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OS QUADRINHOS E A TELEVISÃO<br />

Liana Gottlieb - Pedagoga, Especialista em Didática do Ensino Superior, Especialista em<br />

Psicodrama Aplicado, Mestre em Comunicação pelo IMS, Doutoranda em Comunicação Social<br />

pela ECA/USP, Co-autora dos livros: Diálogos sobre Educação... e se Platão voltasse?, e O<br />

Professor Universitário: Herói ou Vilão - Manual de Autodesenvolvimento do Professor, autora do<br />

livro Mafalda vai à Escola - A Comunicação Dialógica de Buber e Moreno na Educação, nas tiras<br />

de Quino, Professora no Curso de Pós-Graduação da Fundação Cásper Líbero e da UNIP.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Este estudo pretende apontar a importância das HQ - Histórias em Quadrinhos - para a<br />

transformação dos meios de comunicação de massa; no caso deste trabalho, a Televisão.<br />

O corpus a ser analisado é composto por algumas tiras da MAFALDA, extraídas do livro<br />

"Toda a Mafalda", de Quino, publicado pelas Publicações Dom Quixote, Lisboa, Portugal, em<br />

1990.<br />

Apesar de ter sido criada em 1962 e de Quino ter parado de desenhá-la em 1973, MAFALDA é<br />

atualíssima, e entre todos os temas por ela abrangidos, toca em pontos nevrálgicos dos meios de<br />

comunicação de massa.<br />

A nossa leitura de mundo, através da MAFALDA, pode ser entendida como leitura da<br />

comunicação.<br />

Após uma rápida apresentação da MAFALDA e sua turma, passamos à análise de conteúdo das<br />

tiras selecionadas que abordam a Televisão. Para isso, levantamos alguns parâmetros de observação<br />

e buscamos localizá-los nas tiras.<br />

Já na análise dos dados levantados pode-se perceber um caminho passível de ser percorrido, e<br />

que pode levar à transformação dessa TV, que pouco difere da TV de hoje.<br />

Acreditamos, também, que este estudo, ou melhor, estas tiras (e as outras que falam de TV)<br />

possam ser usadas no primeiro ano dos cursos de Comunicação Social, como introdução à<br />

disciplina Teoria da Comunicação.<br />

O CRIADOR E A CRIAÇÃO<br />

a 1973. 1<br />

Quino - anagrama de Joaquín Salvador Lavado - o criador da MAFALDA a desenhou de 1962<br />

1


1.Vide parte II de GOTTLIEB, Liana. Mafalda vai à escola. São Paulo, Iglu Editora, 1996, pp.<br />

19-29.<br />

Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 11.12.1976, ele assim definiu a Mafalda: "É uma menina<br />

comum: é aquilo que nós, adultos, tanto queremos ser, mas jamais poderemos alcançar. Ela é,<br />

simplesmente, a franqueza perante o mundo".<br />

Mesmo que, como neste caso, a HQ - MAFALDA seja utilizada como um "objeto<br />

intermediário" entre os leitores e a televisão, ao procedermos à análise de conteúdo das tiras<br />

estaremos trazendo à luz a observação da realidade específica, ou seja, a visão do mundo - a visão<br />

da TV de Quino. As relações entre Quino e seus leitores se estabelecem a partir do mecanismo da<br />

linguagem por ele usada.<br />

A nosso ver, o primeiro passo numa análise de conteúdo de uma HQ deve ser o estudo das<br />

formas ou o que denominamos de análise da quadrinhidade das tiras. Sugerimos a leitura desta<br />

análise, nas pp.98-113, na obra "Mafalda vai à escola". Esta fase é de importância fundamental para<br />

que se descubra como age quem nos envia a mensagem, que recursos emprega, e para deduzir que<br />

finalidade busca. Em termos psicodramáticos representa a fase de "aquecimento" para análises<br />

posteriores e com outras características.<br />

Em termos de linguagem cinematográfica, no corpus a ser analisado, temos os seguintes<br />

elementos:<br />

Cenário - Buenos Aires, Argentina.<br />

Período - de 1962 a 1973.<br />

Cenário histórico-político - De 1963 a 1966 governava o país Arturo Illia, o único civil<br />

eleito que Mafalda conheceu. Seu estilo de governo era acusado de "sereno e doméstico".<br />

Ele era um velho e afável médico do Partido Radical, que sofria pressões constantes dos<br />

militares e não foi bem compreendido e aceito pelos argentinos. Illia foi sucedido - deposto<br />

- por três golpes militares e pela eleição de Hector Campora, em 1973. O próprio Quino se<br />

arrependeu de tê-lo criticado.<br />

Tipo de desenho - Caricatura<br />

Diretor - Quino, caricaturista argentino que hoje se dedica a desenhar cartuns.<br />

Atriz - Mafalda, que para Umberto Eco é uma heroína enraivecida que recusa o mundo tal<br />

como é. Ela se recusa a se integrar, vive em contínua dialética com o mundo adulto, que<br />

não estima nem respeita; tem idéias confusas sobre política, e não está satisfeita. Embora<br />

2


confusa tem uma consciência altamente política. Mais inteligente que qualquer adulto, ela<br />

abala os mais velhos com sua autenticidade e postura questionadora, revelando o<br />

mascaramento em que vivem. Admira os Beatles e Uthant. Gosta de ler, ouvir as notícias,<br />

ver TV, jogar xadrez, bowling e de não fazer nada. Gosta de correr e brincar ao ar livre.<br />

Odeia sopa. Quer ser tradutora da ONU quando crescer para ajudar na paz.<br />

Atores coadjuvantes:<br />

Pai da Mafalda - é um inspetor de seguros e tem como hobby cultivar plantas. É pacato,<br />

submisso e não é dado a elocubrações mentais a não ser quando estimulado pela Mafalda. Tem<br />

curso superior.<br />

Mãe da Mafalda - é uma típica dona de casa; conheceu o marido na universidade e parou de<br />

cursá-la ao se casar.<br />

Filipe - o sonhador tranquilo, mas que às vezes tem fantasias masoquistas. É vizinho da<br />

