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Apresentação<br />

O maravilhoso livro de <strong>Rute</strong> é uma das pérolas da biblioteca divina. Pequeno, de<br />

apenas oitenta e quatro versículos, traz, porém, uma grandiosa e inesquecível mensag<strong>em</strong>.<br />

Qu<strong>em</strong>, nele, não pode aprender sobre a soberania da graça de Deus <strong>em</strong> escolher<br />

uma moabita para ser contada no número do Seu povo? Como não perceber a Providência<br />

toda inclusiva <strong>em</strong> torno da protagonista de nosso livro?<br />

Em No<strong>em</strong>i t<strong>em</strong>os a figura da restauração. De uma mulher infeliz e amargurada,<br />

vivendo de autocomiseração, à No<strong>em</strong>i cheia, esperançosa, segura e confiante.<br />

Em Boaz, o nobre e gentil agricultor hebreu, somos levados a pensar <strong>em</strong> nosso<br />

Parente-r<strong>em</strong>idor (Goel), o senhor Jesus Cristo, Aquele que se tornou nosso irmão mais<br />

velho e não se envergonha de chamar-nos irmãos (Hb 2:1), r<strong>em</strong>indo-nos da escravidão do<br />

pecado (Rm 7:14).<br />

Foi seguindo os passos de nossos personagens que fomos edificados no período<br />

de Abril a Nov<strong>em</strong>bro de 2003. Vimos, atônitos, cada tensão da história. Sentimos a dor<br />

dos envolvidos e nos envolv<strong>em</strong>os com seus sentimentos, dores, perplexidades e alegrias.<br />

Acima de tudo, aprend<strong>em</strong>os, compenetrados, os passos de uma vida cristã próspera e<br />

madura: A decisão da fé (no cap. 1), o serviço comprometido (no cap. 2), a obediência<br />

perseverante (no cap. 3) e as alegrias da fidelidade (no cap. 4). “Porque tudo o que<br />

dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das<br />

Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15:4).<br />

Todavia, o que o leitor t<strong>em</strong> <strong>em</strong> mãos são simples anotações, ou sermões<br />

esboçados, que utilizei naqueles aprazíveis momentos na presença de Deus, quando<br />

ouvíamos Sua voz e trabalhávamos os t<strong>em</strong>as que o enredo nos sugeria na reflexão deste<br />

grandioso livro das Escrituras Sagradas.<br />

Ary Queiroz Jr.<br />

1


Uma família numa peregrinação<br />

probl<strong>em</strong>ática<br />

“1 E sucedeu que, nos dias <strong>em</strong> que os juízes julgavam, houve uma fome na terra; por isso um hom<strong>em</strong> de Belém de Judá<br />

saiu a peregrinar nos campos de Moabe, ele e sua mulher, e seus dois filhos; 2 E era o nome deste hom<strong>em</strong> Elimeleque,<br />

e o de sua mulher No<strong>em</strong>i, e os de seus dois filhos Malom e Quiliom, efrateus, de Belém de Judá; e chegaram aos<br />

campos de Moabe, e ficaram ali. 3 E morreu Elimeleque, marido de No<strong>em</strong>i; e ficou ela com os seus dois filhos, 4 Os<br />

quais tomaram para si mulheres moabitas; e era o nome de uma Orfa, e o da outra <strong>Rute</strong>; e ficaram ali quase dez anos. 5<br />

E morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada dos seus dois filhos e de seu<br />

marido” (Rt 1:1-5).<br />

“Nos dias <strong>em</strong> que os juízes julgavam” – Um período marcado pela decadência moral e<br />

espiritual de um povo transigente com as nações para as quais deveria ser ex<strong>em</strong>plo. Os t<strong>em</strong>pos<br />

eram de instabilidade, crise e oscilação. Só havia qualquer despertamento espiritual <strong>em</strong> dias de<br />

escravidão. Ao passo que as bênçãos, a fartura e a paz traziam relaxamento e pecado.<br />

Diz-nos o texto que “houve fome na terra”. Um dos ex<strong>em</strong>plos de fome neste período é<br />

registrado <strong>em</strong> Jz 6:1-6, pela ação devastadora dos inimigos (no caso, os amalequitas e<br />

midianitas), a ponto dos israelitas necessitar<strong>em</strong> trocar suas residências por esconderijos nas<br />

montanhas (Jz 6:2). Nesse contexto, t<strong>em</strong>os Gideão “malhando o trigo no lagar”, (e não na eira),<br />

um lugar improvável porém mais difícil de ser localizado pelos inimigos por ser parcialmente<br />

escondido, sendo escavado na rocha virg<strong>em</strong>.<br />

A verdade é que por seca ou por invasão, ou ambas, “houve fome na terra”, fato não<br />

inédito, uma vez que Israel já tivera contato com a fome <strong>em</strong> Canaã: (1) O patriarca Abraão já<br />

havia descido ao Egito por fome na terra (Gn 12:10); (2) O patriarca Isaque foi aos filisteus por<br />

causa de fome na terra (Gn 26:1); (3) O patriarca Jacó desceu ao Egito com seus filhos por causa<br />

da fome (Gn 41:56).<br />

Aqui t<strong>em</strong>os uma família de imigrantes, levados a peregrinar por causa da fome. Esse é um<br />

t<strong>em</strong>a conhecido de todos nós, nordestinos. A seca, a falta de uma política justa, ou mesmo a<br />

busca por melhores condições ainda levam inúmeras famílias a tentar<strong>em</strong> a sorte noutras<br />

localidades, especialmente no sudeste do país.<br />

O fato é que “um hom<strong>em</strong> de Belém de Judá saiu a peregrinar nos campos de Moabe, ele<br />

e sua mulher e seus dois filhos”. O termo “peregrinar” indica a mudança como medida provisória.<br />

Mas a questão é: Por que Moabe?<br />

3


Moabe distava de Belém apenas 80 Km (Belém estava a 8 Km ao sul de Jerusalém). Os<br />

moabitas eram um povo indesejado por Israel: (I) Eles eram o resultado de uma relação<br />

incestuosa de Ló com sua filha mais velha (Gn 19:37), e se tornou um povo imoral e idólatra; (II)<br />

Embora não tivesse sido intenção de Israel tomar posse da terra dos moabitas (Dt 2:9), durante a<br />

peregrinação à Canaã, Balaque, rei moabita, por medo, contratou os encatamentos de Balaão para<br />

amaldiçoar Israel. Não alcançando êxito, e por conselho de Balaão (Nm 31:16), “o povo começou<br />

a prostituir-se com as filhas dos moabitas” (Nm 25:1); (III) Esse fato ocasionou a proibição de Dt<br />

23:3-6, o que provavelmente significa que moabitas não deveriam se associar ao serviço do culto<br />

e não necessariamente uma proibição de casamentos. Sobre casamento, os israelitas estavam<br />

proibidos de tomar<strong>em</strong> das filhas dos cananeus (Dt 7:1-3); (IV) A animosidade permaneceu<br />

seguramente até ao t<strong>em</strong>po pós-exílico, cerca de 700 após o período de No<strong>em</strong>i (Ne 13:1-3).<br />

A pergunta permanece <strong>em</strong> aberto: Por que Moabe? Por que sair de Belém (casa de pão)<br />

para ir à região do mar morto, sendo esta agricolamente mais desfavorecida?<br />

O certo é que os resultados imediatos da peregrinação não foram dos melhores.<br />

Elimeleque (meu Deus é rei), No<strong>em</strong>i (agradável, alegre), Malom (doente) e Quiliom (definhado,<br />

fraco) não têm muita coisa boa pra contar nesta década de peregrinação atribulada. Elimeleque<br />

morreu. Seus dois filhos casaram-se com mulheres moabitas, o que deve ter sido uma dor para<br />

No<strong>em</strong>i (Jz 14:2,3; Gn 26:34,35), por não ter seguido o ex<strong>em</strong>plo de Abraão(Gn 24). E morreram<br />

também Malom e Quiliom, permanecendo agora somente três viúvas desamparadas.<br />

Esta introdução à brilhante história de <strong>Rute</strong> traz-nos lições profundas que gostaria de<br />

compartilhar:<br />

Primeiro, as situações da vida nos conduz<strong>em</strong> a perguntas muito difíceis de<br />

resolvermos.<br />

Por que eu estou nesta situação? Estaria Deus me castigando? Será que Deus algum dia<br />

pretende reverter esse quadro? Por que Deus me permitiu chegar aonde estou?<br />

Calma! Quero, a princípio, propor que não recorramos apressadamente a velhos chavões,<br />

que muitas vezes d<strong>em</strong>onstram mais precipitação do que sabedoria, como a dos amigos de Jó.<br />

Como no livro de <strong>Rute</strong>, somente a continuação da história revelará os propósitos de Deus.<br />

Talvez hoje seja o momento de enfrentar o silêncio de Deus, de aguardar quieto o desenrolar dos<br />

Seus decretos soberanos.<br />

No momento, é bom entendermos que há segurança para a igreja de Deus <strong>em</strong> meio as<br />

turbulências (Sl 46:1-5).<br />

Segundo, ainda que não tenhamos respostas para todas as questões da vida, as horas<br />

de dificuldade são t<strong>em</strong>pos de renovarmos a confissão da nossa fé.<br />

É hora de vencer perguntas do tipo: “onde está Deus?”.<br />

4


Que prov<strong>em</strong>os a nós mesmos e saibamos como reagimos a estas ocasiões. Será que<br />

somos s<strong>em</strong>elhantes à geração incrédula de Israel, que tentou ao Senhor quando lhe faltou água<br />

(Nm 17:2; 20:2-5)? Será que somos como a mulher de Jó que chegou à conclusão que ele deveria<br />

“abandonar um Deus tão cruel” (Jó 2:9)?<br />

Não! É HORA DE RENOVAR A CONFISSÃO DE NOSSA FÉ (Tg 1:2,3; I Pe 1:6-10; 4:12-16).<br />

Terceiro, não é raro o Senhor desejar nos colocar numa situação na qual<br />

expresse nossa impotência, através da qual nos convença de nossa necessidade de<br />

dependência dEle.<br />

Há dez anos, No<strong>em</strong>i, o esposo e dois filhos resolv<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ediar a situação: “Vamos<br />

peregrinar”. Mas agora, ei-la viúva e s<strong>em</strong> filhos homens.<br />

No<strong>em</strong>i passou a ser uma mulher desamparada. Nada possuía. S<strong>em</strong> forças, s<strong>em</strong> alegria. O<br />

mesmo se diz de suas noras. Ser viúva e s<strong>em</strong> filhos homens era a pior coisa que poderia acontecer<br />

a uma mulher daquela época.<br />

No<strong>em</strong>i agora só poderia contar com o AMPARADOR das viúvas (Sl 146:9; Dt 10:18).<br />

Deveria aprender a depender inteiramente dEle (II Co 1:8-10).<br />

5


Uma despedida dramática<br />

“6 Então se levantou ela com as suas noras, e voltou dos campos de Moabe, porquanto na terra de Moabe ouviu que o<br />

SENHOR tinha visitado o seu povo, dando-lhe pão. 7 Por isso saiu do lugar onde estivera, e as suas noras com ela. E,<br />

indo elas caminhando, para voltar<strong>em</strong> para a terra de Judá. 8 Disse No<strong>em</strong>i às suas noras: Ide, voltai cada uma à casa de<br />

sua mäe; e o SENHOR use convosco de benevolência, como vós usastes com os falecidos e comigo. 9 O SENHOR vos<br />

dê que acheis descanso cada uma <strong>em</strong> casa de seu marido. E, beijando-as ela, levantaram a sua voz e choraram. 10 E<br />

disseram-lhe: Certamente voltar<strong>em</strong>os contigo ao teu povo. 11 Porém No<strong>em</strong>i disse: Voltai, minhas filhas. Por que iríeis<br />

comigo? Tenho eu ainda no meu ventre mais filhos, para que vos sejam por maridos? 12 Voltai, filhas minhas, ide-vos<br />

<strong>em</strong>bora, que já mui velha sou para ter marido; ainda quando eu dissesse: Tenho esperança, ou ainda que esta noite<br />

tivesse marido e ainda tivesse filhos, 13 Esperá-los-íeis até que viess<strong>em</strong> a ser grandes? Deter-vos-íeis por eles, s<strong>em</strong><br />

tomardes marido? Não, filhas minhas, que mais amargo me é a mim do que a vós mesmas; porquanto a mäo do<br />

SENHOR se descarregou contra mim. 14 Então levantaram a sua voz, e tornaram a chorar; e Orfa beijou a sua sogra,<br />

porém <strong>Rute</strong> se apegou a ela” (Rt 1:6-14).<br />

“Na terra de Moabe se ouviu que o Senhor tinha visitado seu povo”. (v. 6) “O Senhor<br />

tinha visitado” é expressão que ocorre <strong>em</strong> claras ocasiões <strong>em</strong> que o poder de Deus é d<strong>em</strong>onstrado<br />

quando só Deus poderia fazer alguma coisa. A frase é usada para referir-se ao cuidado de Deus e<br />

Sua fidelidade para com o Seu povo. Vejamos: “E o Senhor visitou a Sara, como tinha dito; e fez o<br />

Senhor a Sara como tinha prometido” (Gn 21:1), e Isaque nasceu; “E ouviu Deus o seu g<strong>em</strong>ido e<br />

l<strong>em</strong>brou-se Deus da Sua aliança...” (Ex 2:24); “...o Deus de Abraão ... me apareceu, dizendo:<br />

certamente vos tenho visitado...” (Ex 3:16), e o resultado foi a libertação do Egito, para que se<br />

cumprisse a palavra de Deus a Abraão (Gn 15:13,14), reafirmada por José (Gn 50:25).<br />

Deus s<strong>em</strong>pre cumpre Suas promessas, s<strong>em</strong>pre visita o Seu povo quando ninguém ou<br />

nada poderá aliviar sua dor. Esse é um t<strong>em</strong>a predominante <strong>em</strong> Juízes (Jz 3:9,15; 4:3; 6:6;10:10).<br />

Ao ouvir a notícia de fartura <strong>em</strong> Judá, No<strong>em</strong>i resolve retornar à sua terra, “e suas noras<br />

com ela” (v. 7). Eram apenas três viúvas. Uma só poderia contar com as outras.<br />

Mas imagino que No<strong>em</strong>i pensou melhor. “O que seria dessas mulheres <strong>em</strong> Judá, quando<br />

não sei o que espera a mim mesma?“<br />

É fácil ver como No<strong>em</strong>i tinha preocupação maternal para com suas noras. Sua oração<br />

calorosa e seu reconhecimento da bondade delas (vs. 8,9); o forte tom <strong>em</strong>ocional da despedida,<br />

com beijos e lágrimas (vs. 9b, 14a); sua insistência sincera a que suas noras retornass<strong>em</strong> à casa<br />

de sua mãe, a despeito do risco de uma velhice solitária. Ainda notamos a expressão “minhas<br />

filhas”, expressando esta afeição verdadeira (Vs. 11, 12, 13).<br />

6


No<strong>em</strong>i apresenta as razões pelas quais suas noras deveriam permanecer com seu povo.<br />

Em retornando à casa de sua mãe, poderiam achar “descanso cada uma <strong>em</strong> casa de seu marido”.<br />

Que outra alternativa teria uma mulher naquela época, viúva e s<strong>em</strong> filhos, se não ser indicada<br />

para outro casamento? No<strong>em</strong>i simplesmente imaginou o melhor para as suas noras (v. 9a). Na<br />

mente de No<strong>em</strong>i elas não tinham qualquer razão para segui-la – “Por que iríeis comigo? (v. 11a). A<br />

idade a impediria de ter outros filhos que lhes tomasse por mulher <strong>em</strong> um casamento por levirato<br />

(Dt 25:5-10; Gn 38; Mc 12:20-22) – (vs. 11b-12a). Ainda que No<strong>em</strong>i tivesse filhos, esperar que<br />

crescess<strong>em</strong> seria um absurdo. (vs. 12b-13a). Depois, No<strong>em</strong>i sentia-se debaixo da punição de Deus<br />

e pensava a respeito de si como uma companhia perigosa. Noutras palavras, “se vocês me<br />

acompanhar<strong>em</strong> sofrerão as conseqüências desse ato” (v. 13b).<br />

Uma das noras, Orfa, não por falta de sincera afeição por sua sogra, considerou razoável<br />

seus argumentos: “... e tornaram a chorar; e Orfa beijou sua sogra...”(v. 14a). E a partir daqui<br />

não t<strong>em</strong>os mais qualquer notícia de Orfa. Talvez o seu nome, como costuma acontecer nos relatos<br />

bíblicos, sugira sua personalidade. Se for hebraico, “Orfa” terá ligação com a palavra “Nuca” e<br />

sugere “aquela que dá as costas, que desiste”.<br />

Segundo o raciocínio humano, é mais fácil entender a atitude de Orfa que a de <strong>Rute</strong>, “que<br />

se apegou a ela [a No<strong>em</strong>i]” (v. 14b).<br />

Agora estamos prontos para aprender do texto.<br />

Nós não pod<strong>em</strong>os duvidar do fato de que havia <strong>em</strong> No<strong>em</strong>i uma piedade genuína. Como já<br />

mencionei, ela d<strong>em</strong>onstra saber o que é afeição verdadeira. D<strong>em</strong>onstra certo conhecimento da lei<br />

mosaica, quando refere-se ao casamento por levirato (<strong>em</strong>bora fosse prática corrente desde<br />

t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos – Gn 38). Mais que isso, No<strong>em</strong>i d<strong>em</strong>onstra sua fé no Deus verdadeiro como o<br />

Deus de toda a terra, que abençoaria suas noras além dos arraiais israelitas (vs. 8, 9) e mostra<br />

confiança nesse Deus, expressa <strong>em</strong> sua oração.<br />

No<strong>em</strong>i ainda era capaz de ver Deus agindo na vida cotidiana. Ela ouve “que o Senhor<br />

tinha visitado o seu povo”, e isto é o suficiente para decidir o retorno (Vs. 6, 7). O Deus de No<strong>em</strong>i<br />

interv<strong>em</strong>, é presente, dinâmico, soberano, ativo, pune, castiga... Enfim, No<strong>em</strong>i é uma mulher de<br />

valores espirituais verificáveis.<br />

Mas há um probl<strong>em</strong>a aqui! Pessoas com valores morais verificáveis pod<strong>em</strong> ter uma visão<br />

míope (pouco inteligente) acerca das operações de Deus nas adversidades da vida. A questão é:<br />

Quando sofro, qu<strong>em</strong> está agindo, Deus ou o diabo? Se é Deus, o que o motiva, ira ou amor?<br />

Afinal, qual o sentido destas experiências? Como devo lê-las?<br />

Desejo colocar como a Bíblia nos ensina a interpretar as adversidades da vida.<br />

Em primeiro lugar, deixe-me colocar uma negativa: não dev<strong>em</strong>os ler as dificuldades<br />

da vida como significando s<strong>em</strong>pre o trovejar da punição de Deus.<br />

7


Esta nos parece ser a leitura que No<strong>em</strong>i fez de todas as tribulações que lhe sucederam:<br />

“A mão do Senhor se descarregou contra mim” (v. 13). Esta expressão revela o pensamento de<br />

No<strong>em</strong>i, <strong>em</strong> ver Deus olhando-a como uma inimiga. Ela sentia medo e amargura <strong>em</strong> pensar <strong>em</strong><br />

Deus (v. 20).<br />

No<strong>em</strong>i, compartilhando das idéias religiosas inadequadas de sua época, s<strong>em</strong>pre associava<br />

experiências adversas da vida com atos punitivos de Deus.<br />

É b<strong>em</strong> verdade que Deus age sim dessa forma, mas imaginar que tudo o que acontece de<br />

mal é uma manifestação desta retribuição punitiva de Deus é uma deformação espiritual que<br />

necessita de correção... urgente!<br />

Em segundo lugar, colocarei outra negativa. Não dev<strong>em</strong>os interpretar as experiências<br />

adversas da vida segundo a tendência de nossa época, que é de ver o diabo como um agente<br />

inteiramente livre para causar-nos as dificuldades que ele b<strong>em</strong> entender. Há <strong>em</strong> nossos<br />

dias uma espécie de maniqueísmo redivivo – Doutrina fundada por Mani no séc. III, segundo a<br />

qual o universo é a criação de dois princípios que se combat<strong>em</strong>, o b<strong>em</strong> e o mal, Deus e o diabo.<br />

Se No<strong>em</strong>i conseguiu obscurecer o propósito de Deus para o sofrimento do Seu povo, o<br />

maniqueísmo retira Deus de Seu trono, e Seu povo está inteiramente desamparado, à mercê de<br />

satanás e seus propósitos malignos.<br />

Mas isto não é assim! Deixe-me dizer como a Bíblia retrata o diabo: (1) Segundo Gn 3:15,<br />

com a cabeça esmagada, lhe resta pouca vida; (2) Segundo Jo 12:31 e Ap 12:9, expulso,<br />

destituído de seu cargo de acusador; (3) Segundo Mc 3:27, amarrado, sua casa já pode ser<br />

saqueada; (4) Segundo Cl 2:15, desarmado, nu e humilhado; (5) Segundo Hb 2:14, destituído de<br />

seu império; (6) Segundo Jo 16:11, julgado, apenas aguardando a execução de sua morte; e (7)<br />

Segundo I Jo 3:8, suas obras foram desfeitas. A Bíblia é unânime <strong>em</strong> apresentar o Deus vivo e<br />

verdadeiro, Soberano, subjugando as forças do mal e usando-as para seus eternos propósitos.<br />

Terceiro, deixe-me colocar as coisas positivamente, como se encontram nas Escrituras. O<br />

apóstolo Paulo afirma que se regozija nas tribulações (Rm 5:3/ II Co 12:9,10). O apóstolo Pedro e<br />

d<strong>em</strong>ais apóstolos se regozijaram pelos açoites, por “ter<strong>em</strong> sido julgados dignos de padecer afronta<br />

pelo nome de Jesus”(At 5:40,41). Pedro ainda nos exorta: “alegrai-vos no fato de serdes<br />

participantes das aflições de Cristo, e afirma que são b<strong>em</strong> aventurados os que, por Cristo, são<br />

perseguidos (I Pe 4:13,14);<br />

Todo esse ensino reflete as palavras de nosso Senhor: “B<strong>em</strong>-aventurados os que sofr<strong>em</strong><br />

perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; b<strong>em</strong>-aventurados sois vós,<br />

quando vos injuriar<strong>em</strong> e perseguir<strong>em</strong> e, mentindo, disser<strong>em</strong> todo o mal contra vós por minha<br />

causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim<br />

perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mt 5:10-12);<br />

8


O escritor aos hebreus nos convida a engajarmo-nos nos sofrimentos de Cristo: Hb 13:13.<br />

Tiago nos convida a alegrarmo-nos ante aos sofrimentos (Tg 1:2). O apóstolo Paulo fala-nos dos<br />

benefícios do sofrimento: (I) Produz paciência, esta, a experiência e, por fim, a esperança (Rm<br />

5:3,4); (II)Evita a auto-exaltação (II Co 12:7); (III)Cristo aperfeiçoa o Seu poder nos crentes<br />

através do sofrimento (II Co 12:9,10); (IV) É uma prova certa de que ser<strong>em</strong>os glorificados com<br />

Cristo (Rm 8:17); (V) Nos faz<strong>em</strong> experimentar as consolações de Cristo (II Co 1:7, 7:5,6); (VI)<br />

São instrumentos de consolações para outros (II Co 1:6); (VII) Produz<strong>em</strong> humildade e<br />

dependência de Deus (II Co 12:8,9); (VIII) Aperfeiçoam a espiritualidade (II Co 4:16,18); (IX)<br />

Aperfeiçoam a generosidade e a <strong>em</strong>patia de outros (II Co 8:1,2; II Co 11:28,29).<br />

O apóstolo Pedro também nos fala dos benefícios do sofrimento: (I)É uma prova de que o<br />

