

Neste contexto, Behar (2009, p. 23) orienta que “[...] o papel das<br />

TDIC é contribuir para ‘diminuir’ essa ‘distância pedagógica’, assegurando<br />

formas de comunicação e interação entre os ‘atores’ envolvidos no processo<br />

de construção do conhecimento pela EaD”. As tecnologias digitais são<br />

187


fundamentais, portanto, para que a aula virtual aconteça. Entretanto, o<br />

movimento educativo para a estruturação de uma proposta pedagógica<br />

rica e contextualizada é essencial para que o ambiente virtual exerça<br />

adequadamente sua função... uma escola sem bons professores e o desejo<br />

de executar um bom projeto pedagógico não é muito mais do que uma<br />

construção tridimensional. O fazer educativo instalado no movimento dos<br />

sujeitos envolvidos é que vai nos demonstrar o potencial da escola ou do<br />

AVA como espaços privilegiados de formação e da educação.<br />

Na sala de aula virtual, várias ferramentas podem ser utilizadas para<br />

simular as condições de uma sala de aula presencial. Palloff e Pratt (2002, p.<br />

73) observam que “[...] as aulas, os encontros e as reuniões, as oficinas e os<br />

seminários eletrônicos podem ser ministrados tanto de maneira sincrônica<br />

(em tempo real ou chat) quanto assincrônica (quando as mensagens são<br />

enviadas em intervalos mais espaçados)”. Mensagens instantâneas ou<br />

não são trocadas no ambiente virtual de acordo com os interesses dos<br />

sujeitos, configurando-se, assim, as condições desejáveis para o ensino e a<br />

aprendizagem.<br />

A comunicação sincrônica pode ser uma ferramenta muito útil<br />

na sala de aula eletrônica, mas não deve deixar de levar em consideração<br />

os seguintes fatores: trabalho preferencial com grupo pequenos, cuidado<br />

com o fuso horário e determinação prévia das diretrizes do curso para que<br />

os participantes tenham espaço igual para se manifestarem. Nas reuniões<br />

assincrônicas, pode-se dispor do tempo. As mensagens são enviadas de<br />

acordo com a vontade dos participantes, que têm tempo de ler, processar a<br />

informação e, finalmente, responder (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 73).<br />

Percebe-se que as atividades pedagógicas que tradicionalmente<br />

ficavam circunscritas no espaço da sala de aula ou, de modo mais amplo,<br />

nos limites da escola, ganham uma nova configuração. Essa reconfiguração<br />

188


afeta diretamente os espaços construídos para fins educacionais como<br />

conhecemos até hoje; isto é, afeta os ambientes das salas de aulas e<br />

das escolas. Como sintetiza Kenski (2001, p. 126), as TDIC tornam os<br />

espaços permanentemente mutantes, em que as escolas virtuais refletem<br />

e apresentam uma nova forma de linguagem e de <strong>cultura</strong>, características<br />

do momento tecnológico que vivemos na atualidade. Daí as concepções de<br />

ciberespaço e ciber<strong>cultura</strong>.<br />

Como Dussel e Caruso (2003, p. 208), entendemos a sala de aula<br />

como o lugar em que se aprende, onde o ensino e a comunicação se ajustam<br />

num espaço de aprendizagem. Do mesmo modo, compreendemos que a<br />

aula é o momento, por excelência, quando se aprende. Por isso, entendemos<br />

as salas de aula virtual ou tradicional como ambientes ou lugares de<br />

aprendizagem. Nesse sentido, os ambientes virtuais de aprendizagem<br />

constituem-se como salas de aulas virtuais, planejadas e organizadas como<br />

ambientes privilegiadamente educativos <strong>–</strong> embora a sua organização seja<br />

distribuída e descentralizada no espaço e com temporalidades diversas.<br />

Decorre daí a compreensão de ambientes virtuais de aprendizagem como<br />

“[...] um espaço na internet formado pelos sujeitos e suas interações e<br />

formas de comunicação que se estabelecem por meio de uma plataforma,<br />

tendo como foco principal a aprendizagem” (BEHAR, 2009, p. 29).<br />

Conforme Mill e Fidalgo (2006, p. 26), um AVA caracteriza-se<br />

primordialmente pela flexibilidade espaçotemporal; e, dessa maneira, as<br />

relações aí estabelecidas não obedecem à mesma lógica do espaço material<br />

ou geográfico, nem das experiências tradicionais que estabelecemos com<br />

o tempo. A sala de aula virtual está, por isso, em todo lugar e a qualquer<br />

momento. Em decorrência, “[...] quando a aula sai do espaço físico da<br />

sala de aula para ocupar ambiente virtual, praticamente todas as fases do<br />

processo didático alteram-se, desde a estruturação da aula até a relação com<br />

o aprendiz na condição da aula virtual” (OLIVEIRA, 2008, p. 210). Por isso,<br />

189


a aula na EaD e a sala de aula virtual <strong>–</strong> como espaço de trabalho do docente<br />

e dos alunos da EaD virtual <strong>–</strong> apenas possuem uma configuração distinta<br />

daquela tradicional, mas continuam sendo um lugar e um momento de<br />

ensinar e aprender (MILL; FIDALGO, 2006, p. 25). Reconfigurados dessa<br />

forma, os novos espaços e tempos adéquam-se às novas necessidades e, ou,<br />

ao estágio de desenvolvimento tecnológico; descartando a necessidade de<br />

professores e alunos estarem presentes num mesmo espaço e tempo num<br />

lugar determinado para discutir um tema e promover a construção do<br />

conhecimento <strong>–</strong> o que é inevitável e essencial na aula presencial.<br />

Referências<br />

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VEIGA. Ilma P. A. Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas:<br />

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pedagógicos em educação a distância. Porto Alegre: Atmed, 2009. p. 15-32.<br />

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e propostas pedagógicas dos grupos escolares paulistas, 1893/1971. São Carlos:<br />

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CASTELLS, M. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a<br />

sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.<br />

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percurso. In: ______; ______. A invenção da sala de aula: uma genealogia das<br />

formas de ensinar. São Paulo: Moderna, 2003. p. 29-46.<br />

FRAGO, A. V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura<br />

como programa. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2001.<br />

190


HARVEY, David. Condição pós-moderna. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2001.<br />

KENSKI, V. M. Múltiplas linguagens na escola. In: CANDAU, Vera Maria.<br />

Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A,<br />

2001. p.123-139.<br />

______. Do ensino interativo as comunidades de aprendizagem. In: ______.<br />

Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003. p. 99-<br />

118.<br />

______. Das salas de aula aos ambientes virtuais de aprendizagem. In: ______.<br />

<strong>Educação</strong> e tecnologias: o novo ritmo da informação, Campinas: Papirus, 2007. p.<br />