Mafalda e um ano mais velho. Está um ano na frente dela na escola. É bonzinho, meigo,<br />

ingênuo. Seu pai é engenheiro e a mãe dona de casa. Adora comer queijo e ler HQ. Tem dois<br />

dentes muito proeminentes.<br />

Manelinho - para quem o valor essencial é o dinheiro. É filho do dono da mercearia, de origem<br />

espanhola. Ele só se sai bem com números, de resto confunde tudo e odeia a escola. É colega<br />

de classe da Mafalda, muito teimoso.<br />

Suzaninha - a doente de amor maternal, só pensa em se casar e ser mãe - a típica mulher da<br />

classe média argentina da época - seu pai é vendedor de uma fábrica de frios. Ela e Mafalda<br />

são colegas de classe.<br />

Miguelito - é um ano mais novo, auto-centrado no início e aos poucos vai se modificando,<br />

duvidando de tudo. Sua mãe é neurótica por limpeza e faz as pessoas andarem sobre pantufas.<br />

Responde para a professora que lhe dá zeros.<br />

Liberdade - mais nova que Mafalda dois anos - intelectualóide e esquerdista. Tem uma estatura<br />

mínima. Não se intimida por ninguém e responde à professora.<br />

Gui - irmãozinho da Mafalda que sempre a surpreende. É muito inteligente mas gosta de sopa.<br />

É teimoso e compete com a Mafalda querendo ser maior que ela.<br />

Enredo - algumas tiras da MAFALDA que falam de Televisão.<br />

Antes de passarmos à nossa análise de conteúdo televisivo, apontaremos alguns dados obtidos<br />

na análise da quadrinhidade antes citada: Quino usa a expressão facial como recurso técnico para<br />

3


demonstrar uma ampla gama de sentimentos. O leitor lê com facilidade o que as personagens estão<br />

sentindo, tanto pela expressão facial como pela corporal. Ele faz suas personagens vivenciarem de<br />

tudo: medo, angústia, depressão, entorpecimento, estupefação, raiva, alegria, tristeza, amor,<br />

exaltação, amizade, desconfiança, revolta, impotência, indignação, dúvida, sofrimento, etc.<br />

Quinno representa o interesse das personagens pelo leitor desenhando-as em vários ângulos.<br />

Para dinamizar a tira e chamar a atenção para a sua mensagem ele coloca as personagens<br />

gesticulando e se movimentando nas vinhetas.<br />

Ele procura conquistar o leitor através da identificação (e realização) positiva, transformadora<br />

com suas personagens. As crianças, reforçando sua espontaneidade, não se deixando manipular e<br />

oprimir e questionando os adultos, e o leitor adulto, liberando, através das crianças, tudo o que teve<br />

que reprimir ao longo dos anos. Acontecendo a identificação e a projeção, estabelece-se um outro<br />

tipo de relação com as tiras, que pode promover transformações no leitor.<br />

Mafalda é uma "filósofa atriz" e não uma "filósofa espectadora". Mesmo quando pêga de<br />

surpresa, sua primeira reação é de espontaneidade passando logo em seguida a uma argumentação<br />

sutil, perspicaz, inteligente e contundente.<br />

Quando Quino desenha a Mafalda em solilóquio, mesmo que ela depois fale com alguém,<br />

tem-se a impressão que ele deseja que o leitor reflita com ela, aceite o que ela está pensando e<br />

dizendo e compreenda a mensagem subliminar.<br />

A Mafalda, de um lado é altamente politizada, questionadora, brava, corajosa ao questionar e<br />

enfrentar os adultos, e de outro é carinhosa, leal, prestativa, estudiosa, interessada por tudo o que<br />

faz e por tudo o que acontece no mundo.<br />

Quino trabalha com o presente, com o momento e usa as crianças para se manifestar. Percebe<br />

que se houver uma saída será através das crianças, mas vai até aí: a denúncia e o resgate da<br />

espontaneidade e da franqueza/verdade das crianças.<br />

ANÁLISE TELEVISIVA - PARÂMETROS DE OBSERVAÇÃO<br />

PO1. O PODER DE ENTORPECER O TELESPECTADOR - transformando-o num ser passivo,<br />

manipulável, influenciável e sem condições de reflexão crítica.<br />

1ª Tira - 3ª tira, p.96. Mafalda está sentada num "puff" em frente à TV, assistindo um "bang-bang".<br />

Suzaninha entra na sala, caminhando na ponta dos pés, com um saco de papel que ela mesma<br />

encheu de ar. Assim que está bem atrás da Mafalda estoura o saco, mas isso ocorre no mesmo<br />

4


momento em que um "cow-boy" dá um tiro. Resultado: Mafalda nem percebe que a amiga tentou<br />

assustá-la, pois está entorpecida pela TV.<br />

2ª Tira - 5ª tira, p.59. Mafalda está sentada no mesmo local, assistindo, de novo, um "bang-bang", e<br />

igualmente entorpecida. Após uma troca de tiros (Bang! Bang! Oouug!) um "cow-boy" fala para o<br />

outro: "Bom trabalho Joe". Na 3ª vinheta ouve-se (lê-se) Bang! Bang! AAAAI! e aparece só a parte<br />

de cima da cabeça da Mafalda com os olhos arregalados. Na 4ª vinheta Mafalda está atrás do pai<br />

que dera uma martelada no dedo ao tentar pendurar um quadro. Ela aparece com um olhar<br />

narcotizado e fala: "Bom trabalho, Joe".<br />

3ª Tira - 1ª tira, p. 5. É preciso explicar que a Mafalda precisou travar uma longa batalha com seu<br />

pai até conseguir fazê-lo comprar uma TV. Ela foi muito discriminada na escola pois era a única a<br />

não ter TV. Mesmo após tê-la comprado, o pai relutava muito em deixá-la assistir com receio do<br />

mal que a TV pudesse lhe fazer, mas como vemos na 1ª vinheta desta tira, ele receava que Mafalda<br />

viesse a odiá-lo por ele sempre lhe dizer que não assistisse tanta televisão. Ele pede então à esposa<br />

que diga. Na 2ª vinheta aparece a mãe sentada no chão ao lado da Mafalda na frente da TV. A mãe<br />

começa a falar com ela e ao mesmo tempo começa a assistir a TV. "Mafalda, seria conveniente que<br />

visses..." A palavra conveniente aparece com letras pequenas e ela nem termina a frase. Na 3ª<br />