Espírito da glória e de Deus repousa <strong>em</strong> nós (I Pe 4:14); (II)A nossa fé é aperfeiçoada e Deus é<br />

glorificado(I Pe 1:7).<br />

Tiago afirma que a prova da nossa fé opera a paciência (Tg 1:3). O escritor aos hebreus<br />

nos diz que é uma prova que somos filhos de Deus. Os que viv<strong>em</strong> s<strong>em</strong> disciplina são bastardos<br />

(Hb 12:5-8).<br />

Em suma, a Bíblia nos fala de sofrimento como manifestação do amor de Deus para com<br />

o Seu povo. Amor que aperfeiçoa, que santifica, que prova, que transforma o caráter, que conduz<br />

à maturidade da fé, que gera virtudes cristãs, enfim, que contribui para o b<strong>em</strong>. Não, No<strong>em</strong>i!<br />

Sofrimento para o povo de Deus não é o descarrego e o ataque de um Deus irado, é manifestação<br />

de um Deus que é Pai, “Por que o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por<br />

filho” (Hb 12:6).<br />

9


A lealdade da fé<br />

“...porém <strong>Rute</strong> se apegou a ela. 15 Por isso disse No<strong>em</strong>i: Eis que voltou tua cunhada ao seu povo e aos seus deuses;<br />

volta tu também após tua cunhada. 16 Disse, porém, <strong>Rute</strong>: Não me instes para que te abandone, e deixe de seguir-te;<br />

porque aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é<br />

o meu Deus; 17 Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada. Faça-me assim o SENHOR, e outro tanto, se<br />

outra coisa que não seja a morte me separar de ti. 18 Vendo No<strong>em</strong>i, que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou<br />

de lhe falar” (Rt 1:14c-18).<br />

A decisão de Orfa não é criticada. Muito ao contrário. Ela só fez o óbvio, o racional, o<br />

esperado, aquilo que é meramente humano. "Se entende Orfa, se imita <strong>Rute</strong>" (Hubbard - citação<br />

de Joyce Every-Clayton).<br />

"<strong>Rute</strong> se apegou a ela". "Se apegar" diz respeito a uma união profunda e estável. Diz-se,<br />

<strong>em</strong> 2:23, que <strong>Rute</strong> "ajuntou-se com as moças de Boaz" até o fim da sega. É a atitude que permeia<br />

o casamento (Gn 2:24): "se une a sua mulher".<br />

<strong>Rute</strong> já havia resistido aos argumentos de No<strong>em</strong>i: (1) "A solução pra vocês é voltar à casa<br />

de sua mãe e casar novamente"; (2) "A minha idade não me permite ter filhos para dar-lhes <strong>em</strong><br />

casamento por levirato"; (3) "Ainda que tivess<strong>em</strong> filhos hoje, seria absurdo esperar que<br />

crescess<strong>em</strong>"; (4) "Eu sou uma companhia perigosa, 'a mão do Senhor se descarregou contra<br />

mim'".<br />

Mas agora No<strong>em</strong>i faz uma pressão quase irresistível a <strong>Rute</strong>. Além dos argumentos<br />

anteriores, No<strong>em</strong>i agora refere-se ao ex<strong>em</strong>plo da concunhada: "Eis que voltou tua cunhada... volta<br />

tu também após tua cunhada"; às raízes familiares e nacionais: "...voltou tua cunhada ao seu<br />

povo..."; às suas raízes religiosas: "...voltou tua cunhada ... aos seus deuses". Moabe tinha toda<br />

uma religião peculiar. O nome do deus principal do panteão moabita era Qu<strong>em</strong>ós (I Rs 11:7; Jr<br />

48:13). Este argumento "reflete a crença primitiva de que as terras estavam ligadas<br />

inseparavelmente às deidades locais" (J. Hardee Kennedy). Ver Jz 11:19-27.<br />

Mas <strong>Rute</strong> está obstinada. Ela não cede aos argumentos de No<strong>em</strong>i. Não t<strong>em</strong>e abandonar<br />

sua terra <strong>em</strong> busca de um lugar desconhecido. Não hesita ante ao ex<strong>em</strong>plo, e talvez críticas, da<br />

concunhada. Sua decisão é firme: "... Não me instes para que te abandone, e deixe de seguirte...".<br />

<strong>Rute</strong> está comprometida com No<strong>em</strong>i, pessoalmente: "... aonde ... fores irei; ... onde...<br />

pousares ... pousarei...". <strong>Rute</strong> está comprometida com o povo de No<strong>em</strong>i: "o teu povo é o meu<br />

povo"; e com o Deus de No<strong>em</strong>i: "o teu Deus é o meu Deus".<br />

Meus irmãos, <strong>Rute</strong> t<strong>em</strong> muito a nos ensinar, a nós desta geração...<br />

10


Aprendamos com ela o que é lealdade.<br />

A nossa geração test<strong>em</strong>unha o esfacelamento dos relacionamentos, o crescente senso de<br />

individualidade do hom<strong>em</strong> moderno.<br />

A família está arruinada. A noção de casamento está perdendo o seu nível de<br />

profundidade. A arquitetura expressa a nova mentalidade. Em apartamento de luxo, a suíte do<br />

casal possui dois banheiros.<br />

As associações e até os clubes de lazer, e de serviço, estão <strong>em</strong> crise. Mesmo na igreja<br />

cresce o contingente de pessoas que não é de lugar nenhum. Como é fácil hoje abandonar uma<br />

comunidade! Na melhor das opções manda-se um recado. É trágica a maneira como, de repente,<br />

nos tratamos como estranhos após anos de convivência.<br />

<strong>Rute</strong> v<strong>em</strong> a falar-nos através desta atitude de Ló às avessas (Gn 13:7-8). Grande miséria<br />

é quando duas pessoas cresc<strong>em</strong> ao ponto de não caber<strong>em</strong> mais no mesmo lugar.<br />

Aprendamos com <strong>Rute</strong> o que é lealdade, o que é compromisso com a família de Deus: "...<br />

aonde fores ... irei, onde ... pousares pousarei, o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu<br />

Deus".<br />

O voto de <strong>Rute</strong>, expresso no verso 17 resume o que ela entendia por lealdade: "Eu estarei<br />

contigo até a morte, No<strong>em</strong>i".<br />

Aprendamos com <strong>Rute</strong> sobre "quando a verdadeira lealdade se expressa".<br />

Not<strong>em</strong>os, irmãos, como as aflições têm o poder de discernir<strong>em</strong> ou trazer<strong>em</strong> à tona a<br />

profundidade de nossos relacionamentos.<br />

No<strong>em</strong>i tinha duas noras e nutria afeição materna por ambas. Ambas choram na<br />

despedida, provando que a afeição é recíproca. Mas apenas uma resiste a dura realidade dos<br />

argumentos. Diante de tão difícil decisão, apenas a lealdade que é mais que puro sentimento<br />

permanecerá.<br />

Orfa sentia afeição meramente humana por No<strong>em</strong>i. Pesou-lhe o fato de que seguir a<br />

No<strong>em</strong>i era trocar o certo pelo duvidoso. Seu povo e sua nação por outros desconhecidos. Seus<br />

deuses pelo Deus de Israel.<br />

Gosto de ver a maneira como Paulo vislumbra fatores positivos <strong>em</strong> situações negativas. "E<br />

até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifest<strong>em</strong> entre vós" (I<br />

Co 11:19). Às vezes apenas a contenda revela os mansos; a discórdia, os pacificadores; a crise, os<br />

maduros; a provação, a veracidade de nossa fé; a solidão, os amigos.<br />

Orfa tinha afeição. Isto é coisa humana. Os publicanos amam aos que os amam e<br />

saúdam aos seus irmãos (Mt 5:46,47), isto, segundo o Senhor Jesus, nada t<strong>em</strong> de especial. Mas<br />

<strong>Rute</strong> tinha compromisso.<br />

11


Aprendamos com <strong>Rute</strong> que a base de uma verdadeira lealdade é o serviço.<br />

<strong>Rute</strong> ainda t<strong>em</strong> muito a nos ensinar, a nós desta geração, que t<strong>em</strong>os uma religião na<br />

medida <strong>em</strong> que ela nos servir aos interesses particulares. Imagino que para muitos o melhor é que<br />

Deus lhes permita viver nos sofrimentos <strong>em</strong> que estão.<br />

Muitos há que não entenderam ainda o que é caminhar com Cristo, e chegam a Ele<br />

dizendo: "Mestre, aonde quer que fores eu te seguirei". Mas o que o Senhor t<strong>em</strong> a lhes responder?<br />

Isto: "As raposas têm seus covis, a as aves dos céus têm ninhos, mas o Filho do Hom<strong>em</strong> não t<strong>em</strong><br />

onde reclinar a cabeça" (Mt 8:19,20).<br />

Muitos há que não descobriram que os valores do Reino são invertidos. O maior no Reino<br />

é humilde como uma criança (Mt 18:1-4). Muitos primeiros serão os derradeiros, e muitos<br />

derradeiros serão os primeiros (Mt 19:30). O Reino é dos pobres de espírito e os mansos é que<br />

herdarão a terra (Mt 5:3,5). B<strong>em</strong> aventurados são os que sofr<strong>em</strong> perseguição por causa da justiça<br />

(Mt 5:10). "Eis que t<strong>em</strong>os por b<strong>em</strong> aventurados os que sofreram..." (Tg 5:11a). No Reino, o<br />

grande é o que mais serve (Mt 20:25-28). No Reino, mais b<strong>em</strong> aventurado é dar que receber (At<br />

20:35).<br />

Meus irmãos, aos olhos humanos <strong>Rute</strong> trocou sua possibilidade de voltar a ter conforto e<br />

segurança <strong>em</strong> outro possível casamento, no seio de seu próprio povo, para servir uma viúva idosa<br />

s<strong>em</strong> qualquer perspectiva, e servir-lhe até a morte, sendo considerada apenas uma estrangeira <strong>em</strong><br />

um país desconhecido (Rt 1:22, 2:2). E chegando <strong>em</strong> Judá, foi isto que aconteceu (Rt 2:17,18,<br />

3:16,17, 4:15). Enfim, da perspectiva do hom<strong>em</strong> s<strong>em</strong> Deus, <strong>Rute</strong> fez um péssimo negócio. Para<br />

este, a vida cristã é s<strong>em</strong>pre um péssimo negócio, pois o que a motiva é o serviço.<br />

Aprendamos com <strong>Rute</strong> que apenas uma fé autêntica produz uma lealdade<br />

autêntica.<br />

<strong>Rute</strong> deixa claro que possui uma fé que brotou de um coração regenerado quando<br />

d<strong>em</strong>onstra ter abandonado o deus moabita "Qu<strong>em</strong>ós", ao fazer seu juramento: "... faça-me assim<br />

o SENHOR, e outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti". Neste juramento,<br />

<strong>Rute</strong> confessa o nome pessoal do Deus de Israel(YHWH), o verdadeiro Deus. Ela não se refere a<br />

"Qu<strong>em</strong>ós", n<strong>em</strong> usa o termo mais genérico para Deus - Elohim.<br />

Era o seu conhecimento pessoal, salvífico, do Deus verdadeiro que explica sua lealdade<br />

para com No<strong>em</strong>i.<br />

Sua fé é comparada a de Abraão: "Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para<br />

um lugar que havia de receber por herança; e saiu, s<strong>em</strong> saber onde ia" (Hb 11:8); é s<strong>em</strong>elhante à<br />

de Moisés (Hb 11:24-26); é tal qual a do apóstolo Paulo (Fp 3:7,8).<br />

Apenas uma fé verdadeira nos ensina sobre qual é a verdadeira família - a de Deus.<br />

<strong>Rute</strong>, pela fé, sabia ser melhor abandonar sua nacionalidade e unir-se ao povo de Deus...(Gl<br />

4:26,28,29; 6:15; Cl 3:11; I Co 12:13; Mt 12:46-50).<br />

12


Um retorno humilhante<br />

“19 Assim, pois, foram-se ambas, até que chegaram a Belém; e sucedeu que, entrando elas <strong>em</strong> Belém, toda a cidade se<br />

comoveu por causa delas, e diziam: Não é esta No<strong>em</strong>i? 20 Porém ela lhes dizia: Não me chameis No<strong>em</strong>i; chamai-me<br />

Mara; porque grande amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo-Poderoso. 21 Cheia parti, porém vazia o SENHOR me fez tornar;<br />

por que pois me chamareis No<strong>em</strong>i? O SENHOR testifica contra mim, e o Todo-Poderoso me t<strong>em</strong> feito mal” (Rt 1:19-<br />

21).<br />

Não há detalhes do que aconteceu na viag<strong>em</strong> de volta a Judá, o texto simplesmente nos<br />

diz: “Foram-se ambas, até que chegaram a Belém...”.<br />

A chegada é marcada por olhares e comentários acusadores: “Não é esta No<strong>em</strong>i?”. O tom<br />

é mal-humorado. Há uma crítica condenatória implícita: “Vejam o que lhe sucedeu, desobedeceu<br />

ao Senhor, foi a Moabe e agora está aí, s<strong>em</strong> marido e s<strong>em</strong> filhos”. O comentário era de “toda a<br />

cidade”, principalmente das mulheres, uma vez que os homens estavam fora, realizando a colheita<br />

(v. 22).<br />

No<strong>em</strong>i, através da pergunta das mulheres (“não é esta No<strong>em</strong>i?”), passou <strong>em</strong> revista todo<br />

o sofrimento dos últimos dez anos. Suas l<strong>em</strong>branças a fizeram destilar todo o seu<br />

descontentamento com a vida. E, <strong>em</strong> última análise, seu ressentimento para com Deus: “grande<br />

amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo-Poderoso”, “o Senhor testifica contra mim, e o Todo-Poderoso me<br />

t<strong>em</strong> feito mal” (vv. 20b,21b).<br />

No<strong>em</strong>i expressa ainda sua revolta para com a vida <strong>em</strong> sua crueldade para consigo<br />

mesma: “Não me chameis No<strong>em</strong>i [agradável], chamai-me Mara [amarga]” (v. 20); “cheia parti,<br />

porém vazia o Senhor me fez tornar; por que pois me chamareis No<strong>em</strong>i?”.<br />

Aqui está uma pessoa amarga, descontente com a vida, ressentida com Deus... Meus<br />

irmãos, o descontentamento é uma epid<strong>em</strong>ia que, se não controlada, acaba controlando toda a<br />

vida da pessoa. O descontentamento dita os sentimentos, as palavras, a visão da vida, e influencia<br />

os relacionamentos, com Deus, com o próximo e consigo.<br />

Aprendamos com No<strong>em</strong>i o quanto o descontentamento nos deixa amargos.<br />

Você já pensou como é ruim estar perto de alguém que só sabe reclamar? Mara [amarga]<br />

foi o nome que No<strong>em</strong>i deu a si mesma. Quando suas conterrâneas lhe fizeram repensar <strong>em</strong> sua<br />

história, ela, s<strong>em</strong> sequer apresentar sua nora, deságua seu amargor: “...porque da abundância do<br />

seu coração fala a boca” (Lc 6:45).<br />

13


Cuid<strong>em</strong>os para que não nos torn<strong>em</strong>os companhia desagradável. O descontentamento nos<br />

torna briguentos, impacientes, mal educados e indesejados. “Melhor é a comida de hortaliça, onde<br />

há amor, do que o boi cevado e com, ele o ódio” (Pv 15:17). “É melhor um bocado seco, e com<br />

ele tranqüilidade, do que a casa cheia de iguarias e com desavença” (Pv 17:1). “É melhor morar<br />

num canto de telhado do que ter como companheira <strong>em</strong> casa ampla uma mulher briguenta” (Pv<br />

21:9). “É melhor morar numa terra deserta do que com a mulher rixosa e irritadiça” (Pv 21:19).<br />

“Melhor é o pouco com o t<strong>em</strong>or do Senhor, do que um grande tesouro onde há inquietação” (Pv<br />

15:1).<br />

Aprendamos com No<strong>em</strong>i que descontentamento é rebeldia contra o governo<br />

soberano de Deus.<br />

Se eu sei que Deus governa, se sei que ele está no trono, se sei que Ele t<strong>em</strong> me<br />

conduzido, quando murmuro é contra o Seu governo que me rebelo. Quando me ressinto da vida<br />

é contra Deus, e Sua forma de dirigir-me, que me ressinto: “... grande amargura me t<strong>em</strong> dado o<br />

Todo-Poderoso”.<br />

Murmuração é rebelião contra Deus. Quando os israelitas murmuravam no deserto, é<br />

contra Deus que o faziam (Ex 16:2,7,8; Nm 14:26-29; Dt 9:24).<br />

Para John Wesley reclamação era rebeldia contra o governo soberano de Deus. Em uma<br />

de suas cartas, de 31 de agosto de 1755, para Ebenezer Blackwell, ele escreveu:<br />

“Estou contente com qualquer acolhimento que encontro, e meus companheiros estão<br />

s<strong>em</strong>pre de bom humor ‘porque estão comigo’. Este deve ser o espírito de todos os que viajam<br />

comigo. Se um jantar ruim, ou uma cama dura, um quarto pobre, uma chuva forte, ou uma<br />

estrada <strong>em</strong>poeirada os deixa mal-humorados, isso me pesa mais do que todo o resto junto. Pela<br />

graça de Deus eu nunca reclamo, não me queixo de nada e nada me deixa descontente. E ouvir<br />

pessoas reclamando e murmurando ao meu ouvido por todas as coisas é como se arrancass<strong>em</strong> a<br />

carne de meus ossos. Eu vejo Deus sentado no Seu trono e dirigindo tudo muito b<strong>em</strong>. Portanto,<br />

eu posso agüentar isso também – ouvir seu governo do mundo constant<strong>em</strong>ente criticado (pois<br />

censurando as coisas que só Ele pode alterar, nós na verdade O estamos culpando)...”.<br />

Veja! Ressentir-se da vida é ressentir-se contra Deus. Murmurar é culpá-lO. Reclamar é<br />

estar insatisfeito e descontente com sua forma de governar.<br />

E você, quando reclama por causa do seu marido, quando lastima-se de sua condição de<br />

vida, contra qu<strong>em</strong> você rebela-se? Porventura, não é contra Aquele único que poderia ter feito<br />

diferente que você rebela-se?<br />

14


Aprendamos com No<strong>em</strong>i que o descontentamento nos <strong>em</strong>baraça a visão para<br />

não enxergarmos as possibilidades positivas inerentes aos desafios da vida.<br />

No<strong>em</strong>i, quando chamou a si mesma de Mara, talvez tenha se recordado dos filhos de<br />

Israel, recém-saídos do Egito, com sede, no deserto, ante as águas amargas de Mara (Ex 15:23-<br />

26). Mas ela não pensou na outra parte do relato. Ela não se recordou que “as águas se tornaram<br />

doces”, que Deus ali Se revelou como “o Senhor que te sara”.<br />

No<strong>em</strong>i, ao usar a expressão “Todo-Poderoso” para Deus, refere-se ao Deus do juízo, ao<br />

Deus que testificou contra ela e a declarou culpada (Jó 13:3; 23:16; 27:2). Mas esqueceu-se que<br />

foi assim que Deus revelou-se a Abraão, quando este tinha noventa e nove anos, para dizer-lhe:<br />

“te multiplicarei grandissimamente... serás o pai de muitas nações” (Gn 17:1-5).<br />

No<strong>em</strong>i falou a respeito de si que “cheia parti, porém vazia o senhor me fez tornar”. Ela<br />

refere-se ao fato de ter saído com marido e filhos e ter voltado s<strong>em</strong> eles. Mas esqueceu-se que ela<br />

tinha uma jóia rara consigo chamada <strong>Rute</strong>. Ela não estava tão vazia assim! “...Ela te é melhor do<br />

que sete filhos” (Rt 4:15). No<strong>em</strong>i era capaz de ver Deus <strong>em</strong> seu cotidiano, de vê-lO intervindo nos<br />

assuntos diários de sua vida. Mas tal intervenção estava s<strong>em</strong>pre contra ela, nunca a seu favor,<br />

segundo sua leitura dos fatos.<br />

O descontente não consegue ver os fatores positivos da crise. Ele s<strong>em</strong>pre pensa que é o<br />

fim, mesmo quando um novo começo se anuncia (1:22). O descontente não consegue orar como<br />

John Wesley: “... sofrimento e tristeza estão s<strong>em</strong>pre ao nosso redor, mas Tu podes transformar<br />

essas coisas que aflig<strong>em</strong> nossos corpos e provam nossas almas <strong>em</strong> bênçãos que nos farão santos<br />

e aceitáveis para Ti”.<br />

Imagin<strong>em</strong>os um diálogo com No<strong>em</strong>i, onde tentaríamos exortá-la a parar de resmungar.<br />

Que desculpas ela nos daria? Que alegações usaria para justificar suas murmurações? Talvez<br />

algumas dessas:<br />

“Já fui cheia e hoje estou vazia”. Outro dirá: “Já fui rico, hoje sou pobre”, e outro<br />

ainda: “Já fui sadio, hoje estou doente”. Será que você não consegue ser grato pelo t<strong>em</strong>po da<br />

riqueza ou da saúde? Porventura Aquele que deu não t<strong>em</strong> o direito de tomar? Ver Jó 1:22; 2:10.<br />

Deus não está obrigado a dar-lhe coisa alguma. Se você um dia já teve dias melhores é pura graça<br />

divina.<br />

“Você me diz isto porque não sabe o tamanho da minha dor. Eu perdi um<br />

marido e dois filhos. Você acha isso pouco? Não conheço ninguém que sofra como eu”.<br />

Só um instante, o seu sofrimento não é o maior. E ainda que fosse, imagine como Deus será<br />

grand<strong>em</strong>ente engrandecido pela sua forma de enfrentá-lo. Imagine como você pode ajudar<br />

pessoas a vencer situações menores que a sua.<br />

15


“Só estou resmungando porque tudo isto me apanhou desprevenida. Jamais<br />

esperei que tudo isso acontecesse”. Cristãos insensatos são os que não esperam probl<strong>em</strong>as.<br />

Provam com isto não dar<strong>em</strong> a devida importância às palavras do Senhor: “No mundo tereis<br />

aflições” (Jo 16:33). Cristãos néscios não usam os sete anos de vacas gordas para enfrentar os<br />

sete seguintes de vacas magras. Deus nos dá a vida para nos prepararmos para a morte...<br />

“Eu não estou reclamando. Apenas estou triste porque parece estar Deus<br />

contra mim. ‘O Senhor testifica contra mim, o Todo-Poderoso me t<strong>em</strong> feito mal’“. Não,<br />

não é assim! Só porque estou sofrendo não significa que Deus me abandonou. A disciplina do Pai<br />

não implica <strong>em</strong> abandono do filho, ‘porque o Senhor corrige a qu<strong>em</strong> ama, e açoita a qualquer que<br />

recebe por filho’ (Hb 12:6).<br />

“Mas eu não estou me lastimando, estou apenas expondo os fatos como são”.<br />

Que bom quando t<strong>em</strong>os uma visão realista dos probl<strong>em</strong>as! Mas é doentio quando nossa ênfase é<br />

posta neles e não na misericórdia de Deus. O fato de estarmos s<strong>em</strong>pre prontos a transbordar<br />

nossas crises significa que toda nossa existência t<strong>em</strong> recebido o significado delas e não de Deus,<br />

que nos faz triunfantes sobre elas.<br />

Enfim, não há justificativas para murmurações. Elas são especialmente graves quando<br />

praticadas por cristãos, gente que conhece a graça especial de Deus, gente <strong>em</strong> favor de qu<strong>em</strong> o<br />

Senhor t<strong>em</strong> dirigido a história (Rm 8:28). Nada pode explicar seu descontentamento.<br />

16


Descobrindo um segredo<br />

“20 Porém ela lhes dizia: Não me chameis No<strong>em</strong>i; chamai-me Mara; porque grande amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo-<br />

Poderoso. 21 Cheia parti, porém vazia o SENHOR me fez tornar; por que pois me chamareis No<strong>em</strong>i? O SENHOR<br />

testifica contra mim, e o Todo-Poderoso me t<strong>em</strong> feito mal” (Rt 1:20-21).<br />