85-113.<br />

MILL, Daniel; FIDALGO, F. Espaço, tempo e tecnologia no trabalho pedagógico:<br />

redimensionamento na Idade Mídia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,<br />

Brasília, DF, v. 88, n. 220, p. 411-697, set./dez. 2007.<br />

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gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas: Papiros, 2008. p. 187- 223.<br />

PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed,<br />

2000.<br />

SCHLEMMER, E. Metodologias para educação a distância no contexto da<br />

formação de comunidades virtuais de aprendizagem. In: BARBOSA, R. M. (Org.).<br />

Ambientes virtuais de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 29-49.<br />

SILVA, E. F. D. Aula no contexto histórico. In: VEIGA, I. P. A. Aula: gênese,<br />

dimensões, princípios e práticas. Campinas: Papirus, 2008. p. 15- 42.<br />

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gestão pedagógica da sala de aula. In: CANDAU, V. M. Cultura, linguagem e<br />

subjetividade no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A; ENDIPE, 2002. p.<br />

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VEIGA. I. P. A. Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas, SP:<br />

Papiros, 2008.<br />

191


XAVIER, Silva O.; FERNANDES. Rosana C. A. A aula em espaços nãoconvencionais.<br />

In: VEIGA, I. P. A. Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas.<br />

Campinas: Papirus, 2008. p. 225- 266.<br />

192


A Comunicação na “Era<br />

do Príncipe Eletrônico”: a<br />

EAD como desafio político<br />

e pedagógico<br />

Eliana Romão<br />

(UFS)<br />

Cesar Nunes<br />

(UNICAMP)<br />

Introdução<br />

Na história da formação política e no registro das constituições<br />

econômicas e <strong>cultura</strong>is hegemônicas, muitos príncipes foram criados. Em<br />

diversos cenários de diferentes épocas, lideranças constituídas em forma<br />

de figuras e metáforas se sucederam e ocuparam espaços por muito tempo,<br />

sobretudo no universo da política. Muitos príncipes marcaram épocas, em<br />

diferentes regimes <strong>–</strong> na monarquia e na república, na democracia e na tirania,<br />

na guerra e na paz. Em ordenamentos hierárquicos de natureza política,<br />

com adensamentos de linhagens sucessórias sobrepõe-se o príncipe como<br />

a consubstanciação do poder. Para Ianni (2000), o príncipe eletrônico tem<br />

sido figura importante na teoria e na prática da política, e esse símbolo por<br />

diferentes denominações aparece em toda história dos tempos modernos.<br />

A começar pelo “Príncipe de Maquiavel” tido como uma pessoa, figura<br />

193


política capaz de articular suas qualidades, de atuar de exercer sua liderança<br />

de modo notável. O Príncipe de Maquiavel, cuja invenção inaugura no<br />

século XVI o pensamento político moderno, é considerado uma expressão<br />

influente, embora controvertida, na sociedade moderna. O autor lembra<br />

que muitos textos de política, tomados como referências de diversos<br />

governos, destacados presidentes e inúmeros pensadores dialogam, seja de<br />

forma aberta ou velada, tomando como referência de liderança política o<br />

primeiro príncipe: o Príncipe de Maquiavel. Muitos os têm como modelo.<br />

194<br />

Na medida em que se realiza como príncipe, este<br />

se mostra preparado para pensar, decidir, negociar,<br />

dirigir, administrar e agir, conciliar e dividir,<br />

premiar e punir, constituindo-se como símbolo<br />

ou emblema para uns e para outros indivíduos em<br />

coletividades [...] (IANNI, 2000, p. 142).<br />

Muito tempo depois, no século XX, Gramsci formula o “Moderno<br />

Príncipe” tido, na esteira do autor, como um partido político, intérprete<br />

e condutor dos indivíduos, coletividades, grupos e classes sociais. O<br />

moderno príncipe apresenta-se, primando pelo ideário coletivo, dotado<br />

de capacidades tanto de interpretar os seguidores do partido como outros<br />

setores da sociedade e até adversários.<br />

No final do século XX, de acordo com o autor, parece que os<br />

conceitos e representações dos príncipes de Maquiavel e de Gramsci foram<br />

superados e apelam para outras configurações. Na era da globalização,<br />

era em que o conhecimento ultrapassa a barreira do tempo e espaço, são<br />

afetadas as estruturas e relações de poder, as formas de convivência, as forças<br />

sociais nos universos do trabalho, do lazer, da <strong>cultura</strong>, da comunicação,<br />

da formação de diferentes profissionais, da educação de novas e velhas<br />

gerações, da educ(ação) do professor. Ianni (2000), descreve também que<br />

em lugar do Príncipe de Maquiavel e do moderno príncipe de Gramsci,


assim como outros príncipes que sucederam nos tempos modernos, cria-se<br />

o “Príncipe Eletrônico” que simultaneamente subordina, recria e absorve<br />

ou simplesmente supera as outras personagens simbólicas e históricas.<br />

Nesse contexto, de alguma maneira, todas as esferas da sociedade<br />

são influenciadas e desafiadas pela expansão das tecnologias eletrônicas,<br />

informáticas e cibernéticas. Para o autor posto em destaque, esse pode ser o<br />

clima em que se impõe o “príncipe eletrônico” sem o qual seria difícil avançar<br />

e entender no universo da ciência, da penetrabilidade das tecnologias de<br />

comunicação e informação nas plurívocas formas de relações humanas.<br />

Na atualidade, o príncipe já não é mais um líder<br />

ou partido político, mas uma proposição que<br />

transcende os descortinos, tinos e desatinos dos<br />

príncipes anteriores, ainda que de forma enigmática.<br />

O Príncipe Eletrônico é uma entidade nebulosa e<br />

ativa, presente e invisível, predominante abstrata e<br />

ubíqua, permeando continuamente todos os níveis<br />

da sociedade em âmbito local, nacional, regional e<br />

mundial [...] (IANNI, 2000, p. 148).<br />

O “Príncipe Eletrônico”, enfim, apresenta-se com uma nova e diferente<br />

índole política, diversa dos príncipes do passado e convive com o espólio<br />

dessas figuras de diferentes maneiras, mas ganha projeção e importância na<br />

virtualidade. O autor, ainda, adverte, se queremos compreender a crescente<br />

importância das tecnologias, sejam eletrônicas, informáticas, <strong>midiática</strong>s<br />

educativas, importa começar pelo reconhecimento de que este século, a<br />

exemplo do século passado, está impregnado, organizado, dinamizado e<br />

influenciado por invenções tecnológicas e técnicas sociais. As tecnologias<br />

de informação e comunicação não estão “protegidas pela neutralidade”.<br />

Assim, o que parece neutro logo se revela influente e até decisivo no mundo<br />