vinheta Mafaldaa olha para a mãe e pergunta: "O quê?" Na 4ª, a mãe lhe faz um afago na cabeça<br />

automaticamente, e sem tirar os olhos vidrados na TV diz: "O que o que, filhinha?" Nem se lembra<br />

do que ia dizer.<br />

PO2. O PODER DA TV DE ATROFIAR A IMAGINAÇÃO E A CAPACIDADE DE REFLETIR<br />

E INFERIR DAS CRIANÇAS - além de influir nas suas fantasias.<br />

1ª Tira - 5ª tira, p.99. A 1ª vinheta traz a Mafalda caminhando pela calçada e refletindo: "E se fosse<br />

verdade que a TV atrofia a imaginação às crianças? Hem?" A pavimentação da rua é de<br />

paralelepípedos. Na 2ª ela pára olhando um buraco na rua. Na 3ª Mafalda é uma astronauta na Lua e<br />

observa uma cratera. Na 4ª ela continua a caminhar retomando o pensamento anterior: "Hem? E se<br />

fosse verdade?".<br />

2ª Tira - 3ª, p.99. O pai da Mafalda está sentado num sofá assistindo o noticiário. Mafalda está<br />

sentada no chão, atrás do sofá, encostada nele, lendo um livro. O locutor diz: "Reuniram-se hoje o<br />

1º ministro inglês e o secretário-geral da ONU". Na 2ª vinheta Mafalda desvia o olhar do livro e<br />

fala: "Calculo que tratariam do problema do desarmamento". O pai vira o rosto e fica mudo. Na 3ª o<br />

locutor complementa: "Ambos os funcionários trataram do problema do desarmamento". Na 4ª<br />

Mafalda mesmo sem se desviar do livro comenta: "Depois dizem que a TV nos atrofia a<br />

imaginação". Seu pai novamente vira o rosto mas continua mudo de surpresa.<br />

5


3ª Tira - 5ª tira, p.109. Mafalda e Manoelito assistem um "bang-bang". Por três vinhetas os dois<br />

estão mudos e só se vêem/ouvem tiros e "cow-boys" sendo mortos. Na 4ª, Manoelito indignado<br />

fala: "E como diabo é que o meu pai não viu que o negócio não é ter uma mercearia, mas uma<br />

agência funerária?".<br />

4ª Tira - 2ª tira, p.89. Mafalda e Suzaninha assistem TV. Suzaninha fala: "Olha, ela está a fazer<br />

malha". Na 2ª vinheta ela continua: "E o marido agora entrou, mas ela não o viu". Na 3ª o marido<br />

exclama: "O que, querida? Estás a fazer tricô? Meu amor! Vamos ter um bebê!". Na 4ª Suzaninha,<br />

indignada, comenta: "Isso é um absurdo! A minha mãe estafa-se a tricotar e só consegue<br />

camisolas!".<br />

5ª Tira - 3ª Tira, p.303. Mafalda fala com Miguelito: "Vamos ver televisão?" E ele: "Não obrigado!<br />

Prefiro ser uma pessoa, a ser um número a mais nas estatísticas". Mafalda pergunta: "Quais<br />

estatísticas?" Ele responde: "As estatísticas! Não ligas o televisor, zás! Ficas logo nas estatísticas,<br />

misturado com toda essa gente que está a ver TV!" Mafalda contra-argumenta: "E então? Agora<br />

também estás nas estatísticas misturado com toda essa gente que não está a ver TV, não é verdade?<br />

"Na 4ª vinheta silêncio e Miguelito com olhar estupefato e deprimido. Na 5ª vinheta os dois já estão<br />

em frente à TV, Mafalda em pé e Miguelito sentado. Mafalda está consolando o amiguinho: "Olha<br />

Miguelito, estão a dar o "Patolino". Não gostas do "Patolino"?" E Miguelito, derrotado, confessa:<br />

"Gosto!".<br />

PO3. O PODER DE MUDAR DE CANAL - mesmo antes do advento do controle remoto.<br />

1ª Tira - 1ª tira, p.236. Mafalda está assistindo "Notícias do Mundo". Na 2ª vinheta ela é só<br />

desolação. Na 3ª está girando o seletor de canais. Na 4ª, na tentativa de se comunicar/interagir com<br />

o violinista que apareceu tocando, ela fala: "Se soubesses o que estão a dar no outro canal ficavas<br />

com o violino murcho".<br />

2ª Tira - 3ª tira, p.309. Mafalda está ligando a TV e pensando: Haverá alguma coisa interessante<br />

nalgum canal? Na 2ª vinheta ela se detém num canal. Na 3ª Quino conseguiu desenhar quatro<br />

tentativas da Mafalda de localizar algo interessante; em todas as tentativas está desolada, e na 4ª já<br />

está com a língua de fora, de tanto procurar. Na 4ª vinheta, tendo desistido, reflete: Não! Há<br />

televisão em todos.<br />

3ª Tira - 1ª tira, p.244. O pai da Mafalda está assistindo notícias: "... Informa que, perante os<br />

acontecimentos que são do domínio público..." Na 2ª vinheta surge a Mafalda que muda o canal e<br />

seu pai reclama: "Eh, não!" Na 3ª vinheta ela retorna ao noticiário com um olhar condescendente e<br />

diz: "Bom..." Na 4ª vinheta ela já está quase fora de cena e diz: "Se acreditas que é o público quem<br />

domina os acontecimentos...".<br />

6


PO4. A TENTATIVA DE INTERAGIR COM A TELEVISÃO<br />

1ª Tira - Trata-se da tira mencionada no parâmetro anterior, a 1ª da p.236, em que Mafalda conversa<br />

com o violinista para aliviar a angústia de que foi tomada ao assistir o noticiário.<br />