Aqui está uma viúva, s<strong>em</strong> filhos, chegando à sua terra "vazia", após dez anos de<br />

peregrinação atribulada. Já aprend<strong>em</strong>os com No<strong>em</strong>i que o descontentamento nos torna amargos,<br />

que descontentamento é rebeldia contra o governo soberano de Deus e nos impede de vermos as<br />

possibilidades positivas inerentes às crises.<br />

Imaginamos ter retirado as possíveis alegações de qu<strong>em</strong> murmura através do nosso<br />

diálogo imaginário com No<strong>em</strong>i Domingo passado. Mas do que No<strong>em</strong>i precisava?<br />

É hora de prosseguirmos neste entendimento, e far<strong>em</strong>os isto tecendo algumas<br />

considerações iniciais. O oposto a todo este estado de murmuração e descontentamento é o que<br />

vamos chamar de contentamento cristão. Mas o que v<strong>em</strong> a ser isto?<br />

Negativamente, contentamento cristão não é a ostentação de um grande sorriso, <strong>em</strong><br />

meio a tristezas. Isto seria insensibilidade.<br />

Contentamento cristão não é uma conformação passiva à vontade de Deus porque não<br />

há outra coisa a ser feita, uma vez que sua causa não é nossa impotência ante aos fatos. Aquele<br />

que desta forma reage, também diz interiormente: "Mas se eu pudesse mudar, mudaria tudo<br />

isto!".<br />

Contentamento cristão não é o resultado de momentos agradáveis que pod<strong>em</strong>os<br />

experimentar neste mundo, e não baseia-se nas experiências imediatas que viv<strong>em</strong>os. Desta alegria<br />

Salomão afirma: "Até no riso o coração sente dor e o fim da alegria é a tristeza" (Pv14:13).<br />

Contentamento cristão não baseia-se nas posses que adquirimos nesta vida. Não é<br />

como a alegria do rico avarento que disse à sua alma: "Alma, tens <strong>em</strong> depósito muitos bens para<br />

muitos anos; descansa, come, bebe e folga" (Lc12:19). N<strong>em</strong> como a alegria do rico que "vivia<br />

todos os dias regalada e esplendidamente" (Lc16:19b).<br />

Contentamento cristão não é o produto de uma vida s<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as ou crises. Tantos<br />

enganam-se pensando que no dia <strong>em</strong> que estiver<strong>em</strong> s<strong>em</strong> os probl<strong>em</strong>as que enfrentam hoje<br />

poderão enfim, experimentar o contentamento cristão.<br />

Positivamente, contentamento cristão é o produto da fé genuína. Daí Paulo falar-nos a<br />

respeito do "gozo da fé", <strong>em</strong> Fp 1:25. Daí ouvirmos do carcereiro de Filipos que "levando-os à sua<br />

casa, lhes pôs a mesa; e, na sua crença <strong>em</strong> Deus, alegrou-se com toda a sua casa". At 16: 34<br />

17


Contentamento cristão é o resultado da ação da Palavra de Deus. É mais que<br />

esperado que o Evangelho [Boas Novas!] traga real alegria. "E os gentios ouvindo isto, alegraramse,<br />

e glorificavam a Palavra do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida<br />

eterna". At 13:48<br />

Noutras palavras, contentamento cristão é resultado do nosso encontro com Cristo.<br />

Ronaldo Lodório, relatando sua experiência na evangelização da tribo dos Konkombas <strong>em</strong> Gana,<br />

diz a respeito da esposa de Mebá, um ex-feiticeiro, que "após sua conversão ela trouxe uma<br />

música como é de costume Konkomba, quando há algo especial a agradecer. Ela cantou:<br />

"Quando você vier a Jesus,<br />

Verá o que é vida;<br />

O sol para você brilhará mais;<br />

As árvores para você serão mais verdes;<br />

Tudo <strong>em</strong> sua vida mudará..."<br />

Contentamento cristão é fruto do Espírito (Gl 5:22). É algo produzido pelo Espírito, e<br />

no Espírito (Rm 14:17) no coração dos crentes, daí Paulo estar a dizer que um cristão cheio do<br />

Espírito vive "dando s<strong>em</strong>pre graças por tudo a nosso Deus e Pai, <strong>em</strong> nome do nosso Senhor Jesus<br />

Cristo (Ef 5:20).<br />

Contentamento cristão é resultado do conhecimento da graça soberana de Deus que<br />

os elegeu para a eterna salvação. "Alegrai-vos antes por estar<strong>em</strong> os vossos nomes escritos nos<br />

céus" (Lc 10:20b).<br />

Contentamento cristão é a satisfação interior que os crentes sent<strong>em</strong> por causa do que<br />

Deus t<strong>em</strong> feito para eles - por isso contentamento gera gratidão e serviço - e através deles. Os<br />

cristãos sab<strong>em</strong> que Deus está dirigindo a história para o seu b<strong>em</strong>. Não é um sentimento egoísta,<br />

antes, é uma disposição coletiva e uma capacidade de alegrar-se com o júbilo do outro.<br />

Há alegria no céu por causa de um só pecador que se arrepende (Lc 15:7, 10, 23). De<br />

fato, as parábolas da ovelha, da dracma e do filho perdido representam Jesus chamando aos<br />

homens a se alegrar<strong>em</strong> com eles pelos perdidos que o Pai encontra (Lc 15: 6, 9, 32).<br />

Contentamento cristão é o resultado da conformidade com a vontade de Deus. Em ICo<br />

5:8, Paulo compara a vida cristã com uma "festa" [dos pães ázimos] que não pode ser celebrada<br />

com o "fermento velho", n<strong>em</strong> com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da<br />

sinceridade e da verdade". Santidade gera felicidade !<br />

Contentamento cristão baseia-se nas promessas imutáveis de Deus. É resultado de<br />

nossa esperança cristã. Paulo nos diz: "Perto está o Senhor" (Fp 4:5b); "Porque vós b<strong>em</strong> sabeis<br />

que o dia do Senhor virá como um ladrão na noite" (I Ts 5:2); "Por cuja causa padeço também<br />

18


isto, mas não me envergonho; porque sei <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> tenho crido, e estou certo de que é poderoso<br />

para guardar o meu depósito até aquele dia" (II Tm 1:12).<br />

Por todas estas razões, o contentamento cristão sobrevive <strong>em</strong> meio à tristeza, à<br />

aflição e aos cuidados da vida. Citando ainda Ronaldo Lidório, ele refere-se a "um hino Quechua<br />

[Peru] que ouvi durante um culto naquela época de medo e terror diz assim:<br />

"Deus é grande e t<strong>em</strong> as respostas;<br />

mesmo quando está quieto, Deus é maior que o hom<strong>em</strong>;<br />

Quando o sofrimento vier, nós orar<strong>em</strong>os e esperar<strong>em</strong>os;<br />

Mesmo quando se cala, Deus é maior que a dor..."<br />

Uma pequena olhada na carta aos Filipenses nos fará observar que uma de suas tônicas é<br />

o t<strong>em</strong>a alegria, contentamento. Alguém já tentou sumarizar a epístola com uma máxima: "Eu me<br />

regozijo, regozijai-vos...". Para Karl Barth, <strong>em</strong> Filipenses, a alegria é um “mesmo assim<br />

desafiador”. O t<strong>em</strong>a ocorre nesta epístola nada menos que dezesseis vezes. Nela, o apóstolo diz<br />

que ora com alegria (Fp 1:4); regozija-se com o anúncio do Evangelho, mesmo quando pregado<br />

com motivações erradas (Fp 1:18); exorta a igreja a completar o seu gozo através de uma vida de<br />

unidade e abnegação (Fp 2:2); regozija-se ainda que venha a morrer (Fp 2:17); diz que os<br />

Filipenses são sua alegria (Fp 4:1); regozijou-se pelas ofertas enviadas a ele (Fp 4:10).<br />

No tocante aos Filipenses, ele diz que tinha confiança que seria livrado para o "gozo da<br />

fé" dos filipenses (Fp 1:25); exortou os filipenses a se regozijar<strong>em</strong> com ele pela sua condição (Fp<br />

2:18); enviou Epafrodito para que a igreja não mais se preocupasse com ele (Fp 2:28,29); exortou<br />

a igreja a que se regozije s<strong>em</strong>pre no Senhor (Fp 4:4)<br />

Mas not<strong>em</strong>os as circunstâncias <strong>em</strong> que Paulo se encontrava. Ele estava preso (Fp 1:13),<br />

aguardando julgamento (Fp 1:20,21). Sua presença <strong>em</strong> Roma suscitou inveja (Fp 1:15) e talvez se<br />

sentisse triste e sozinho (Fp 2:20,21).<br />

Apesar disso, Paulo está contente, ele exorta a Igreja a que se alegre no Senhor. O<br />

contentamento cristão sobrevive na angustia (II Co 6:10). Mais ainda! Ele manifesta-se através<br />

da angústia (II Co 12:9,10; At 5:41).<br />

Por último, preciso colocar que o contentamento cristão é um segredo. Só está<br />

acessível aos crentes. Ele é do "Espírito" e acontece no "Senhor". Mesmo nos crentes, nos quais há<br />

todo o potencial desse contentamento, é algo a ser "aprendido". “Não digo isto como por<br />

necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho” (Fp 4:11). É uma experiência<br />

pessoal! Ninguém pode aprender por você! Paulo coloca na primeira pessoa. E, parece-me, pelo<br />

t<strong>em</strong>po do verbo que foi usado, é coisa que não se desaprende. Venha você também e matricule-se<br />

na escola do contentamento cristão!<br />

19


A escola do contentamento<br />

“20 Porém ela lhes dizia: Não me chameis No<strong>em</strong>i; chamai-me Mara; porque grande amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo-<br />

Poderoso. 21 Cheia parti, porém vazia o SENHOR me fez tornar; por que pois me chamareis No<strong>em</strong>i? O SENHOR<br />

testifica contra mim, e o Todo-Poderoso me t<strong>em</strong> feito mal” (Rt 1:20-21).<br />

Estamos ainda lidando com a atitude de No<strong>em</strong>i frente aos infortúnios que lhe<br />

sobrevieram. T<strong>em</strong>os d<strong>em</strong>onstrado que o exato oposto do seu estado insatisfeito e suas<br />

murmurações é o que chamamos “contentamento cristão” – que é uma satisfação interior,<br />

profunda e constante que provém do senso da suficiência de Cristo – “Qu<strong>em</strong> tenho eu no céu<br />

senão a ti? E na terra não há qu<strong>em</strong> eu deseje além de ti” (Sl 73:25).<br />

Hoje pretendo convidá-lo a matricular-se na escola do contentamento. Mas, antes, para<br />

suscitar seu anseio pelo contentamento, tentarei convencê-lo da gravidade de um espírito<br />

descontente.<br />

Descontentamento é grave porque enquanto concentra-se no que Deus não fez,<br />

esquece de expressar gratidão pelo que Deus fez.<br />

Descontentamento é grave porque pode ser resultado de inveja. Esta, segundo Tiago,<br />

“não é a sabedoria que v<strong>em</strong> do alto, mas é terrena, animal e diabólica” (Tg 3:14-16). A inveja<br />

possui esta capacidade de minimizar as bênçãos que t<strong>em</strong>os recebido e maximizar as que<br />

cobiçamos. Nm 16:1-10 narra a rebelião de Coré, que desejava as funções sacerdotais, estando<br />

insatisfeito com o “ministério do tabernáculo do Senhor” (ver Nm 4:1-4,15). Descontentamento é<br />

trágico por desejarmos o que Deus não nos pretende dar!<br />

Descontentamento é grave porque pode nos levar a atitudes pecaminosas. “Os que<br />

quer<strong>em</strong> ser ricos [estão descontentes com seu estado] ca<strong>em</strong> <strong>em</strong> tentação, e <strong>em</strong> laço, e <strong>em</strong> muitas<br />

concupiscências loucas e nocivas, que submerg<strong>em</strong> os homens na perdição e ruína” (I Tm 6:9).<br />

Acabe, descontente por não possuir a vinha de Nabote, aquiesceu ao plano de Jezabel para tirarlhe<br />

a vida (I Rs 21:1-16).<br />

Descontentamento é grave porque é a atitude típica dos incrédulos. Os israelitas<br />

murmuravam porque eram incrédulos. Acã desejou do anát<strong>em</strong>a de Jericó porque era incrédulo (Js<br />

6:18 e 7:1-26).<br />

20


Descontentamento é especialmente grave quando encontrado nos cristãos porque é<br />

coisa horrenda quando cristãos “dão ocasião a blasfêmia por parte dos ímpios, os quais, assim que<br />

vê<strong>em</strong> os filhos de Deus caír<strong>em</strong> sob o peso de suas aflições, insolent<strong>em</strong>ente destilam motejos<br />

contra eles, o que equivale dirigir desdém contra Deus mesmo”... “s<strong>em</strong>pre que os probl<strong>em</strong>as nos<br />

molestar<strong>em</strong>, envid<strong>em</strong>os todo esforço para energicamente moderar nossas <strong>em</strong>oções, a fim de que<br />

nenhuma ímpia expressão de insatisfação contra Deus nos faça cometer algum deslize” (Calvino<br />

comentando o Salmo 39). Veja como nossa insatisfação leva os ímpios à blasfêmia!<br />

Nos cristãos, o descontentamento é uma negação de todas as promessas da suficiência<br />

de Cristo que lhe estão disponíveis, e uma negação de seu estado exaltado. “Mas vós sois dele,<br />

<strong>em</strong> Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação e redenção”<br />

(I Co 1:30). “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? ... Não sabeis vós que haveis<br />

de julgar os anjos?” (I Co 6:2,3). Ver II Pe 1:3; II Co 12:9; Ef 1:3; Jo 1:16.<br />

Nos crentes, descontentamento é um estado aquém do padrão que Deus estabeleceu<br />

para eles. O padrão de Deus é que sejamos “cheios de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:19), cheios<br />

do Espírito (Ef 5:18), evidenciando o Seu fruto (Gl 5:22).<br />

Agora matricul<strong>em</strong>o-nos na escola do contentamento.<br />

Primeiro, vejamos qual deve ser sua atitude diante dos bens que possui.<br />

Viva-os e use-os entendendo-os como bênçãos de Deus e não como o resultado de suas<br />

conquistas. Administre-os para a glória de Deus, exercendo uma mordomia responsável do que Ele<br />

t<strong>em</strong> lhe dado. Não se apegue a eles. O Deus que deu t<strong>em</strong> o direito de tomar (Jo 1:21). “Porque<br />

nada t<strong>em</strong>os trazido para este mundo, e manifesto é que nada pod<strong>em</strong>os levar dele” (I Tm 6:7, cf.<br />

Ec 5:15,16). Um dia tudo o que você pensa que é seu – pois não é – será tirado de você (Lc<br />

16:12). Prepare-se para viver com ou s<strong>em</strong> eles.<br />

A sua atitude diante dos bens que não possui.<br />

Não os cobice, pois “os que quer<strong>em</strong> ficar ricos ca<strong>em</strong> <strong>em</strong> tentação, e <strong>em</strong> laço, e <strong>em</strong> muitas<br />

concupiscências loucas e nocivas, que submerg<strong>em</strong> os homens na perdição e ruína” (I Tm 6:9),<br />

“porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males...” (I Tm 6:10). “Sejam os vossos<br />

costumes s<strong>em</strong> avareza, contentando-vos com o que tendes; porque ele disse: Não te deixarei,<br />

n<strong>em</strong> te desampararei” (Hb 13:5). Não nos deix<strong>em</strong>os engodar pelo que a mídia nos impõe como<br />

uma “necessidade”. O comer, o beber e o vestir é tudo o que necessitamos realmente. E isto o<br />

Senhor nos prometeu que supriria (Mt 6:33).<br />

Entendamos que receber o que se desejou foi diversas vezes uma forma de julgamento<br />

divino. Talvez não haja julgamento mais duro do que entregar-nos Deus nossos desejos (Sl<br />

81:11,12). Certo hom<strong>em</strong> já orou: “Não permita que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o<br />

que desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis dos julgamentos no<br />

mundo” (ver Rm 1).<br />

21


A sua atitude diante dos encômios da vida.<br />

Aprenda que Deus nunca nos t<strong>em</strong> dado segundo merec<strong>em</strong>os, ele s<strong>em</strong>pre é benigno, nos<br />

dando s<strong>em</strong>pre uma medida menor de julgamento do que aquela que realmente merec<strong>em</strong>os.<br />

Conscientize-se que você é um forasteiro, um peregrino <strong>em</strong> terra estranha. Os que estão viajando<br />

não pod<strong>em</strong> esperar os mesmos confortos, enquanto viajam, que lhes aguardam <strong>em</strong> seu próprio<br />

lar, ao fim da jornada (Hb 11:13; Fp 3:20). Creia na providência. Contentamento provém de<br />

crermos na soberania de Deus. Deus é o Supr<strong>em</strong>o Maestro, ele está orquestrando a sinfonia da<br />

vida. Tudo está sob seu controle... Paulo sabia disso de tal maneira que podia se alegrar estando<br />

preso a troncos, após os açoites (At 16:25). Disto veio a salvação do carcereiro de Filipos e dos da<br />

sua casa (16:34). Paulo entendia o porquê do seu encarceramento <strong>em</strong> Roma (Fp 1:12-18) e se<br />

alegrava ainda que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre havia “oportunidade” aos filipenses para que lhes enviass<strong>em</strong><br />

ofertas (Fp 4:10). Além disto, ache ocasião para se preocupar com os outros (Fp 4:17); entenda<br />

como Deus deseja aperfeiçoá-lo (II Co 12:7) e que Cristo será suficiente para você nesta hora (Jo<br />

6:51; 7:37; 4:14). “A minha graça te basta!” (II Co 12:9). E, enquanto enfrenta a crise, ore (Fp<br />

4:8-10).<br />

22


A mão secreta da providência<br />

“22 Assim No<strong>em</strong>i voltou, e com ela <strong>Rute</strong> a moabita, sua nora, que veio dos campos de Moabe; e chegaram a Belém no<br />

princípio da colheita das cevadas. Capitulo 2: 1 E tinha No<strong>em</strong>i um parente de seu marido, hom<strong>em</strong> valente e poderoso,<br />

da família de Elimeleque; e era o seu nome Boaz. 2 E <strong>Rute</strong>, a moabita, disse a No<strong>em</strong>i: Deixa-me ir ao campo, e<br />

apanharei espigas atrás daquele <strong>em</strong> cujos olhos eu achar graça. E ela disse: Vai, minha filha. 3 Foi, pois, e chegou, e<br />

apanhava espigas no campo após os segadores; e caiu-lhe <strong>em</strong> sorte uma parte do campo de Boaz, que era da família de<br />

Elimeleque. 4 E eis que Boaz veio de Belém, e disse aos segadores: O SENHOR seja convosco. E disseram-lhe eles: O<br />

SENHOR te abençoe. 5 Depois disse Boaz a seu moço, que estava posto sobre os segadores: De qu<strong>em</strong> é esta moça? 6<br />

E respondeu o moço, que estava posto sobre os segadores, e disse: Esta é a moça moabita que voltou com No<strong>em</strong>i dos<br />

campos de Moabe. 7 Disse-me ela: Deixa-me colher espigas, e ajuntá-las entre as gavelas após os segadores. Assim ela<br />

veio, e desde pela manhã está aqui até agora, a não ser um pouco que esteve sentada <strong>em</strong> casa” (Rt 1:22-2:7).<br />

Começamos as nossas meditações <strong>em</strong> <strong>Rute</strong> mostrando “uma família numa peregrinação<br />

probl<strong>em</strong>ática”, que só trouxe “aparent<strong>em</strong>ente” sofrimentos. Elimeleque falece. Malom e Quiliom,<br />

os dois filhos do casal, também falec<strong>em</strong>, após ter<strong>em</strong> se casado com mulheres moabitas.<br />

Em seguida vimos “uma despedida dramática”. No<strong>em</strong>i tenta convencer suas noras<br />

moabitas a permanecer<strong>em</strong> <strong>em</strong> Moabe, “à casa de sua mãe”. Órfa, após alguma resistência, cede<br />

aos argumentos da sogra e retorna aos seus familiares. Por outro lado d<strong>em</strong>onstramos como “a<br />

lealdade da fé” sobrevive aos desafios no magnífico ex<strong>em</strong>plo de <strong>Rute</strong>.<br />

Viajamos de volta com No<strong>em</strong>i e <strong>Rute</strong> <strong>em</strong> “um retorno humilhante”. Vimos a recepção <strong>em</strong><br />

tom acusador das mulheres de Belém e todo o “amargor” de No<strong>em</strong>i, o contrastando com o<br />

“contentamento cristão” <strong>em</strong> “descobrindo um segredo”. Aproveitamos a oportunidade para nós<br />

mesmos nos matricularmos na “escola do contentamento”, onde vimos lições sobre como lidar<br />

com “os bens que t<strong>em</strong>os”, “os bens que não t<strong>em</strong>os” e “as dificuldades da vida”.<br />

Hoje estamos com No<strong>em</strong>i e <strong>Rute</strong> de volta <strong>em</strong> Belém. O versículo 22 do capítulo 1 sumaria<br />

o retorno (“Assim No<strong>em</strong>i voltou e com ela <strong>Rute</strong>, a moabita, sua nora, que veio dos campos de<br />

Moabe...”) b<strong>em</strong> como introduz a cena do capítulo 2 (“...e chegaram a Belém no princípio da<br />

colheita das cevadas”). O “princípio da colheita das cevadas” se dava entre os meses de abril e<br />

maio. Era um t<strong>em</strong>po de alegria para uma nação saída da fome e inteiramente agrícola. T<strong>em</strong>po<br />

adequado para a chegada de duas viúvas.<br />

O capítulo 2 introduz “um parente” de Elimeleque, “hom<strong>em</strong> valente e poderoso... e era o<br />

seu nome Boaz”. Em seguida t<strong>em</strong>os a iniciativa de <strong>Rute</strong> <strong>em</strong> ir ao campo apanhar espigas após um<br />

respeitoso pedido (2:2). Esta atitude de respigar o que os colhedores deixavam cair era um<br />

costume antigo, estabelecido na lei de Deus (Lv 19:9,10; 23:22;Dt 24:19-22).<br />

23


Esta lei e outras s<strong>em</strong>elhantes t<strong>em</strong> por base o caráter justo e misericordioso de Deus (Dt<br />

10:17,18) e deve continuar influenciando a prática da igreja cristã <strong>em</strong> todos os t<strong>em</strong>pos. “A religião<br />

pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e<br />

guardar-se da corrupção do mundo” (Tg 1:27).<br />

A iniciativa de <strong>Rute</strong> e a permissão de No<strong>em</strong>i conduziram aquela justamente ao “campo de<br />

Boaz, que era da família de Elimeleque” (2:3). Nesta ocasião Boaz chega ao campo e pergunta ao<br />

“ao seu moço”: “De qu<strong>em</strong> é esta moça?“ (2:5). Pela informação do “capataz”, <strong>Rute</strong> queria algo<br />

mais que o simples respingar costumeiro dos pobres. Talvez desejasse colher “entre as gavelas”,<br />

após os segadores (2:7).<br />

Meus irmãos, não pod<strong>em</strong>os passar por este texto s<strong>em</strong> entendermos a doutrina da<br />

Providência e vê-la ilustrada nos acontecimentos iniciais ao redor de No<strong>em</strong>i e <strong>Rute</strong> <strong>em</strong> Belém. É<br />

patente das Escrituras o fato de que Deus exerce seu governo soberano sobre todos os assuntos,<br />

grandes e pequenos, deste mundo e os dirige para seu determinado fim. Providência diz respeito à<br />

contínua atividade de Deus na execução do Seu plano imutável. Providência inclui o governo de<br />

Deus no sustento de Sua criação (Hb 1:1-3; Cl 1:16,17; Sl 104:29,30); na provisão das<br />

necessidades do seu povo (Gn 22:8,14; Fp 4:19); sobre o universo <strong>em</strong> geral (Sl 103:19; Dn<br />

4:35); sobre os negócios das nações (Dn 4:25; 5:18-21; Is 10:5-8); sobre aquelas coisas<br />

que diríamos “acidentais” (Ex 21:12,13; Pv 16:33; Mt 10:30); sobre os desígnios dos<br />

homens (Pv 16:1,9; 19:21; Pv 21:1; Is 46:9,10; Sl 2:1-4; 33:1; Gn 45:5; 50:15-20).<br />

