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A Mina do Morro das Almas - Serrano Neves

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A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

________<br />

King Rosso, o rei vermelho<br />

(conto verossímil de uma luta)<br />

2008<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

1


2<br />

A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Para<br />

Sérgio Ulhoa Dani<br />

Paulo Maurício <strong>Serrano</strong> <strong>Neves</strong><br />

Alessandro Silveira<br />

Cylene Gama<br />

Márcio José <strong>do</strong>s Santos<br />

Uldicéia Oliveira<br />

Rui Nogueira<br />

Sandro Neiva<br />

baluartes de uma Inconfidência<br />

Paracatuense.<br />

Para<br />

outros “preás” e ”pardais” que aos<br />

milhares se juntam nesta luta.<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

1<br />

A mina<br />

Foi o primeiro a perceber que não era<br />

normal a irritante poeira que cobria to<strong>do</strong>s os dias<br />

as folhas <strong>das</strong> plantas, o telha<strong>do</strong>, o piso e a<br />

mureta <strong>do</strong> alpendre de sua casa.<br />

Era poeira pesada, encardida, bem<br />

diferente da fria poeira de piçarra da ladeira <strong>do</strong><br />

Laje<strong>do</strong> onde brincava na infância. Chegou a<br />

cheirar para certeza de que não se tratava de<br />

algum produto inadvertidamente derrama<strong>do</strong>.<br />

Não! Não era nenhum produto <strong>do</strong>méstico<br />

derrama<strong>do</strong>, e nem a poeira <strong>das</strong> suas peraltices<br />

na infância - leve e cheirosa quan<strong>do</strong> caíam as<br />

primeiras chuvas - que, de propósito, levantava<br />

ao arrastar os pés, para desespero <strong>das</strong><br />

lavadeiras que retornavam <strong>do</strong> Córrego Rico com<br />

trouxas de roupas lava<strong>das</strong>. Aquela servia até<br />

para estancar, sem risco à saúde, o sangue <strong>do</strong>s<br />

arranhões, nos jogos de bola no largo sem<br />

grama.<br />

A que o atormentava agora era mal<br />

cheirosa, amarelada e pegajosa, encardia roupas<br />

e secava as folhas <strong>das</strong> árvores.<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

3


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Estava certo que as freqüentes corizas,<br />

ar<strong>do</strong>r nos olhos e desarranjos sem motivos que<br />

vinha sofren<strong>do</strong> era tu<strong>do</strong> culpa dela e da água<br />

tratada, de gosto ruim, que chegava pelos canos.<br />

Bem diferente da água que apanhava<br />

gratuitamente nas cacimbas feitas nos cascalhos<br />

<strong>do</strong> córrego. Diziam que aquelas águas davam<br />

papo, mas eram bem mais saborosas que as que<br />

agora bebia. Melhores que as que nos vendem<br />

hoje em garrafões plásticos.<br />

Lembrava sempre com quem conversava<br />

como era a cidade há algumas déca<strong>das</strong> passa<strong>das</strong>.<br />

O córrego morreu, secaram suas cacimbas,<br />

seus puxa<strong>do</strong>s, morreram piabas, traíras e<br />

timburés. Desapareceu tu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> vieram as<br />

máquinas que entraram pelo seu leito e moeram<br />

seixos, lajes e barrancos. Só restou lodaçal<br />

fe<strong>do</strong>rento, mistura<strong>do</strong> com esgotos <strong>do</strong>mésticos<br />

sem tratamento, que as poucas chuvas só<br />

conseguem parcialmente afastar. Levar a<br />

poluição para um pouco mais adiante. Para<br />

outros córregos, outros rios, onde deságuam as<br />

águas <strong>do</strong> poluí<strong>do</strong> Córrego Rico.<br />

Os espinheiros já tomaram conta <strong>do</strong> que<br />

sobrou <strong>das</strong> antigas praias e buscam agora o<br />

filete de água que restou. Loteamentos<br />

4<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

clandestinos avançaram pelo seu antigo leito e<br />

casebres são foram construí<strong>do</strong>s.<br />

Aparentemente não há mais o perigo <strong>das</strong><br />

enchentes, que eram atração, mas também<br />

receio <strong>do</strong>s ribeirinhos. A enchente de São José,<br />

ou <strong>das</strong> goiabas, era a mais esperada no<br />

fechamento <strong>do</strong> verão. Muita gente se apinhava as<br />

margens <strong>do</strong> córrego para ver a fúria <strong>das</strong> águas<br />

derruban<strong>do</strong> barrancos e engolin<strong>do</strong> quintais.<br />

Troncos de árvores e animais mortos rolavam<br />

nas fortes corredeiras. Era a anual limpeza <strong>do</strong><br />

leito para renascer o córrego. Para abrir aos<br />

garimpeiros novos locais de trabalho nos dias<br />

que se seguiam.<br />

Hoje, não é possível sequer se encantar<br />

com o reflexo de um clarão de lua nas águas <strong>do</strong>s<br />

puxa<strong>do</strong>s, onde garotos brincavam e nadavam,<br />

até nas quentes noites de Verão.<br />

Ficou para a cidade esse pó insuportável,<br />

essa temperatura cada vez mais elevada, essa<br />

verdadeira estufa, que nem capeta agüenta!<br />

Em noites mal <strong>do</strong>rmi<strong>das</strong>, como a última,<br />

pesadelos povoaram o sono de Pardal. Ele que<br />

raramente sonhava, essa noite sonhou que:<br />

“Aninha Preta Velha, gargalhava ao seu<br />

re<strong>do</strong>r, e que outra, a Maurícia, cuspia fumo<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

5


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

masca<strong>do</strong> aos seus pés, enquanto diversas negras<br />

escravas, semi-nuas, dançavam, piscavam e<br />

sorriam vitoriosas ao seu re<strong>do</strong>r. Tu<strong>do</strong> ao som de<br />

um batuque ensurdece<strong>do</strong>r. Uma dança de<br />

can<strong>do</strong>mblé de caboclo, com to<strong>das</strong> elas<br />

apontan<strong>do</strong> para ele, como se fosse o único<br />

culpa<strong>do</strong> de uma grande tragédia. Vai moleque!<br />

Vai Pardal, levanta de novo a poeira. Mate os<br />

preás agora, seu malva<strong>do</strong>! Cadê os canarinhos<br />

cabeça de fogo que você aprisionou? As piabas<br />

que engoliu? Cadê? Cadê seu estilingue com<br />

forquilha de goiabeira, moleque? Cadê? Cê agora<br />

que dê jeito!”<br />

Acor<strong>do</strong>u num sobre-salto, ensopa<strong>do</strong> de<br />

suor, na quente madrugada. A boca seca pedia<br />

água e a primeira que encontrou foi da pia <strong>do</strong><br />

banheiro. Quente, salobra e com cheiro de<br />

amoníaco. Sorveu alguns goles que fizeram seu<br />

estômago roncar, reclaman<strong>do</strong> da má qualidade<br />

<strong>do</strong> líqui<strong>do</strong>. Saiu porta fora para o quintal e<br />

sentou debaixo da velha mangueira de dias<br />

conta<strong>do</strong>s. Suas folhas estão amarela<strong>das</strong>, ou já<br />

mesmo secas, e só vem produzin<strong>do</strong> frutos<br />

broca<strong>do</strong>s. Sua sina parece ser mesmo virar<br />

lenha. Talvez <strong>do</strong> tronco façam uma gamela.<br />

6<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Uma brisa quase fresca tapeou por instante<br />

o ar, despertan<strong>do</strong> alguns galos ali por perto e<br />

outros mais ao longe. Cantavam em dueto<br />

anuncian<strong>do</strong> a madrugada de mais um quente dia<br />

Os primeiros pardais, sempre famintos, iniciavam<br />

o irritante e repetitivo piar sem nenhuma beleza<br />

sonora. Parece ser por isso que conseguem<br />

sobreviver e multiplicarem nas mais inóspitas<br />

situações. São insistentes. Piam, piam, piam...<br />

Até obterem comida.<br />

Tá aí! Deve ter si<strong>do</strong> pela minha reconhecida<br />

intransigência, pela minha insistência para<br />

reclamar até obter o deseja<strong>do</strong>, que minha mãe<br />

me apeli<strong>do</strong>u de Pardal.<br />

Pois agora vou ser mesmo um pardal. Vou<br />

piar. Vou piar noite e dia ao ouvi<strong>do</strong> <strong>das</strong><br />

autoridades desta cidade. Vou infernizar a vida<br />

deles e desses ambiciosos produtores de poeira<br />

assassina, até que me ouçam ou que acabem<br />

comigo!<br />

***<br />

Pela manhã, postou-se defronte ao Fórum à<br />

espera <strong>do</strong> Juiz de Direito. Vai ser o primeiro. Terá<br />

que me ouvir, pois dia a dia a situação se agrava<br />

e poucos parecem perceber. Do jeito que estão<br />

in<strong>do</strong> as coisas não demora muito para que isto<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