2ª Tira - 4ª tira, p.238. Gui, ainda bebê, está sentado no chão assistindo uma cena de amor pela TV -<br />

um casal se beija numa despedida. Na 4ª vinheta eles se afastam e a câmera de Quino dá um "close"<br />

na moça que está chorando. Na 5ª vinheta Gui tira a chupeta da boca e a estende para a moça que<br />

chora.<br />

3ª Tira - 4ª tira, p.293. Mafalda está sentada ao lado do rádio de pilha que costuma ouvir. De<br />

repente ela ouve o som de um soco - TÚCK! Na 2ª vinheta ouve o choro do irmão. Na 3ª já está ao<br />

lado dele, que segura a mão machucada, chorando muito, e a televisão ainda está balançando do<br />

soco que levou. Mafalda então diz: "Já te disse mil vezes que quem dá cabo dos maus é o rapaz,<br />

meu palerma altruísta!".<br />

PO5. LEITURA CRÍTICA DA PUBLICIDADE PELA TV<br />

1ª Tira - 2ª tira, p.222. Mafalda e Filipe estão conversando:<br />

Filipe - Viste na TV o anúncio do novo jogo de construções?<br />

Mafalda - Qual?<br />

Filipe (imitando a expressão entusiasmada do locutor do anúncio) - Aquele que diz: RAPAZIADA!<br />

CHEGOU A FELICIDADE PARA TODOS!<br />

Mafalda - Ah, sim!<br />

Na 4ª e última vinheta Filipe estende a mão mostrando uma pecinha miúda. Sua expressão é de<br />

desilusão, e a da Mafalda de susto. Filipe então diz: "Vê lá a felicidade que nos vendem pela TV".<br />

2ª Tira - 3ª tira, p.195. Mafalda e Filipe estão assistindo TV. Na tela a imagem de uma máquina de<br />

lavar roupa. O locutor fala: "Minha senhora, compre já a sua "Washex", a nova máquina automática<br />

de lavar roupa!". E continua na 2ª vinheta: "É tão simples que até uma criança a põe a funcionar!".<br />

Na 3ª e última vinheta Mafalda reage imediata e ferozmente, gritando para a televisão: "E para<br />

insinuarem que as senhoras estúpidas podem fazer uma coisa é preciso servirem-se de nós?".<br />

3ª Tira - 1ª tira, p.412. A TV está ligada e a vinheta está inteiramente tomada pela tela de TV. O<br />

locutor está no meio de um anúncio: "...E troque! Troque pela ultramoderníssima linha de fogões,<br />

máquinas de lavar, frigoríficos, caloríferos, hidroestractores, acondicionadores de ar, televisores,<br />

eletrocompressoras... "Na 2ª vinheta Mafalda desliga a TV. Na 3ª ela está desolada pensando: Bem,<br />

e quando a sociedade de consumo chegar à saciedade de consumo?<br />

7


4ª Tira - 5ª tira, p.373. Mafalda indignada com a torrente de anúncios, está em pé para desligar a TV<br />

e repetindo em voz alta: "USE", "COMPRE", "BEBA", "COMA", "PROVE"! "Vão passear!"...<br />

"Que pensam eles que nós somos?" Na 2ª vinheta ela está sentada desolada, pensando: E o que<br />

somos? Na 3ª vinheta ela volta a ligar a TV. Na 4ª vinheta está assistindo TV e pensando: Os<br />

ladrões sabem que nós ainda não o sabemos...<br />

5ª Tira - 5ª tira, p.386. A primeira vinheta está tomada pela tela da TV, que veicula um anúncio de<br />

uísque, mostrando um casal sorridente numa praia, e ao fundo um barco à vela. O locutor fala: "Os<br />

que sabem viver bebem uísque 'Black Grog'!". Na 2ª vinheta o pai da Mafalda que está em pé atrás<br />

dela se indigna e esbraveja com o punho cerrado: "E aqueles que sabem viver, mas o ordenado não<br />

lhes permite isso, COMO É?". Na 3ª vinheta, ele já se afastou e Mafalda toda envergonhada fala<br />

para a TV: "Perdoem-lhe. Ele tem a mania, coitado, de acreditar que a vida se parece mais com a<br />

vida que com os anúncios...".<br />

6ª Tira - 3ª tira, p.345. A Mafalda havia perguntado à mãe se podia ir ao jardim. A tira começa com<br />

a mãe, ausente da vinheta, mas sua voz falando: "Ao jardim? Não. É melhor ficares em casa. Podes<br />

ver um pouco de televisão, vá lá". Mafalda responde que está bem, mas fica tristonha. Na vinheta<br />

seguinte, Quino coloca verticalmente quatro cenas retratando a Mafalda assistindo TV. Na 3ª<br />

vinheta, Mafalda se aproxima da mãe, olhando para o chão. Sua mãe está sentada no sofá<br />

costurando. Mafalda então diz: "Mamã, os teus soalhos não têm o vislumbrante brilho de Cera-lux<br />

(e cantarola a música do anúncio de Cera-lux)". Na 4ª Mafalda está em pé no braço do sofá, ao lado<br />

da mãe, e mexendo em seu cabelo diz: "...e os teus cabelos...que secos e opacos, sem esse encanto<br />

natural que só 'Shampoo-flower' pode dar-lhe!". Na 5ª vinheta, ela segura a mão de sua mãe e diz:<br />

"Possuem as tuas mãos a fresca e juvenil suavidade de 'Nacar-creme'. É único porque contém Be...".<br />

A mãe que na 4ª vinheta ficou surpresa e sem saber o que fazer, na 5ª vinheta fica aparvalhada, os<br />

olhos esbugalhados e a língua de fora. Na 6ª e última vinheta, lá está Mafalda se afastando, pulando<br />

corda no jardim.<br />

PO6. LEITURA CRÍTICA DA TV<br />

1ª Tira - Trata-se da 2ª tira descrita em PO3 - a 3ª da p.309, em que Mafalda troca sem parar de<br />

canal e desiste de encontrar algo interessante na TV, concluindo que "Não! Há televisão em todos<br />

os canais!"<br />

2ª Tira - 4ª tira, p.362. Mafalda e Suzaninha estão assistindo uma telenovela que as está deixando<br />

muito deprimidas e Suzaninha começa a chorar. Mafalda também solta uma lágrima, mas frente ao<br />

desconsolo da amiga, diz: "Vá lá, Vá lá! Já não é mau que os argumentistass das telenovelas tenham<br />

8


a delicadeza de não mostrarem os protagonistas quando no meio dos seus dramas passionais,<br />

recebem as facturas da luz, da água e do telefone".<br />

3ª Tira - 2ª tira, p.110. Mafalda está assistindo uma cena de amor, um casal se beijando. Sua mãe<br />

está passando e fica sem graça e preocupada. Na 2ª vinheta ela desliga a TV e dá um livro para<br />