E isto acontece de tal modo que não há “acasos”. “Acasos” não pod<strong>em</strong> produzir coisa<br />

alguma pelo simples fato de nada ser<strong>em</strong>. Admitir o “acaso” é admitir que estamos à mercê de<br />

ações desgovernadas. Ver I Sm 6:1-9. A crença no “acaso” é uma atitude pagã!<br />

Assim, no livro de <strong>Rute</strong> “as ações humanas são abertas, propositais, mas a ação divina é<br />

escondida, casual” (Trible – citação de Joyce W. Every-Calyton). <strong>Rute</strong> é ilustração maravilhosa da<br />

providência de Deus. Aprendamos, portanto, neste texto...<br />

Que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a Providência nos parece favorável:<br />

No<strong>em</strong>i tinha uma noção da providência. Ela estava tentando ler a providência: “grande<br />

amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo Poderoso... O Senhor testifica contra mim, e o Todo Poderoso me<br />

t<strong>em</strong> feito mal”.<br />

O que No<strong>em</strong>i não reconheceu é que se havia um juízo, ele se misturava profundamente<br />

com a graça. No<strong>em</strong>i só viu juízo. Não viu a graça. Estava convencida que tudo estava contra ela.<br />

Mas a realidade é que tudo estava no controle de Deus e trabalhando ao seu favor.<br />

Mas há ocasiões <strong>em</strong> que é difícil crer que todas as coisas cooperam para o nosso b<strong>em</strong>, e<br />

que a mão de Deus está ao nosso favor.<br />

Daí a necessidade de fé na providência: crer que Deus sabe nos conduzir sábia, poderosa<br />

e misericordiosamente mesmo que as aparências queiram nos convencer do contrário.<br />

24


A Providência envolve cada detalhe necessário para cumprir o plano de Deus.<br />

Os teólogos faz<strong>em</strong> a diferença entre “providência ordinária” e “extraordinária”. Esta, a<br />

“extraordinária”, é a ação através da qual Deus rompe o curso normal da história com um milagre.<br />

A “providência ordinária” é o controle de Deus nos mil detalhes necessários para a execução de<br />

Seu propósito. Imagin<strong>em</strong>os, por ex<strong>em</strong>plo, a ação de Deus para levantar Moisés como libertador de<br />

Israel; sobre o que ou qu<strong>em</strong> Deus necessitou exerceu controle para levar seu plano a termo?<br />

Deus exerceu controle sobre os filhos de Jacó, que a princípio queriam matar José (Gn<br />

37:20): “Vinde, pois, agora, e mat<strong>em</strong>o-lo, e lanc<strong>em</strong>o-lo numa destas covas, e dir<strong>em</strong>os: Uma fera o<br />

comeu; e ver<strong>em</strong>os que será dos seus sonhos”. Até que Rub<strong>em</strong> propôs algo diferente, querendo<br />

poupá-lo (Gn 37:21-22): “E ouvindo-o Rúben, livrou-o das suas mãos, e disse: Não lhe tir<strong>em</strong>os a<br />

vida. Também lhes disse Rúben: Não derrameis sangue; lançai-o nesta cova, que está no deserto,<br />

e não lanceis mãos nele; isto disse para livrá-lo das mãos deles e para torná-lo a seu pai”.<br />

Judá, então, propôs a venda aos ismaelitas (Gn 37:25-28) a midianitas: “Depois<br />

assentaram-se a comer pão; e levantaram os seus olhos, e olharam, e eis que uma companhia de<br />

ismaelitas vinha de Gileade; e seus camelos traziam especiarias e bálsamo e mirra, e iam levá-los<br />

ao Egito. Então Judá disse aos seus irmãos: Que proveito haverá que mat<strong>em</strong>os a nosso irmão e<br />

escondamos o seu sangue? Vinde e vendamo-lo a estes ismaelitas, e não seja nossa mão sobre<br />

ele; porque ele é nosso irmão, nossa carne. E seus irmãos obedeceram. Passando, pois, os<br />

mercadores midianitas, tiraram e alçaram a José da cova, e venderam José por vinte moedas de<br />

prata, aos ismaelitas, os quais levaram José ao Egito”.<br />

Deus exerceu controle sobre os ismaelitas e midianitas, que toparam comprar José e o<br />

venderam a Potifar (Gn 37:28,36).<br />

Mas quanto controle Deus não necessitou exercer para elevar José ao posto de primeiroministro?<br />

Sobre Potifar e sua esposa, sobre o copeiro e o padeiro e, por fim, sobre Faraó, para não<br />

mencionar Seu controle sobre a natureza, sete anos de fartura e sete de fome.<br />

Jacó e família no Egito. Há uma mudança política no Egito que transformou os<br />

“queridinhos” hebreus <strong>em</strong> escravos miseráveis e oprimidos (Ex 1:8-11).<br />

Deus exercia controle sobre a conceição das hebréias: “Mas quanto mais os afligiam,<br />

tanto mais se multiplicavam, e tanto mais cresciam” (Ex 1:12a).<br />

Faraó propôs às parteiras Sifrá e Puá que quando estivess<strong>em</strong> ajudando as hebréias no<br />

trabalho de parto matass<strong>em</strong> os homens. Mas Deus exerce controle sobre as parteiras (Ex 1:15-<br />

17): “E o rei do Egito falou às parteiras das hebréias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o da<br />

outra Puá), e disse: Quando ajudardes a dar à luz às hebréias, e as virdes sobre os assentos, se<br />

for filho, matai-o; mas se for filha, então viva. As parteiras, porém, t<strong>em</strong>eram a Deus e não fizeram<br />

como o rei do Egito lhes dissera, antes conservavam os meninos com vida”.<br />

25


A próxima tentativa de conter o crescimento israelita, por parte de Faraó, foi ordenar que<br />

os filhos recém-nascidos foss<strong>em</strong> lançados ao rio Nilo (Ex 1:22): “Então ordenou Faraó a todo o seu<br />

povo, dizendo: A todos os filhos que nascer<strong>em</strong> lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis<br />

com vida”.<br />

Moisés nasce. Deus exerce controle sobre seus pais que se arriscaram, reconhecendo o<br />

propósito de Deus na vida do menino. Ex 2:2: “E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e,<br />

vendo que ele era formoso, escondeu-o três meses”.<br />

A criança é lançada no rio. Deus exerce controle sobre a filha de Faraó que “moveu-se de<br />

compaixão dele”, a ponto de desobedecer a ord<strong>em</strong> do pai.(Ex 2:4-6):<br />

Finalmente Moisés é criado por sua mãe, recebendo salário para isso (Ex 2:8-10): “E a<br />

filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então he disse a filha<br />

de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e<br />

criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e<br />

chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado”.<br />

Enfim, Providência é a maneira como Deus exerce Seu controle soberano sobre todas as<br />

coisas para executar Seus planos. Vejamos isto <strong>em</strong> <strong>Rute</strong>. Em Rt 1:22 “o texto hebraico não<br />

esconde o el<strong>em</strong>ento de surpresa – é quase um ‘acredite se quiser’ mas elas chegaram na hora da<br />

colheita!”. Quando <strong>Rute</strong> foi respigar chegou exatamente no “campo de Boaz, que era da família de<br />

Elimeleque”. O autor repete esse detalhe de 2:1 <strong>em</strong> 2:3 para pôr ênfase nessa “coincidência”.<br />

Havia uma “mão secreta” levando uma estrangeira a passar por diversos pequenos terrenos e<br />

decidir ficar exatamente no campo de Boaz. O texto deixa-nos com outro fato explícito da<br />

providência: “E eis que Boaz veio de Belém” (2:4), exatamente na oportunidade da visita de <strong>Rute</strong><br />

ao seu campo.<br />

<strong>Rute</strong> atrai a atenção de Boaz (2:5) e conquista seu capataz (2:6,7). Para qu<strong>em</strong> crê <strong>em</strong><br />

acaso <strong>Rute</strong> é um prato cheio. Mas o fato é que o que o autor diz, grita mesmo s<strong>em</strong> palavras é:<br />

Deus exerce seu controle soberano para a execução de Seus fins desejados. Deus exerce controle<br />

sobre a vida e a morte. Sobre a fome e a fartura. Sobre <strong>Rute</strong>, sobre Boaz, sobre o capataz... Deus<br />

t<strong>em</strong> o controle de cada átomo deste universo!<br />

Que a Providência é imutável, porquanto se alicerça nos decretos eternos de<br />

Deus. Noutras palavras a providência é infalível. Deus não t<strong>em</strong> plano B, <strong>em</strong>bora conheça todos os<br />

zilhões de possíveis outros caminhos. Deus t<strong>em</strong> um único plano infalível. Com Deus não existe o<br />

jogo do “o que aconteceria se...”.<br />

<strong>Rute</strong> começa com a fome e <strong>em</strong> seguida há uma peregrinação. Depois há dois<br />

casamentos, o retorno de duas viúvas, a colheita, o campo de Boaz, a chegada de Boaz ao seu<br />

campo, o encontro, a desistência do parente mais próximo de No<strong>em</strong>i, o casamento de Boaz e<br />

<strong>Rute</strong>, Obede, Jessé, Davi, que é o tipo e ancestral mais pro<strong>em</strong>inente de Cristo nosso Senhor.<br />

26


Mas o que aconteceria se não tivesse havido fome? Não teria havido peregrinação. E se<br />

não tivesse havido peregrinação? Não teria havido dois casamentos <strong>em</strong> Moabe. E se não tivesse<br />

acontecido dois casamentos <strong>em</strong> Moabe? Não teria havido retorno de duas viúvas. E assim por<br />

diante... até que o evento da fome estava nos planos de Deus inteiramente relacionado com Cristo<br />

nosso Senhor.<br />

Mais uma vez, com Deus não há plano B! Ele cumprirá Seus propósitos <strong>em</strong> sua vida,<br />

infalivelmente.<br />

27


A provisão da mão secreta<br />

“8 Então disse Boaz a <strong>Rute</strong>: Ouves, filha minha; não vás colher <strong>em</strong> outro campo, n<strong>em</strong> tampouco passes daqui; porém<br />

aqui ficarás com as minhas moças. 9 Os teus olhos estarão atentos no campo que segar<strong>em</strong>, e irás após elas; não dei<br />

ord<strong>em</strong> aos moços, que não te molest<strong>em</strong>? Tendo tu sede, vai aos vasos, e bebe do que os moços tirar<strong>em</strong>. 10 Então ela<br />

caiu sobre o seu rosto, e se inclinou à terra; e disse-lhe: Por que achei graça <strong>em</strong> teus olhos, para que faças caso de mim,<br />

sendo eu uma estrangeira? 11 E respondeu Boaz, e disse-lhe: B<strong>em</strong> se me contou quanto fizeste à tua sogra, depois da<br />

morte de teu marido; e deixaste a teu pai e a tua mãe, e a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes não<br />

conheceste. 12 O SENHOR retribua o teu feito; e te seja concedido pleno galardão da parte do SENHOR Deus de<br />

Israel, sob cujas asas te vieste abrigar. 13 E disse ela: Ache eu graça <strong>em</strong> teus olhos, senhor meu, pois me consolaste, e<br />

falaste ao coração da tua serva, não sendo eu ainda como uma das tuas criadas. 14 E, sendo já hora de comer, disse-lhe<br />

Boaz: Achega-te aqui, e come do pão, e molha o teu bocado no vinagre. E ela se assentou ao lado dos segadores, e ele<br />

lhe deu do trigo tostado, e comeu, e se fartou, e ainda lhe sobejou. 15 E, levantando-se ela a colher, Boaz deu ord<strong>em</strong><br />

aos seus moços, dizendo: Até entre as gavelas deixai-a colher, e não a censureis. 16 E deixai cair alguns punhados, e<br />

deixai-os ficar, para que os colha, e não a repreendais” (Rt 2:8-16).<br />

T<strong>em</strong>os aqui o primeiro diálogo entre <strong>Rute</strong> e Boaz. Vimos, Domingo passado, como a mão<br />

secreta da providência, dirigindo todos os pormenores para levar a termo os planos de Deus, levou<br />

<strong>Rute</strong> justamente ao campo de Boaz, daí dizer-se que “caiu-lhe <strong>em</strong> sorte uma parte do campo de<br />

Boaz”. Da pergunta que Boaz fez ao seu capataz acerca de <strong>Rute</strong> (“De qu<strong>em</strong> é esta moça?”- 2:5)<br />

até este diálogo, não sab<strong>em</strong>os como Boaz soube das informações sobre <strong>Rute</strong>, que expressará<br />

neste diálogo e desejará vê-las recompensadas...<br />

O fato é que Boaz revela sua nobreza, generosidade e cavalheirismo, através de uma<br />

sucessão de atos bondosos para com <strong>Rute</strong>. O primeiro deles está <strong>em</strong> pedir-lhe que permanecesse<br />

colhendo <strong>em</strong> seu campo (2:8a). Ela não mais estaria como uma estrangeira, colhendo do que<br />

ficava pelo caminho (Lv 19:9,10; Dt 24:19-21), estaria agora com as suas servas (2:8b,9a). Ele<br />

garantiu-lhe proteção. “O motivo é simples – ela era jov<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> marido, moabita e não muito<br />

familiarizada com a disposição dos campos ao redor de Belém” (Joyce W. Every-Clayton). “Não<br />

deis ord<strong>em</strong> aos moços que não te molest<strong>em</strong>?” (2:9b). <strong>Rute</strong> teria acesso à água tirada por homens<br />

judeus, quando normalmente seria a mulher a servir o hom<strong>em</strong> (Gn 24:13,19) – 2:9c. Ver Jo 4:1!<br />

Ela está espantada com tanta bondade e expressa isto <strong>em</strong> sua pergunta direta, mas<br />

respeitosa, no v. 10: “Por que achei graça <strong>em</strong> teus olhos, para que faças caso de mim, sendo eu<br />

uma estrangeira?”. A palavra “estrangeira” que <strong>Rute</strong> usa para si mesma “indica uma posição social<br />

inferior”, “a pessoa não gozava de nenhum tipo de reconhecimento”. <strong>Rute</strong> já esperava não passar<br />

de uma estrangeira <strong>em</strong> Belém. O que foi surpreendente para ela foi a generosidade de um<br />

israelita. Isto ela não esperava!<br />

28


Boaz responde à pergunta de <strong>Rute</strong> recordando sua abnegação <strong>em</strong> deixar sua família e seu<br />

povo e recorda sua lealdade a No<strong>em</strong>i (2:11). Alguns vão imaginar que já há aqui sinais de<br />

<strong>em</strong>oções românticas da parte de Boaz. Além disso, na oração que Boaz faz <strong>em</strong> favor de <strong>Rute</strong>, ele<br />

reconhece sua relação de fé com o SENHOR “sob cujas asas te vieste abrigar” (v. 12).<br />

Para <strong>Rute</strong> esta atitude de Boaz foi talvez sua maior bondade. Uma viúva <strong>em</strong> terra<br />

estranha com uma sogra murmuradora necessitava muitíssimo de consolo (v. 13). A atitude de<br />

Boaz é a de qu<strong>em</strong> ora, encoraja e age. Foi desta maneira que José encorajou seus irmãos (Gn<br />

50:21). “Falar ao coração” é a fala do encorajamento que renova a vida interior. Era disso que<br />

uma enlutada necessitava.<br />

Meus irmãos, muitas vezes, <strong>em</strong> nome da fé, nós nos tornamos muito duros com aqueles<br />

que sofr<strong>em</strong> grandes perdas. Imaginamos que, porque t<strong>em</strong>os fé, estamos isentos da dor, do pesar,<br />

do sofrimento, da saudade... quando não estamos. Isto é ser simplesmente humano!<br />

O Apóstolo Paulo fala de maneira vívida sobre a vinda do Senhor e de nossa reunião com<br />

ele a uma igreja que sofria a dor da perda. No final de sua doutrina diz: “Portanto, consolai-vos<br />

uns aos outros com estas palavras” (I Ts 4:13-18).<br />

Se necessitamos de consolo é porque sofr<strong>em</strong>os, sentimos dores, nos angustiamos,<br />

<strong>em</strong>bora não “como os d<strong>em</strong>ais, que não têm esperança” (I Ts 4:13). Mas que sofr<strong>em</strong>os, sofr<strong>em</strong>os!<br />

Esta foi a reação do pai da fé, Abraão, quando perdeu Sara (Gn 23:1,2).<br />

Quero ver com você nesta noite quais são os passos da cura do pesar. Como pod<strong>em</strong>os<br />

ajudar outros na restauração de suas dores, provenientes de grandes perdas? Precisamos<br />

entender como o processo acontece.<br />

A nossa primeira reação é de entorpecimento.<br />

A mente não consegue aceitar a realidade como é. Mas tal aceitação deve acontecer,<br />

gradativamente, caso contrário o trauma não será superado. Nesta fase voltamos a ser criança.<br />

Sentimos necessidade de conforto. A presença e os pequenos gestos são mais importantes que as<br />

melhores palavras.<br />

Segundo, precisamos expressar todos os nossos sentimentos.<br />

Isto não significa rebeldia contra a Providência de Deus, mas simplesmente ser gente, ser<br />

humano. Como já referi-me a isto, com a morte de Sara, “veio Abraão lamentar Sara e chorar por<br />

ela” (Gn 23:2b). “Jacó rasgou as suas veste, pôs saco sobre os seus lombos e lamentou a seu filho<br />

muitos dias” (Gn 37:34), após receber a notícia do falecimento de José. Quando Jó recebeu a<br />

notícia das perdas que sofreu, e, por fim, de seus filhos e filhas, “se levantou, e rasgou o seu<br />

manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou <strong>em</strong> terra, e adorou” (Jó 1:20). Quando Davi soube da<br />

notícia de que Absalão havia morrido “chorou; e andando, dizia assim: Meu filho Absalão, meu<br />

filho, meu filho, Absalão! Qu<strong>em</strong> me dera que eu morrera por ti, Absalão, eu filho, meu filho!” (II<br />

Sm 18:33).<br />

29


Alguém já disse que “A experiência e expressão plena dos sentimentos de agonia são<br />

parte indispensável do processo de cura!”. Enfim, “sentimentos adiados, cura adiada”.<br />

E tudo isto me consola: saber que os santos também choram! O povo de Deus sente<br />

dores; Abraão chora, Jacó, Davi chora. <strong>Rute</strong> precisa das palavras confortadoras de Boaz!<br />

Aceitação gradativa da perda na dimensão da fé genuína.<br />

Nesta hora, a crença dos epicureus (no destino) e a crença dos estóicos (no acaso) não<br />

pod<strong>em</strong> fazer nada por mim. O “deus” do deísmo (a crença que Deus criou uma máquina e deixou<br />

que ela funcionasse sozinha) nada pode fazer por mim. O “deus” impessoal dos orientais<br />

(panteísmo), que confunde-se com a criação, esse muito menos. O “deus” solitário e inexorável<br />

dos muçulmanos nada pode fazer por mim, crença errada alguma pode me ajudar, ainda que seja<br />

sobre o Deus certo, como a dos judeus.<br />

O único que pode me ajudar nesta hora é o Deus Tri-Uno, O Deus que é Pai, Filho e<br />

Espírito santo, O Deus que s<strong>em</strong>pre viveu <strong>em</strong> comunidade, que s<strong>em</strong>pre amou, que s<strong>em</strong>pre Se<br />

relacionou... O único Deus b<strong>em</strong>-aventurado (I tm 1:11; 6:15), feliz eternamente!<br />

O único que pode me ajudar nesta hora é o Deus encarnado, é o Deus que sentiu a<br />

minha dor, o “hom<strong>em</strong> de dores” (Is 53:3). Dele se diz que “Ainda que era Filho, aprendeu a<br />

obediência, por aquilo que padeceu. E, sendo ele consumado, veio a ser a causa da eterna<br />

salvação para todos os que lhe obedec<strong>em</strong>” (Hb 5:8,9). Dele se diz que chorou com o pesar de<br />

Maria (Jo 11:32-35).<br />

O único que pode me ajudar nesta hora é o Deus da providência. É o Deus que controla<br />

todas as coisas... Somente o Deus que decretou os sofrimentos do Seu povo pode garantir que<br />

tais sofrimentos não são inúteis, antes, que concorr<strong>em</strong> para a sua segura e eterna salvação.<br />

Compartilhar a perda no contexto da comunhão.<br />

<strong>Rute</strong> estava experimentando a provisão da mão secreta. Chegou como uma simples<br />

“moabita” (1:22; 2:2,6), mas se dirigia cada vez mais ao centro da comunidade do povo de Deus.<br />

O v. 14 registra mais um ato bondoso de Boaz (que, rompendo a convenção social que<br />

judeus não tinham contato público com mulheres, ainda mais uma estrangeira – Jo 4:9), quando<br />

convida <strong>Rute</strong> a comer com ele, indicando aceitação na família.<br />

Esta seção termina com uma ação generosa, mais uma, que estava ligada à oração. Boaz<br />

sabe que a oração compromete (2:12)! Ele orou e tornou-se a resposta de sua própria oração<br />

(2:15,16)<br />

30


A recompensa de qu<strong>em</strong> obedece<br />

“17 E esteve ela apanhando naquele campo até à tarde; e debulhou o que apanhou, e foi quase um efa de cevada. 18 E<br />

tomou-a, e veio à cidade; e viu sua sogra o que tinha apanhado; também tirou, e deu-lhe o que sobejara depois de fartarse.<br />

19 Então disse-lhe sua sogra: Onde colheste hoje, e onde trabalhaste? Bendito seja aquele que te reconheceu. E<br />

relatou à sua sogra com qu<strong>em</strong> tinha trabalhado, e disse: O nome do hom<strong>em</strong> com qu<strong>em</strong> hoje trabalhei é Boaz. 20 Então<br />

No<strong>em</strong>i disse à sua nora: Bendito seja ele do SENHOR, que ainda não t<strong>em</strong> deixado a sua beneficência n<strong>em</strong> para com os<br />

vivos n<strong>em</strong> para com os mortos. Disse-lhe mais No<strong>em</strong>i: Este hom<strong>em</strong> é nosso parente chegado, e um dentre os nossos<br />

r<strong>em</strong>idores. 21 E disse <strong>Rute</strong>, a moabita: Também ainda me disse: Com os moços que tenho te ajuntarás, até que acab<strong>em</strong><br />

toda a sega que tenho. 22 E disse No<strong>em</strong>i a sua nora: Melhor é, filha minha, que saias com as suas moças, para que<br />

noutro campo näo te encontr<strong>em</strong>. 23 Assim, ajuntou-se com as moças de Boaz, para colher até que a sega das cevadas e<br />

dos trigos se acabou; e ficou com a sua sogra. Capitulo 3: 1 E disse-lhe No<strong>em</strong>i, sua sogra: Minha filha, não hei de<br />

buscar descanso, para que fiques b<strong>em</strong>? 2 Ora, pois, näo é Boaz, com cujas moças estiveste, de nossa parentela? Eis que<br />

esta noite padejará a cevada na eira. 3 Lava-te, pois, e unge-te, e veste os teus vestidos, e desce à eira; porém não te dês<br />

a conhecer ao hom<strong>em</strong>, até que tenha acabado de comer e beber. 4 E há de ser que, quando ele se deitar, notarás o lugar<br />

<strong>em</strong> que se deitar; então entrarás, e descobrir-lhe-ás os pés, e te deitarás, e ele te fará saber o que deves fazer. 5E ela lhe<br />

disse: Tudo quanto me disseres, farei” (Rt 2:17-3:5).<br />

<strong>Rute</strong> trabalhava desde a madrugada até ao anoitecer, com uma breve pausa para a<br />

refeição (7,14,15,17),o que lhe resultou <strong>em</strong> “quase um efa de cevada”, cerca de vinte quilos ou<br />

mais. Uma s<strong>em</strong>ana de sobrevivência estava assegurada!<br />

Após o dia intenso, <strong>Rute</strong> retorna à aldeia de Belém. Ela t<strong>em</strong> muito o que conversar com<br />

sua sogra.<br />

<strong>Rute</strong>, ao chegar <strong>em</strong> casa, surpreendeu No<strong>em</strong>i com “o que tinha apanhado” e do que<br />