pelo qual se constitui as relações sociais.<br />

195


196<br />

Duas atitudes se destacam no cenário dessa contradição: a adoção<br />

idolatrada das tecnologias na educação, concebidas como demiúrgicas e<br />

soteriológicas, por um lado, e de outro a negação de sua potencialidade,<br />

um sentimento de rejeição, misturado a uma panacéia supostamente préindustrial<br />

e ingenuamente naturalista, bucólica, que se ressente de toda<br />

tecnologia como maléfica e desumanizadora. Há urgente necessidade de<br />

superar tais conceitos maniqueístas e distantes do acurado senso histórico<br />

e político.<br />

Muito se debate sobre a utilidade das TIC, colocando em evidência<br />

se são boas ou ruins, divinas ou diabólicas, mas ninguém duvida de sua<br />

interferência no solo e (sub)solo da vida humana. Castells (1999) lembra<br />

que as redes interativas de computadores estão crescendo e criando formas<br />

de comunicação e relações “moldando a vida” e, ao mesmo tempo, sendo<br />

moldadas por ela.<br />

Nessa realidade, projetos de educação em ambientes não<br />

convencionais, potencializados pelas tecnologias de informação e<br />

comunicação, tomam vulto. O censo da <strong>Educação</strong> Superior de 2006,<br />

publicado dois anos depois em Brasília, mostra que a <strong>Educação</strong> a Distância<br />

é a modalidade de educação que mais cresce no Brasil. O censo mostra<br />

um crescimento de 571%. Com tal crescimento o número de estudantes,<br />

incluindo professores em formação, também aumentou <strong>–</strong> de 49 mil<br />

estudantes em 2003 passou, três anos depois, para 207 mil, um aumento<br />

correspondente a 315%. A aceitação desses cursos deve-se, conforme a<br />

mesma fonte, a três fatores principais: à credibilidade do caminho adotado<br />

pela EAD, à criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), e, ao lado<br />

disso, a penetrabilidade e contribuição das novas tecnologias nos últimos<br />

anos. Importa lembrar, porém, que aumentam também problemas e desafios<br />

que se misturam entre as velhas e novas formas de se valer dos meios, das<br />

técnicas e das tecnologias de ensinar e aprender, seja de perto, seja de longe.


É sabido que a EAD tem sido caminho de formação, seja amparada<br />

pela tecnologia da escassez ou pela tecnologia da fartura, há mais de 170<br />

anos, pois EAD faz história desde 1840 ou “até antes”. A EAD ganha projeção<br />

no Brasil, todavia, como modalidade de educação e, com efeito, objeto de<br />

estudo e debate após a promulgação da LDBEN no. 9394, promulgada<br />

em 1996. A EAD, em muito, apesar de sua especificidade, aproximase<br />

da educação presencial, até naquilo que é apontado como sua marca<br />

principal: “o aluno se envolve na aprendizagem em local onde o professor<br />

não está fisicamente presente.” Ocorre que todo bom professor é capaz de<br />

transformar o afastamento entre ele e o aluno em proximidade e fazer a<br />

passagem de sua intensa ausência em intensa presença. Importa, porém,<br />

reconhecer na modalidade aqui em destaque os encontros são mais escassos<br />

que os encontros previstos em cursos convencionais de formação. Assim,<br />

não há como projetar e desenvolver experiências de educação a distância<br />

sem contar com meios e tecnologias para estabelecer a comunicação que<br />

toda relação educativa requer.<br />

Constatações e desafios<br />

A mesma base conceitual que ampara a educação presencial é,<br />

igualmente, comum a ambientes virtuais de educação, embora cada qual<br />

preserve suas especificidades, pois estamos falando de educação, uma<br />

dimensão estrutural da práxis social. Os desafios que emergem de formas<br />

diferentes de educação são similares, quais sejam: identificar que educação<br />

se pretende realizar, para quem se dirige, com quem será desenvolvida e<br />

com quais meios e tecnologias. Almeida (2003) assinala que a compreensão<br />

da complexidade de projetos educativos, particularmente a distância<br />

quer seja na sua forma mista ou inteiramente online, apela para construir<br />

inter-relações entre as abordagens que fundamentam tanto a educação<br />

197


convencional como não-convencional e, sobretudo, implica em admitir,<br />

acrescenta a autora, que mudar o meio pelo qual se utiliza e constrói a<br />

relação educativa significa mudar a própria educação.<br />

Os desafios, porém, não terminam por aí. Importa não descurar<br />

da concepção de educação subjacente. Uma educação de qualidade que,<br />

de fato, atenda a que veio, não é exclusividade desta ou daquela forma de<br />

educação. Note que, mesmo mediante os impactos que as TIC têm causado<br />

no campo educativo, nada vai substituir os encantamentos que emergem<br />

do encontro ao vivo e a cores. Sabe-se que as novas tecnologias educativas<br />

poderão facilitar os canais de informação e comunicação até com maior<br />

“rapidez e eficiência” que as pessoas, sobretudo no âmbito da educação <strong>–</strong><br />

o professor, mas, conforme aproximam-se Arroyo (2000), Kenski (2003),<br />

Romão (2008),<br />

198<br />

[...] um vídeo, uma parabólica, um computador...<br />

não darão conta do papel socializador da escola,<br />

do encontro de gerações, da intersubjetividade,<br />

do aprendizado humano que se deu sempre no<br />

convívio direto de pessoas, nas linguagens e nas<br />

ferramentas da <strong>cultura</strong>, nos gestos, nos símbolos e<br />

comemorações [...] (ARROYO, 2000, p. 168).<br />

De qualquer maneira, nesse campo tudo é muito incerto, pleno de<br />

tensões e provocações. Indagações variadas são levantadas. Uma delas,<br />

todavia, continua a desafiar o professor, esteja ele de perto, esteja ele de<br />

longe, a saber: como minimizar a dificuldade de contato e interagir com o<br />

aluno distante? Se de perto é correto entender que o universo da educação<br />

já é, por si, complexo, a complexidade aumenta quando se conceitua essa<br />

relação de longe. O aluno, por vezes, se vê enovelado com diversas distâncias.<br />

Alguns, de acordo com Romão (2007), chegam a afirmar que tudo é tão<br />

distante que nem sabem por onde começar para tirarem suas dúvidas.