7


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

aqui se transforme numa cidade fantasma. Chego<br />

antever:<br />

“vagan<strong>do</strong> por seus becos e ruas, pequenos<br />

grupos de pessoas. Esqueléticas, sonâmbulas,<br />

sobreviventes de um flagelo a procura de sobras.<br />

E outro grupo, com roupas especiais e máscaras,<br />

tal qual astronautas, os “guardiões da mina”<br />

tentan<strong>do</strong> retê-los e enxotá-los.<br />

Pode ser também que chegue um dia, em<br />

que a turba de esfarrapa<strong>do</strong>s famintos - como os<br />

mineiros descritos por Zola em Germinal -<br />

avance desesperada, depredan<strong>do</strong> e destruin<strong>do</strong><br />

tu<strong>do</strong> numa revolta sangrenta, sem vence<strong>do</strong>res,<br />

pois o mal maior já estará consuma<strong>do</strong>. A<br />

natureza local estará destruída”.<br />

8<br />

- Bom dia <strong>do</strong>utor!<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

2.<br />

A busca pela Justiça<br />

- Bom dia, Pardal.<br />

- Dá licença, <strong>do</strong>utor?<br />

- Pois não Pardal, que foi agora?<br />

- O pó, <strong>do</strong>utor! O pó da mina da MKR que<br />

está matan<strong>do</strong> nossa gente e as nossas plantas.<br />

- Mas <strong>do</strong> quê é que você está falan<strong>do</strong>,<br />

rapaz? Que pó? Você não vê que a cidade hoje<br />

está bem melhor, mais bonita, pois quase toda<br />

asfaltada e...<br />

- E mais quente.<br />

-... menos lamacenta. Já nem precisamos<br />

no perío<strong>do</strong> de chuvas calçarmos galochas -<br />

gracejou o Juiz.<br />

- Não estou falan<strong>do</strong> daquele pó e nem<br />

mesmo daquele barro, <strong>do</strong>utor. Estou falan<strong>do</strong> é <strong>do</strong><br />

pó amarelo ou cinzento, sei lá, de agora! Do pó<br />

químico venenoso, com cianeto e arsênico, que<br />

vem por cima trazi<strong>do</strong> pelos ventos lá da mina, ou<br />

arrasta<strong>do</strong> de lá pelas águas <strong>das</strong> chuvas. Do<br />

veneno que infiltra nos lençóis freáticos da água<br />

que bebemos. Do pó que aspiramos no ar<br />

durante to<strong>do</strong> tempo, que nos corrói por dentro<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

9


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

causan<strong>do</strong> câncer, <strong>do</strong>enças renais, alérgicas e<br />

outras mais. Veja as estatísticas, <strong>do</strong>utor!<br />

- Onde você leu isso Pardal? Quem botou<br />

essas minhocas em sua cabeça? Deve ser coisa<br />

de algum comunista! De algum desinforma<strong>do</strong> que<br />

não quer ver a cidade progredir. Você precisava<br />

ver como era este fim de mun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> aqui<br />

cheguei. Nem água encanada tinha.<br />

- É, mas foi só encanar a água que eles<br />

apareceram! Foi só a cidade dispor de energia<br />

elétrica suficiente, para cuja produção e rede de<br />

transmissão, aliás, não contribuíram, para virem.<br />

Agora, por pagarem alguns poucos impostos,<br />

pois gozam de benefícios, pensam que tu<strong>do</strong><br />

podem.<br />

O lucro verdadeiro, com melhoria de vida,<br />

quem vai dele se beneficiar são os<br />

endinheira<strong>do</strong>s, os gringos <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> capital. O<br />

imposto e royalty, pagos à prefeitura e aos<br />

antigos proprietários <strong>do</strong> morro não são claros à<br />

população e, acredito, nem honestamente<br />

calcula<strong>do</strong>s. Pois não existe controle algum de<br />

órgão externo independente, sobre o ouro<br />

produzi<strong>do</strong>. Tu<strong>do</strong> é calcula<strong>do</strong> sobre planilhas que<br />

a própria minera<strong>do</strong>ra monta. Sequer sabemos<br />

também como são emprega<strong>do</strong>s os recursos<br />

arrecada<strong>do</strong>s pela Prefeitura a favor da<br />

10<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

comunidade. A favor <strong>do</strong>s verdadeiros <strong>do</strong>nos da<br />

riqueza que o município possui. Apenas<br />

migalhas e pequenas <strong>do</strong>ações como patrocínios<br />

de festas públicas e contribuições cala a boca são<br />

transparentes. Cadê a construção de um hospital,<br />

seu aparelhamento e manutenção, ainda que<br />

temporária, para mitigar os danos que<br />

produzem? Cadê a construção de uma escola<br />

técnica para aqui formarem os técnicos que a<br />

empresa necessita, sem precisar trazer essa mão<br />

de obra de fora? Não! Usam sempre a conhecida<br />

tática de dar migalhas em público com enorme<br />

propaganda e levar milhões no escondi<strong>do</strong>. Ainda<br />

são poucos os que percebem que estão levan<strong>do</strong><br />

quase de graça nossas riquezas, que estão<br />

mudan<strong>do</strong> até a nossa paisagem e só nos<br />

deixan<strong>do</strong> problemas; de saúde e falta de<br />

segurança. É o que já se nota, <strong>do</strong>utor, uma<br />

transformação para pior. São mais pessoas para<br />

serem atendi<strong>das</strong>, mais pessoas para serem<br />

alimenta<strong>das</strong>, educa<strong>das</strong> e protegi<strong>das</strong>, sem<br />

correspondente equilíbrio pelo explora<strong>do</strong>r. E<br />

quan<strong>do</strong> o morro acabar? Quan<strong>do</strong> a mina esgotar<br />

e acabarem os interesses internacionais <strong>do</strong>s<br />

fun<strong>do</strong>s que mantêm a MKR? Se não tivermos<br />

construí<strong>do</strong> uma boa infra-estrutura para<br />

enfrentar os problemas advin<strong>do</strong>s da exploração<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

11


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

da mina, que vai adiantar o sofrimento de<br />

tantos? Ficaremos a ver navios, ficaremos com o<br />

buraco e com os...<br />

- Pare, pare, por favor! Você parece estar<br />

emocionalmente abala<strong>do</strong>.<br />

- Está bem <strong>do</strong>utor. Vou parar, pois o senhor<br />

deve entender também, e mais, de medicina que<br />

de justiça, pois acaba de diagnosticar que sou<br />

louco. Não vou mais incomodá-lo com minhas<br />

conversas malucas. Sei bem o que vou fazer. O<br />

senhor me parece um <strong>do</strong>s já contamina<strong>do</strong>s.<br />

-????Olhe lá, Pardal! Não vá se meter em<br />

trapalha<strong>das</strong> que podem ser ruins para você.<br />

Tenho muita consideração por você e sempre fui<br />

amigo <strong>do</strong> seu faleci<strong>do</strong> pai.<br />

– Deixa pra lá, <strong>do</strong>utor! Já vi que bati em<br />

porta errada.<br />

Outra instância<br />

–<br />

Na ante-sala <strong>do</strong> Promotor esperam para<br />

serem atendi<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>is advoga<strong>do</strong>s seus<br />

conheci<strong>do</strong>s e algumas outras pessoas. Cidadãos<br />

que procuram aquela autoridade na esperança de<br />

conseguirem orientações ou esclarecimentos<br />

12<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

sobre problemas particulares e coletivos. Para<br />

denunciarem injustiças ou irregularidades<br />

pratica<strong>das</strong> por pessoas, empresas ou órgãos<br />

públicos. São muitos para serem atendi<strong>do</strong>s, mas<br />

resolve aguardar.<br />

Passam minutos, hora, hora e meia e<br />

finalmente, dez minutos após a saída da última<br />

pessoa, chega a sua vez. Para sua surpresa o<br />

Promotor vem pessoalmente à sala de espera<br />

falar com ele..<br />

- Olá Pardal, tu<strong>do</strong> bem? Conversam ali<br />

mesmo na ante-sala. Que está haven<strong>do</strong>? O Juiz<br />

acaba de me ligar dizen<strong>do</strong> que você esteve com<br />

ele reclaman<strong>do</strong> um monte de coisas? Se eu não<br />

conhecesse bem o <strong>do</strong>utor, diria até que ele está<br />

pensan<strong>do</strong> que você está <strong>do</strong>i<strong>do</strong>. Louco varri<strong>do</strong>!<br />