“sobejara depois de fartar-se” na refeição com Boaz (2:14).<br />

O fruto do trabalho de <strong>Rute</strong> reanima No<strong>em</strong>i. Suas perguntas reflet<strong>em</strong> sua curiosidade<br />

entusiasmada, perplexa qu<strong>em</strong> sabe! (“Onde colheste hoje, e onde trabalhaste?”). E são seguidas<br />

por uma bênção sobre um benfeitor anônimo. Um clima de suspense surge até que “o nome do<br />

hom<strong>em</strong>” finalmente é descoberto, “... é Boaz”.<br />

Dá para imaginar o que <strong>Rute</strong> falou a No<strong>em</strong>i naquela noite (comendo uma cevadinha com<br />

caldo de vinagre com pão). Sobre como achou o campo de Boaz (2:3). Sobre a personalidade de<br />

Boaz: um hom<strong>em</strong> humano (2:4), piedoso (2:4,12), generoso (2:15,16), cavalheiro (2:8,9), sensível<br />

(2:13).<br />

É somente aqui (2:20) que as informações se completam para <strong>Rute</strong> e No<strong>em</strong>i, informações<br />

que o leitor já t<strong>em</strong> desde 2:1. No<strong>em</strong>i estava <strong>em</strong> casa, até este momento nada sabia sobre as<br />

andanças de <strong>Rute</strong>. <strong>Rute</strong> até este momento nada sabia sobre o parentesco de Boaz com<br />

Elimeleque.<br />

31


Dá pra perceber uma mudança nas reações de No<strong>em</strong>i. A amargurada, aquela que se<br />

referia a Deus com o “Todo-Poderoso”, o Deus de juízo que lhe tinha feito mal, agora refere-se ao<br />

SENHOR (Yahweh), ao Deus do pacto. Ela começa a perceber a bondade de Deus, “que ainda não<br />

t<strong>em</strong> deixado a sua beneficência n<strong>em</strong> para com os vivos [<strong>Rute</strong> e No<strong>em</strong>i] n<strong>em</strong> para com os mortos<br />

[Malom, por ex<strong>em</strong>plo, que teria seu nome perpetuado através de um casamento <strong>em</strong> levirato]”<br />

(2:20a). No<strong>em</strong>i percebeu as bênçãos como o cuidado providente de Deus e percebeu as<br />

possibilidades futuras, sendo Boaz “um dentre os nossos r<strong>em</strong>idores” (2:20b), ou um parente<br />

próximo que poderia, caso desejasse, tomar a viúva por mulher e gerar pelo menos um filho que<br />

continuasse a família do falecido (Dt 25:5-10).<br />

<strong>Rute</strong> continua relatando os atos de bondade de Boaz (2:21), o que garantiu às viúvas<br />

mais alguns meses de sobrevivência. Em 2:22 t<strong>em</strong>os um conselho de No<strong>em</strong>i seguido da resposta<br />

obediente de <strong>Rute</strong> (2:23). Em 3:1-4 t<strong>em</strong>os um segundo conselho de No<strong>em</strong>i e, novamente, a<br />

obediência de <strong>Rute</strong> (3:5). Este conselho é mais ousado. Mas também ela teve t<strong>em</strong>po para orar,<br />

planejar, perceber, investigar... sentir o momento!<br />

O momento chegou, para No<strong>em</strong>i. Ao entardecer Boaz estaria com os servos no<br />

joeiramento da cevada, na eira, período após o qual havia um momento de descontração e<br />

permanência na eira, para dormir. As orientações de No<strong>em</strong>i são específicas: “Lava-te”, “unge-te”,<br />

“veste” [uma roupa especial] e “desce”, “notarás”, “entrarás”, “descobrir-lhe-ás” [uma sugestão de<br />

sua disposição <strong>em</strong> casar com ele, provavelmente] e “deitarás” (3:3,4).<br />

Atenção pais! Apesar de nossa cultura não aceitar, ou evitar, a interferência dos pais no<br />

casamento dos filhos, ainda hoje Deus usa os pais para estabelecer Sua vontade, sugerindo,<br />

orientando, controlando, proibindo, aconselhando... porque “quando não há conselhos os planos<br />

se dispersam, mas havendo muitos conselheiros eles se firmam” (Pv 15:22).<br />

Eu quero ver com vocês, nesta noite, como vocês pod<strong>em</strong> ajudar seus filhos neste desafio<br />

de fazer a vontade de Deus quanto ao casamento! Ou, noutras palavras, filhos, consider<strong>em</strong>os<br />

como seus pais pod<strong>em</strong> ser instrumentos eficazes de Deus no seu casamento...<br />

Primeiro, consider<strong>em</strong>os a possibilidade de uma participação mais ativa dos pais<br />

no namoro e casamento.<br />

Pais, sejam os primeiros a perceber quando as possibilidades surg<strong>em</strong>. No<strong>em</strong>i ouviu o<br />

relato de <strong>Rute</strong> e foi a primeira a perceber <strong>em</strong> Boaz um possível marido para ela.<br />

Mas o que acontece hoje é que os filhos por aí resolv<strong>em</strong> tudo e quando não há mais<br />

novidade alguma os pais tomam conhecimento. Atenção filhos, fazendo isto você está rejeitando<br />

um grande instrumento de Deus para guiar você nesta questão tão importante. A instrução de<br />

Paulo quanto à questão do casamento é nesta esfera <strong>em</strong> que os pais participam de forma mais<br />

efetiva no casamento dos filhos (I Co 7:36-38). O t<strong>em</strong>peramento dócil de Isaque, que aguarda a<br />

esposa que o pai mandou buscar para ele (Gn 24), contrasta com a independência rebelde de seu<br />

32


filho Esaú, que toma mulheres cananéias, sendo que “estas foram para Isaque e Rebeca uma<br />

amargura de espírito” (Gn 26:34,35). Portanto, filhos, creiam que Deus dirige seus pais nesta<br />

questão.<br />

Segundo, nós, pais, cri<strong>em</strong>os <strong>em</strong> casa um ambiente adequado para um diálogo<br />

que seja aberto e sincero.<br />

Eu quase posso assistir a cena do diálogo entre No<strong>em</strong>i e <strong>Rute</strong>. Quanta transparência! A<br />

transparência é a atitude de qu<strong>em</strong> quer fazer o que é certo. Quando não somos transparentes é<br />

porque condenamos o que fiz<strong>em</strong>os. T<strong>em</strong>os a consciência de que estamos errando a ponto de<br />

fazermos às ocultas. Quando agimos assim preferimos compartilhar nossos erros com qu<strong>em</strong> os<br />

aplaud<strong>em</strong>. Quando quer<strong>em</strong>os pecar, os nossos pais não são os melhores confidentes!<br />

Por outro lado, os pais são também responsáveis <strong>em</strong> grande medida pelo afastamento<br />

dos filhos. Nós sab<strong>em</strong>os fazer fariseusinhos. Filhos que diz<strong>em</strong> e faz<strong>em</strong> certas coisas fingidamente,<br />

só porque sab<strong>em</strong> que nós gostamos. Os conselhos de No<strong>em</strong>i a <strong>Rute</strong> acontec<strong>em</strong> neste ambiente<br />

informal, aberto, sincero e transparente.<br />

Terceiro, pais e filhos, aprendamos a firmar princípios que rejam nossas<br />

decisões nesta área. Deixe-me dizer-lhes alguns deles:<br />

1. Não tenha pressa. Nós não encontramos uma <strong>Rute</strong> desesperada, literalmente<br />

caçando um partido. Por outro lado, o conselho de No<strong>em</strong>i não é de uma mãe alcoviteira,<br />

desesperada pra desencalhar a filha. Ela está lidando com uma viúva, uma mulher de experiência<br />

de dez anos de casada. Mesmo assim, ela não é precipitada (2:23).<br />

2. Servir é melhor que casar (I Co 7:29-35). Não foi isto que <strong>Rute</strong> priorizou?<br />

Certamente que sim (1:16,17; 2:2,7,17,18,23). Casamento não é um fim <strong>em</strong> si mesmo. Não é<br />

também a coisa mais importante da vida, mas a maneira pela qual Deus estabelecerá seu<br />

propósito <strong>em</strong> nossa vida, caso deseje.<br />

3. Crente casa com crente. Abraão fez seu servo jurar que não daria a Isaque uma<br />

mulher dentre as cananéias “mas que irás à minha terra e à minha parentela, e dali tomarás<br />

mulher para meu filho Isaque” (Gn 24:3,4). Moisés proibiu o casamento dos filhos de Israel com<br />

mulheres cananéias (Ex 34:12-17; cf. Jz 3:5-7). Mesmo antes do período patriarcal a separação do<br />

povo de Deus já era algo requerido por Ele (Gn 6:2).<br />

Ao povo do Novo Pacto é dito coisa s<strong>em</strong>elhante: “Não vos prendais a um jugo desigual<br />

com os infiéis” (II co 6:14ss). Para Calvino o texto não fala especificamente sobre casamento,<br />

“mas Paulo está falando do jugo de impiedade, daquela participação ativa que os crentes não<br />

pod<strong>em</strong> legalmente participar. Nesta proibição inclui-se também o matrimônio, visto que ele é um<br />

laço que pode envolver homens e mulheres num consenso de impiedade”. Mesmo para as viúvas o<br />

novo casamento é “NO SENHOR” (I Co 7:39). Portanto, conheça, pai, mãe, qu<strong>em</strong> pretende casar<br />

com seu filho/filha; e conheça sua espiritualidade, sua história...<br />

33


A paciência feliz<br />

“6 Então foi para a eira, e fez conforme a tudo quanto sua sogra lhe tinha ordenado. 7 Havendo, pois, Boaz comido e<br />

bebido, e estando já o seu coração alegre, veio deitar-se ao pé de um monte de grãos; então veio ela de mansinho, e lhe<br />

descobriu os pés, e se deitou. 8 E sucedeu que, pela meia noite, o hom<strong>em</strong> estr<strong>em</strong>eceu, e se voltou; e eis que uma mulher<br />

jazia a seus pés. 9 E disse ele: Qu<strong>em</strong> és tu? E ela disse: Sou <strong>Rute</strong>, tua serva; estende pois tua capa sobre a tua serva,<br />

porque tu és o r<strong>em</strong>idor. 10 E disse ele: Bendita sejas tu do SENHOR, minha filha; melhor fizeste esta tua última<br />

benevolência do que a primeira, pois após nenhum dos jovens foste, quer pobre quer rico. 11 Agora, pois, minha filha,<br />

näo t<strong>em</strong>as; tudo quanto disseste te farei, pois toda a cidade do meu povo sabe que és mulher virtuosa. 12 Porém agora é<br />

verdade que eu sou r<strong>em</strong>idor, mas ainda outro r<strong>em</strong>idor há mais chegado do que eu. 13 Fica-te aqui esta noite, e será que,<br />

pela manhã, se ele te redimir, b<strong>em</strong> está, que te redima; porém, se não quiser te redimir, vive o SENHOR, que eu te<br />

redimirei. Deita-te aqui até amanhã. 14 Ficou-se, pois, deitada a seus pés até pela manhã, e levantou-se antes que<br />

pudesse um conhecer o outro, porquanto disse: Não se saiba que alguma mulher veio à eira. 15 Disse mais: Dá-me a<br />

capa que tens sobre ti, e segura-a. E ela a segurou; e ele mediu seis medidas de cevada, e lhas pós <strong>em</strong> cima; entäo foi<br />

para a cidade. 16 E foi à sua sogra, que lhe disse: Como foi, minha filha? E ela lhe contou tudo quanto aquele hom<strong>em</strong><br />

lhe fizera. 17 Disse mais: Estas seis medidas de cevada me deu, porque me disse: Não vás vazia à tua sogra. 18 Então<br />

disse ela: Espera, minha filha, até que saibas como irá o caso, porque aquele hom<strong>em</strong> não descansará até que conclua<br />

hoje este negócio” (Rt 3:6-18).<br />

Aqui t<strong>em</strong>os um segundo encontro de <strong>Rute</strong> com Boaz. Aos olhos nus, “o primeiro foi ‘por<br />

acaso’; o segundo planejado. O primeiro se deu nos campos, o segundo na eira. O primeiro era<br />

público, o segundo particular. O primeiro se deu no trabalho, o segundo numa ocasião festiva. O<br />

primeiro de dia, o segundo de noite...” (citação de Trible por Joyce W. Every-Clayton).<br />

A eira seria um lugar apropriado para o encontro. A ocasião era festiva. O clima<br />

romântico. A economia de palavras gera ambigüidade. Tudo isto aconteceu justamente na eira. Se<br />

não leváss<strong>em</strong>os <strong>em</strong> consideração o caráter dos personagens, seríamos levados a imaginar mais do<br />

que o que poderíamos. Em t<strong>em</strong>pos de queda espiritual, a eira tinha conotações pecaminosas (Os<br />

9:1,2). Aprendamos que dev<strong>em</strong>os evitar a aparência do mal (I Ts 5:22). Mas aprendamos também<br />

que n<strong>em</strong> tudo que t<strong>em</strong> aparência de mal é mal. Tom<strong>em</strong>os cuidado para que não estejamos vendo<br />

o mal onde ele não existe. Foi contra esse julgamento t<strong>em</strong>erário que Jesus reagiu: “Não julgueis,<br />

para que não sejais julgados... e por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e<br />

não vês a trave que está no teu olho?” (Mt 7:1,3).<br />

O diálogo inicia quando Boaz desperta no meio da noite (3:8). A resposta de <strong>Rute</strong> (3:9)<br />

d<strong>em</strong>onstra crescimento quanto à percepção de sua identidade. A princípio, <strong>Rute</strong> era apenas uma<br />

nora comprometida com a sogra reclamadora (1:16,17). Em Belém, <strong>Rute</strong> era apenas a moabita<br />

(1:22; 2:2,6). Nos campos de Boaz ela começou como uma pedinte (2:7), uma estrangeira<br />

34


(2:10), menos que uma serva (2:13). Em seguida, se descobriu como parente do “hom<strong>em</strong><br />

valente e poderoso” (2:1,3,20). Mas agora ela pode afirmar: Sou <strong>Rute</strong>, tua serva (3:9).<br />

Meus queridos, uma compreensão exata de nossa identidade própria só se dá na<br />

descoberta da vontade de Deus. São muitos os que viv<strong>em</strong> numa ilusão de um falso auto-conceito!<br />

Em 3:9b l<strong>em</strong>os sobre a desobediência de <strong>Rute</strong> à ord<strong>em</strong> de No<strong>em</strong>i <strong>em</strong> 3:4, traindo sua<br />

promessa (3:5).<br />

A vida de <strong>Rute</strong> está inteiramente comprometida com No<strong>em</strong>i. Mesmo na proposta que ela<br />

faz, desobedecendo sua sogra, estava implícita uma preocupação com a família de sua sogra<br />

(além de ver a proteção do casamento para si,é óbvio! – Ez 16:8). E Boaz admite sua iniciativa<br />

como bondade de sua parte para com a sogra (2:10). A primeira benevolência (2:11) foi o próprio<br />

fato de estar <strong>em</strong> Belém. A segunda benevolência esteve <strong>em</strong> buscar um casamento por levirato que<br />

beneficiasse sua sogra, quando estava livre para agradar apenas a si <strong>em</strong> um possível outro<br />

casamento.<br />

A esta altura todos já sabiam que <strong>Rute</strong> era uma mulher virtuosa (3:11). Enfim,<br />

asseveramos nesta altura que <strong>Rute</strong> não se desviou <strong>em</strong> nenhuma ocasião de seu propósito inicial<br />

de cuidar da sua sogra e que ela entendia a vontade de Deus para a sua vida e caminhava por fé.<br />

Mas nós precisamos aprender, com o ex<strong>em</strong>plo de <strong>Rute</strong>, algumas verdades.<br />

Não deix<strong>em</strong>os que, no afã por fazer a vontade de Deus, incorramos no pecado<br />

da desobediente precipitação. Foi nesta avidez que <strong>Rute</strong> desobedeceu a ord<strong>em</strong> de sua sogra<br />

(3:4,9).<br />

Muitos são aqueles que desobedec<strong>em</strong> por querer<strong>em</strong> a sua própria vontade. Mas há<br />

aqueles que desobedec<strong>em</strong> no afã de fazer<strong>em</strong> a vontade de Deus.<br />

Posso asseverar a você que a vontade de Deus envolve o consentimento dos pais; nas<br />

questões espirituais a orientação dos líderes. Enfim, a vontade de Deus envolve a participação<br />

ativa dos pais e das autoridades.<br />

Tom<strong>em</strong>os cuidado para que no zelo de fazer a vontade de Deus, não<br />

incorramos no pecado da quebra de princípios.<br />

Boaz estava atento ao princípio da lei de Deus (Lv 25: 48,49), segundo o qual o parente<br />

mais próximo tinha prioridade. “Boaz não cogitou ‘dar um jeitinho’de jogar a ord<strong>em</strong> reconhecida, o<br />

costume tradicional, para o ar, e n<strong>em</strong> tampouco de passar por cima do outro” (Joyce W. Every-<br />

Clayton).<br />

Aqui reside um terrível contra-senso: Desobedecer a Deus na aparente intenção de<br />

obedecê-lO. Não foi este o caso de Abraão e Sara (Gn 16:1-3)? Imagin<strong>em</strong> só! Desobedecer a Deus<br />

para ter o filho da promessa (de Deus)!<br />

35


O que estou dizendo é que Deus não planeja apenas o fim de Seus propósitos, mas<br />

igualmente os meios, de tal modo que estes são coerentes com aqueles. Ou seja, a vontade de<br />

Deus está s<strong>em</strong>pre coerente com os princípios esposados <strong>em</strong> Sua Palavra.<br />

Não há apenas o perigo de quebrarmos princípios, mas de que nos lanc<strong>em</strong>os<br />

antes da hora (ou depois da hora) na aventura de fazer a vontade de Deus.<br />

Deus não trabalha apenas com o “o quê”, mas igualmente com o “como” (princípios) e<br />

com o “quando”.<br />

Vejamos o caso de Moisés (Ex 2:11-15). Segundo Estevão ele tinha o “o quê” (At 7:23-<br />

25), mas faltava-lhe o “como” e o “quando”. E muitas vezes o “como” só nos é apresentado por<br />

Deus “quando” chega a hora (Ex 3,4).<br />

De volta à sua sogra, esta dá a <strong>Rute</strong> uma palavra importante nesta questão toda:<br />

“Espera, minha filha...” (3:18). No<strong>em</strong>i confiava <strong>em</strong> Boaz, mas muito mais confiava nAquele “que<br />

não t<strong>em</strong> deixado a sua benevolência” (2:20). Esperar é a arte de confiar <strong>em</strong> Deus (Hb 11:1).<br />

Desejo concluir mostrando como nós nos encontramos com os momentos importantes da<br />

vontade de Deus para as nossas vidas. No capítulo 1 t<strong>em</strong>os a dor e a fé, no capítulo 2 t<strong>em</strong>os o<br />

trabalho e a ajuda cristã e no 3, obediência e espera paciente.<br />

36


Livrando-se do fulano<br />

“1 E Boaz subiu à porta, e assentou-se ali; e eis que o r<strong>em</strong>idor de que Boaz tinha falado ia passando, e disse-lhe: O<br />

fulano, v<strong>em</strong> cá, assenta-te aqui. E desviou-se para ali, e assentou-se. 2 Então tomou dez homens dos anciãos da cidade,<br />

e disse: Assentai-vos aqui. E assentaram-se. 3 Então disse ao r<strong>em</strong>idor: Aquela parte da terra que foi de Elimeleque,<br />

nosso irmão, No<strong>em</strong>i, que tornou da terra dos moabitas, está vendendo. 4 E eu resolvi informar-te disso e dizer-te:<br />

Compra-a diante dos habitantes, e diante dos anciãos do meu povo; se a hás de redimir, redime-a, e se não houver de<br />

redimir, declara-mo, para que o saiba, pois outro não há senão tu que a redima, e eu depois de ti. Então disse ele: Eu a<br />

redimirei. 5 Disse porém Boaz: No dia <strong>em</strong> que comprares a terra da mão de No<strong>em</strong>i, também a comprarás da mäo de<br />

<strong>Rute</strong>, a moabita, mulher do falecido, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herança. 6 Então disse o r<strong>em</strong>idor: Para<br />

mim não a poderei redimir, para que não prejudique a minha herança; toma para ti o meu direito de r<strong>em</strong>issão, porque eu<br />

não a poderei redimir. 7 Havia, pois, já de muito t<strong>em</strong>po este costume <strong>em</strong> Israel, quanto a r<strong>em</strong>issão e permuta, para<br />

confirmar todo o negócio; o hom<strong>em</strong> descalçava o sapato e o dava ao seu próximo; e isto era por test<strong>em</strong>unho <strong>em</strong> Israel. 8<br />

Disse, pois, o r<strong>em</strong>idor a Boaz: Toma-a para ti. E descalçou o sapato” (Rt 4:1-8).<br />

Boaz havia prometido que no dia seguinte todo o negócio seria resolvido: “Se ele [o outro<br />

r<strong>em</strong>idor] te redimir, b<strong>em</strong> está, que te redima; porém, se não quiser te redimir, vive o SENHOR,<br />

que eu te redimirei” (3:13).<br />

O relatório de <strong>Rute</strong> e o fato dela não voltar de mãos vazias foi para No<strong>em</strong>i clara indicação<br />

de que Boaz agiria: “Espera, minha filha” (3:18).<br />

E foi o que aconteceu. <strong>Rute</strong> 4:1 nos informa que “Boaz subiu à porta”. Nas cidades<br />

antigas era na porta que se realizavam o comércio (II Rs 7:1), os processos judiciais (Am 5:15) e<br />

outros negócios públicos.<br />

“E eis que o r<strong>em</strong>idor de que Boaz tinha falado ia passando”. Aqui está declarado mais<br />

uma daquelas ações da mão secreta de Deus. “Mais um sinal da providência divina”.<br />

E logo a cena formal havia se estabelecido, para que o acerto tivesse respaldo legal. Boaz<br />

convida o r<strong>em</strong>idor, aquele que tinha a prioridade sobre ele e a qu<strong>em</strong> chama “fulano” (4:1b) e<br />

“tomou dez homens dos anciãos da cidade” (4:2b). “Dez” dá a idéia de completude desde a<br />

antiguidade ou de mínimo suficiente para o acerto. No período da diáspora, dez judeus era o<br />

número mínimo para o estabelecimento de uma sinagoga. Isto daria ao acerto algo como que “um<br />

registro <strong>em</strong> cartório”.<br />

<strong>Rute</strong> 4:3-8 revela a negociação com o outro r<strong>em</strong>idor. Rt 4:3,4 nos informa que No<strong>em</strong>i tinha<br />

uma terra a ser resgatada (Lv 25:48,49). Alguém precisa resgatá-la a fim de que a terra retorne<br />

ao seu dono. Mas qu<strong>em</strong> fará? O “fulano”, s<strong>em</strong> estar informado sobre ainda outro fator,<br />

precipitadamente decidiu: “Eu a redimirei”. Ele percebeu que não tinha como perder neste<br />

negócio.<br />

37


Mas o versículo 5 traz a informação explosiva que lhe surpreendeu. <strong>Rute</strong> era uma espécie<br />

de “procuradora” da sogra. O nome do falecido, provavelmente Elimeleque, e não Malom, seria<br />

perpetuado não somente na terra que lhe pertencia, mas no filho que <strong>Rute</strong> geraria.<br />

O “fulano” repensou sua resposta após perceber que perderia a herança ao filho que<br />

gerasse com rute. Do ponto de vista dos lucros, era um mau negócio. Ele iria gastar “dinheiro e<br />

trabalho para no fim, ficar s<strong>em</strong> nada”, s<strong>em</strong> terra, s<strong>em</strong> dinheiro e s<strong>em</strong> filho. Tudo isto o fez voltar<br />

atrás. Ver Rt 4:6.<br />

Agora que o “fulano” resolveu que não resgataria, sua decisão precisava ser legalmente<br />

ratificada. E é isto que t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> Rt 4:8, após breve parêntese para esclarecimento do escritor<br />