Professores tutores do Distrito Federal, sujeitos da pesquisa em destaque,<br />

também apresentam suas queixas as quais se alongam em experiências tidas<br />

como inovadoras de educação.<br />

O aluno fica em casa, quieto, a distância, bem<br />

distante, sem interação alguma. Ele só lê ou não o<br />

material impresso que recebeu e o faz, por vezes,<br />

na superficialidade. Outras vezes se esconde no<br />

trabalho em grupo que é muito cômodo. A maior<br />

dificuldade é criar uma consciência de grupo. E<br />

isso “não é defeito da distância” por no presencial<br />

também é assim. (ROMÃO, 2008, p. 86).<br />

Diante dessa realidade há de pensar-se no como fazer para<br />

diminuir ou encurtar os caminhos e rever as formas de convivências<br />

pedagógicas. Como lidar com a dificuldade de contato e constituir a<br />

relação educativa? Maraschin (2000) afirma que aprender não é apenas<br />

mudança de comportamento, mas mudança de convivência. <strong>Educação</strong>,<br />

portanto, evoca mudança de convivência, evoca o encontro, evoca, mais<br />

que isso, relação. Relação dialogal que provoca, acrescenta Romão (2008),<br />

não necessariamente a negação ou “suspensão da distância”, mas o<br />

enfrentamento da distância para que ela, de par com a intensa presença se<br />

constitua como possibilidade de educação.<br />

É aceitando a distância que será possível fazer nascer dela a presença<br />

e, portanto, instaurar-se a relação educativa. É preciso, pois querer a<br />

todo custo negar ou suspender a distância, mas aprender a lidar com ela,<br />

de modo que seja possível fazer nascer dela a presença e, assim, fazer a<br />

passagem do encontro para a relação. Importa aprender a lidar, a aceitar e a<br />

compreender o sentido da distância para que nela se constitua uma forma<br />

de presença dialogada e a relação educativa nela germine. Quando Paulo<br />

Freire ficou viúvo, Romão (2002, p. 88) relata seu desespero ao lembrar de<br />

199


uma placa encontrada no túmulo de Elza a qual dizia: “Quem me dera que<br />

eu pudesse passar de um tempo para o outro com a pressa e a maciez com<br />

que as nuvens andam no lindo azul do céu.” Cinco anos mais tarde, após<br />

três anos de viver uma nova experiência no casamento, o ex-viúvo retorna<br />

ao cemitério com outra placa, dizendo:<br />

200<br />

Elza<br />

Corte fundo<br />

Dor intensa<br />

Noites sem manhã<br />

Dias sem sentido<br />

Tempo coisificado, imobilizado<br />

Desespero, angústia, solidão<br />

Foi preciso aceitar a tua ausência<br />

Para que ela virasse presença<br />

Na saudade amena que tenho de ti.<br />

Por isso, voltei à vida sem te negar.<br />

(FREIRE, 1991 apud ROMÃO, 2002, p. 89)<br />

À distância e a presença, como especificidades de processos<br />

educativos se embolam. Na dinâmica dessa relação, a distância e a<br />

proximidade, a presença e a ausência, o velho e o novo se fundem. Na<br />

distância alimenta-se o interesse do encontro, ao passo que é no encontro<br />

com presença, com relação, se define e motiva o que fazer e produzir na<br />

distância. Distância e presença caminham sem que necessariamente esta<br />

venha em detrimento daquela.<br />

A questão, afirma Romão (2008), não é suspender a distância, mas<br />

admiti-la e transformá-la em momentos de reflexão. A partir do momento


em que se reflete sobre o que se faz passamos a ressignificar, a construir,<br />

a mudar. À distância, para dezenas de professores entrevistados, é fato<br />

quando “o aluno está fazendo sua reflexão em cima do módulo, a articulação<br />

lá com seu cotidiano” (ROMÃO, 2008, p. 142). Assim, a distância vista<br />

como necessária para “poder respirar”, permite a oxigenação da prática<br />

e a passagem da intensa ausência para intensa presença. O que antes se<br />

via distante se vê próximo. Quando a distância é tida como momento de<br />

reflexão, reflexão que abarca a ação e ação que parte da reflexão, emerge a<br />

dimensão transformadora do trabalho educativo.<br />

É preciso saber didaticamente que fazer com a natureza da educação<br />

em que a presença não é obrigatória, que fazer quando o aluno está separado<br />

do professor. Importa trazê-lo para alguma forma de presença, pois em<br />

experiências de educação, prevê que é necessário o ajuntamento de pessoas.<br />

No momento em que encontros presenciais são escassos, os professores<br />

em formação que inspiraram o presente texto, estão desenvolvendo algum<br />

tipo de atividade que qualifica o momento presencial de modo que este<br />

momento se alongue na distância. Não há uma presença integral, até<br />

porque a proposta é de formação a distância, mas há uma presença tida<br />

como qualificada.<br />

O que determina, assim, experiências de educação em ambientes não<br />

convencionais de educação, de acordo com o balanço de entrevistas, assinala<br />

Romão (2004, 2008), não é comparecer todos os dias na universidade <strong>–</strong> não<br />

é isso que faz a diferença, mas, entre outros, a forma de organizar e se utilizar<br />

dos meios, das tecnologias, desenvolver as técnicas no desenvolvimento<br />

da relação educativa e, enfim, lidar com os desafios inerentes ao trabalho<br />

pedagógico que se instaura, seja em experiências de educação na presença,<br />

seja na distância. Se contando com as vantagens do encontro presencial é<br />

complexo, a complexidade parece aumentar a distância. Não pela distância<br />

em si, mas porque estamos habituados a pensar e a depender da presença,<br />

201


das formas de contatos tradicionais e convencionais de ensinagem e<br />

aprendizagem. Japiassu (1975, p. 163) lembra que as facilidades do contato<br />

presencial dificilmente a educação a distância irá superar, “[...] pois os<br />

estudantes têm necessidade fundamental de um contato vivo com o<br />

educador capaz de fazer coisas que máquina algumas terá condições de<br />

fazer [...]”. Importa, todavia, sem ignorar o valor do encontro face a face,<br />

discutir novas formas de educação. Ademais, a distância, porém, “não é um<br />

defeito” dos vários modelos de EAD, seja na sua forma combinada, seja na<br />

sua forma pura, seja online, pois é necessária “para respirar.” É necessária,<br />

então, para oxigenar a prática e, enfim, transformá-la.<br />

Numa época em que se alteram as dimensões produtivas da própria<br />

realidade, os conceitos de espaço e tempo tradicionais sofrem profundas<br />

superações. Importa analisar esses elementos e buscar decodificar sua<br />

gênese e alcance político. Não é a potencialidade dos meios ou a manutenção<br />

da tradicionalidade das coisas que determinará o caráter mais democrático<br />

ou conservador de algum processo ou mediação, mas sim a determinação<br />

política que a envolve e direciona.<br />

A educação a distância, por essa perspectiva, mantém vivo o processo<br />

educativo. Para manter um projeto de educação substanciosamente atrativo,<br />

não basta, contudo, respirar. Assim, como ocorre com o ser humano. Para<br />

viver, não basta apenas respirar. Note o que adverte Rousseau (1999, p. 150),<br />

“viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nós mesmos que nos dão<br />

o sentimento de nossa existência”. Para manter ambientes virtuais vivos e<br />

atraentes, não basta apenas cuidar dos seus pulmões, mas, cuidar e preparar<br />

os profissionais de modo que saibam fazer uso de suas faculdades em face da<br />

complexidade da educação. Cuidar dos meios, das técnicas e das tecnologias<br />

de educação e comunicação sem, no entanto, deixar na penumbra aqueles<br />

que se valem desses recursos na mediação do saber. Quando Lévy (2000)<br />

pensou sobre as tecnologias denominadas por ele “da inteligência” ou<br />

202


“intelectuais” e dizia que tais tecnologias estruturam em profundidade o<br />

uso das faculdades de percepção, manipulação e de imaginação, fez uma<br />

homenagem a “aventura intelectual humana”. Tecnologias intelectuais<br />

participam de modo fundamental nos processos cognitivos, no interior da<br />

capacidade humana. O reconhecimento de sua importância não está em<br />

si mesma, mas na sua relação com o mundo cognoscitivo e, assim, na sua<br />

relação com o mundo humano nas suas relações sociais. As tecnologias no<br />

campo da educação só têm sentido se utilizadas para elevação da condição<br />

humana e, portanto, possibilitarem o diálogo entre os sujeitos envolvidos<br />

no processo. Assim, as tecnologias dialogais pedem passagem.<br />

Tecnologias dialogais<br />

Ambientes não convencionais de educação, marcados, sobretudo,<br />

pela separação entre professores e alunos, apela para o estudo e uso dos meios<br />

e das tecnologias <strong>–</strong> as quais se divergem entre si, merece atenção cuidadosa.<br />

O número de cursos de formação, incluindo de professores, tem crescido<br />

potencializado pelos avanços das tecnologias educativas, sobretudo em<br />

ambientes não convencionais de educação. Os processos de comunicação<br />

e interlocução educativos, no interior desses cursos, tais como: a leitura, a<br />

escrita, a ensinagem e a aprendizagem, não ocorrem sem que venha se valer,<br />

entre outros, do emprego das técnicas e das tecnologias. Isso, porém, não se<br />

reduz a uma visão meramente tecnicista, nem tampouco do vazio teórico.<br />

Denomina-se tecnologia, conforme lembra Kenski (2007), um conjunto<br />

de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento,<br />

à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo<br />

de atividade. Ao passo que técnicas, acrescenta, se referem aos modos ou<br />

203


aos jeitos ou, ainda, as habilidades de se valer dos mais variados tipos de<br />

tecnologias.<br />

Ambas terminologias, porém, resultam da mesma raiz <strong>–</strong> do grego,<br />

techné <strong>–</strong>, que, conforme Lion (1997), lembra estado de criação, implica uma<br />

verdadeira linha de raciocínio. O termo tecnologia, portanto, vai além de<br />

uma mera ferramenta, de um mero instrumento ou recurso, se incorpora<br />

ao contexto social, ao sujeito cognoscente que indaga, que estranha,<br />

sujeito de criação e de luz. Tecnologias fazem parte do tecido social que<br />

atravessam as práticas educativas. Rumble (2000) vai mais adiante ao<br />

lembrar os meios como uma forma genérica de comunicação e, ao mesmo<br />

tempo, formas particulares de viabilizar o conhecimento. Cada qual tem<br />

sua maneira de difundir o conhecimento, mas, igualmente, de organizá-lo<br />

em certos “formatos e estilos de apresentação”. Para o autor, a tecnologia é<br />

o veículo que transportam os meios. Os meios são vários <strong>–</strong> texto, áudio, TV,<br />

computação, contato humano presencial <strong>–</strong> e sempre andam de par com as<br />

tecnologias. Sejam elas mais tradicionais ou não <strong>–</strong> a exemplo do texto de par<br />

com a tecnologia da impressão, a computação, de par com as tecnologias de<br />

computadores, telefone, satélites, entre outros, que giram no entorno do<br />

príncipe eletrônico. Assim, elucida o autor,<br />

204<br />

[...] o texto está ligado a tecnologias de impressão e<br />

computadores; o áudio a fitas cassetes, rádio, telefone<br />

e discos; a televisão à transmissão, videocassetes,<br />

videodiscos, satélites, fibras óticas, ITFS,<br />

microondas, e videoconferências; e a computação<br />

a computadores, telefone, satélites, fibras óticas,<br />

ISDN, CD-ROM, CD-I. Essas tecnologias dão<br />

suporte a vários aplicativos de meios em educação a<br />

distância. (RUMBLE, 2000, p. 46).<br />

A questão aqui não é nem pender para as mais tradicionais, nem<br />

pender para as mais recentes tecnologias, pois, de acordo com o autor,


as tecnologias mais atuais não são tão necessariamente melhores do que<br />

as mais antigas. O que importa é que, sem ignorar em que medida tais<br />

realidades se distinguem, as TIC sejam operacionalizadas para atender os<br />

fins educativos a que se propõem. Como se utilizar desses quesitos de modo<br />

que os professores ensinem e os alunos aprendam e não se limitem apenas<br />

o contato, mas a interação dialogal com projeção revolucionária que todo<br />

projeto a altura de seu tempo requer.<br />

O que quero enfatizar aproxima-se de Arroyo (2000), Valente<br />

(2000), Litwin (2001), Apareci (2006), Freire (2006b), Cobacho e Miravalles<br />

(2007), Kenski (2003, 2007), Romão (2008) ao lembrarem que não são as<br />

tecnologias que vão revolucionar o ensino e, com efeito, a educação, mas<br />

a maneira como as tecnologias são utilizadas na mediação do saber. Essa<br />

maneira é posta sob suspeita <strong>–</strong> “pode ou não ser inovadora”. A interação<br />

e a comunicação nos ambientes educativos, sejam eles em ambientes<br />

convencionais ou não de educação, quase sempre dependeram, de acordo<br />

com Kenski (2007), entre outros, muito mais das pessoas envolvidas no<br />

processo do que das tecnologias utilizadas, sejam as mais tradicionais,<br />

sejam as mais modernas.<br />

Sancho (2006, p. 23), na mesma linha, vai mais longe, chamando a<br />

atenção da força das crenças e mentalidades subjacentes na utilização das<br />

tecnologias, no desenvolvimento dos meios e das técnicas de ensinagem e<br />

aprendizagem.<br />

Professores costumam introduzir meios e técnicas<br />

adaptando-os à sua própria forma de entender<br />

o ensino, em vez de questionar suas crenças [...]<br />

As TIC são usadas muitas vezes para reforçar as<br />

crenças existentes sobre os ambientes de ensino<br />

em que ensinar é explicar, aprender é escutar e o<br />

conhecimento é o que contêm os livros-textos.<br />

205


206<br />

Isso posto, ressalta-se a importância de relacionar os meios, as<br />

técnicas e as tecnologias a prática do diálogo entre os intérpretes dessa<br />

prática. Se é certo dizer que as tecnologias só têm sentido quando empregadas<br />