- Ah, é! Quer dizer que ele já ligou para<br />

falar <strong>do</strong> nosso improdutivo encontro?<br />

- Hum, hum!<br />

- Que foi que ele disse? Posso saber? Ou é<br />

segre<strong>do</strong> de Justiça?<br />

- Você sempre bem humora<strong>do</strong>, hein! Não,<br />

não há segre<strong>do</strong> algum que eu não possa lhe<br />

dizer. O <strong>do</strong>utor Juiz disse apenas que você<br />

esteve com ele pedin<strong>do</strong> ajuda para expulsar a<br />

MKR da cidade, o que ele acha que só mesmo<br />

estan<strong>do</strong> louco para querer reclamar de uma<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

13


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

empresa como esta que só trouxe progresso e<br />

bem estar para a cidade. Parecia estar mesmo<br />

muito preocupa<strong>do</strong> com você.<br />

- Ah, é! Preocupa<strong>do</strong> comigo, ou com a MKR?<br />

E o senhor o que acha? Estou mesmo maluco? Ele<br />

já lhe contou o que fui comentar, não é?<br />

- Bem...<br />

- Acha então o Juiz que é tu<strong>do</strong> invencionice<br />

da minha louca cabeça. Que está tu<strong>do</strong> bem e que<br />

a MKR não está envenenan<strong>do</strong> nossas águas e<br />

destruin<strong>do</strong> até nossa identidade ao destruir o<br />

<strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong>, cartão postal da cidade há mais<br />

de <strong>do</strong>is séculos.<br />

- Não, não foi bem isso que ele disse. Falou<br />

mesmo foi <strong>do</strong> ruim para a cidade o fechamento<br />

da mina. Da perda de muitos empregos...<br />

- Ah, ele está preocupa<strong>do</strong> é com o<br />

desemprego!<br />

- Lógico! To<strong>do</strong>s nós temos interesse no<br />

progresso e desenvolvimento da cidade e o<br />

desemprego é um <strong>do</strong>s maiores <strong>do</strong>s males.<br />

- Sem dúvida <strong>do</strong>utor, mas quem falou em<br />

fechamento da mina? Eu também acho que a<br />

essa altura não há como falar em fechamento da<br />

mina. O que precisa haver é uma compensação<br />

para mitigar os estragos que a exploração dela<br />

produz.<br />

14<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

- É, mas temos que agir com calma, com<br />

prudência. Sei que a MKR tem feito <strong>do</strong>ações a<br />

entidades públicas e ONGs que ajudam no social,<br />

além de colaborar com a prefeitura na<br />

construção e manutenção de praças e jardins.<br />

- Isso mesmo, <strong>do</strong>utor! Pracinhas, canteiros,<br />

bonés e lanches no carnaval temporão e nos<br />

campeonatos de futebol de veteranos. É o pão e<br />

o circo para iludir as pessoas.<br />

- Mas ela tem ajuda<strong>do</strong> também na<br />

construção de prédios para o Poder Público,<br />

como este onde estamos.<br />

- E deviam fazer isto? Desculpe <strong>do</strong>utor, mas<br />

isso me parece uma forma de prender rabos?<br />

- Calma, calma Pardal. Não é bem assim.<br />

- Por que não constroem e <strong>do</strong>am à cidade<br />

um hospital, uma escola técnica, se os seus<br />

interesses em explorar nosso ouro ainda vão<br />

longe? Por muitos anos! Por que não divulgam<br />

com transparência o montante exato de ouro<br />

extraí<strong>do</strong> e quanto dele vai para fora <strong>do</strong> município<br />

e <strong>do</strong> país? Quanto de ouro aqui permanece para<br />

ser trabalha<strong>do</strong> pelos nossos ourives artesão?<br />

Sem matéria prima eles estão desaparecen<strong>do</strong>,<br />

pois os garimpeiros de bateia que os abasteciam<br />

já não podem extrair nem o ouro de aluvião.<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

15


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

- Não é bem assim. Há regras e leis que<br />

precisam ser observa<strong>das</strong>, Pardal. Trata-se de<br />

empresa internacional com muito capital<br />

estrangeiro, que precisa dar bom lucro, senão<br />

não investem. Você sabe que a MKR é constituída<br />

por fun<strong>do</strong>s de investimentos? Você sabe o que é<br />

isso?<br />

- Fun<strong>do</strong>s? Sei sim <strong>do</strong>utor. Como sei <strong>do</strong>s<br />

nossos fundilhos que estão chutan<strong>do</strong>.<br />

- Ah, não sei como vou poder ajudar!<br />

- Será apenas mais um, <strong>do</strong>utor. Mas há de<br />

aparecer uma solução. A propósito, o senhor<br />

sabe quantos e como andam os processos<br />

trabalhistas contra a MKR na Justiça aqui na<br />

cidade?<br />

- Os processos são públicos, meu amigo,<br />

mas não sei quantos são atualmente nem a<br />

situação deles.<br />

- Está bem <strong>do</strong>utor. Agradeço a sua atenção,<br />

mas acho que só mesmo os preás para dar jeito<br />

nesta situação.<br />

16<br />

- Preás?<br />

- Um dia o senhor ouvirá sobre eles.<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Com o prefeito – Uma última tentativa<br />

- O prefeito não vai poder atendê-lo Pardal.<br />

Está em reunião com diretores de uma grande<br />

empresa interessada em estabelecer na cidade.<br />

O vice-prefeito também não está, pois viajou<br />

para a Capital com diretores da MKR.<br />

- Não tem problema senhora secretária,<br />

apesar de estar a duas semanas esperan<strong>do</strong> a<br />

oportunidade de falar com ele, posso esperar<br />

mais um pouco.<br />

- Ah, ele disse que se você quiser pode ser<br />

atendi<strong>do</strong> pelo Secretário de Meio Ambiente.<br />

- Então já sabe que o assunto que me traz<br />

até ele é de meio ambiente? Ótimo, falo então<br />

com o secretário.<br />

- Espere um momento, por favor..<br />

- Tu<strong>do</strong> bem.<br />

A secretária foi ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r e,<br />

minutos depois, voltan<strong>do</strong>, pediu que Pardal a<br />

acompanhasse até a sala <strong>do</strong> secretário.<br />

Deu um toc, toc na porta que ela mesma<br />

entreabriu e anunciou a visita. De dentro da sala<br />

escapou ar frio <strong>do</strong> condiciona<strong>do</strong>r liga<strong>do</strong> e<br />

também um forte cheiro de tabaco. Entrou depois<br />

de autoriza<strong>do</strong> pela secretária, mas permaneceu<br />

de pé.<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

17


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Por trás de uma enorme mesa de jacarandá<br />

roxo estava senta<strong>do</strong> recosta<strong>do</strong> em cadeira<br />

giratória de encosto alto o senhor secretário.<br />

Sobre a mesa, um cinzeiro de cristal com vários<br />

tocos de cigarros e, desordena<strong>do</strong>s, alguns papéis<br />

empilha<strong>do</strong>s pareciam aguardar despachos ou<br />

providências. Sem desligar o telefone em que<br />

falava, o secretário fez um gesto para que o<br />

visitante sentasse. Ainda ficaram alguns minutos<br />

a conversar ao telefone, ora sussurran<strong>do</strong> com a<br />

mão esquerda protegen<strong>do</strong> o fone, ora com<br />

disfarça<strong>do</strong>s olhares para o visitante. Alguns<br />

sorrisos e uma gargalhada final antes <strong>do</strong> “Deixa<br />

comigo! Até mais tarde! Eu ligo informan<strong>do</strong>”.<br />

- Então Pardal, o senhor anda preocupa<strong>do</strong><br />

com a poeirinha que cai sobre suas plantas?<br />

Muito bem, uma bela preocupação com o meio<br />

ambiente! Gracejou.<br />

- Não, senhor secretário. O que me traz<br />

aqui não é apenas esta diminuta preocupação.<br />

Primeiro, converso com o senhor porque o<br />

prefeito não pôde me atender. Mas parece que a<br />

comunicação entre o poder executivo, o<br />

judiciário, bem como com o ministério público da<br />

cidade está em boa sintonia, não é? Acho que<br />

nem vou precisar repetir minhas preocupações.<br />

18<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Fico, pois, esperan<strong>do</strong> a sua opinião sobre o que<br />