Mafalda, dizendo: "Lê antes 'O pequeno polegar". É mais próprio para a tua idade!". Na 3ª vinheta,<br />

Mafalda já está sentada num tapete redondo e lendo: "...e, às escuras, julgando atingir o pequeno<br />

polegar e oos seus irmãos, o Ogre matou as suas próprias filhas...". Na 4ª vinheta, Mafalda pára de<br />

ler e reflete (com o dedo no lábio): Esta é boa! Eu julgaria que, qualquer que fosse a idade, era<br />

preferível um beijo do que um crime!<br />

4ª Tira - 5ª tira, p.100. Mafalda está sentada no "puff" assistindo TV. Filipe está sentado próximo<br />

lendo uma revista e diz: "Já leste isto? Diz aqui que a TV é um veículo de cultura". Na 2ª vinheta<br />

Mafalda se vira para Filipe e pergunta: "Um veículo de cultura?". Ao que ele responde: "Sim".<br />

Nesse momento, na 3ª vinheta, vemos que na TV houve um violento tiroteio que assusta muito os<br />

dois. Na 4ª vinheta os dois estão ainda assustados e desolados e Mafalda, com a mão no estômago,<br />

diz: "Se isto é cultura, eu vou ali e já venho...".<br />

5ª Tira - 5ª tira, p.371. O pai da Mafalda se aproxima e lhe pergunta: "Que estás a ver, Mafalda?".<br />

Ela responde: "A luta". Na 2ª vinheta, o pai replica: "É teatro! Por que dizes que é a luta?". Na 3ª<br />

vinheta, para desolação do pai, Mafalda responde: "É a luta do dramaturgo. É apaixonante ver como<br />

luta para não cair nas garras da inteligência, papá!".<br />

6ª Tira - 1ª tira, p.274. Novamente o pai da Mafalda está passando e se aproxima perguntando: "Que<br />

estás a fazer com a televisão desligada?". Mafalda responde, na 3ª vinheta, deixando o pai<br />

pensativo, com a mão na boca: "Estou a pensar! Quero ter o gosto de poder pensar em frente da<br />

televisão, ao menos uma vez".<br />

7ª Tira - 1ª tira, p.253. Mafalda e Suzaninha estão sentadas num banco de jardim. Suzaninha conta o<br />

que ocorreu na noite anterior: "Ontem à noite a minha mãe foi para acender o televisor e ZÁS! Não<br />

funcionava!". Na 2ª vinheta ela continua: "De maneira que passamos tooodo o jantar e tooodo o<br />

tempo depois do jantar até irmos para a cama sem TEVÊ!". Ao falar isto ela pegou uma folha de<br />

árvore que estava no banco ao seu lado e a levou aos lábios. A 3ª vinheta retrata o silêncio total. Na<br />

4ª vinheta Suzaninha se vira para a Mafalda e diz com uma expressão de lástima: "Ontem à noite é<br />

que percebi como os meus pais são aborrecidos!".<br />

ANÁLISE DOS DADOS LEVANTADOS<br />

9


A MAFALDA é uma tira caricata e humorística. Como outras HQ, MAFALDA revela um<br />

pouco da condição humana. Lendo a MAFALDA podemos rir, chorar, nos indignar, conscientizar,<br />

criticar, revoltar, e talvez até nos transformar.<br />

Independentemente de ser um produto produzido em série e voltado para as massas, e como<br />

acontece com outras produções culturais, nas HQ há diversos gêneros, daí o risco de enquadrá-las<br />

num só modelo.<br />

Com o humor que proporciona uma leitura divertida e, ao mesmo tempo, altamente aguda,<br />

MAFALDA realiza, no gênero, a feliz conciliação do lúdico e do emancipatório, oportunizando a<br />

identificação com esses heróis do dia-a-dia e estimulando, pela exemplaridade, a postura crítica e o<br />

debate. 2<br />

2. MAGALHÃES, Lígia C. Em defesa dos Quadrinhos, in: ZILBERMAN, Regina (org.) A<br />

Produção Cultural para a Criança. Porto Alegre, Mercado Aberto Ed., 1982, pp.82-83.<br />

As HQ, em geral, de um lado não dão muitas informações, mas de outro permitem ao leitor<br />

preencher as lacunas, os silêncios das personagens com a sua própria percepção e imaginação; criar<br />

em cima das tiras. Além disso, elas permitem a construção de um novo conhecimento a respeito de<br />

vários fenômenos.<br />

Embora MAFALDA seja um produto da Indústria Cultural, se diferencia de outras HQ em<br />

alguns aspectos: Quino nunca teve equipe de desenhistas, sempre foi só e desenhou todas as tiras da<br />

MAFALDA; a MAFALDA não é atemporal; ela surge com cinco anos de idade e cresce até os<br />

nove. Ao surgir está se preparando para começar a escola no ano seguinte. Ela vai conhecendo a sua<br />

turma com o passar do tempo. Sua mãe engravida, nasce seu irmão Gui. Ela aprende a ler e a<br />

escrever e tenta desesperadamente relacionar o que aprende na escola com os livros, os meios de<br />

comunicação e a vida real. Ela e seus amigos tentam também estabelecer relações/comunicações<br />

dialógicas, conseguindo fazê-lo entre si, mas não com os adultos, com os professores e com os<br />

meios de comunicação.<br />

Eco 3 diz que ante a afirmação de que a finalidade comercial e o sistema de distribuição do<br />

produto HQ lhe determinariam a natureza, poder-se-ia responder que também nesse caso, como<br />

acontece na prática da arte, o autor de gênio é o que sabe resolver os condicionamentos em<br />

possibilidades. Sem dúvida, é nesta categoria que se insere Quino: um autor de gênio.<br />

Quando Acevedo 4 fala do leitor médio (o leitor passivo das HQ que ignora como funciona o<br />

meio através do qual recebe mensagens, os truques que o emissor utiliza para orientar suas emoções<br />

e suas idéias), diz que esse homem oprimido só poderá libertar-se a partir do desenvolvimento de<br />