para humanizar, é certo também afirmar que só ganham força na educação<br />

quando provocam o diálogo que toda relação requer. Tecnologias dialogais<br />

favorecem a comunicação, a relação que toda proposta de educação<br />

libertadora reclama e revoluciona desde os tempos socráticos.<br />

A interlocução dialogal desafia o trabalho educativo, particularmente,<br />

desenvolvido em ambientes em que o Príncipe Eletrônico reina quase<br />

absoluto, embora não seja exclusividade desta ou daquela forma de educação.<br />

O diálogo e a comunicação são tidos como condição determinante para a<br />

educação, para o processo de hominização, seja em que modalidade, seja<br />

em qualquer época. Não é no silêncio que os homens se fazem, diz Freire<br />

(1987, p. 78), mas na palavra, no trabalho [...], no encontro. O diálogo,<br />

acrescenta, “[...] é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo,<br />

para pronunciá-lo” (FREIRE,1987, p. 78), mas, para transformar-se a si e ao<br />

mundo. Se é certo afirmar que dizendo a palavra o mundo se pronuncia, se<br />

expressa e se eleva, é certo, igualmente, dizer que o diálogo se impõe como<br />

caminho pelo qual os homens elevam sua existência e a sua condição de ser.<br />

Toda criatura humana é necessariamente dialógica a medida que constrói<br />

sua plena realização apelando para o outro, com o outro, em comunhão com<br />

o mundo. Todos temos exemplos de que sempre necessitamos de alguém<br />

que necessita de nós. Freire (1987), Sacristán (2002), Peters (2001), Aretio e<br />

Corbella (2007), aproximam-se ao lembrarem que graças a relação com os<br />

outros vai desenrolando o próprio modo de ser, uma vez que descobrindo<br />

nesse processo como interpretar e enfrentar a realidade que nos rodeia.<br />

É sabido que a responsabilidade para comigo mesmo não pode<br />

separar-se da responsabilidade com o resto dos homens. É na prática do<br />

diálogo que se experimenta um modo de vida tido como fundamental para


a elevação da existência humana. O diálogo é o “traço da humanidade” que<br />

faz o homem se projetar como gente e não como coisa, como objeto. Sabese<br />

que é, porém, ser comum constatar o domínio da relação sujeito/objeto<br />

no lugar de sujeito/sujeito em práticas não só convencionais de educação,<br />

mas até naquelas tidas como inovadoras e revolucionárias. Vale insistir na<br />

relação sujeito/sujeito na direção de fazer emergir a relação educativa com<br />

base na reciprocidade.<br />

Essa possibilidade histórica e institucional se apresenta vigorosa nas<br />

práticas de educação a distância. A tarefa, política e pedagógica, de constituir<br />

um conjunto de significações conceituais, mediações operacionais, liturgias<br />

e disposições de dialogo, de trocas de vivências e conhecimentos amplia-se<br />

nas atuais potencialidades de educação a distância. Os qualificantes políticos<br />

e as dimensões pedagógicas dessa modalidade educacional deverão ser<br />

construídos no chão da história, não negados ou celebrados a priori.<br />

Relação educativa é reciprocidade, referência definitiva da educação.<br />

Os alunos, no processo de interlocução instaurada, diz Romão (2008),<br />

atuam sobre nós e num movimento de idas e vindas atuamos sobre eles.<br />

Trata-se de processos que se entrelaçam e se fortalecem em nó(s) que jamais<br />

serão desfeitos. São processos educativos no plural, não mais do eu aqui e o<br />

tu acolá, mas do eu e tu em comunhão, em ebulição, em comunicação, em<br />

processo efetivo de educação.<br />

Cuando se plantea que la educación es<br />

comunicación, no se está refiriendo de forma<br />

exclusiva a la necesidad del lenguaje para transmitir<br />

una serie de conhocimientos, aunque, sin duda, estos<br />

son impotantes. Se está mostrando que esta acción<br />

exige contacto, relación, revelación entre personas.<br />

Si no se logra esse encuentro, esa revelación, entre<br />

os indivíduos, realmente no podríamos hablar de<br />

educación. (ARETIO; CORBELLA, 2007, p. 79).<br />

207


Considerações Finais<br />

208<br />

A prática educativa exige mais que contato, exige relação, exige laços<br />

entre as pessoas envolvidas. Sem querer cair na armadilha das comparações<br />

falazes, o uso adequado das TIC, tecnologias empregadas para humanizar,<br />

e, portanto, parece possibilitar laços, aproximações e encontros “bem mais<br />

firmes” que os encontros habituais em projetos em que sua natureza favorece<br />

a interação e o diálogo. Sem que se constitua a passagem do encontro para a<br />

relação não é possível falar em educação. Assim, todo ensino será educativo<br />

na medida em que seja capaz de promover a relação dialogal e, com efeito,<br />

a ação formativa, enquanto, acrescentam os autores, provoca o encontro<br />

entre os iguais na diversidade, “en la medida en que és capaz de revelar al<br />

otro modos de ser valiosos para su desarrollo” (ARETIO; CORBELLA, 2007,<br />

p. 79).<br />

Isso posto, só tem sentido falar da educação em novos ambientes<br />

educativos quando não se perde de vista que o substantivo aqui é o príncipe,<br />

potencializado pela eletrônica, pelas invenções tecnológicas. Se origina da<br />

sociedade medieval, moderna ou contemporânea, não importa, pois que<br />

cada era viveu seus espantos e encantamentos. Importa perceber que seus<br />

braços, suas pernas, suas inteligências e, até suas emoções emergem de<br />

nossos corpos e, assim, estão ligadas essencialmente a natureza humana, a<br />

elevação da humanidade. Estamos, portanto, falando de educação.<br />

A Tecnologia Eletrônica é somente, de acordo com Cobacho e<br />

Miravelles (2007), Litwin (2000), Apareci (2006), um recurso a mais que pode<br />

facilitar os processos de ensinagem e aprendizagem. Para este modelo, uma<br />

câmara de vídeo, um lápis, um pen-drive, um data-show, “un ordenador”,<br />

entre outros, são instrumentos que permitem a comunicação, a reflexão, a<br />

compreensão da realidade, mas por si só pouco ou menos que nada podem


fazer a favor do movimento de idas e vindas do pensamento. O movimento<br />

do pensamento em sua dupla função: “cognoscitiva e comunicativa.” É<br />

fácil entender que em estado de reciprocidade e diálogo o sujeito pensa em<br />

relação ao(s) outro(s). Para Freire (2006a, p. 66), “não se pode pensar sem<br />

a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto”. Não<br />

há um penso no singular, “mas um pensamos”. “É no pensamos, acrescenta<br />

o autor, que estabelece o penso e não o contrário. Esta co-participação dos<br />

sujeitos no ato de pensar que se dá a comunicação [...] A comunicação é<br />

diálogo, assim como o diálogo é comunicativo” (FREIRE, 2006a, p. 69). É<br />

reciprocidade, coisa essencialmente humana, pois à frente, não por trás, das<br />