conversei com o Juiz e com o Promotor.<br />

- Bom, não é bem assim! Você sabe que em<br />

cidade pequena os assuntos, os boatos, correm<br />

rápi<strong>do</strong>s de boca em boca, e...<br />

interesses.<br />

- E sempre são deturpa<strong>do</strong>s ao gosto de<br />

- Mas o que eu queria lhe dizer é que em<br />

nossa gestão to<strong>do</strong> apoio temos da<strong>do</strong> a iniciativas<br />

e a to<strong>do</strong>s àqueles que de uma forma ou outra<br />

lutam para que nosso município seja exemplo de<br />

preservação <strong>do</strong> meio ambiente. Cuidamos para<br />

que desmatamentos desnecessários,<br />

assoreamentos de córregos e rios e<br />

envenenamento por garimpeiros <strong>das</strong> nossas<br />

águas aconteçam. Estamos, para isso, receben<strong>do</strong><br />

efetivo apoio da MKR e estreita colaboração da<br />

Polícia Militar através <strong>do</strong>s quatro policiais da<br />

Guarda Florestal.<br />

- Quatro valentes policiais e um velho Jeep,<br />

para fiscalizarem os mais de oito mil quilômetros<br />

quadra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> município...<br />

- É o que temos!<br />

- E quem fiscaliza a segurança <strong>das</strong><br />

barragens de dejetos, a poluição <strong>das</strong> águas de<br />

rios, ribeirões e córregos que são bombea<strong>das</strong><br />

para tratamento e distribuição à população?<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

19


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Quem fiscaliza o desaparecimento <strong>das</strong> águas que<br />

outrora perenizavam pequenos córregos no<br />

entorno de onde está hoje a mina? Quem<br />

fiscaliza quem as roubam sem nenhum<br />

pagamento? Ou simplesmente sumiram estas<br />

águas? Evaporaram. Escafederam-se? Quem vai<br />

fiscalizar, a fim de se evitar a invasão, <strong>das</strong><br />

poucas e pequenas áreas de preservação que a<br />

enorme custo foram cria<strong>das</strong>? E a biota?<br />

- Biota? Quem é biota?<br />

- Ah! Quem é biota! Deixa pra lá senhor<br />

Secretário <strong>do</strong> Meio Ambiente. Boa sorte para<br />

vossa secretaria e boa tarde! Com licença.<br />

20<br />

-????<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

A família de Pardal e a premonição da<br />

Negra Maria.<br />

3<br />

A visão <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong> posto rés da<br />

praia.<br />

Noite mais fresca nesse início <strong>do</strong> outono,<br />

com uma linda lua cheia no céu que propicia<br />

momento de reflexão. É quan<strong>do</strong> a lembrança <strong>do</strong>s<br />

pais e de amigos que já se foram vêm à mente de<br />

Pardal. Recordações. Pensou nos pais e também<br />

como conheceu Negra Maria, mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> sopé<br />

<strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong>, e como construíram uma<br />

sincera amizade.<br />

Sua mãe era ainda moçoila quan<strong>do</strong> veio da<br />

roça para trabalhar sem paga na cidade, como<br />

ama de crianças de famílias abasta<strong>das</strong>. Mais<br />

tarde, trabalhou sem registro e sem horário<br />

como empregada <strong>do</strong>méstica. Estu<strong>do</strong>u apenas até<br />

o terceiro ano no Grupo Escolar, pois não<br />

dispunha de tempo para prosseguir estu<strong>do</strong>s. Por<br />

ter nascida e si<strong>do</strong> criada na religião católica, por<br />

nada perdia uma missa aos <strong>do</strong>mingos. Conduziu<br />

Pardal, enquanto pôde, nessa mesma religião,<br />

mas ele assistia por assistir as missas, já que<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

21


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

não entendia nada <strong>do</strong> latinório reza<strong>do</strong> pelos<br />

padres e repeti<strong>do</strong> parcialmente pelos fiéis. Seu<br />

pai era carpinteiro muito procura<strong>do</strong> na cidade,<br />

hábil com formão e enxó, especialista em montar<br />

telha<strong>do</strong>s. Diferentemente da esposa ele era<br />

protestante, mas pouco participava da igreja.<br />

Rigoroso era mesmo para com o filho e esforçou<br />

bastante para que aprendesse ofício e estu<strong>das</strong>se.<br />

Conseguiu apenas tirar o Ginásio, mas não<br />

aprendeu o ofício <strong>do</strong> pai. Parou com os estu<strong>do</strong>s<br />

por não ter como sair da cidade para continuar<br />

os estu<strong>do</strong>s fora. Àquela época a cidade não<br />

dispunha nem de Ensino Médio completo. Ficou-<br />

lhe, no entanto, o bom gosto pelos estu<strong>do</strong>s e<br />

pela leitura, e assim muito aprendeu sozinho.<br />

Mas... Por que pensava em tu<strong>do</strong> isso agora?<br />

Talvez pelo cheiro que sentiu de leite que havia<br />

deixa<strong>do</strong> ferven<strong>do</strong> e que derramou no fogão e o<br />

fez recordar a mãe. Lembrou dela e de um <strong>do</strong>ce<br />

que fazia para aproveitar leite bispa<strong>do</strong>. Leite<br />

bispa<strong>do</strong>! Não posso desperdiçar este leite, só<br />

porque entrou fumaça da lenha molhada no<br />

fogão, pareceu ouvi-la dizer. Sorriu.<br />

Negra Maria ele conheceu quan<strong>do</strong> ainda era<br />

criança, e caminhava pelas praias <strong>do</strong> Córrego<br />

Rico.<br />

22<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

“Foi numa manhã de <strong>do</strong>mingo. Cabulei a<br />

missa e fui beirar praia, subin<strong>do</strong> desde o Laje<strong>do</strong><br />

até a Praia <strong>do</strong>s Macacos. Arma<strong>do</strong> de um bom<br />

estilingue, forquilha de goiabeira, um bornal<br />

médio para as pedras da atiradeira e guarda de<br />

possível caça, lá fui eu. Descalço como gostava<br />

de andar subi córrego acima cumprin<strong>do</strong> o ritual<br />

pré-estabeleci<strong>do</strong>. Ora n’água, ora nos barrancos<br />

vistorian<strong>do</strong> tocas e ninhos de garrinchas, tico-<br />

ticos e <strong>das</strong> pombas mato-virgem. Umas baitas!<br />

Percorria nos barrancos as trilhas de preás.<br />

Sabia <strong>do</strong>s seus hábitos noturnos, mas sempre<br />

havia a possibilidade de encontrar alguma não<br />

entocada que pudesse tornar alvo fácil para as<br />

pedras <strong>do</strong> meu estilingue. Sempre fui bom no<br />

manejo dessa atiradeira. As águas frescas <strong>do</strong><br />

córrego convidam a um mergulho nessa manhã<br />

de Verão. Frescas, fartas e limpas, só turvavam<br />

rapidamente quan<strong>do</strong> alguma pequena traíra<br />

assustada com a nossa presença se escondia em<br />

um monturo de garranchos ou na fresta de<br />

alguma pedra. Aquele dia, ser <strong>do</strong>mingo, não<br />

tinha garimpeiro algum nos puxa<strong>do</strong>s, só os<br />

galhos de espinheiros demarcam os locais que<br />

não devíamos nadar. To<strong>do</strong>s respeitavam. Quase<br />

to<strong>do</strong>s!<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

23


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

No barranco <strong>do</strong> Matinho cedi ao convite da<br />

água. Tirei toda a minha roupa e me atirei pela<strong>do</strong><br />

para um mergulho. Estava tão fun<strong>do</strong> o poço que<br />

não conseguia tomar-pé. Nadei, mergulhei e até<br />

bebi daquela gostosa água. Vesti ainda molha<strong>do</strong><br />

a velha camisa branca encardida de três botões –<br />

que nem abotoei – e a calça curta de suspensório<br />

de pano. Prossegui o passeio pelo barranco até<br />

chegar ao Vigário. Já estavam por ali alguns<br />

garotos para o futebol no macio grama<strong>do</strong><br />

encharca<strong>do</strong> pelas águas <strong>das</strong> chuvas dessa época<br />