(4:7). [“... para confirmar todo o negócio; o hom<strong>em</strong> descalçava o sapato e o dava a seu<br />

próximo...”]. O parente mais próximo abriu mão de seus direitos, dando-os a Boaz.<br />

Meus irmãos, t<strong>em</strong>os muito a prender com o “fulano”, de suas decisões, de suas<br />

motivações, de sua rápida passag<strong>em</strong> neste livro...<br />

Aprendamos que não dev<strong>em</strong>os esperar decisões espirituais de homens naturais.<br />

Como a decisão de Órfa, a decisão do Fulano não é criticada. Ambos foram simplesmente<br />

humanos e fizeram aquilo que se espera de pessoas naturais: “o que é nascido da carne é carne”<br />

(Jo 3:6); “porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne” (Rm 8:5).<br />

E isto acontece de tal sorte que não pod<strong>em</strong>os imaginar qualquer cogitação para as coisas<br />

do Espírito [“ora, o hom<strong>em</strong> natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe<br />

parec<strong>em</strong> loucura e não pode entendê-las, porque elas se discern<strong>em</strong> espiritualmente”- I Co 2:14]<br />

por parte do hom<strong>em</strong> carnal.<br />

O hom<strong>em</strong> natural é egoísta mesmo nos seus atos de bondade. O “fulano” que pareceu tão<br />

pronto e prestativo (“eu a redimirei”), logo, porém, retrocedeu quando descobriu que a decisão<br />

implicava <strong>em</strong> perdas materiais. O “Fulano” topou redimir uma nesga de terra, mas investir na<br />

herança de um filho que não seria seu, isso não!<br />

No âmbito da salvação, aprendamos que não há qualquer movimento do hom<strong>em</strong> para Deus<br />

s<strong>em</strong> que antes aconteça a ação regeneradora do Espírito Santo (I jo 5:1; Jo 1:12,13). Todas estas<br />

recentes inovações que invadiram as igrejas evangélicas, como “levantar a mão”, “aceitar a<br />

Jesus”, esse alvoroço para extrair decisões rápidas t<strong>em</strong> enchido t<strong>em</strong>plos de descrentes para<br />

vergonha da igreja, tudo porque pressupõe capacidade no hom<strong>em</strong> de mover<strong>em</strong>-se para Deus.<br />

Mas eu permaneço asseverando que toda a bondade dos descrentes apenas esconde seu<br />

interior egoísta. Vejamos o ex<strong>em</strong>plo do jov<strong>em</strong> rico, um hom<strong>em</strong> zeloso de excelente conduta<br />

exterior, reverente... mas seu coração pertencia a Mamom! (Mt 19:16-26).<br />

Portanto, pais e filhos, firm<strong>em</strong> este princípio: Crente casa com crente!<br />

38


Aprendamos que a fé de um hom<strong>em</strong> é verificada pela sua capacidade de<br />

sacrificar.<br />

Vejamos a diferença entre Órfa e <strong>Rute</strong>. Qual era senão a capacidade de <strong>Rute</strong> <strong>em</strong><br />

renunciar? Este amor sacrificial chamou a atenção de Boaz (2:1). Observ<strong>em</strong>os a diferença entre o<br />

“Fulano” e Boaz. O que impediu o primeiro de cumprir seu dever senão sua incapacidade de<br />

renunciar? Em seguida t<strong>em</strong>os o contraste que há entre o jov<strong>em</strong> rico e os apóstolos. Daquele se diz<br />

que “retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades” (19:22). Destes Pedro afirma: “eis que<br />

nós deixamos tudo e te seguimos” (19:27). O nosso Senhor só afirmou a salvação de Zaqueu após<br />

sua confissão de arrependimento e disposição para sacrificar (Lc 19:8,9).<br />

Meus queridos, a fé é verificada pela sua capacidade de renunciar. Órfa não renunciou sua<br />

família, nacionalidade. O “Fulano” não renunciou sua herança para compartilhá-la com o filho que<br />

seria de outro. O jov<strong>em</strong> rico não renunciou seus bens. Ao passo que Abraão, o protótipo e pai dos<br />

crentes, foi capaz de renunciar o seu filho, o seu único filho, Isaque, a qu<strong>em</strong> muito amava (Gn<br />

22:1ss). Daí Zaqueu, por seu desprendimento, ter sido chamado “filho de Abraão”.<br />

A vida cristã é uma vida de renúncia (Lc 9:23; 14:26,27,33). O rico arrogante e insensível é<br />

o tipo adequado do hom<strong>em</strong> que padecerá eternamente no inferno (Lc 16:19-21).<br />

Aprendamos que o anonimato está reservado aos avarentos.<br />

É notável que o escritor tenha omitido o nome do “Fulano”. Ora, não é razoável<br />

imaginarmos que o anonimato é o destino mais interessante para qu<strong>em</strong> se preocupou tanto<br />

consigo?<br />

Meus irmãos, os que não são capazes de renunciar morr<strong>em</strong> para a história. Quanto a Órfa,<br />

o que lhe aconteceu? Não sab<strong>em</strong>os. Mas sab<strong>em</strong>os que <strong>Rute</strong> se tornou a bisavó do rei Davi. Qu<strong>em</strong><br />

é o “fulano” e o que foi feito dele? Qual o seu destino? Não sab<strong>em</strong>os, “ele morre para a história<br />

para viver para a sua própria herança” (Trible, citado por Joyce W. Every-Clayton). Mas sab<strong>em</strong>os<br />

que Boaz entrou para a história e a linhag<strong>em</strong> de nosso Salvador.<br />

É assim que a Bíblia encerra os ricos avarentos, no anonimato! Terminamos hoje ao<br />

menos com a certeza de que <strong>Rute</strong> escapou de um marido “pão duro”! No próximo domingo<br />

estar<strong>em</strong>os no casamento de Boaz e <strong>Rute</strong>!<br />

Que Deus nos ajude!<br />

39


O casamento cristão<br />

“9 Entäo Boaz disse aos anciãos e a todo o povo: Sois hoje test<strong>em</strong>unhas de que tomei tudo quanto foi de Elimeleque, e<br />

de Quiliom, e de Malom, da mão de No<strong>em</strong>i, 10 E de que também tomo por mulher a <strong>Rute</strong>, a moabita, que foi mulher de<br />

Malom, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herança, para que o nome do falecido näo seja desarraigado dentre<br />

seus irmãos e da porta do seu lugar; disto sois hoje test<strong>em</strong>unhas. 11 E todo o povo que estava na porta, e os anciàos,<br />

disseram: Somos test<strong>em</strong>unhas...” (Rt 4:9-11a).<br />

Chega o momento do casamento civil. Nós vimos que o “Fulano” só queria o terreno, uma<br />

vez que nada perderia. Mas quando viu que prejudicaria sua herança (4:6) [investindo <strong>em</strong> terra<br />

que seria de um filho de Malom], casando-se com <strong>Rute</strong>, retrocedeu.<br />

Boaz, como que a deixar claro a diferença entre a sua atitude e a de “Fulano”, declara o<br />

seu ato “r<strong>em</strong>idor” <strong>em</strong> relação a “tudo quanto foi de Elimeleque, e de Quiliom, e de Malom, da mão<br />

de No<strong>em</strong>i”, “e de que também tomo por mulher a <strong>Rute</strong>...”. Nesta ocasião já se encontrava “todo o<br />

povo” no portão da cidade, além dos anciãos, que solen<strong>em</strong>ente declararam: “somos test<strong>em</strong>unhas”<br />

(4:11a). Disto dev<strong>em</strong>os aprender a ver o casamento “tanto <strong>em</strong> termos pessoais e relacionais<br />

quando olhamos para o casal, como... observamos o seu lugar no grupo social mais amplo”<br />

(Atkinson, citado por Joyce W. Every-Clayton). O casamento civil, como uma solenidade pública, é<br />

tanto um tribunal que dá legalidade à união como a participação da sociedade <strong>em</strong> algo que lhe<br />

influenciará. Casamento é “um compromisso solene que afeta também toda a comunidade... por<br />

meio da nova unidade familiar que ora surge dentro dela”.<br />

Mas, meus irmãos, not<strong>em</strong>os como o caráter dos noivos t<strong>em</strong> sido trabalhado pelo autor<br />

desde o início, perpassando todo o livro, e como tal caráter de um t<strong>em</strong> sido exposto ao exame e<br />

aprovação do outro. A fé de <strong>Rute</strong> no Deus verdadeiro já foi atestada <strong>em</strong> 1:16,17: “O teu Deus é o<br />

meu Deus”, “faça-me assim o SENHOR (YHWH)... [o nome pessoal do Deus do Pacto]”. A<br />

lealdade de <strong>Rute</strong>, como esta prometera a No<strong>em</strong>i, foi verificada <strong>em</strong> todo o livro (1:17). O clímax<br />

dessa lealdade está no fato de que até o casamento não foi somente para si, mas que viesse a<br />

beneficiar No<strong>em</strong>i. A abnegação de <strong>Rute</strong> chega a saltar aos olhos dos cegos. O Novo Dicionário<br />

Brasileiro define abnegação como “Desprendimento” e/ou “Desprezo ou sacrifício dos próprios<br />

interesses para atender ao satisfazer as necessidades alheias”. O antônimo de abnegação é<br />

egoísmo. Portanto, “abnegado” é “o que sacrifica desinteressadamente por alguém”. A sua<br />

capacidade de servir e de se submeter. O serviço de <strong>Rute</strong> foi atestado pelo capataz de Boaz<br />

(2:7). Sua submissão a No<strong>em</strong>i é outra tônica do livro (2:2,3; 2:22,23; 3:5,18), que vai revelando<br />

como Boaz foi observando, conhecendo e aprovando o caráter de <strong>Rute</strong> (2:11; 3:11). “Mulher<br />

virtuosa” é a frase que ocorre <strong>em</strong> Pv 31:10 e 12:4.<br />

40


Por um lado, a piedade de Boaz é logo evidenciada assim que ele chega <strong>em</strong> cena <strong>em</strong> sua<br />

forma de saudar seus servos (2:4a), e logo após, na bênção que invoca sobre <strong>Rute</strong> (2:12).<br />

Boaz d<strong>em</strong>onstra ser humano, generoso e sensível (2:8,9,14,15). Dar evidências de<br />

ser um hom<strong>em</strong> sério e cumpridor da lei (3:12); e de palavra confiável (3:13; 4:1). O caráter de<br />

Boaz foi conhecido e aprovado tanto por <strong>Rute</strong> (2:13) como por No<strong>em</strong>i (2:19). Em 3:18 No<strong>em</strong>i<br />

declara confiar na palavra de Boaz, como que dizendo: “ele fará como disse”.<br />

Meus irmãos, tudo isto v<strong>em</strong> a nos dizer que casamento é o clímax desta verificação do<br />

caráter; casamento é o atestado de conhecimento e o certificado de aprovação do<br />

caráter um do outro.<br />

E pretendo mostrar hoje à igreja porque o casamento deve ser construído à luz de um<br />

caráter genuinamente cristão, transformado pelo Espírito Santo...<br />

Em primeiro lugar, casamento não é uma aventura, uma aposta, um lançar de sortes,<br />

algo do tipo “vamos tentar pra ver se funciona”. Casamento é uma aliança indissolúvel<br />

estabelecida por Deus.<br />

A criação do Hom<strong>em</strong> e da Mulher possibilitou esta união (Gn 1:27). Depois Ele ordenou:<br />

“Frutificai e multiplicai...” (Gn 1:28). Ele mesmo concluiu: “Não é bom que o hom<strong>em</strong> esteja só...”.<br />

E decidiu: “... far-lhe-ei uma auxiliadora...” (Gn 2:18). Deus mesmo trouxe Eva a Adão para serlhe<br />

por esposa (Gn 2:22). Há algo de indissolúvel e duradouro aqui <strong>em</strong> toda esta questão de ser<br />

uma só carne: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o hom<strong>em</strong>” (Mt 19:3-6).<br />

O ensino da lei mosaica <strong>em</strong> Deuteronômio 24:1-4, não contraria este princípio? Não.<br />

Vejamos o que envolvia a lei mosaica. Em um período de intenso caos, quando todos divorciavamse<br />

por qualquer motivo, Moisés limitou o divórcio a determinadas causas. Em um período <strong>em</strong> que<br />

a mulher era tr<strong>em</strong>endamente desvalorizada, ficando à mercê de falsas acusações quando<br />

desprezada pelo marido, Moisés mandou dar-lhe carta de divórcio. Em uma época <strong>em</strong> que<br />

casamentos e divórcios aconteciam levianamente, Moisés proibiu que o hom<strong>em</strong> que deu carta de<br />

divórcio a sua mulher contraísse núpcias com ela novamente, após esta ter se casado com outro.<br />

Não imagin<strong>em</strong>os que a lei da criação foi mudada. É para ela que Jesus aponta quando<br />

trata toda a questão (Mt 19:7-9). Mas mesmo a lei mosaica tinha uma intenção de declarar <strong>em</strong><br />

uma época caótica que casamento é coisa séria e não se pode brincar com isto. As razões do<br />

divórcio são delimitadas, a maneira de fazer revela sua gravidade (dando carta de divórcio) e a<br />

proibição do recasamento inibe o divórcio e faz pensar mais uma vez sobre a possibilidade da<br />

permanência. Mas Jesus vai além da lei mosaica (“Ao princípio não foi assim” – Mt 19:8).<br />

Para Jesus, a seriedade do casamento é tal que a única causa que legitimaria o divórcio e<br />

o novo casamento é a infidelidade conjugal (Mt 19:9). Qualquer outra razão ou qualquer tipo de<br />

incompatibilidade não fornece base legal para o divórcio (I Co 7:12,13).<br />

41


Em segundo lugar, apenas um caráter firmado na Palavra de Deus está apto a<br />

ajustar-se às necessidade do casamento.<br />

Jesus acabara de ensinar toda a seriedade do casamento: Sua indissolubilidade, sua<br />

orig<strong>em</strong> divina, sua elevada honra, sua necessidade de preservação... E isto fez de tal forma que<br />

os próprios discípulos revelaram a reação do mundo quanto a esta idéia: “... Se assim é a condição<br />

do hom<strong>em</strong> relativamente à mulher, não convém casar” (Mt 19:10).<br />

Qu<strong>em</strong> entende que casamento é uma forma de tirar proveito para si não está pronto para<br />

casar. No casamento, nós, <strong>em</strong> parte, anulamos a nossa individualidade. Os sonhos, projetos,<br />

decisões não pod<strong>em</strong> ser mais pessoais. Qu<strong>em</strong> não sabe ainda o significado de abnegação,<br />

renúncia, resignação, sacrifício, serviço, também não sabe o que significa casamento.<br />

O pensamento dos discípulos revela a grande necessidade de nós, cristãos, adquirirmos<br />

uma mentalidade cristã neste assunto, e rejeitarmos a idéia que do mundo troux<strong>em</strong>os: Que<br />

casamento é uma forma de tirar proveito para si! E que tudo o que o casamento implica é <strong>em</strong><br />

romance.<br />

Por fim, apenas os genuínos cristãos pod<strong>em</strong> ter uma visão bíblica de casamento.<br />

Já mencionei que os regenerados precisam adquirir uma nova mentalidade quanto ao<br />

casamento. A regeneração não resolve todos os probl<strong>em</strong>as instantaneamente, mas provê as<br />

condições necessárias para que as mudanças aconteçam.<br />

Mas, por outro lado, afirmo que esta nova concepção só está acessível ao coração<br />

regenerado. “N<strong>em</strong> todos pod<strong>em</strong> receber esta palavra” (Mt 19:10) sobre a indissolubilidade do<br />

casamento. Isto não é para todos. “O cumprimento fiel das responsabilidades matrimoniais requer<br />

graça. Esta graça é dom de Deus. S<strong>em</strong> esse auxílio divino é impossível o verdadeiro matrimônio<br />

que glorifica a Deus” (William Hendriksen). “Só aqueles a qu<strong>em</strong> é concedido”.<br />

42


O casamento religioso<br />

“...o SENHOR faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de<br />

Israel; e porta-te valorosamente <strong>em</strong> Efrata, e faze-te nome afamado <strong>em</strong> Belém. 12 E seja a tua casa como a casa de<br />

Perez (que Tamar deu à luz a Judá), pela descendência que o SENHOR te der desta moça. 13 Assim tomou Boaz a<br />

<strong>Rute</strong>, e ela lhe foi por mulher; e ele a possuiu, e o SENHOR lhe fez conceber, e deu à luz um filho” (Rt 4:11b-13).<br />

Àquilo que hoje chamamos casamento civil (registrado <strong>em</strong> Rt 4:9-11b) seguiu o<br />

casamento religioso, quando se invocou uma bênção cheia de significado sobre o casal.<br />

Abrindo um parêntese, desejo esclarecer que a igreja cristã protestante não considera o<br />

casamento um sacramento. Se a palavra “sacramento” deve ser usada, no Novo Testamento<br />

exist<strong>em</strong> apenas dois: o Batismo e a Ceia do Senhor. Sucede, no entanto, que a instituição católica<br />

romana aumentou arbitrariamente os sacramentos para sete, incluindo o casamento, e isto por<br />

causa de um erro de tradução e interpretação da antiga Vulgata, de Ef 5:32: “Este é um grande<br />

sacramento”.<br />

Realmente não! Casamento não é um sacramento. E n<strong>em</strong> por isso t<strong>em</strong>os uma atitude<br />

menos reverente para com o casamento. Para nós, o casamento é uma instituição divina, e, como<br />

tal, necessita de Sua bênção, presença e aprovação. É nesta cerimônia religiosa, portanto, que nos<br />

achegamos a Deus e invocamos <strong>em</strong> Seu nome uma bênção sobre a nova família.<br />

É digno de nota que “todo o povo” pronuncia sobre Boaz e <strong>Rute</strong> votos quanto à geração<br />

de filhos: “Faça a esta mulher... como a Raquel e como a lia...”, ambas mulheres estéreis que<br />

foram “tornadas fecundas por uma intervenção direta de Deus” (Gn 29:31; 30:22), e assim<br />

geraram filhos a Jacó, que foram os pais das doze tribos de Israel. Daí dizer-se que ambas<br />

“edificaram a casa de Israel”. Bênção s<strong>em</strong>elhante foi invocada sobre Rebeca (Gn 24:60).<br />

Sobre Boaz o desejo fervoroso de todo o povo é que ele tivesse uma família como a de<br />

Jacó (implícito na bênção sobre <strong>Rute</strong>); e que viesse a portar-se “valorosamente <strong>em</strong> Efrata” e que<br />

lhe fosse feito “nome afamado <strong>em</strong> Belém”. Isto comunica o desejo de que sua família fosse<br />

numerosa, que seu nome fosse conhecido não só na aldeia (Belém), mas <strong>em</strong> toda a região<br />

(Efrata) através de seus inúmeros filhos.<br />

Uma outra bênção invocada sobre Boaz é: “Seja a tua casa como a casa de Perez (que<br />

Tamar deu à luz a Judá)...”. Boaz era descendente de Perez (Rt 4:18-21; II Co 2:4-11), filho de<br />

uma cananita (estrangeira como <strong>Rute</strong>) que gerou gêmeos (Perez e Zera), sendo viúva (como rute)<br />

através de um casamento por levirato (como <strong>Rute</strong>), ainda que pecaminoso (Gn 38).<br />

O verso 13 narra <strong>em</strong> poucas palavras a lua-de-mel, a gestação e o nascimento do filho do<br />

casal.<br />

43


Meus irmãos, toda esta bênção que vimos até aqui, invocada sobre o casal, distona<br />

radicalmente com a visão moderna, que deseja muitas coisas para o casamento, mas t<strong>em</strong> a<br />

geração de filhos como, no mínimo, coisa para a qual não vale a pena viver. É comum ouvirmos<br />

que “os filhos atrapalham” (a carreira profissional, a relação conjugal, o corpo, as oportunidades,<br />

etc). De uma forma meio velada, uma vez que poucos ousam dizer isto <strong>em</strong> alto e bom som, “os<br />

filhos se tornaram um estorvo”.<br />

Algumas jovens casadas lamentam quando tomam ciência que estão grávidas. Algumas<br />

mães se entristec<strong>em</strong> quando sab<strong>em</strong> que suas filhas recém-casadas engravidaram. S<strong>em</strong> falar no<br />

fato que “criar filhos” se tornou uma atividade pobre, indigna de ser mencionada. Desejar viver<br />

para os filhos e para o lar não é mais permitido às jovens. Elas agora precisam sonhar com “um<br />

futuro melhor” e, na melhor das hipóteses, que os filhos não impeçam este futuro.<br />

Meus irmãos, imagino que precisamos recuperar alguns valores bíblicos nesse tocante... E<br />

sobre eles desejo discorrer nesta noite.<br />

Primeiro, geração de filhos, como todos os assuntos desta vida, é objeto do<br />

soberano controle de Deus, <strong>em</strong> Sua providência.<br />

Não! Geração de filhos não é assunto meramente humano, biológico, coisa que se deve<br />

entender meramente <strong>em</strong> termos científicos. Geração de filhos é assunto divino e objeto do Seu<br />

controle. É isto que a Bíblia retrata.<br />

Eva, quando concebeu e deu à luz a Caim, disse: “Alcancei do Senhor um hom<strong>em</strong>” (Gn<br />

4:1). “O Senhor estava envolvido na geração de seu filho. De fato, seu marido a tinha conhecido e<br />

ela havia concebido e dado à luz um filho. Mas o Senhor o tinha causado” (Gerard Van<br />

Groningen). Sara, por sua vez, entendia o controle de Deus na geração de filhos: “E disse Sarai a<br />

Abraão: Eis que o Senhor me t<strong>em</strong> impedido de dar à luz...”. E quando chegou o t<strong>em</strong>po de Sara<br />

conceber, somos informados que “O Senhor visitou a Sara, como tinha dito; e fez o Senhor a Sara<br />

como tinha prometido. E concebeu Sara” (Gn 21:1). Isaque, igualmente, entendia isto. Tanto que<br />

“orou insistent<strong>em</strong>ente ao Senhor por sua mulher, porquanto era estéril; e o Senhor ouviu as suas<br />

orações, e Rebeca sua mulher concebeu” (Gn 25:21). Quanto a Lia e Raquel, diz-se que Deus<br />

“abriu a sua madre” (Gn 29:31; 30:22). Vai me faltar t<strong>em</strong>po para falar de Ana (I Sm 1:5,11), de<br />

Isabel (Lc 1:13), etc.<br />

Mas o que estou a afirmar é que geração de filhos é também, e antes de tudo o mais,<br />

uma atividade divina e, portanto, digna de honra e reverência. É isto que aprend<strong>em</strong>os da<br />

concepção do filho de <strong>Rute</strong>: “... e ele a possuiu, e o Senhor lhe fez conceber, e deu à luz um<br />

filho”.<br />

44


Segundo, filhos são concessões da graça comum de Deus (no sentido <strong>em</strong> que Ele<br />

compartilha com toda a raça humana).<br />

Está claro nos textos que citamos acima que “filhos” são expressão da visitação de Deus,<br />

de que “abrir a madre” é uma das maiores maneiras pelas quais Deus abençoava suas servas. Ver<br />

Sl 127,128.<br />

Terceiro, gerar e criar filhos é a maneira principal pela qual Deus deseja que a<br />

mulher glorifique o Seu nome nesta terra. Neste aspecto, os filhos são uma sagrada<br />

responsabilidade.<br />

Analis<strong>em</strong>os texto de I Tm 2:9-15. O verso 9 (“Que do mesmo modo”) afirma que as<br />

mulheres deveriam orar como os homens (v. 8), contanto que se apresentass<strong>em</strong> com bom senso,<br />

sobriedade. Quanto ao verso 11 (“A mulher aprenda <strong>em</strong> silêncio”), ‘silêncio’ parece ser uma<br />

tradução tendenciosa para “hesuchia” aqui <strong>em</strong> 12, quando <strong>em</strong> 2:2 é “sossegada”, <strong>em</strong> I Ts 4:11 é<br />