TIC, das tecnologias ditas inteligentes, ditas humanas e, por isso, dialogais,<br />

encontramos profissionais diversos, professores vários que planejam suas<br />

atividades, selecionam livros, textos, idéias, saberes, definem os meios, as<br />

técnicas, as tecnologias educativas. Tecnologias, que transformam intensas<br />

ausências em intensas presenças; tecnologias como caminho que me leve<br />

ao outro e o outro a mim; um canal que me permita “el reconhecimiento de<br />

mi mismo en el outro”; tecnologias, enfim, que sirvam, elevar a condição<br />

humana.<br />

Digo, ao fim, que se é certo que o bom ou o mau ou, até, razoável<br />

uso das tecnologias determinam a imagem da educação a distância é<br />

certo, igualmente, que são os docentes que promovem, junto, entre outros,<br />

com estudantes determinados a aprender, a educação. É a educação em<br />

sua essência que permite, seja de perto, seja de longe, aos estudantes<br />

compreenderem formas de participação nos procedimentos virtuais e,<br />

com efeito, entrarem em comunicação. Apareci (2006, p. 40), lembra<br />

que comunicação implica em diálogo “uma forma de relación que pone<br />

a dos o más personas en un proceso de interacción y de transformación<br />

continua”. Implica, assim, na participação efetiva das pessoas envolvidas,<br />

sobretudo, educandos e educador. Resta saber se este está disposto a sair<br />

209


do enclausuramento que o sufoca e descobrir-se a altura de seu tempo<br />

sem ficar a sombra dos príncipes que sucederam em sua época, sem ficar<br />

intimidado pelo príncipe eletrônico. É preciso desvendá-lo e desvendar<br />

as potencialidades do príncipe eletrônico significa tecer novas relações de<br />

saberes e poderes.<br />

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212


Sobre os Autores<br />

Adriana dos Santos Marmori Lima (UNEB)<br />

Doutoranda em <strong>Educação</strong> (Universidade Udelmar/Chile). Mestre<br />

em <strong>Educação</strong> e Contemporaneidade (UNEB). Especialista em Alfabetização<br />

(FAEBA/IAT) e em Informática Educativa (UEFS). Pedagoga (UNEB).<br />

Professora, Pró-Reitora de Extensão e Vice-Reitora da Universidade do<br />

Estado da Bahia. Ex-Diretora do Campus IX - Barreiras e ex-Gerente de<br />

Extensão Universitária (UNEB). Possui experiência na área de <strong>Educação</strong>,<br />

com ênfase em Formação de Professores Alfabetizadores, Tecnologias de<br />

Informação e Comunicação Aplicada à <strong>Educação</strong>, Extensão Universitária<br />

e Gestão Acadêmica. Atuou como Multiplicadora do Núcleo de Tecnologia<br />

Educacional. E-mail: amarmori@hotmail.com<br />

Adriana Rocha Bruno (UFJF)<br />

Doutora e Mestre em <strong>Educação</strong> (Currículo pela Pontifícia<br />

Universidade Católica - São Paulo - PUCSP). Professora Adjunta do<br />

Departamento de <strong>Educação</strong> e do Programa de Pós-Graduação em <strong>Educação</strong><br />

<strong>Educação</strong> e em Gestão e Avaliação da <strong>Educação</strong> Pública da Universidade<br />

Federal de Juiz de Fora (UFJF). Coordenadora de Inovação Acadêmica<br />

e Pedagógica no Ensino Superior (CIAPES) junto à PROGRAD-UFJF e<br />

coordena os tutores a distância do Curso de Pedagogia - FACED-UFJF-<br />

UAB. Líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede - GRUPAR.<br />

Pesquisadora da rede internacional de pesquisa COLEARN (Collaborative<br />

Open Learning - Comunidade de Pesquisa sobre Aprendizagem Colaborativa<br />

e Tecnologias, Open University). Atua na área de <strong>Educação</strong>, Pesquisa,<br />

213


principalmente a partir dos temas Docência no Ensino Superior, Formação<br />

de professores, <strong>Educação</strong> online e ciber<strong>cultura</strong>, Didática, Aprendizagem de<br />

adultos, Neurociências e <strong>Educação</strong>, Mídias e Tecnologias. E-mail: adriana.<br />

bruno@ufjf.edu.br<br />

Ana Maria Di Grado Hessel (PUC-SP)<br />

214<br />

Doutora e mestre em <strong>Educação</strong> (Currículo pela Pontifícia<br />

Universidade Católica - São Paulo-PUCSP) e graduada em Pedagogia<br />

(PUCSP), com especialização em Informática (Universidade Federal do<br />

Pará - UFPA). Professora do Departamento de Fundamentos da <strong>Educação</strong><br />

da PUCSP e docente nos cursos de Tecnologia e Midias Digitais e no<br />

curso de Comunicação e Multimeios. Pesquisadora do Programa de Pósgraduação<br />

em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, vinculada à<br />

linha de pesquisa Aprendizagem e Semiótica Cognitiva. E-mail: digrado@<br />

uol.com.br<br />

As duas são especialistas (Pós-Grad. Lato sensu), sendo que a Nara<br />

Brito está também vinculada ao Mestrado em <strong>Educação</strong>. A Especialização<br />

da Cida é na área de Planejamento e Organização da <strong>Educação</strong> a Distância.<br />

Aparecida Ribeiro da Silva (UFSCar)<br />

Especialista lato sensu em Planejamento e Organização da <strong>Educação</strong><br />

a Distância. Graduada em Geografia (FUNORTE). Supervisora de Pólos<br />

(Universidade Aberta do Brasil da Universidade Federal de São Carlos -<br />

UAB-UFSCar) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre <strong>Educação</strong><br />

a Distância (GEPED-UFSCar). Atua na área de temáticas relacionadas ao<br />

redimensionamento dos espaços e tempos contemporâneo (sala de aula


da EaD virtual) e ao ensino-aprendizagem pela modalidade de educação a<br />

distância (EaD). E-mail: aparecida.adm.uab@gmail.com<br />

César Aparecido Nunes (UNICAMP)<br />

Doutor em <strong>Educação</strong> (Universidade Estadual de Campinas <strong>–</strong><br />