<strong>do</strong> ano.<br />

Olha lá! Avistei uma folha de piteira<br />

cortada. Não resisti. Senta<strong>do</strong> nela escorreguei lá<br />

<strong>do</strong> mais alto barranco. Subi e desci várias vezes.<br />

O futebol ainda ia demorar, pois ainda eram<br />

poucos os garotos. Por isso, continuei minha<br />

caminhada pelo leito <strong>do</strong> córrego. Observei na<br />

barra <strong>do</strong> Córrego <strong>do</strong> Espalha com o Rico, que as<br />

águas daquele eram bem mais frias. Por aquele<br />

córrego não era fácil caminhar, pois as matas às<br />

suas margens eram densas e o seu leito<br />

profun<strong>do</strong>. Segui caminho e passei sob o<br />

pontilhão que levava à Estrada de Goiás.<br />

Observei grandes lagartixas negras toman<strong>do</strong> sol<br />

nas madeiras da ponte. De vez em quan<strong>do</strong><br />

moviam as cabeças como que assuntan<strong>do</strong> o<br />

24<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

perigo. Arrisquei uma pedrada numa gran<strong>do</strong>na,<br />

mas felizmente, digo hoje, errei. Fugiram to<strong>das</strong><br />

para o outro la<strong>do</strong> da viga e eu continuei zera<strong>do</strong><br />

nas minhas maldades naquele <strong>do</strong>mingo. Nem um<br />

passarinho, um preá ou mesmo um ovinho de<br />

beija-flor.<br />

O sol já ia alto quan<strong>do</strong> alcancei o lugar<br />

onde se encontram os Córregos de São Gonçalo e<br />

<strong>do</strong>s Macacos. Lugar lin<strong>do</strong>. Lá no sopé <strong>do</strong> morro,<br />

num pequeno achata<strong>do</strong> que existia no barranco<br />

<strong>do</strong> São Gonçalo, morava a Negra Maria,<br />

apelidada Tortuga, carregan<strong>do</strong> seus muitos anos.<br />

Alguns garotos tinham me<strong>do</strong> até de se<br />

aproximarem da casinha. Comentavam que os<br />

pais diziam que ela era uma bruxa. Ela mesma<br />

deve ter espalha<strong>do</strong> a lenda para não ser<br />

perturbada pela molecada invasora de quintais.<br />

Fiquei seu amigo num desses meus<br />

passeios. Certo dia, com muita fome e grande<br />

<strong>do</strong>se de coragem, resolvi pedi a ela uma bonita<br />

manga Sabina madurinha, que vi dependurada<br />

num galho quase sobre a cerca de varas <strong>do</strong> seu<br />

quintal. Olhou-me de mo<strong>do</strong> fixo, séria – quase<br />

corri – mas abriu em seguida um sorriso<br />

bon<strong>do</strong>so em seu rosto me autorizan<strong>do</strong> apanhar a<br />

manga. Enquanto eu devorava a fruta ela puxou<br />

conversa. Perguntou aquelas coisas que os<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

25


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

adultos sempre perguntam às crianças que<br />

encontram pela primeira vez: “quem é seu pai,<br />

sua mãe, onde você mora e o que faz por aqui”.<br />

Achei que estava era mesmo com vontade de<br />

conversar e comecei também a indagar.<br />

- A senhora mora aqui sozinha? Tem<br />

mari<strong>do</strong> não? Filhos meninos?<br />

- Não, não meu amigo!<br />

Verdade. Ela me chamou de amigo.<br />

- Não mais tenho mari<strong>do</strong> e nem filho. Meu<br />

mari<strong>do</strong> morreu há muito tempo e o único filho<br />

que eu tive sumiu aí no morro.<br />

- Sumiu?<br />

- É, sumiu.<br />

- Por que a chamam de Tartaruga?<br />

Ela sorriu.<br />

- Não, não é Tartaruga, meu filho! É<br />

Tortuga, mas acho até que é a mesma coisa.<br />

Nome inventa<strong>do</strong> por um espanhol, meu amigo,<br />

que morou numa outra casa que existia ali mais<br />

em cima no São Gonçalo. Foi meu único vizinho<br />

por muitos anos. Tinha mulher e duas filhas, mas<br />

como enviuvou ce<strong>do</strong> criou sozinho as meninas.<br />

Estas, assim que ficaram mocinhas foram<br />

embora. Deixa pra lá que isto não é assunto que<br />

interessa a uma criança. Como ia dizen<strong>do</strong>, era<br />

ele que me chamava de Tortuga. Dizia que eu era<br />

26<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

tão vagarosa no caminhar que até parecia uma<br />

tortuga. Aí ficou! Não me incomo<strong>do</strong> de me<br />

chamarem assim, apesar <strong>do</strong> meu nome ser Maria<br />

de Jesus da Silva. Não conheci meu pai e minha<br />

mãe era escrava. Ela chamava Aparecida.<br />

Aparecida de Jesus, ou Cida <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> como<br />

to<strong>do</strong>s a chamavam. Mas vai embora que já está<br />

fican<strong>do</strong> tarde e sua mãe vai ficar incomodada<br />

com sua demora.<br />

- Até outro dia, <strong>do</strong>na Tarta... Tartaruga...<br />

- Tortuga, meu amigo.<br />

Foi assim que conheci Negra Maria.<br />

Agora, já passa<strong>do</strong> alguns anos, eu a visito<br />

sempre - como hoje - e desfruto de sua<br />

confiança. An<strong>do</strong> por seu pequeno quintal e<br />

conheço toda sua posse. Uma fresca casinha num<br />

achata<strong>do</strong> no sopé <strong>do</strong> morro, aonde o sol sempre<br />

chega mais tarde. Paredes de a<strong>do</strong>bes crus, sem<br />

reboco, telha<strong>do</strong> sem forro - em quatro águas -<br />

coberto de velhas telhas coloniais, pesa<strong>das</strong> e<br />

patina<strong>das</strong> pelo tempo. Uma sala, um quarto, uma<br />

cozinha e pequeno despejo. Tu<strong>do</strong> em chão<br />

bati<strong>do</strong>, mas em boa ordem. No quintal, algumas<br />

outras árvores frutíferas além <strong>do</strong> pé de manga<br />

Sabina Um de romã, um sabugueiro e algumas<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

27


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

laranjeiras. Laranja da terra, da China e da Ásia.<br />

Moitas de bananas, ouro e prata e capim cidreira<br />

para o chá. Duas roseiras, uma branca,<br />

medicinal, e outra vermelha. Três ou quatro<br />

canteiros eleva<strong>do</strong>s, para plantio de verduras e<br />

pequeno forno de lenha debaixo da mangueira. E<br />

uma latrina de fossa a uns quinze passos da<br />

casa.<br />

O terreno é coberto de terra preta<br />

misturada em pedregulho, um pouco esconso,<br />

mas bastante fértil. Basta adubar com um pouco<br />

de esterco de cavalo, queima<strong>do</strong>, mistura<strong>do</strong> com<br />

cinzas <strong>do</strong> fogão de lenha, para produzir lin<strong>das</strong><br />

cabeças de alface, couve e cebolinha de grossas<br />

folhas. O esterco é bati<strong>do</strong> e sapeca<strong>do</strong> antes de<br />

utilizar nos canteiros, a fim de evitar pragas e<br />

também para não ‘queimar’ as plantas.<br />

Certo dia Dona Maria me contou o que<br />

aconteceu com o seu único filho.<br />

“Ele se chamava Francisco, mas era mais<br />

conheci<strong>do</strong> por Chico, - como to<strong>do</strong> Francisco.<br />

Chiquinho Preá. O apeli<strong>do</strong> veio por ser pardinho<br />

miú<strong>do</strong> de corpo, dentes superiores da frente<br />

salientes e olhos muito pequenos e espertos.<br />

Acho até que parecia mesmo um preá! Disse<br />

sorrin<strong>do</strong>. Ele gostava muito <strong>do</strong>s bichinhos e vivia<br />

28<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

os protegen<strong>do</strong> <strong>das</strong> caça<strong>das</strong> <strong>do</strong>s outros meninos e<br />