“quietos”, <strong>em</strong> II Ts 3:12 é “sossego” e <strong>em</strong> I Pe 3:4 é “quieto”. No verso 12, Paulo não está<br />

proibindo qualquer tipo de ensino por parte da mulher. A todos os cristãos é dado o privilégio de<br />

ensinar das mais variadas formas. Mas Paulo proíbe que ela exerça tal ensino <strong>em</strong> posição de<br />

autoridade. “Para o apóstolo, a questão é o exercício de autoridade sobre homens, e não o ensino.<br />

Paulo corrige a situação que elas não assumam posição de liderança autorizada nas igrejas...”<br />

(Augustus Nicod<strong>em</strong>us). Nos versos 13 e 14 Paulo fundamenta sua ord<strong>em</strong> na criação e na<br />

queda. Primeiro, o hom<strong>em</strong> foi criado antes e, portanto, deve exercer autoridade (Gn 2:19, 23).<br />

Segundo, a ord<strong>em</strong> inicial foi invertida na queda. Gênesis 3:17 contém uma crítica da parte de Deus<br />

por Adão não haver exercido a liderança que lhe pertencia por direito. O resultado foi a queda!<br />

E aqui chegamos ao difícil texto do verso 15 (“salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se<br />

permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação”). “Aceitar seu papel como mulher é<br />

encontrar seu verdadeiro destino”. Ou, como assim dizer, a mulher influencia “de baixo para<br />

cima”, através da geração de filhos; e não “de cima para baixo”, exercendo autoridade de hom<strong>em</strong>.<br />

“É por meio de dar à luz filhos que a mulher granjeia a real felicidade” (Hendriksen).<br />

Portanto, atenção mãe! Ame ser mãe. Considere esta missão algo nobre que, antes de<br />

desvalorizá-la, comunica-lhe uma honra graciosa. Considere tal missão como ‘A sua missão’.<br />

Aquela para a qual Deus glorificará o Seu nome através de você.<br />

45


Os votos dos nubentes<br />

“1 E todo o povo que estava na porta, e os anciãos, disseram: Somos test<strong>em</strong>unhas; o SENHOR faça a esta mulher, que<br />

entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de Israel; e porta-te valorosamente <strong>em</strong><br />

Efrata, e faze-te nome afamado <strong>em</strong> Belém. 12 E seja a tua casa como a casa de Perez (que Tamar deu à luz a Judá), pela<br />

descendência que o SENHOR te der desta moça” (Rt 4:11,12).<br />

Vimos no Domingo passado, de uma forma especial, os votos de fertilidade invocados<br />

sobre Boaz e <strong>Rute</strong>, da parte de “todo o povo que estava na porta”.<br />

Isto nos leva a indagar sobre os votos dos nubentes. O que os noivos deveriam assumir<br />

nesta ocasião? O que deveriam prometer um ao outro?<br />

Segundo penso, tais votos deveriam ser feitos à luz do entendimento do que Deus deseja<br />

de cada um dos noivos dentro do Seu plano total para a família. Noutras palavras, dentro do<br />

propósito divino para a família, como deve funcionar o hom<strong>em</strong> e a mulher, e porque deve ser<br />

assim. Tais reflexões deveriam resultar nas promessas do altar.<br />

Se é assim, pens<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> primeiro lugar, no propósito de Deus para a família.<br />

Precisamos partir de Gn 1:26-28, quando encontramos o fato de que o hom<strong>em</strong> é objeto<br />

de uma deliberação especial da parte de Deus: “Façamos o hom<strong>em</strong> à nossa imag<strong>em</strong>, conforme a<br />

nossa s<strong>em</strong>elhança”.<br />

Duas observações são importantes nesta hora. A primeira é que não há diferença<br />

conceitual entre “imag<strong>em</strong>” e “s<strong>em</strong>elhança”. Para os católicos há. A “imag<strong>em</strong>” leva as marcas<br />

naturais e a “s<strong>em</strong>elhança” as morais. Mas basta uma simples olhada para percebermos que não há<br />

diferença entre “imag<strong>em</strong>” e “s<strong>em</strong>elhança”. São termos intercambiáveis e, por isso, muitas vezes só<br />

aparece um deles, e isso basta. Em Gn 1:26 t<strong>em</strong>os “imag<strong>em</strong>” e “s<strong>em</strong>elhança. Em Gn 1:27 t<strong>em</strong>os<br />

só “imag<strong>em</strong>”. Em Gn 5:1 t<strong>em</strong>os só “s<strong>em</strong>elhança”. Em Gn 5:3 ambas as expressões reaparec<strong>em</strong>.<br />

Em Gn 9:6 voltamos a ter só “imag<strong>em</strong>”.<br />

A segunda observação é que desejamos refutar uma idéia que encontramos fort<strong>em</strong>ente<br />

<strong>em</strong> Orígenes. Louis Berkhof descreve sua doutrina assim: “Os ensinos de Orígenes acerca do<br />

hom<strong>em</strong> são bastante incomuns. A preexistência do hom<strong>em</strong> está envolvida <strong>em</strong> sua teoria da<br />

criação eterna, pois a criação original consistiu exclusivamente de espíritos racionais, co-iguais e<br />

co-eternos. A atual condição do hom<strong>em</strong> pressupõe uma queda preexistente da santidade para o<br />

pecado, o que deu azo à criação deste mundo material. Os espíritos caídos agora se tornam almas<br />

e são revestidos de corpos. A matéria veio à existência com o propósito precípuo de suprir uma<br />

habitação e ser meio de disciplina e expurgo desses espíritos caídos”.<br />

46


Ou seja, Orígenes, influenciado pela filosofia gnóstica de que o corpo, a matéria, é má <strong>em</strong><br />

si mesma, não admitia que Deus havia criado originalmente o hom<strong>em</strong> a partir do pó da terra.<br />

Segundo ele, o hom<strong>em</strong> foi criado apenas espírito; mas pecou, e, como resultado do pecado,<br />

recebeu o corpo tal como ele é hoje.<br />

Todavia o que t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> Gênesis 2:4-25 não é posterior cronologicamente aos 6 dias da<br />

criação, mas uma informação adicional do que ocorreu no sexto dia.<br />

Mas agora continu<strong>em</strong>os afirmando que Deus fez uma família, a partir do hom<strong>em</strong> e<br />

da mulher, para refletir Sua imag<strong>em</strong> na terra, Seu domínio e Sua relação com Seu<br />

povo.<br />

Segundo Harriet e Gerard Van Groningen, “...o Pai, o Filho e o Espírito estavam lá. Juntos<br />

eles disseram ‘Façamos o hom<strong>em</strong> e a mulher como nós, vamos fazê-los nossos representantes,<br />

que eles nos espelh<strong>em</strong> para que, vendo uns aos outros, enquanto se entend<strong>em</strong> a si mesmos,<br />

possam chegar a uma clara concepção do que somos nós, as pessoas do Trino Deus’”.<br />

É isso! Deus fez a família para representá-lO, expressá-lO, refleti-lO, para exercer domínio<br />

como subgerente de Deus mesmo.<br />

A partir desta idéia pod<strong>em</strong>os ter algum entendimento do porquê de tanto ataque maligno<br />

contra a família.<br />

Mais ainda, Deus fez a família para d<strong>em</strong>onstrar Sua aliança com Seu povo. O casamento,<br />

que é a unidade básica da família, é uma expressão do vínculo entre Deus e Seu povo.<br />

É comum nas Escrituras a idéia de Deus como esposo de Seu povo (Ez 16:8; Jr 3:14; Jr<br />

31:32). “O casamento é uma Aliança estabelecida por Deus, instituída por Deus, e vivida diante de<br />

Deus, para expressar simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real”<br />

(Harriet e Gerard Van Groningen). É por isso, meus irmãos, que Deus odeia o divórcio (Ml 2:16). O<br />

divórcio anula, ou pretende anular uma aliança que nunca deveria ser anulada. No Novo<br />

Testamento encontramos que Cristo é o esposo de Seu povo (Ap 21:2,3; 22:17).<br />

Em segundo lugar precisamos pensar sobre o papel do hom<strong>em</strong> enquanto<br />

esposo.<br />

Meus queridos irmãos, ao hom<strong>em</strong> Deus incubiu a tarefa de liderar a família de modo a<br />

refletir Seus atributos e Sua Providência neste serviço. Como Deus inicia a Aliança, ao hom<strong>em</strong> é<br />

dito que faça o mesmo: “Portanto, deixará o hom<strong>em</strong> o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á a sua<br />

mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:24). Mais ainda, como é dito que Deus mantém Sua<br />

Aliança, que o hom<strong>em</strong> mantenha o laço com “a mulher da tua aliança” (Ml 2:14). Que o hom<strong>em</strong><br />

exerça sua liderança <strong>em</strong> amor. Que lidere responsavelmente sendo provedor de seu lar. E que<br />

enquanto lidera, não seja individualista, egoísta e irresponsável. Você, hom<strong>em</strong>, não t<strong>em</strong> o direito<br />

de conduzir as coisas de modo e beneficiar a você mesmo. O líder é um servo!<br />

47


Em terceiro lugar, pens<strong>em</strong>os agora no papel da mulher enquanto esposa.<br />

Se o hom<strong>em</strong>, enquanto esposo, reflete a liderança amorosa do Deus do Pacto, do Deus<br />

que inicia e mantém o Pacto, e que é guia e provedor amoroso e responsável do Seu povo, por<br />

outro lado, a mulher reflete uma outra faceta de Deus.<br />

Gênesis 2:18 nos informa que Deus estava por fazer “uma ajudadora idônea” para o<br />

hom<strong>em</strong>. A mulher, não sendo jamais inferior ao hom<strong>em</strong>, possui, todavia, um mandato diferente:<br />

Que ela seja “auxílio” para o hom<strong>em</strong>.<br />

Deus também é assim descrito, como sendo “Auxílio”. No Sl 10:14 é o auxílio do órfão.<br />

Ver Sl 30:10; 54:4; Hb 13:5,6 (cf. 118:6). Portanto, quando a mulher exerce sua função, ela<br />

reflete uma faceta de Deus de forma única e maravilhosa.<br />

Assim, que a mulher não ceda às tendências da época, n<strong>em</strong> aos apelos do f<strong>em</strong>inismo. Nós<br />

não somos n<strong>em</strong> machistas n<strong>em</strong> f<strong>em</strong>inistas, somos cristãos. E cristão é aquele que nada sabe além<br />

da Bíblia. Nós é que t<strong>em</strong>os o modelo bíblico, que exalta a Deus e reflete Seu caráter, para<br />

impormos ao mundo.<br />

Que a mulher revele essa faceta gloriosa do caráter divino, o fato dEle ser o Auxiliador do<br />

Seu povo.<br />

Concluindo, propomos que, se tudo o que diss<strong>em</strong>os é a verdade eterna e imutável de<br />

nosso Deus, os nubentes deveriam assim dizer diante de Deus, ao assumir<strong>em</strong> o Pacto do<br />

casamento.<br />

O Noivo:<br />

“Compreendo que o nosso casamento é um instrumento através do qual Deus revela Seus<br />

atributos e Seu relacionamento pactual com Seu povo. Por isso prometo liderar-lhe e conduzir-lhe<br />

responsável, provedora e amorosamente, de modo a refletir a fidelidade de Deus <strong>em</strong> iniciar e<br />

manter a Aliança eterna”.<br />

A Noiva:<br />

“Compreendo que o nosso casamento é um instrumento através do qual Deus revela Seus<br />

atributos e Seu relacionamento pactual com Seu povo. Por isso prometo submeter-me a ti e ser-te<br />

por auxílio <strong>em</strong> todas as horas, de modo a refletir o cuidado divino para com o seu povo”.<br />

Enfim, que o hom<strong>em</strong> lidere a família e que a mulher se submeta e o auxilie nesta<br />

liderança.<br />

48


A honra do matrimônio<br />

“9 Então Boaz disse aos anciãos e a todo o povo: Sois hoje test<strong>em</strong>unhas de que tomei tudo quanto foi de Elimeleque, e<br />

de Quiliom, e de Malom, da mão de No<strong>em</strong>i, 10 E de que também tomo por mulher a <strong>Rute</strong>, a moabita, que foi mulher de<br />

Malom, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herança, para que o nome do falecido não seja desarraigado dentre<br />

seus irmãos e da porta do seu lugar; disto sois hoje test<strong>em</strong>unhas. 11 E todo o povo que estava na porta, e os anciãos,<br />

disseram: Somos test<strong>em</strong>unhas; o SENHOR faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que<br />

ambas edificaram a casa de Israel; e porta-te valorosamente <strong>em</strong> Efrata, e faze-te nome afamado <strong>em</strong> Belém. 12 E seja a<br />

tua casa como a casa de Perez (que Tamar deu à luz a Judá), pela descendência que o SENHOR te der desta moça. 13<br />

Assim tomou Boaz a <strong>Rute</strong>, e ela lhe foi por mulher; e ele a possuiu, e o SENHOR lhe fez conceber, e deu à luz um<br />

filho” (Rt 4:9-13).<br />

O Apóstolo Paulo, escrevendo a Timóteo (I Tm 4:1-3), profetizou aquilo que o Espírito<br />

Santo estava lhe dizendo expressamente, ou seja, ‘<strong>em</strong> termos claros’, que, na presente era, nos<br />

“últimos dias” alguns apostatarão da fé, seguindo doutrinas de d<strong>em</strong>ônios. Tais doutrinas eram<br />

transmitidas através de homens que ‘falam mentiras’. Através de sua “hipocrisia” e de tanta<br />

rebelião aberta contra a verdade, cauterizaram sua consciência. O conteúdo deste ensino, <strong>em</strong><br />

parte, era a proibição do casamento.<br />

A profecia do Apóstolo, que já existia de forma incipiente nos seus dias, assume forma<br />

mais concreta já a partir do segundo século, no gnosticismo. A idéia básica do ‘gnosticismo’ era<br />

que a matéria é a sede do mal, e que tudo quanto dizia respeito a vida natural não agradava a<br />

Deus. Foi nesse período que a divisão “sagrado versus secular” nasceu. E as atividades “naturais”<br />

passaram a não ser consideradas mais úteis, mas sim um impedimento às atividades “espirituais”.<br />

O resultado disto foi a idéia que o celibato é um estado maior que o do casamento, a vida<br />

natural passou a ser considerada pecaminosa <strong>em</strong> si mesma, e a maneira de refreá-la era a<br />

reclusão. Por isso o surgimento dos conventos e o celibato dos padres e freiras. Foi nesse clima<br />

que desenvolveu-se uma espécie de síndrome do pânico com relação ao sexo no catolicismo<br />

romano. Qualquer desejo romântico é considerado coisa pecaminosa, da qual os candidatos ao<br />

sacerdócio deveriam se envergonhar. O pânico católico contra o sexo foi de tal forma que o “Dr.<br />

Alfred C. Kinsey... depois de seus exaustivos estudos no campo do sexo, [disse] que a maior<br />

coleção de livros no mundo sobre o assunto do sexo encontra-se na Biblioteca do Vaticano <strong>em</strong><br />

Roma” (Catolicismo Romano, Loraine Boettner, P. 240).<br />

Eu desejo nesta noite, contrariando esta perspectiva, enfatizar, <strong>em</strong> primeiro lugar, a<br />

santidade do sexo. Vejamos. Longe de ser pecaminoso, o sexo foi, de fato, o primeiro<br />

mandamento ao hom<strong>em</strong> (Gn 1:28), e aconteceu pela iniciativa divina, que “formou uma mulher, e<br />

trouxe-a ao hom<strong>em</strong>” (Gn 2:22). O fato de que no término da criação Deus viu “que era muito<br />

49


om” (Gn 1:31) prova que Deus não fez nenhuma parte do nosso corpo que devesse ser<br />

arrancada, como fez Orígenes pela auto-castração. Em Dt 24:5, paralelo com Dt 20:7, prescreve a<br />

isenção do serviço militar ao recém-casado para que, dentre outras razões, possa “alegrar a<br />

mulher, que tomou”. Na literatura de sabedoria, igualmente, o sexo é uma bênção de Deus (Pv<br />

5:18; Cantares). A respeito de Hb 13:4, João Calvino escreveu: “O que Deus permitiu à raça<br />

humana, universalmente, é lícito a todos, s<strong>em</strong> exceção. Com isso quero dizer que todos quantos<br />

se encontram aptos para o matrimônio e necessitam dele dev<strong>em</strong> desfrutá-lo. Fazia-se necessário<br />

que essa questão fosse expressa de forma distinta com o fim de evitar-se a superstição, cujas<br />

s<strong>em</strong>entes Satanás provavelmente estava a s<strong>em</strong>ear secretamente desde então, convencendo que o<br />

matrimônio é algo profano ou, pelo menos, algo que se encontra muito longe da perfeição cristã”<br />

(Hebreus, p. 383. Parácletos).<br />

Quanto à idéia que o estado do matrimônio é impedimento ao serviço espiritual,<br />

igualmente é improcedente: “que o bispo seja... marido de uma só mulher... que governe b<strong>em</strong> sua<br />

própria casa, tendo seus filhos <strong>em</strong> sujeição, com toda a modéstia (Porque, se alguém não sabe<br />

governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?)” (I Tm 3:2,4,5). Portanto, que<br />

assumamos que o estado do matrimônio não é menor que o estado do celibato!<br />

Em segundo lugar, desejo colocar que, como todas as bênçãos dadas por Deus,<br />

a bênção do sexo pode ser pervertida <strong>em</strong> pecado abominável (Como a benção do alimento<br />

[I Tm 4:3-5] pode ser pervertida <strong>em</strong> ‘glutonaria’ [Gl 5:21]). Assim, o sexo é uma bênção de Deus<br />

a exalar beleza e santidade quando segue a seqüência ilustrada por <strong>Rute</strong> e Boaz (casamento civil,<br />

religioso e, só então, a união sexual), ou seja, no CASAMENTO. Tal seqüência no livro de <strong>Rute</strong><br />

atende à prescrição bíblica de que sexo só no casamento. Tantas tragédias seriam evitadas se isto<br />

fosse fielmente atendido (abortos, mães solteiras, divórcios, etc). Além disso cumpre cabalmente a<br />

prescrição do 7<br />

50<br />

o mandamento (“Não adulterarás”) que se opõe à mancebia (união conjugal fora do<br />

casamento civil ou religioso), à fornicação (atividade sexual entre pessoas não-casadas – Dt 22:23-<br />

29; Ex 22:16-17; ver I Ts 4:7) e ao adultério (ver Pv 5).<br />

Em terceiro lugar e para concluir, desejo colocar como a Bíblia descreve um<br />

cristão. Ele é alguém sobre qu<strong>em</strong> o pecado não exerce domínio (Rm 6:14). Ele é alguém com<br />

capacidade do Espírito para mortificar os feitos do corpo (Ef 4; Rm 8:13,14; Mt 5:27-30). Ele é<br />

alguém <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> o fruto do Espírito se evidencia do qual faz parte o domínio próprio (Gl 5:22).<br />

Portanto não esperamos <strong>em</strong> você a ausência de impulsos sexuais, colocados por Deus. Esperamos<br />

de você a canalização desses impulsos para a honra de Deus e da Sua Palavra e o uso desses<br />

impulsos de forma santa. Um cristão maduro, cheio do Espírito, é uma pessoa normal, com<br />

desejos que se esperam de uma pessoa normal; não é um animal, n<strong>em</strong> um E.T., mas é alguém<br />

controlado pelo Espírito Santo de tal maneira a fazer uso legítimo dos seus impulsos através do<br />

corpo.


A honra do celibato<br />

“Assim tomou Boaz a <strong>Rute</strong>, e ela lhe foi por mulher; e ele a possuiu, e o SENHOR lhe fez conceber, e deu à luz um<br />

filho” (Rt 4:13).<br />

Estamos ainda no contexto do casamento de <strong>Rute</strong>, caminhando às palavras finais deste<br />

fascinante livro da biblioteca divina.<br />

Mas, antes de prosseguirmos, desejo ainda abrir um parêntese. Trata-se do celibato. Uma<br />

vez que, nos domingos passados, desenvolv<strong>em</strong>os a santidade do sexo, a naturalidade dos desejos<br />

sexuais e a honra do matrimônio quanto ao seu papel no plano de Deus, convém que trat<strong>em</strong>os do<br />

estado do celibato, seu propósito, implicações e desafios.<br />

Não pens<strong>em</strong> os meus irmãos que desconhec<strong>em</strong>os ou menosprezamos os<br />

questionamentos interiores, dúvidas, inseguranças e medos dos que são e dos que estão solteiros,<br />

b<strong>em</strong> como dos seus desejos mais profundos. Não me espantaria caso você me dissesse; “eu<br />

desejo me casar, quero compartilhar a vida com alguém que me ame”. “Eu tenho pânico quando<br />

penso que posso permanecer solteira por toda vida”. “Eu desejo um lar, uma família, um cônjuge<br />

e criar filhos”. “Eu tenho medo da solidão na velhice, afinal, qu<strong>em</strong> cuidará de mim?”.<br />

Todas essas colocações são muito reais, comuns e, até certo ponto, naturais, visto que<br />

Deus mesmo implantou esses desejos quando na criação do hom<strong>em</strong> (Gn 1 e 2).<br />

A partir do que expomos, desejo fazer algumas considerações, nesta noite, à luz dos<br />

claros princípios da Palavra de Deus.<br />

A primeira delas é que, apesar de ter o Senhor implantando desejos e aspirações<br />

quanto ao sexo e a família na raça humana, a n<strong>em</strong> todos foi dado oportunidade de<br />

ver<strong>em</strong> concretizados tais desejos.<br />

Deus, <strong>em</strong> Sua Providência insondável, reservou o estado do celibato para muitos<br />

m<strong>em</strong>bros da raça humana e da Sua Igreja, e tudo o que pod<strong>em</strong>os dizer a respeito é que “o Senhor<br />

t<strong>em</strong> a razão, Ele está certo, Ele sabe o por quê”. É por isso que encontramos leis de proteção para<br />

os solteiros, ou os que se tornaram solteiros (Lv 22:12,13; Dt 24:19-21; I Tm 5:3,4,8). Porque há<br />

solteiros!<br />

Eunucos, dos filhos de Israel, segundo Isaías 39:5-7, serviriam ao império babilônico (Dn<br />

1:3). Segundo o Senhor Jesus (Mt 19:12) há eunucos por causa de algum defeito congênito, há<br />

eunucos que foram fisicamente castrados (Et 1:10; 2:14) para tornar<strong>em</strong>-se guardas de haréns. Há<br />

solteiros!<br />

51


E desejo que os meus irmãos e irmãs entendam que a Providência pode ter lhes<br />

reservado o estado de solteiro e que isto deve ser acatado com toda a submissão. Aqueles(as) dos<br />

nossos irmãos(ãs) que foram chamados para tal estilo de vida dev<strong>em</strong> aprender a estar<strong>em</strong><br />

contentes <strong>em</strong> toda e qualquer situação.<br />

Em segundo lugar, desejo colocar que há razões tão cruciais para o solteirismo<br />

quanto para o estado de matrimônio no propósito divino.<br />

Um terceiro grupo mencionado <strong>em</strong> Mt 19:12 é composto daqueles “eunucos que se<br />

castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus”. “Eunucos” aqui é usado no sentido<br />

metafórico. Não são homens que mutilam a si mesmos. Eles são fisicamente aptos para casar<strong>em</strong>,<br />

se desejass<strong>em</strong> isso, mas não o faz<strong>em</strong> “por causa do reino dos céus”. Não são, por isso, tomados<br />

como pessoas mais dotadas espiritualmente, ou mais santas, antes, decidiram por este estilo de<br />

vida por amor à causa da expansão do evangelho. Perceberam que poderiam ser mais úteis à<br />

causa do reino permanecendo como estão, não buscando casamento.<br />

É dentro deste nobre aspecto que se encontra o conselho do Paulo para que as moças<br />

não se cas<strong>em</strong> (I Co 7:34,35). É neste contexto que o próprio Paulo expressa seu desejo que<br />