10


sua consciência e à medida que esta lhe sirva para atuar em conjunto com outros homens,<br />

transformando-se a si mesmo e transformando seu mundo até instâncias qualitativamente<br />

superiores. É preciso compartilhar o conhecimento para que exista uma relação de diálogo,<br />

verdadeiramente entre iguais, uma relação libertadora.<br />

Quino consegue, através dos vários ângulos e enquadramentos/planos em que desenha as tiras,<br />

estimular a projeção, a identificação e o interesse por suas mensagens, por suas dúvidas, por suas<br />

contradições, etc.<br />

Os dados levantados através dos parâmetros de observação nos mostram exatamente a<br />

complexidade das idéias e sentimentos de Quino, em relação à TV.<br />

3. ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. 4ª ed., São Paulo, Perspectiva, 1990, p.158.<br />

4. ACEVEDO, Juan. Como fazer Histórias em Quadrinhos. São Paulo, Global Ed., 1980, p.17.<br />

Entre as inúmeras dificuldades que surgem ao nos propormos a pesquisar a "Comunicação", há<br />

três que mais se destacam: o fato da Comunicação ser uma das operações mais complexas que o<br />

homem conhece; o fato da Comunicação ser um "problema", e o fato de que a nossa dificuldade<br />

para entender e refletir sobre as coisas cresce em proporção à nossa familiaridade com elas.<br />

A Comunicação, assim como o Amor, a Visão, o Andar, é praticada por todos, e isto leva as<br />

pessoas a não sentirem necessidade de compreendê-la de um modo diferente. E, se isto ocorre ainda<br />

hoje, imagine-se em 1963, quando a MAFALDA começou a ser veiculada.<br />

Este dossiê (corpus), com tiras da MAFALDA que tratam da TV, pode ser utilizado pelos<br />

professores dos Cursos de Comunicação Social, em especial os de Teoria da Comunicação, como<br />

introdução à disciplina, logo no 1º ano.<br />

Embora Quino não fizesse parte da Academia, nem se propusesse a fazer pesquisas sobre<br />

Comunicação, era e é um comunicador que se expressa através de um dos meios de comunicação:<br />

as HQ e as charges. Além disso, conseguiu, de forma feliz, contribuir para as reflexões sobre a<br />

Comunicação, como talvez nem ele mesmo consiga imaginar.<br />

Em nossa prática pedagógica (como professora de didática e prática de ensino) tanto em nível<br />

de graduação como de pós-graduação, temos utilizado alguns dossiês da MAFALDA, sobre vários<br />

temas, através de algumas técnicas e métodos, como por exemplo: estudo dirigido, leitura crítica e<br />

metodologia sociodramática.<br />

11


Neste trabalho, até por questões de espaço, não nos é possível explorar e analisar todas as tiras<br />

da MAFALDA que enfocam a TV. Além disso, uma das características da técnica de pesquisa<br />

qualitativa - a análise de conteúdo - é justamente a abertura para inúmeras leituras do corpus<br />

analisado. Independentemente destas limitações/aberturas, acreditamos que seja possível levantar<br />

algumas propostas dos caminhos percorridos pelas pesquisas em Comunicação ao longo dos<br />

últimos 40 anos.<br />

Logo em PO1 (Parâmetros de Observação) - O PODER DE ENTORPECER O<br />

TELESPECTADOR, através das três tiras analisadas, vemos que, de um lado, Quino reconhece que<br />

a TV tem esse poder, não só sobre as crianças mas também sobre os adultos. Eles, mesmo tendo<br />

consciência do "perigo" que a TV representa na formação infantil, não conseguem se manter<br />

distantes o suficiente, sem se deixar entorpecer. De outro lado, ao "dirigir estas cenas", Quino está<br />

se posicionando criticamente e leva o leitor a fazê-lo também. A Mafalda que em tantos momentos<br />

é questionadora e crítica, aqui aparece como alguém totalmente manipulável e passiva.<br />

Ainda na linha da "ameaça" que a TV representa, tem-se em PO2 - O PODER DA TV DE<br />

ATROFIAR A IMAGINAÇÃO E A CAPACIDADE DE REFLETIR E INFERIR DAS<br />

CRIANÇAS (além de influir nas suas fantasias).<br />

Nas duas primeiras tiras percebe-se que Mafalda estava preocupada com a questão da<br />

imaginação/fantasia. Na 1ª tira, em que por um momento ela se imagina como astronauta na Lua, e<br />

nem percebe que teve essa fantasia, Quino mostra que a TV não tem esse poder mas, ao mesmo<br />

tempo, a fantasia que a Mafalda teve foi influenciada pelas imagens que ela viu na TV.<br />

seu pai.<br />

Na 2ª ele traz uma Mafalda atenta, que acompanha os noticiários de forma até mais crítica que<br />

Quanto à capacidade de inferência, na 3ª e 4ª tiras temos dois exemplos disso, e além disso<br />

Quino aponta para a "leitura" que cada telespectador faz do que assiste, mostrando que o poder não<br />

está todo no Emissor, nem só no que é exibido, mas também no que fará cada receptor com aquilo<br />

que está assistindo. Isto ocorrendo deixa claro que não há processo de comunicação se cada um lê<br />

na TV o que lhe vem à cabeça. É preciso transformar esse processo de recepção em interação, para<br />

que possa realmente ocorrer a comunicação.<br />

Na 5ª tira, Quino já aborda a nova onda das estatísticas, mostrando a impossibilidade de se<br />

estar à margem delas, mas ao mesmo tempo (com exceções, é claro) a sua inutilidade, a não ser para<br />

fins estritamente comerciais. Aparece o conflito: de um lado Miguelito não quer ser massa de<br />

manobra, e de outro ele gosta do "Patolino". Como administrar a angústia desta contradição sem<br />

entrar em depressão?<br />

12


PO3 - O PODER DE MUDAR DE CANAL. Nestas três tiras Quino retrata esse poder que o<br />

telespectador tem. Mas, ele critica não só a programação da TV (quando a Mafalda diz, após tentar<br />

vários canais: Não! Há televisão em todos) mostrando a pobreza de opções. Aproveita para criticar<br />

também o que ocorre no mundo. Além disso, já esboça o esforço, pelo menos das crianças, de fazer<br />

a leitura crítica do que é veiculado (quando ela diz para o pai: Se acreditas que é o público quem<br />

domina os acontecimentos...), e também a tentativa de transformar a TV num veículo interativo:<br />