<strong>do</strong>s gaviões preda<strong>do</strong>res aí <strong>do</strong> morro. Quan<strong>do</strong> os<br />

viam se aproximarem <strong>do</strong> morro, fazia o maior<br />

barulho prevenin<strong>do</strong> os amiguinhos. Com ele os<br />

preás eram mansos e até o deixava tocá-los.<br />

Acho que conversava com eles. Pois bem,<br />

viveram essa amizade por algum tempo, mas<br />

certo dia apareceu por aqui um pessoal de fora,<br />

dizen<strong>do</strong> ter compra<strong>do</strong> as terras e que iam<br />

explorar o ouro <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong>. Até esse<br />

terreno aqui onde moro diziam ser deles. Deles!<br />

Como deles? Se desde o tempo de minha avó,<br />

escrava alforriada, e depois minha mãe, escrava<br />

liberta pela Princesa, vivemos aqui?<br />

“A senhora é quem sabe. Vamos ver se<br />

agüentará as explosões, o barulho <strong>das</strong> máquinas<br />

e a poeira por muito tempo! Até sua cisterna vai<br />

secar. Melhor aceitar a indenização e procurar<br />

outro lugar para morar”.<br />

Desaforo! Chiquinho ficou muito assusta<strong>do</strong><br />

e passava os dias no morro com os animais seus<br />

amigos. Voltava para casa só depois que<br />

escurecia e acordava quase to<strong>das</strong> as noites aos<br />

gritos ordenan<strong>do</strong> que corressem. “Não, não...<br />

Fujam! Vão embora!” gritava sem parar.<br />

E um dia eles vieram mesmo para as<br />

primeiras escavações. Enorme máquina raspou o<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

29


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

terreno, bem aqui acima onde existia uma<br />

baixada. Lugar mais fresco onde minava água e o<br />

capim era sempre verde. Ali morava a maioria<br />

<strong>do</strong>s roe<strong>do</strong>res. Arrasaram as suas tocas,<br />

esmagan<strong>do</strong> muitos, adultos e filhotes e<br />

aprisionaram outros tantos. Diziam os<br />

maquinistas, que dariam um ótimo “tira-gosto”.<br />

Judiação!<br />

***<br />

Meses depois numa de minhas visitas<br />

encontrei Negra Maria muito triste! Parecia<br />

muito <strong>do</strong>ente e dizia coisas confusas. Muito<br />

pálida e com o olhar sempre para<strong>do</strong>.<br />

- Algum problema <strong>do</strong>na Maria? Era assim<br />

que habituei chamá-la.<br />

tu<strong>do</strong>.<br />

- São eles! Estão chegan<strong>do</strong> para destruir<br />

- Destruir o quê?<br />

- O <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong>, meu filho!<br />

Fiquei observan<strong>do</strong> as rugas no rosto da<br />

minha amiga. Pareciam formar letras Achei um<br />

“m” de me<strong>do</strong>, um “a” de aflição e um “t” de<br />

temor, sobre os olhos.<br />

- Você, meu amigo, já é um rapazinho e<br />

precisa saber tu<strong>do</strong> o que está para acontecer e<br />

30<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

tentar amenizar o sofrimento de muitos. É<br />

terrível! Esta noite eu ouvi minha gente;<br />

conversei com ela!<br />

- Que gente <strong>do</strong>na Maria? A senhora sempre<br />

me disse que não tem mais ninguém no mun<strong>do</strong>!<br />

- Tenho sim Pardal! Muitos! Muita gente,<br />

muitas almas sofri<strong>das</strong> que perambulam aí pelo<br />

morro, com os pés acorrenta<strong>do</strong>s, cavan<strong>do</strong> sem<br />

razão aqui e acolá há mais de um século. O<br />

morro está cheio delas. Estão agita<strong>das</strong> e falam<br />

em destruição. Disseram que uma verdadeira<br />

guerra vai ser travada. Virão enormes e<br />

estranhas máquinas explodir e moer o morro,<br />

afugentar os bichos, transformar tu<strong>do</strong> a pó. O<br />

<strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong> vai se transformar num inferno,<br />

exalan<strong>do</strong> gases de enormes buracos, um lago<br />

negro vai se formar e, por fim, um deserto. O pó<br />

que vai <strong>do</strong> morro soprar cobrirá toda a cidade e<br />

não vingará nem um pé de fruta, uma<br />

mangueira, ou qualquer outra árvore. Você já<br />

ouviu falar de uma cidade de um distante país<br />

que foi totalmente destruída, soterrada pelas<br />

larvas de um vulcão?<br />

- Sim, já estudei sobre isso no ginásio,<br />

respondi. Foi Pompéia, cidade italiana, que no<br />

ano 79 da Era de Cristo, foi totalmente destruída<br />

pelas larvas da erupção <strong>do</strong> Vesúvio. Mas o que<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

31


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

tem a ver essa história, se em nosso país nem<br />

tem vulcões e apenas alguns pequenos montes?<br />

Quem, por que e para que fará isso, <strong>do</strong>na Maria?<br />

- Pelo ouro, meu filho, pelo ouro! O <strong>Morro</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Almas</strong> tem ainda muito ouro, meu filho e não<br />

produz apenas mangabas e serve de abrigo para<br />

preás, lobos guará, pássaros e para fornecer as<br />

águas que vazam <strong>das</strong> pedras e abastecem os<br />

córregos lá embaixo.<br />

- E vão destruir isto, <strong>do</strong>na Maria? Não<br />

compreen<strong>do</strong>. Deve ter si<strong>do</strong> apenas um sonho, um<br />

pesadelo que a senhora teve.<br />

- Não, meu filho, elas estavam inquietas<br />

esta noite, e eu até senti que o morro tremia.<br />

Tive uma visão desses estranhos que estão<br />

chegan<strong>do</strong>. Vão ser recebi<strong>do</strong>s com muitas festas.<br />

Virá um que chamam de “rei vermelho”, alegre,<br />

sorridente, folgadão, fazen<strong>do</strong> enormes<br />

promessas. Chegará pelos ares como um pássaro<br />

e será recebi<strong>do</strong> com muita pompa pelo povo e<br />

autoridades. Distribuirá durante algum tempo<br />

presentes e fará pequenas <strong>do</strong>ações “em<br />

benefício <strong>do</strong> povo da cidade”, discursará. Muitos<br />

acreditarão em sua palavra dizen<strong>do</strong> que trará<br />

empregos, que virá progresso e bem estar para<br />

os habitantes da cidade.<br />

32<br />

- Mas, isto não será bom, <strong>do</strong>na Maria?<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

- Seria, meu filho, seria se a ambição não<br />

fosse maior que o morro. Quan<strong>do</strong> o ouro acabar,<br />

vão embora à procura de outra reserva e<br />

ficaremos somente com os problemas de saúde<br />

que a extração vai deixar. Com pouca água boa<br />

para consumo pelo homem e pelos animai a<br />

cidade vai aos poucos desaparecer. Do céu vai<br />

chover áci<strong>do</strong>, Pardal!<br />

- Que horror, <strong>do</strong>na Maria!<br />

- Mas ainda há uma esperança! Os preás<br />

vão reagir à destruição de sua casa. A princípio<br />

poucos, mas vão se multiplicar enormemente e<br />

logo virão até de outros mun<strong>do</strong>s. Virão de to<strong>do</strong>s<br />

os la<strong>do</strong>s, mil, milhares, milhões de preás<br />

grunhin<strong>do</strong> tal qual javalis, roen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> que<br />

encontrarem pela frente, exigin<strong>do</strong> reparos,<br />

exigin<strong>do</strong> respeito. Não sei o que vai resultar.<br />

Quem vencerá, quem se salvará dessa guerra, se<br />

os preás ou o “rei vermelho”. Agora vá embora,<br />

pois estou bastante cansada.<br />

Foi minha última conversa com a Nega<br />

Maria. Dois dias depois a encontraram morta.<br />

Foi se juntar aos seus no <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong>.<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