“todos os homens foss<strong>em</strong> como ele”. As palavras do Apóstolo (“trabalhei muito mais do que todos<br />

eles”) <strong>em</strong> I Co 15:10 faz<strong>em</strong> mais sentido à luz do seu celibato. Longe de ser a única razão, visto<br />

que há solteiros que nada faz<strong>em</strong>, o celibato de Paulo contribuiu muitíssimo à sua missão. Mas ele<br />

reconhece que “cada um t<strong>em</strong> de Deus o seu próprio dom” (I Co 7:7,8).<br />

Assim, permita-me afirmar que há honra no estado de matrimônio e há honra no estado<br />

do celibato. Um estado e outro são importantes ao Reino. A Providência reservou m<strong>em</strong>bros da<br />

raça e da igreja para ambos os estados, para a glória de Deus!<br />

Em terceiro lugar, desejo exortar meus irmãos a exercer<strong>em</strong> confiança no Senhor<br />

no que toca a toda esta questão.<br />

A falta de confiança nos faz abandonar princípios, nos impele à independência, nos<br />

impulsiona a agirmos por nossa própria conta e a, fatalmente, assumirmos os riscos que lhe<br />

correspond<strong>em</strong>. A vida de Abraão é um grandioso ex<strong>em</strong>plo do que estou a discorrer. No capítulo 15<br />

de Gênesis, aos oitenta e cinco anos, Abraão t<strong>em</strong> uma crise. Ele esperou tudo que a razão lhe<br />

permitia, mas agora não dá mais... É fácil imaginar as cogitações de sua mente! O resultado é o<br />

que ocorreu no capítulo 16: Agar, Ismael e toda a controvérsia familiar como resultado de sua<br />

falta de confiança.<br />

Após uma determinada idade, o jov<strong>em</strong> é tentado a abandonar sua confiança. Suas<br />

cogitações o levam a pensar <strong>em</strong> sua idade avançada, sua velhice solitária, seu sustento. Seus<br />

impulsos naturais, seus anseios por um lar, família, filhos, pod<strong>em</strong> fomentar uma espécie de<br />

incredulidade que o fará dizer: “Se Deus não fez, então eu resolvo ao meu modo”. Por favor, meus<br />

irmãos solteiros, atent<strong>em</strong> ao que lhes direi nesta hora.<br />

52


Primeiro, haja o que houver, não considere pessoas casadas como opção para um futuro<br />

relacionamento. Os casados já estão envolvidos <strong>em</strong> uma aliança indissolúvel. Respeite-os.<br />

Segundo, haja o que houver, não considere pessoas não-crentes como uma opção a ser<br />

considerada para um relacionamento. É possível que seu cônjuge ainda seja descrente, então<br />

espere que Deus o traga. Namoro e casamento não são “ferramentas evangelísticas” adequadas.<br />

Terceiro, haja o que houver, não lance mão de pecados sexuais para atrair e prender<br />

uma pessoa. Os solteiros precisam repudiar a fornicação e a mancebia com santo ódio, crendo que<br />

Deus lhe dará toda a graça necessária para b<strong>em</strong> lidar<strong>em</strong> com os impulsos sexuais e para que<br />

sejam solteiros felizes e realizados.<br />

Para os meus irmãos casados, tenho algumas poucas palavras para orientar a sua lida<br />

com os solteiros.<br />

Primeiro, peço aos meus irmãos casados que não trat<strong>em</strong> os solteiros como “gente<br />

especial”, que viv<strong>em</strong> numa “situação anormal” que vocês precisam solucionar. “Vamos dar um<br />

jeito”, “vamos casar fulano”. Tais atitudes dão a entender que os solteiros viv<strong>em</strong> uma situação<br />

inferior da qual precisam urgent<strong>em</strong>ente se livrar. Será que ninguém atenta para a honra do<br />

celibato?<br />

Segundo, advirto aos meus irmãos a não t<strong>em</strong>er<strong>em</strong> o relacionamento com pessoas<br />

solteiras, e a não as considerar<strong>em</strong> uma ameaça à segurança e estabilidade do seu casamento.<br />

Terceiro, que ninguém subestime a importância do apoio da igreja, <strong>em</strong> todos os<br />

sentidos, aos solteiros (At 6:1/ I Tm 5:1-16), mas, por outro lado, não é função da igreja assumir<br />

o lugar da família de ninguém. O papel da igreja é estimular o correto relacionamento de cada um<br />

<strong>em</strong> sua própria família. Assim, não seja pai de ninguém, antes, estimule o crente a amar o pai que<br />

Deus lhe deu.<br />

Concluirei afirmando que há honra no estado do matrimônio e há honra no estado do<br />

celibato. Por isso o grande Apóstolo pôde dizer: “Irmãs, cada um fique diante de Deus no estado<br />

<strong>em</strong> que foi chamado” (I Co 7:24).<br />

53


O dia da vindicação<br />

“14 Então as mulheres disseram a No<strong>em</strong>i: Bendito seja o SENHOR, que não deixou hoje de te dar r<strong>em</strong>idor, e seja o seu<br />

nome afamado <strong>em</strong> Israel. 15 Ele te será por restaurador da alma, e nutrirá a tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu<br />

à luz, e ela te é melhor do que sete filhos. 16 E No<strong>em</strong>i tomou o filho, e o pós no seu colo, e foi sua ama. 17 E as<br />

vizinhas lhe deram um nome, dizendo: A No<strong>em</strong>i nasceu um filho. E deram-lhe o nome de Obede. Este é o pai de Jessé,<br />

pai de Davi” (Rt 4:14-17).<br />

Aqui chegamos ao final desta trama maviosa da Providência. Deus operou secreta e<br />

poderosamente de modo a reverter tudo o que parecia estar completamente perdido. O clímax do<br />

livro é a vindicação de No<strong>em</strong>i.<br />

Você se recorda da imigração trágica a Moabe? Lá No<strong>em</strong>i perdeu seu marido e seus dois<br />

filhos. Você se recorda do retorno humilhante a Belém? Das palavras de lamento de No<strong>em</strong>i? (“Não<br />

me chameis No<strong>em</strong>i; chamai-me Mara; porque grande amargura me t<strong>em</strong> dado o Todo-Poderoso-<br />

1:20).<br />

O livro começa com a imigração de pessoas pobres (1:1) e termina com pessoas<br />

afamadas <strong>em</strong> Belém, Efrata (4:11) e Israel (4:14,17). Começa com o pesadelo do<br />

desaparecimento do nome da família e da impossibilidade de descendência, mas termina com uma<br />

genealogia que deságua no Messias. De uma “ameaça de ficar s<strong>em</strong> nome, agora a família t<strong>em</strong> o<br />

seu nome garantido para s<strong>em</strong>pre” (Mesters – citado por Joyce W. Every-Clayton).<br />

No início, No<strong>em</strong>i lamenta sua incapacidade de gerar filhos (1:11). Ao fim, está ela com o<br />

nenê no colo, que “ele te será por restaurador da alma, e nutrirá a tua velhice...” (4:15a),<br />

“assumindo responsabilidades quase paternais de criar a criança” (Hubbard, citado por Joyce W.<br />

Every-Clayton- ver 4:16).<br />

Aquela que foi desfilhada (1:5) nos campos de Moabe agora tinha uma “nora, que te<br />

ama... e ela te é melhor do que sete filhos” (4:15). É somente aqui, <strong>em</strong> todo o Antigo Testamento,<br />

que o termo amor é <strong>em</strong>pregado ao relacionamento entre duas mulheres. No<strong>em</strong>i, que disse ter<br />

chegado “vazia” de Moabe, tinha uma nora mais valiosa que “sete filhos”, a descrição proverbial<br />

de uma família perfeita (I Sm 2:5; I Cr 2:15; Jó 1:2). Em meio à angústia e muito questionamento<br />

de Deus, Jó recebeu sete filhos após ter perdido sete (Jó 42:13). Expressões s<strong>em</strong>elhantes a 4:15<br />

(“melhor do que sete filhos”) são igualmente encontradas alhures (I Sm 1:8: “Não te sou melhor<br />

do que dez filhos?”). Enfim, é uma palavra <strong>em</strong> relação à superlativa graça de Deus, por ter dado a<br />

No<strong>em</strong>i uma nora mais valiosa que uma casa cheia!<br />

Não sab<strong>em</strong>os exatamente o tom <strong>em</strong> que as mulheres receberam a No<strong>em</strong>i humilhada<br />

(1:19). Mas, se havia tristeza sincera, agora as mesmas mulheres se regozijavam e bendiziam a<br />

54


Deus, que não abandonou Sua serva (4:14) e participam jubilosamente nomeando a criança (4:17,<br />

cf. Lc 1:57-59). Se havia um tom acusador por No<strong>em</strong>i ter deixado o Senhor por causa da<br />

imigração (ver I Sm 26:19; Sl 42!), agora sab<strong>em</strong> que Deus, mesmo <strong>em</strong> Moabe, abençoou Sua<br />

serva com uma nora moabita que é melhor que “sete filhos”.<br />

Enfim, de Mara (amarga) a No<strong>em</strong>i (agradável); da possibilidade de extinção ao início de<br />

uma genealogia; de uma No<strong>em</strong>i “vazia”, angustiada, oprimida por uma idéia distorcida de Deus e<br />

por uma leitura equivocada das infelicidades circunstanciais a uma No<strong>em</strong>i cheia, jubilosa com o<br />

netinho no colo e liberta pela ação restauradora de Yahweh.<br />

Meus queridos, noutra ocasião lhes falei que a Providência n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre nos parece<br />

favorável As circunstâncias da vida diversas vezes quer<strong>em</strong> nos ensinar que Deus não nos é<br />

favorável. É possível que a verdade de que “todas as coisas contribu<strong>em</strong> juntamente para o b<strong>em</strong><br />

daqueles que amam a Deus” seja uma das mais questionadas por nós. Nas palavras de Calvino,<br />

“nosso próprio mal humor e impaciência ante a aflição transforma um minuto <strong>em</strong> século, enquanto<br />

que, <strong>em</strong> contrapartida, nosso descontentamento e ingratidão nos levam a imaginar que o favor<br />

divino, por mais que Ele o exerça para conosco, não passa de um momento”. Mas, deix<strong>em</strong>-me lhes<br />

falar um momento asseverando que há uma oração que s<strong>em</strong>pre é respondida<br />

superabundant<strong>em</strong>ente, a saber, “alegra-nos pelos dias <strong>em</strong> que nos afligiste, e pelos anos <strong>em</strong> que<br />

nos afligiste, e pelos anos <strong>em</strong> que vimos o mal” (Sl 90:15). Digo-lhes com toda a convicção que<br />

Deus nos recompensará desproporcionalmente com alegria <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que nos<br />

entristec<strong>em</strong>os.<br />

Portanto, aprendamos que Deus é o nosso vindicador e que s<strong>em</strong>pre, por Ele,<br />

ser<strong>em</strong>os vindicados.<br />

Davi, por ex<strong>em</strong>plo, foi um hom<strong>em</strong> que conheceu o sofrimento desde moço. Primeiro, na<br />

luta com as feras na defesa do rebanho de seu pai (I Sm 17:34-35). Em seguida, numa<br />

perseguição injustificada que sofreu pelas mãos cruéis de Saul, que, não uma n<strong>em</strong> duas vezes<br />

atentou contra a sua vida e o perseguiu movido a ferina inveja (I Sm 18:7-9). Davi, todavia,<br />

conhecia o Deus que vindica o Seu povo. Quando teve oportunidades de uma e outra vez tirar a<br />

vida daquele que lhe perseguia não ousou fazê-lo. Por que? Porque conhecia o Deus que vindica<br />

<strong>em</strong> favor do Seu povo (I Sm 24:12-15; 26:19-24). Por fim, foi vindicado realmente (II Sm 5:12).<br />

Noutra ocasião, estava Davi fugindo de seu próprio filho (II Sm 15:13-19:8), sua casa e sua honra<br />

invadidas (II Sm 16:20-22), traído por seus homens de confiança (II Sm 15:12), amaldiçoado por<br />

seus oponentes (II Sm 16:5-14), enganado por oportunistas (II Sm 16:1-4). Mas <strong>em</strong> tudo<br />

reconheceu o Deus que vindica <strong>em</strong> favor do seu povo (II Sm 16:12), e que <strong>em</strong> favor do Seu povo<br />

“a sua ira dura só um momento; [mas] no seu favor está a vida” (ver Sl 30!).<br />

É necessário, todavia, que se diga que Deus s<strong>em</strong>pre vindicará o Seu povo, mas<br />

não da mesma maneira a todos de Seu povo. O escritor aos Hebreus discerne entre aqueles<br />

55


que foram vindicados <strong>em</strong> vida aqui na terra (Hb 11:33-35) daqueles que foram vindicados<br />

certamente, mas não na terra (Hb 11:36-39). No primeiro grupo se encontram mulheres como<br />

No<strong>em</strong>i e Ana, homens como Jó e Davi. Gente que após um período de crises intensas<br />

experimentou sossego na terra. No segundo grupo se encontram aqueles que foram vindicados<br />

<strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória na terra, e aqueles outros que por ora são anônimos para nós, mas que os<br />

conhecer<strong>em</strong>os na eternidade.<br />

Homens como Paulo, na terra, foram vindicados apenas <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória. Paulo teve uma<br />

morte cruel, após um período como prisioneiro <strong>em</strong> Roma (II Tm 4:9-18). Segundo Cl<strong>em</strong>ente de<br />

Roma (96 dC)., “Paulo, por causa de ciúme e competição mostrou o caminho para o prêmio da<br />

perseverança; sete vezes foi acorrentado, foi exilado, apedrejado, pregou tanto no leste como no<br />

oeste, obteve nobre fama por sua fé... o maior ex<strong>em</strong>plo de perseverança”. “Para a sua execução...<br />

Nero enviou dois de seus escudeiros, Ferega e Partêmio... Os soldados se aproximaram e o<br />

conduziram para fora da cidade até o lugar de execução, onde ele, após fazer suas orações,<br />

entregou o pescoço à espada”.<br />

A ironia da Providência é que no mesmo lugar <strong>em</strong> que Paulo foi decaptado, na estrada<br />

para Óstia, a cerca de 1 km da cidade, por ord<strong>em</strong> de um imperador romano, por outro imperador<br />

(Constantino, c. 324 dC) se construiu uma capela <strong>em</strong> sua m<strong>em</strong>ória. Paulo jamais imaginaria que<br />

um imperador romano viria a homenageá-lo. Mas o que dizer dos milhares e milhares de mártires<br />

anônimos, gente que morreu <strong>em</strong> grande dificuldade, martirizada por sua fé?<br />

Nero, na tentativa de esquivar-se da culpa pelo incêndio <strong>em</strong> Roma ocorrido de 18 para 19<br />

de julho de 64 dC, “pôs como culpados, que puniu com crueldade mais refinada, um grupo de<br />

homens, detestados por seus maus hábitos, que a plebe conhecia como cristãos... uma grande<br />

multidão foi condenada, não tanto como incendiários quanto por seu ódio à raça humana. Sua<br />

execução acabou sendo um esporte: alguns foram costurados dentro da pele de animais selvagens<br />

e jogados aos cães para ser<strong>em</strong> despedaçados; outros foram amarrados <strong>em</strong> cruzes e<br />

transformados <strong>em</strong> tochas vivas, para iluminar a cidade quando o dia acabava” (Tácito).<br />

A questão é: esses anônimos, milhares deles, não foram vindicados na terra, n<strong>em</strong> seus<br />

nomes foram jamais l<strong>em</strong>brados, onde estão agora? Um dia serão vindicados? A resposta se<br />

encontra <strong>em</strong> Ap 6:9-11 e 7:9-17. O que tais textos nos ensinam senão que todos serão<br />

vindicados? É b<strong>em</strong> verdade que a providência reservou maneiras variadas de distribuir esta<br />

vindicação. Mas, creia nisto, todos ser<strong>em</strong>os vindicados!<br />

Concluo exortando aos irmãos queridos a não tentar<strong>em</strong> entender a providência, a<br />

aprender<strong>em</strong> a não perguntar “porquê?”. O que você precisa não é entender a providência; a que<br />

sirvam fielmente a Deus na luta, na dor, no sofrimento... Como disse, você não precisa entender,<br />

você precisa se submeter alegre e confiant<strong>em</strong>ente; a que creiam nisto: Deus vindicará todo o<br />

nosso sofrimento, aqui ou no céu, hoje ou na eternidade, porque ele disse que faria.<br />

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A linhag<strong>em</strong> humana do grande Rei<br />

“18 Estas são, pois, as gerações de Perez: Perez gerou a Esrom, 19 E Esrom gerou a Rão, e Rão gerou a Aminadabe, 20<br />

E Aminadabe gerou a Naassom, e Naassom gerou a Salmom, 21 E Salmom gerou a Boaz, e Boaz gerou a Obede, 22 E<br />

Obede gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi” (Rt 4:18-22).<br />

Perez gerou Esrom, Esrom gerou Rão, Rão gerou Aminadabe, Aminadabe gerou Naasson,<br />

Naasson gerou Salmon, Salmon gerou Boaz, Boaz gerou Obede, Obede gerou Jessé, Jessé gerou<br />

Davi (cf. I Cr 2:3-15; Mt 1:2-6).<br />

Cumpre-nos asseverar que cada palavra das Sagradas Escrituras foi inspirada por Deus e,<br />

portanto, registrada para proveito do povo de Deus. Atent<strong>em</strong>os para a genealogia do epílogo do<br />

livro de <strong>Rute</strong> e vejamos o que ela nos ensina.<br />

Judá era o ancestral de Davi, pai de Perez, hom<strong>em</strong> que deixou um ex<strong>em</strong>plo trágico pelo<br />

envolvimento com cananeus (Gn 38:2-11). Por buscar uma “prostituta”, acabou engravidando sua<br />

nora. Desta relação nasceram Perez e Zera (cf. Gn 38). Portanto, Perez foi um dos filhos de<br />

Tamar, que esta deu a Judá, seu sogro (ver I Cr 2:3,4). Esrom, filho de Perez, neto de Judá,<br />

nasceu <strong>em</strong> Canaã (Gn 46:12) e foi levado para o Egito na imigração da família. Esrom gerou Rão e<br />

este gerou Aminadabe, que foi o sogro de Arão (Ex 6:23), o levita, irmão de Moisés. Naasson, filho<br />

de Aminadabe e, portanto, cunhado de Arão (Ex 6:23), era um dos chefes de Israel, príncipe da<br />

tribo e Judá, hom<strong>em</strong> rico e líder <strong>em</strong> Israel (Nm 7:2,12). Naasson gerou Salmon (ou Salma) que,<br />

com Raabe, gerou descendência através de Boaz. Este, portanto, era descendente de Salmon com<br />

Raabe, uma “meretriz comum” que d<strong>em</strong>onstrou sua fé através de sua confissão monoteísta (Js<br />

2:11) e da lida com os espias. Raabe permaneceria imortal na m<strong>em</strong>ória de Israel (Mt 1:5; Hb<br />

11:31; Tg 2:25). “A evidência dessa fé consiste <strong>em</strong> que ela recebeu os espias com aquela<br />

hospitalidade que punha <strong>em</strong> risco sua própria vida... O designativo meretriz é adicionado [cf. Tg<br />

2:25] visando engrandecer a graça de Deus. Há qu<strong>em</strong> traduza ‘zonah’ como “hospederia”. Foram<br />

os rabinos que engendraram esse sentido forçado, porquanto concluíram que era ridículo e uma<br />

desgraça para sua nação a informação de que os espias aceitaram a hospitalidade de uma<br />

meretriz” (Calvino).<br />

Boaz, com <strong>Rute</strong>, a moabita, gerou Obede. Como já vimos no início destas meditações <strong>em</strong><br />

<strong>Rute</strong>, os moabitas eram um povo indesejado pelos israelitas, pela sua indigna procedência (Gn<br />

19:37) e pelos acidentes históricos com Israel (Nm 25:1; 31:16), o que gerou a lei de Dt 23:3-6.<br />

Em primeiro lugar, <strong>em</strong> tudo isto aprend<strong>em</strong>os que há continuidade e propósito<br />

<strong>em</strong> toda a atividade divina. Aprend<strong>em</strong>os que ninguém há que possa impedir a realização dos<br />

eternos decretos de Deus, que nada O persuade a abandonar Seus planos.<br />

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Ele prometeu a “s<strong>em</strong>ente da mulher” (Gn 3:15) que esmagaria a cabeça da serpente, que<br />

deveria ser descendência de Abraão (Gn 12:3), de Isaque (Gn 26:3,4), de Jacó (Gn 28:13,14), de<br />

Judá (Gn 49:8-1; I Cr 5:1,2. Cf. Gn 35:22 sobre a traição de Rúben), de Davi (II Sm 7:12-17). Até<br />

que veio o Messias, “da descendência de Davi, segundo a carne” (Rm 1:3. Cf. Lc 1:30-33). Eis<br />

como Deus é fiel e cumprirá toda a Sua Palavra! O Senhor é Aquele que disse: “O meu conselho<br />

será firme e farei toda a minha vontade” (Is 46:10b).<br />

Em segundo lugar, aprendamos a respeito da soberania da graça de Deus.<br />

Talvez você se envergonhe de muitas histórias que compõ<strong>em</strong> a história de sua família e isto lhe<br />

faça perguntar “como e por que aqui estou eu, restaurado!?!”. A resposta é a graça soberana!<br />

Visto que os homens todos merec<strong>em</strong> a manifestação de Sua ira, coube-lhe dispensar Sua graça de<br />

modo livre e incondicional a qu<strong>em</strong> quis, e usar a qu<strong>em</strong> quis do modo como quis para concretização<br />

dos Seus planos. Assim usou Tamar, regenerou a prostituta Raabe, a cananéia, chamou<br />

eficazmente a moabita <strong>Rute</strong>. L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os das histórias vergonhosas de nossa linhag<strong>em</strong>, saibendo<br />

que aqui estamos porque assim Deus quis. É Sua graça que, de modo soberano, faz maravilhas<br />

<strong>em</strong> nós, “sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados<br />

da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais” (I Pe 1:18).<br />

Em terceiro lugar, not<strong>em</strong>os a condescendência de nosso Senhor através de Sua<br />

linhag<strong>em</strong> humana. “Por meio de um canal de iniqüidade como este – ‘Judá...Perez...por meio de<br />

Tamar’ – o Salvador, segundo Sua natureza humana, se prontificou a passar, marchando das<br />

glórias celestiais até a encarnação e prosseguindo presto até a crucificação <strong>em</strong> lugar de seu povo”<br />

(William Hendriksen).<br />

O Deus que se fez hom<strong>em</strong> e teve por ancestrais, segundo sua humanidade, assassinos,<br />

pagãos e prostitutas, é o mesmo que não se envergonhou de nos chamar irmãos (Hb 2:10-18).<br />

Antes, o seu prazer é ser visto nos pequeninos, e no pequeno rebanho está o prazer do seu Pai,<br />

como Ele mesmo diz: “Não t<strong>em</strong>ais, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o<br />

reino” (Lc 12:32). Em meio ao fogo da perseguição do segundo século, o pastor Sixto, de Roma,<br />

sendo conduzido à morte, deixou toda a sua “herança” a Lourenço. O algoz, entendendo que<br />

Lourenço era o responsável pelo caixa cristão para o sustento dos pobres, pediu-lhe que reunisse<br />

o tesouro da igreja. Lourenço pediu um prazo de três dias, período <strong>em</strong> que reuniu um bom<br />

número de cristãos pobres e, por fim, “estendendo os braços sobre os pobres, disse: Estes são os<br />

preciosos tesouro da igreja. Estes são de fato o tesouro nos quais a fé <strong>em</strong> Cristo reina, nos quais<br />

Jesus Cristo t<strong>em</strong> a sua mansão. Que jóias mais preciosas pode ter Cristo do que aqueles <strong>em</strong> qu<strong>em</strong><br />

Ele prometeu habitar? Pois assim está escrito: ‘Tive fome, e me destes de comer; tive sede e me<br />

destes de beber; era forasteiro e me hospedastes’. E novamente está escrito: ‘Vede, o que vós<br />

fizestes ao menor destes pequeninos, foi a mim que o fizestes’. Que riqueza mais pode ter Cristo,<br />

o nosso Mestre, do que as pessoas pobres nas quais Ele gosta de ser visto?”.<br />

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