Mafalda conversa com o violinista como se ele pudesse ouvi-la.<br />

Em PO4 - A TENTATIVA DE INTERAGIR COM A TELEVISÃO, não só a Mafalda tenta<br />

interagir com o violinista para compartilhar a angústia que a dominou com as notícias do mundo,<br />

como também seu irmão Gui, ainda um bebê, se comove com o sofrimento da moça e lhe oferece a<br />

chupeta, e na 3ª tira tenta ele mesmo "dar cabo dos maus", socando o monitor de TV.<br />

É admirável a genialidade de Quino de, há tanto tempo, ter conseguido captar e colocar na<br />

MAFALDA a carga que já então a publicidade exercia. Em PO5 - LEITURA CRÍTICA DA<br />

PUBLICIDADE PELA TV, logo na 1ª tira, ele denuncia a falsa publicidade que, através da<br />

linguagem subliminar, estimula a compra de produtos que não correspondem ao que foi prometido:<br />

o novo jogo de construções - Rapaziada, "Chegou a felicidade para todos!" E Filipe com uma<br />

mini-peça na mão, mostrando para a Mafalda "a felicidade que nos vendem pela TV".<br />

Na 2ª tira Quino critica a discriminação que a Publicidade faz contra as crianças: "Washex, a<br />

nova máquina de lavar roupa! É tão simples que até uma criança a põe a funcionar!". Mas, critica<br />

também a discriminação contra as mulheres e o machismo: a insinuação de que das mulheres não se<br />

espera mais inteligência do que de uma criança, e o locutor se dirige só à senhora: Lavar roupas é<br />

assunto só das senhoras... O importante é que Quino dirigia o olhar e o pensamento do leitor no<br />

início do movimento feminista, e numa só tira "abria a cabeça" para a leitura crítica da TV, da<br />

publicidade, do machismo e da discriminação contra as crianças.<br />

Na 3ª tira, após um porre de publicidades, Quino põe na boca da Mafalda o seu ideal utópico<br />

em relação ao consumo: "Bem, e quando a sociedade de consumo chegar à saciedade de<br />

consumo?".<br />

Na 4ª tira, a Mafalda após desligar a TV repete indignada os verbos usados em tom imperativo<br />

de ordem: USE; COMPRE; BEBA; COMA; PROVE; VÃO PASSEAR! E desolada reconhece que<br />

os publicitários fazem o que bem entendem com o telespectador pois este não se conhece ainda, não<br />

tem identidade, não é cidadão mas só um consumidor, é massa de manobra AINDA. Ao usar ainda,<br />

Quino mostra que espera que um dia as coisas mudem, que essa relação seja diferente.<br />

13


A 5ª tira, que traz um anúncio de uísque, mostra um dos raros rompantes de lucidez,<br />

consciência social e reação do pai da Mafalda. Ao ouvir "Os que sabem viver bebem uísque 'Black<br />

Grog' ", ele explode gritando para a TV com o punho cerrado: "E aqueles que sabem viver, mas o<br />

ordenado não lhes permite isso, como é?" Mas, logo em seguida, Mafalda representa a visão do<br />

Poder em relação à massa, se desculpando pelo arroubo indignado do pai, dizendo: "Perdoem-lhe .<br />

Ele tem a mania, coitado, de acreditar que a vida se parece mais com a vida que com os<br />

anúncios...".<br />

A 6ª tira é um exemplo claro da lavagem cerebral que faz a publicidade na criança. Quino<br />

mostra que, para ele, é muito melhor que a criança brinque num jardim, pulando corda, ao invés de<br />

ficar assistindo TV, principalmente as publicidades, e faz a mãe da Mafalda chegar a esta conclusão<br />

também.<br />

Através das tiras analisadas em PO6 - LEITURA CRÍTICA DA TV, Quino nos conduz por<br />

uma verdadeira leitura crítica da TV (é bom que se lembre que naquela época os movimentos de<br />

leitura crítica dos Meios de Comunicação de Massa e de Educação para a Comunicação, mal e mal<br />

se iniciavam). Ele foi, sem dúvida um precursor.<br />

Na 1ª tira a conclusão de que não há diferença entre os canais de TV, e de que não há nada de<br />

interessante para assistir!<br />

Na 2ª tira, mesmo a telenovela que leva as pessoas às lágrimas não retrata a VIDA REAL, os<br />

verdadeiros problemas do dia-a-dia, "os protagonistas quando no meio dos seus dramas passionais,<br />

recebem as facturas da luz, da água e do telefone!".<br />

Na 3ª tira, os valores distorcidos pelos adultos: a Mafalda não pode assistir cenas de amor pela<br />

TV, mas sua mãe lhe dá "O Pequeno Polegar" para ler, em que o Ogre pensando matar o pequeno<br />

polegar e seus irmãos, matou as suas próprias filhas. E é a Mafalda que ensina aos adultos: Esta é<br />

boa! Eu julgaria que, qualquer que fosse a idade, era preferível um beijo do que um crime! Esta tira<br />

nos remete ao caso do garoto de 6 anos que no ano passado foi expulso de uma escola nos EUA<br />

após ter beijado uma colega. Seguramente nessa escola ocorrem casos de brigas entre as crianças<br />

todos os dias e nenhuma delas é expulsa por isso.<br />

Na 4ª tira o foco está na CULTURA. Filipe lê numa revista que a TV é um veículo de cultura, e<br />

conta isso para a Mafalda, justamente no momento em que num filme acontece um violento tiroteio<br />

que os assusta. Mafalda diz: Se isto é cultura, eu vou ali e já venho..., insinuando, com a mão no<br />

estômago, que vai vomitar.<br />

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Na 5ª tira, a crítica feroz ao baixo nível dos programas que visam tudo menos o<br />

desenvolvimento da inteligência, nem o respeito à inteligência do telespectador.<br />