33


King Rosso,<br />

A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

o rei vermelho.<br />

Como a minera<strong>do</strong>ra tomou conta da cidade.<br />

Grande aparato foi arma<strong>do</strong> para receber o<br />

presidente, Mister Scott – o rei vermelho – que<br />

veio finalmente conhecer a mina adquirida por<br />

sua empresa. A cidadezinha ficou agitada pelo<br />

acontecimento. Escolares foram desde muito<br />

ce<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong>s alinha<strong>do</strong>s ao sol junto à pequena<br />

banda musical convocada para a recepção no<br />

pequeno aeroporto. Sol inclemente, calor<br />

insuportável, ameniza<strong>do</strong> apenas pelo uso <strong>do</strong>s<br />

bonés amarelo-vermelho com emblema da MKR-<br />

Mineração King Rosso distribuí<strong>do</strong>s às crianças, e<br />

mais uma garrafinha plástica com suco vermelho<br />

gela<strong>do</strong>. . Meia hora antes <strong>do</strong> horário previsto<br />

para a chegada já se encontram no local, além<br />

<strong>do</strong>s escolares e <strong>do</strong>s componentes da banda, o<br />

prefeito, o padre, o tenente, chefe <strong>do</strong><br />

policiamento na cidade, três pastores<br />

evangélicos e quatro verea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />

situacionista. A diretora <strong>do</strong> grupo escolar e mais<br />

duas professoras ficam também ao sol cuidan<strong>do</strong><br />

<strong>das</strong> barulhentas crianças que em algazarra<br />

acham tu<strong>do</strong> muito diverti<strong>do</strong>. Um pouco afasta<strong>do</strong>s<br />

<strong>das</strong> autoridades municipais e <strong>do</strong> gerente-chefe<br />

da mina, alguns funcionários menos gradua<strong>do</strong>s<br />

34<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

da MKR marcam presença engrossan<strong>do</strong> o público<br />

para a recepção. Foram convoca<strong>do</strong>s pela chefia e<br />

dispensa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho por algumas horas.<br />

Tu<strong>do</strong> perfeito! O gerente-chefe sorri para to<strong>do</strong>s e<br />

confere to<strong>do</strong> momento um ponto no horizonte<br />

aéreo por onde deve chegar o helicóptero <strong>do</strong> rei.<br />

Dois luxuosos automóveis haviam chega<strong>do</strong> a<br />

cidade no dia anterior, trazen<strong>do</strong> da capital alguns<br />

membros menos gradua<strong>do</strong>s da diretoria e alguns<br />

seguranças.<br />

Já é de quarenta minutos o atraso da<br />

chegada prevista para as dez e trinta. Mesmo as<br />

autoridades protegi<strong>das</strong> <strong>do</strong> sol sob o teto de zinco<br />

<strong>do</strong> pequeno hangar transforma<strong>do</strong> em saguão de<br />

recepção, suam sufoca<strong>das</strong> nos seus ternos com<br />

cheiro de naftalina e gravatas escuras. Olhe lá,<br />

estão chegan<strong>do</strong>! Por fim, sobre a pequena serra<br />

que emoldura a cidade aparece o pássaro de<br />

ferro, raro por aquelas ban<strong>das</strong>, trazen<strong>do</strong> em seu<br />

bojo a importante visita. Alguns fogos espocam e<br />

o romper de um <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> de boas vin<strong>das</strong><br />

executa<strong>do</strong> pela banda euterpe saúdam os<br />

visitantes. Os colegiais agitam as bandeirolas<br />

colori<strong>das</strong>; alguns se assustam com o barulho, o<br />

vento e a poeira que levanta da pista sem asfalto<br />

pelo possante helicóptero. Olhos arregala<strong>do</strong>s e<br />

brilhantes de crianças curiosas. Adiantam-se<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

35


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

autoridades para cumprimentos e apresentações,<br />

curvaturas de <strong>do</strong>rsos e até beija-mão da esposa<br />

<strong>do</strong> rei, Miss Scott, que sorridente não entende<br />

nada <strong>do</strong> que falam os nativos. Responde sempre<br />

prauzer e muuto obrigadô! Simpática e<br />

perfumada, a jovem esposa <strong>do</strong> magnata até<br />

parece ser sua filha. Sorri o tempo to<strong>do</strong>.<br />

A caravana se forma com o Fiat 147 <strong>do</strong><br />

chefe de policiamento de bate<strong>do</strong>r, dirigin<strong>do</strong><br />

devagar e com muito cuida<strong>do</strong> para não levantar<br />

poeira. Seguem os carros <strong>do</strong> prefeito com os<br />

ilustres visitantes, os diretores da empresa com<br />

as bagagens e os seguranças. Quatro outros<br />

carros com as autoridades civis, militares e<br />

eclesiásticas e, por último, o velho ônibus escolar<br />

amarelo <strong>do</strong>a<strong>do</strong> pelo governo canadense, como se<br />

lê em uma de suas laterais, levan<strong>do</strong> os<br />

estudantes em grande algazarra. A banda<br />

euterpe ficou por ali mesmo no campo de<br />

aviação. Depois de entoar mais alguns <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s<br />

se dispersou, carregan<strong>do</strong> cada músico o seu<br />

instrumento para casa.<br />

36<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

A festa<br />

À noite, no Social Clube, aconteceu o jantar<br />

e baile ofereci<strong>do</strong> pela cidade aos ilustres<br />

visitantes. Seletos membros da sociedade e<br />

autoridades tiveram direito de participar e<br />

degustar os saborosos pratos da culinária<br />

mineira e goiana às custa <strong>do</strong> erário público<br />

municipal. Vinhos portugueses de boa qualidade,<br />

discretas cervejas e água mineral. Os visitantes<br />

não tomam da água da cidade, temerosos da sua<br />

qualidade. Bebem somente águas minerais de<br />

Caxambu ou São Lourenço, cujas garrafas são<br />

abertas somente na hora de servir.<br />

Fazem enorme sucesso o goiano peixe na<br />

telha e as sobremesas de <strong>do</strong>ces de mamão<br />

lasca<strong>do</strong>, manga verde e de laranja da terra.<br />

Mister Scott e sua jovem esposa sorriem o tempo<br />

to<strong>do</strong>.<br />

Na visita que fez à tarde a mina,<br />

acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> prefeito e de outras<br />

autoridades, mister Law foi informa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

detalhes da mina, sobre a história da cidade e<br />

<strong>das</strong> reservas minerais da região. O que conversa<br />

em inglês com o gerente-chefe, quan<strong>do</strong><br />

interessa, é traduzi<strong>do</strong> às autoridades. Para a<br />

compreensão de Mister Scott foi traduzida as<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

37


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

palavras escritas em português nas faixas de<br />

saudação pela cidade. Música suave de aparelho<br />

eletrônico durante o jantar e, mais tarde, música<br />

dançante executada por um conjunto local. No<br />

final da noite o vermelho e sua<strong>do</strong> rei se mistura à<br />

plebe e dança de mo<strong>do</strong> desajeita<strong>do</strong> com a sua<br />

rainha e com algumas alegres damas da<br />

sociedade. Arrisca até remexer as cadeiras<br />

dançan<strong>do</strong> um forró executa<strong>do</strong> pelo conjunto com<br />

uma bela morena a ele oferecida para a dança.<br />

Uma galhofa!<br />

No dia seguinte a Praça da Matriz ainda<br />

está no silêncio de uma manhã de <strong>do</strong>mingo. O<br />

barulho que se ouve é de um garoto com um<br />

cestinho enfia<strong>do</strong> no braço a apregoar de porta<br />

em porta o bolo de <strong>do</strong>mingo, e o repicar <strong>do</strong> sino<br />

da Matriz convocan<strong>do</strong> fieis à missa.<br />

Pardal, após mais uma noite mal <strong>do</strong>rmida<br />

pelo calor e pelo barulho <strong>do</strong> Social, comenta com<br />

seu amigo Zé Pin<strong>do</strong>ba:<br />

- Zé, pra onde estamos in<strong>do</strong>, Zé! A farra<br />

aqui no Social foi grande, pois até uma meia hora<br />

atrás tinha gente sain<strong>do</strong> cambalean<strong>do</strong> daqui.<br />

Muitos, só pela boca-livre e para puxar-saco de<br />

um grupo de gringos que aqui vêm nos explorar.<br />

38<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

E tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> pago com o nosso rico dinheirinho,<br />