UNICAMP). Professor associado (UNICAMP). Livre-docente na área<br />

de Filosofia da <strong>Educação</strong>. Coordenador executivo do grupo de estudos<br />

e pesquisas em Filosofia e <strong>Educação</strong> Paidéia e presidente nacional da<br />

ABRADES. Coordenador do Centro Cultural de Integração e Inclusão<br />

Social (Cisguanabara-UNICAMP). Assessor da Pró-Reitoria de Extensão<br />

e Assuntos Comunitários da Unicamp. Exerce atualmente a chefia do<br />

Departamento de Filosofia e História da <strong>Educação</strong> (FE-UNICAMP). Atua<br />

na área de educação, com ênfase em Filosofia da <strong>Educação</strong> e na linha de<br />

pesquisa Ética, Filosofia e <strong>Educação</strong>. E-mail: cnunes@unicamp.br<br />

Daniel Mill (UFSCar)<br />

Doutor em <strong>Educação</strong>. Professor da Universidade Federal de São<br />

Carlos (UFSCar), Gestor de EaD e Coordenador do Grupo de Estudos<br />

e Pesquisas sobre <strong>Educação</strong> a Distância. Membro do Grupo de Pesquisa<br />

Trabalho, Tecnologia e <strong>Educação</strong> (UFMG). Atuou na UEMG como<br />

professor e pesquisador. Atua na área de temáticas relacionadas à <strong>Educação</strong><br />

a distância (gestão, tecnologia, trabalho docente, tempo, espaço, gênero,<br />

logística, mobilidade e sistemas de tutoria), relação mentes e máquinas,<br />

letramento e inclusão digital. E-mail:Mill.ufscar@gmail.com<br />

215


Eliana Romão (UFS)<br />

216<br />

Doutora em <strong>Educação</strong> (Universidade Estadual de Campinas -<br />

UNICAMP), Mestre em <strong>Educação</strong> (UNICAMP). Graduação em Pedagogia<br />

(Universidade Federal de Alagoas). Professora da Graduação (DEDI) e<br />

do Programa de Pós-Graduação em <strong>Educação</strong> da Universidade Federal<br />

de Sergipe (UFS). Coordenadora de Pesquisa/Capes na área formação de<br />

professor e a criança nos anos iniciais do ensino fundamental. Pesquisadora<br />

na área de formação de professor no âmbito da <strong>Educação</strong> a Distância, bem<br />

como Docência, Formação de Professor e Narrativas. E-mail: elianaromao@<br />

uol.com.br<br />

João Mattar (Anhembi-Morumbi)<br />

Pós-Doutor (Visiting Scholar, Stanford University - USA), Doutor<br />

em Letras (Universidade de São Paulo), Pós-Graduado em Administração<br />

(Escola de Administração de Empresas - Fundação Getúlio Vargas - SP).<br />

Bacharel em Filosofia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-<br />

SP) (1986), Bacharel em Letras (Português, Inglês e Francês) (Universidade<br />

de São Paulo - USP). Cursos de Extensão (University of California - Berkeley<br />

e Departamento de Tecnologia Educacional da Boise State Univeristy -<br />

USA). Professor da Universidade Anhembi Morumbi. Professor autor<br />

e tutor da Faculdade Online UVB. Ex-professor e Coordenador de Pós-<br />

Graduação e Pesquisa (Unibero - Centro Universitário Ibero-Americano).<br />

E-mail: joaomattar@gmail.com<br />

Lucila Pesce (UNIFESP)<br />

Pós-doutora em Filosofia e História da <strong>Educação</strong> (Universidade<br />

Estadual de Campinas - UNICAMP). Doutora e Mestre em <strong>Educação</strong>


(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Bacharel e licenciada em<br />

Letras (Universidade Presbiteriana Mackenzie). Professora Adjunta Nível I<br />

da Universidade Federal de São Paulo. Ex-professora do Departamento de<br />

Fundamentos da <strong>Educação</strong> (PUC-SP), onde atuou no Programa de Pósgraduação<br />

em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, no bacharelado<br />

em Tecnologia e Mídias Digitais, nas licenciaturas e na pós-graduação Lato<br />

Sensu. Membro dos Grupos de Pesquisa Informática em Saúde (UNIFESP),<br />

linha de pesquisa <strong>Educação</strong> em Saúde Mediada por Computador e Ecologia<br />

dos Saberes e Transdisciplinaridade (UCB), linha de pesquisa Docência<br />

Transdisciplinar e formação de professores. E-mail: lucilapesce@gmail.com<br />

Maria Olivia de Matos Oliveira (UNEB)<br />

Pós-doutora em <strong>Educação</strong> (UERJ). Doutora em Calidad y Procesos<br />

de Innovación Educativa (Universidad Autonoma de Barcelona), Mestre<br />

em Calidad Educativa (Universidade Autónoma de Barcelona) e Mestre em<br />

<strong>Educação</strong> (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia<br />

(UFBA). Especialista em EAD (Católica Virtual de Brasília).Professor<br />

Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor titular da<br />

Universidade do Estado da Bahia. Trabalha com os processos formativos<br />

a Distância e as tecnologias aplicadas a <strong>Educação</strong>, atuando principalmente<br />

nas áreas de Formação de Professores para a <strong>Educação</strong> Infantil e EJA, Mídia<br />

e Mediação Pedagógica. E-mail: oliviamattos@terra.com.br<br />

Nara Dias Brito (UFSCar)<br />

Mestranda em <strong>Educação</strong>. Especialista lato sensu. Graduanda em<br />

Pedagogia (Universidade Federal de São Carlos - UFScar). Membro<br />

participante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre <strong>Educação</strong> a Distância<br />

217


da UFSCar. Secretária da Coordenação de Relações Institucionais da<br />

Secretaria de <strong>Educação</strong> a Distância da UFScar. Desenvolve estudos de<br />

iniciação cientifica com foco na educação a distância. E-mail: nara.<br />

diasbrito@gmail.com<br />

Osvaldo Biz (PUC-RGS)<br />

218<br />

Doutor em Comunicação Social e Mestre em História (Pontifícia<br />

Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RGS). Bacharel em<br />

Comunicação Social, Jornalismo (PUC-RGS). Graduado em Licenciatura<br />

em Filosofia (Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Imaculada Conceição).<br />

Bacharel e Licenciado em Geografia e História (Faculdade Salesiana).<br />

Professor da PUC-RGS. E-mail: obiz@cpovo.net

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