A 6ª tira chama a atenção para o ritmo alucinante imposto pela programação, além de criticar a<br />

linguagem televisiva. Mafalda se sente sufocada com este ritmo e linguagem, e para poder "ter o<br />

gosto de poder pensar em frente da televisão, ao menos uma vez", o jeito é ficar na frente da TV<br />

desligada. Aparentemente Quino entra em contradição, pois em várias tiras ele desenha a Mafalda e<br />

a sua turma reagindo criticamente mesmo com a TV ligada, e agora ataca o poder que a TV tem de<br />

impedir os telespectadores de pensarem enquanto a assistem. Mas, é justamente este um dos<br />

principais problemas dos Meios de Comunicação de Massa: a contradição em que caímos, pois de<br />

um lado criticamos o jornal, a revista, o rádio, a TV, o cinema, e de outro nos deixamos seduzir e<br />

lemos jornal e revista, ouvimos rádio e assistimos a TV e os filmes.<br />

Na 7ª tira Quino mostra que quando se fica sem a TV, por algum motivo, é que se percebe a<br />

sua importância e o papel que ela desempenha no seio de muitas famílias. Suzaninha desolada conta<br />

para a Mafalda que na noite anterior ela e os pais tiveram que passar "tooodo o jantar e tooodo o<br />

tempo depois do jantar até irmos para a cama sem TEVÊ! "E depois de alguns instantes ela confessa<br />

para a Mafalda: "Ontem à noite é que percebi como os meus pais são aborrecidos!".<br />

Quino chama a atenção, de um lado, para o espaço ocupado pela TV, que preenche o vazio que<br />

foi aos poucos se estabelecendo em famílias que não têm mais diálogo, e de outro lado ele desenha<br />

a Mafalda e sua família sentados à mesa comendo e conversando. Novamente as contradições!<br />

CONTRADIÇÕES<br />

Contradição é a palavra que melhor define a relação da maior parte das pessoas com os Meios<br />

de Comunicação de Massa, em especial com a TV.<br />

Quino, há mais de trinta anos, já percebera a "Comunicação" como medição técnica e cultural,<br />

e assumia o mar de contradições em que navegava.<br />

Assim como pudemos levantar alguns parâmetros de observação nestas tiras pinçadas da obra<br />

de Quino, o mesmo procedimento em relação a todas as outras tiras da MAFALDA que abordam a<br />

TV podem nos proporcionar outros aspectos desta delicada relação.<br />

Além das contradições mencionadas ao longo da análise das tiras, as pessoas que as<br />

compreendem e as assumem com típicas de uma sociedade como a nossa, deparam-se com outras<br />

dificuldades já percebidas então por Quino. Várias questões podem ser colocadas: como conciliar a<br />

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manipulação da publicidade com as contradições do ser humano; que a TV comercial dá a<br />

mensagem e ao mesmo tempo a cartilha que ensina a ler essa mensagem; que o pobre vê o mundo<br />

pelos olhos da burguesia; as pessoas não conseguem ver a Comunicação como um "problema", pois<br />

acham que ela é feita para distrair; por que o monopólio das telecomunicações brasileiras está<br />

concentrado nas mãos de umas doze famílias, somente.<br />

Por outro lado, cabe perguntar: e se tivéssemos um canal de TV, o que faríamos com ele? O<br />

que gostaríamos que aparecesse nos Meios de Comunicação?<br />

Quino, consciente ou inconscientemente, apontava, na MAFALDA, caminhos que poderiam<br />

transformar a TV em algo que vai além de simples veículo de entretenimento.<br />

Através das tiras ele nos convida a refletir sobre o que a TV é, e o que ela poderia vir a ser.<br />

Além de conciliar o lúdico com o emancipatório, promove a identificação do leitor com suas<br />

personagens, a consciência crítica e o questionamento. Conscientiza os leitores (de qualquer idade)<br />

do perigo do entorpecimento e com isso aponta que um dos esforços para transformar essa TV é<br />

evitar o entorpecimento, a passividade.<br />

Embora a seu ver a TV não atrofie a imaginação e a capacidade de refletir e inferir das<br />

crianças, exerce forte influência no conteúdo das imaginações e fantasias. Na verdade, é a mesma<br />

influência que em outras épocas os contos de fadas, a Bíblia, os contos de encantamento, o folclore,<br />

etc, exerceram em outras gerações. A ética e a estética poderiam vir em auxílio dos produtores.<br />

E as pesquisas de mercado e de opinião pública? Mesmo que não se possa detê-las é possível<br />

ampliar as pesquisas qualitativas, mas de forma que estejam voltadas para o conteúdo da<br />

programação, e sirva de referencial para a criação de novos programas, de acordo com os anseios,<br />

as necessidades e os desejos da massa, já que se trata de meios de comunicação de massa. Que<br />

sejam incorporados os excluídos.<br />

Quino procura ensinar que a massa tem um poder que desconhece e pode exercê-lo: mudar o<br />

canal ou desligar a TV, caso não lhe agradem os programas.<br />

Ele sugere a possibilidade de transformar a TV em veículo interativo, e nós acrescentamos: não<br />

só no sentido de opinar de vez em quando segundo o que é imposto pelo emissor, mas tendo acesso<br />

à produção da programação. É difícil, mas não impossível!<br />

Quanto à publicidade: que seja honesta e não faça uso da linguagem subliminar para induzir ao<br />

consumo inconsciente. Além disso, que não discrimine nenhum segmento da sociedade.<br />

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Utopicamente, que o novo telespectador tenha consciência de que está consumindo por<br />

necessidade e não por induzimento; que saiba distinguir as manobras publicitárias da verdadeira<br />

vida.<br />

Que as TVs disputem o telespectador pela qualidade dos programas, e que se toque em<br />

problemas do cotidiano nas telenovelas.<br />

Pais e educadores e demais responsáveis pela educação das crianças devem promover reflexões<br />

sobre os valores a serem passados para as crianças, para evitar distorções como a apontada por<br />

Quino: "é preferível um crime a um beijo!".<br />

Que a TV seja verdadeiramente um veículo de cultura; que os programas representam desafios<br />

à inteligência.<br />

Que o ritmo acelerado dê lugar a um tempo parecido com o do teatro, por exemplo, em que os<br />

espectadores têm condições de elaborar as mensagens recebidas, e têm espaço para tecer suas<br />

críticas. Que a TV não só permita que o telespectador pense na sua frente mas que possa interagir<br />

e/ou até ocupar um lugar na produção dos programas.<br />

Que a TV se transforme num fator de agregação, de união, de estímulo ao diálogo, à<br />

convivência, à fraternidade, de conquista da cidadania.<br />

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