Zé!<br />

- Quem é gringo, Pardal? Quem deu<br />

dinheiro? Você deu? A mim não pediram dinheiro<br />

algum para esse jantar!<br />

- Você não sabe mesmo é de nada, hein<br />

cara! Um aliena<strong>do</strong> é o que você é. Santa<br />

ignorância essa sua! Você deu sim, seu burro. Ou<br />

por acaso não paga impostos?<br />

- Ih! Você já amanhece aze<strong>do</strong>. Vá rezar ali<br />

na igreja pra essa sua santa. Essa sua Santa<br />

Ignó, vai!<br />

- Ah! Deixa pra lá! Você é mais um daqueles<br />

que custa compreender as coisas. Daqueles que<br />

acham bonito uma pracinha singela com várias<br />

placas informan<strong>do</strong>: esta praça foi restaurada<br />

pela MKR em parceria com a Prefeitura<br />

Municipal. Acha mais importante o patrocínio de<br />

um carnaval temporão, de um show sertanejo<br />

que enche praças de bêba<strong>do</strong>s inconseqüentes, de<br />

depreda<strong>do</strong>res eventuais, <strong>do</strong> que de uma escola.<br />

Grande dádiva! Esses gringos são sim uns<br />

grandes filhos da pauta, Zé! Como pagam alguns<br />

impostos e distribuírem migalhas, iludem<br />

pessoas e acham que podem tu<strong>do</strong>. E nós, bestas,<br />

concordamos.<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

39


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

- Ô louco! Onde você tomou dessa, Pardal?<br />

Acor<strong>do</strong>u com a macaca?<br />

- Ah! Você ainda não percebeu. Vai demorar<br />

entender o que vai sobrar depois da festa!<br />

- Mas a festa não foi de ontem pra hoje? Já<br />

não acabou?<br />

- Desisto. Vou dar uma caminhada<br />

enquanto posso; até logo!<br />

40<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

A revolta <strong>do</strong>s preás e pardais<br />

5<br />

O triste fim de Pardal.<br />

Pardal passou dias horríveis depois <strong>das</strong><br />

frustra<strong>das</strong> tentativas de conseguir apoio de<br />

autoridades e pessoas para as suas reclamações<br />

contra a MKR.<br />

Com quase to<strong>do</strong>s que conversava pareciam<br />

contentes e satisfeitos com a grande empresa<br />

que a cidade abrigava. Ela dá emprego a muita<br />

gente!<br />

Não percebiam que a maioria <strong>do</strong>s técnicos e<br />

engenheiros veio de outras cidades. Daqui,<br />

apenas uns poucos operários sem formação<br />

especializada.<br />

Será que mais ninguém vai entender a fria<br />

que estamos entran<strong>do</strong>? Pensava em sua solidão,<br />

nos seus delírios quixotescos. Será que nem as<br />

almas pena<strong>das</strong>, que a Negra Maria dizia vagarem<br />

pelo morro, não vão se levantar? Ou estarão<br />

planejan<strong>do</strong> vingança maior aos ambiciosos<br />

forasteiros e àqueles que se vendem e os<br />

seguem por vinte dinheiros?<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

41


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Sentia cansa<strong>do</strong> pelas noites mal <strong>do</strong>rmi<strong>das</strong> e<br />

pela dificuldade que vinha ultimamente<br />

encontran<strong>do</strong> para respirar. Uma espécie de<br />

asma, da qual só sentia alívio pelo uso de uma<br />

bombinha com um produto para aspergir na<br />

garganta, que passou a carregar consigo por<br />

recomendação de um farmacêutico seu amigo.<br />

Poucos colegas <strong>do</strong> armazém onde<br />

trabalhava ainda davam atenção à sua conversa.<br />

Pensou estar chatean<strong>do</strong> os colegas e por isso, se<br />

trancou. Noites e noites sozinho, já que não<br />

tinha irmãos e os únicos parentes que lhe<br />

restavam eram os <strong>do</strong>is tios que moravam e<br />

trabalhavam como bóias-frias em fazen<strong>das</strong> da<br />

região.<br />

Em mais uma noite quente, febril e com a<br />

respiração ofegante, Pardal sonhou:<br />

De cima de alta pedra que restou, qual um<br />

totem, no centro <strong>do</strong> morro destruí<strong>do</strong>, Pardal e<br />

Chiquinho Preá comandam o ataque. Pássaros e<br />

preás aparecem de to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s e devoram<br />

tu<strong>do</strong>. Dezenas, centenas, milhares, bilhões de<br />

preás e pardais fazem tremer o que resta <strong>do</strong><br />

antigo morro.<br />

Os primeiros invasores foram <strong>do</strong>is preás,<br />

que mesmo persegui<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>is vigilantes de<br />

42<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

far<strong>das</strong> vermelho-amarelo que tentaram abatê-los<br />

para mais um tira-gosto, se evadiram. Depois, os<br />

vigilantes começaram a sorrir ao verem a<br />

enorme quantidade deles e de pardais<br />

sobrevoan<strong>do</strong> a mina pousan<strong>do</strong> nos arre<strong>do</strong>res.<br />

Roe<strong>do</strong>res começaram então a varar cercas e<br />

portões.<br />

Assusta<strong>do</strong>s, ligaram para o escritório <strong>do</strong><br />

gerente da mina.<br />

- Preás? Pardais? Mas que história é essa?<br />

Presta atenção, vocês não estão aí para<br />

brincadeira, certo? Pleck.<br />

- Ele desligou.<br />

- Acho melhor darmos uns tiros para o alto<br />

e cairmos fora...<br />

E cada vez era maior o número <strong>do</strong>s<br />

invasores roen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> que não fosse pedra.<br />

Máquinas, caminhões, esteiras, canais, dutos e<br />

bombas d’água, tu<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> devora<strong>do</strong> como se<br />

fossem migalhas. As migalhas distribuí<strong>das</strong>, as<br />

mentes e consciências compra<strong>das</strong> pela MKR,<br />

tu<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong> numa voracidade jamais<br />

vista.<br />

Sede, muita sede de esqueléticas figuras,<br />

que a água borbulhante e negra não sacia. E as<br />

negras rin<strong>do</strong>!<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

43


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Toga<strong>do</strong>s, engravata<strong>do</strong>s, reza<strong>do</strong>res e<br />

políticos correm sem direção. E os negros rin<strong>do</strong>!<br />

Vento forte arrasta por fim tu<strong>do</strong> para a<br />

escuridão. Pessoas, aves e animais e um<br />

tremen<strong>do</strong> estron<strong>do</strong> se ouve. Um big-bang que<br />

fará renascer de novo o morro.<br />

Chiquinho gargalhava de cima da pedra.<br />

Anh!<br />

Acor<strong>do</strong>u mais uma vez ensopa<strong>do</strong> pelo suor<br />

da febre bastante alta e dirigiu-se ao chuveiro.<br />

Na madrugada, tremen<strong>do</strong> e baten<strong>do</strong> queixo<br />

após o frio banho, se armou de velha bacia que<br />

dizia a si mesmo ser uma bateia, atravessou a<br />

cidade em direção a mina. Pela portaria principal<br />

não poderia entrar, por isso contornou a fralda<br />

<strong>do</strong> que restava <strong>do</strong> morro, e atravessan<strong>do</strong><br />

quintais vazios já pertencentes à MKR, alcançou<br />

a área de dejetos onde numa valeta profunda<br />

escorria em direção ao lago negro um líqui<strong>do</strong><br />

grosso semi-coberto por fumaça amarela que<br />

exalava forte cheiro áci<strong>do</strong>.<br />

- Pare! Advertiu um vigilante arma<strong>do</strong> de<br />

uma escopeta.<br />

Continuou andan<strong>do</strong> e depois corren<strong>do</strong> com<br />

a velha bacia às mãos.<br />

44<br />

Adriles Ulhoa Filho


A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

- Pare! Repetiu o vigilante, quan<strong>do</strong> ele já<br />

alcançava o final da valeta que terminava em um<br />

sumi<strong>do</strong>uro que levava ao lago.<br />

Um tiro, e o seu corpo rolou pelas margens<br />

da valeta desaparecen<strong>do</strong> no sumi<strong>do</strong>uro.<br />

Mais uma alma foi se juntar no morro às<br />

almas pena<strong>das</strong> de muitos escravos, de muitos<br />

sonha<strong>do</strong>res e também as de Chiquinho Preá e a<br />

de <strong>do</strong>na Maria Tortuga, na esperança de um dia<br />

poderem renascer em um mun<strong>do</strong> mais justo e<br />

fraterno.<br />

Fim<br />

Adriles Ulhoa Filho<br />

45


46<br />

A <strong>Mina</strong> <strong>do</strong> <strong>Morro</strong> <strong>das</strong> <strong>Almas</strong><br />

Publica<strong>do</strong> por<br />

INSTITUTO SERRANO NEVES<br />

www.serrano.neves.nom.br<br />

Edição<br />

Adriles Ulhoa Filho

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