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A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS SOB O ... - Unar

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A <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> <strong>NAS</strong> <strong>AÇÕES</strong> <strong>COLETIVAS</strong> <strong>SOB</strong> O PRISMA DO CÓDIGO DE<br />

DEFESA DO CONSUMIDOR<br />

1. Introdução<br />

Jorge Roberto Vieira AGUIAR FILHO *<br />

A coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença; é a imutabilidade do comando<br />

determinado pela decisão não mais passível de recurso, com caráter vinculante para os juízes.<br />

Existiam questões em nosso direito onde os julgadores não sabiam como aplicar, ou melhor,<br />

como entender o alcance da coisa julgada, com relação aos seus limites.<br />

Exemplo disso ocorria nas ações coletivas. Como aplicar os efeitos da coisa julgada nessas<br />

ações, já que a doutrina tradicional, na forma tratada para as ações individuais não se<br />

adequava, pois previa que valeria ela somente para as partes entre as quais era proferida a<br />

decisão, não prejudicando nem beneficiando terceiros (Art. 472 do CPC).<br />

Num primeiro momento, em nosso ordenamento jurídico, tratou-se do assunto quando, ao<br />

regulamentar as Ações Populares (Lei 4.717/65, Art. 18) e posteriormente a Ação Civil<br />

Pública (Lei 7.347/85, Art. 16), ampliou os limites subjetivos da coisa julgada para alcançar<br />

terceiros (ultra partes).<br />

Visava, com isso, proteger o direito dos legitimados que não tivessem intervindo no processo<br />

a submissão à autoridade da coisa julgada, por não haver representatividade adequada,<br />

evitando-se possíveis conluios entre algum dos legitimados ativos e os réus, para prejudicar<br />

interesses e direitos.<br />

Ao tratar do assunto da coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor, nos Artigos 103 e<br />

104, ampliou ainda mais o Legislador a extensão dos efeitos da coisa julgada, tendo em<br />

consideração as particularidades de cada uma das formas de interesses coletivos estabelecidas<br />

no Art. 81 e parágrafos do referido Código, quais sejam, difusos, coletivos ou individuais<br />

homogêneos.<br />

O alcance da coisa julgada, criado pelo art. 103 do CDC, tem mais amplitude conferida pelos<br />

parágrafos 3o e 4o, estendendo os efeitos da coisa julgada também para as ações coletivas<br />

tratadas pela Lei de Ação Civil Pública e a sentença penal condenatória.<br />

Algumas das principais novidades introduzidas pelo CDC com relação à coisa julgada foram:<br />

a) Somente a sentença favorável nas ações coletivas terá seu efeito extensivo a todos. Caso<br />

improcedente a ação coletiva, nada obsta que os interessados pleiteiem em Juízo aquele<br />

mesmo direito de forma individual (secundum eventum litis).<br />

b) Nasce com o novo Código modalidade até então somente existente com relação às<br />

sentenças penais condenatórias transitadas em julgado. A sentença da ação coletiva legitima a<br />

imediata liquidação e execução individual pelos danos sofridos (in utilibus).<br />

* Professor do Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson” – UNAR. Mestrando em Direito pela<br />

Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Coordenador Jurídico da Câmara Municipal de Araras e Advogado<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.


c) Ocorre a extensão subjetiva do julgado para beneficiar terceiros.<br />

d) A litispendência (identidade de partes, causa de pedir e objeto) tem tratamento diferenciado<br />

no CDC. O art. 104 concede ao autor individual a faculdade de suspender sua ação até o<br />

julgamento da ação coletiva, para poder se sujeitar aos feitos da coisa julgada na ação<br />

coletiva, caso seja ela procedente.<br />

Contudo, não o obriga a tal atitude, podendo ele prosseguir com sua ação, não se sujeitando<br />

aos efeitos da coisa julgada mesmo que favorável.<br />

Passaremos a examinar as formas de incidência da coisa julgada nas ações coletivas, em<br />

especial no que diz respeito aos seus efeitos subjetivos, que sofreram maiores alterações após<br />

o advento do Código de Defesa do Consumidor.<br />

2. Conceito de coisa julgada<br />

A autoridade da coisa julgada não é o efeito ou um efeito da sentença, mas<br />

uma qualidade e um modo de ser e de manifestar-se de seus efeitos,<br />

quaisquer que sejam, vários e diversos, conforme as diversas categorias das<br />

sentenças.<br />

Essa foi a definição sugerida por Liebman (1984), para quem a coisa julgada não seria um<br />

efeito da sentença, nem tampouco a simples eficácia desta, distinguindo, assim, coisa julgada<br />

de eficácia natural da sentença, sendo esta última apenas um comando eficaz, por emanar do<br />

Estado, representado pelo juiz.<br />

Dentro dessa teoria, explica o ilustre processualista de que forma solucionar o problema com<br />

relação à eficácia do julgado perante terceiros, estando todos sujeitos à eficácia natural da<br />

sentença, sendo que, somente com relação às partes, uma vez passada em julgado a sentença,<br />

seus efeitos se tornam imutáveis, não atingindo os terceiros.<br />

A teoria de Liebman influenciou diversos doutrinadores, dentre os quais os legisladores<br />

brasileiros que, seguindo sua teoria, incluíram no Código de Processo Civil, em seu Art. 472,<br />

a seguinte orientação normativa: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada,<br />

não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.<br />

Para Humberto Theodoro Junior (1999, p.528), tem se a res iudicata, como qualidade da<br />

sentença, assumida em determinado momento processual. Não sendo um efeito da sentença,<br />

mas a qualidade dela representada pela “imutabilidade” do julgado e de seus efeitos.<br />

Se não fosse esse instituto da coisa julgada, teríamos as demandas eternizadas, onde jamais<br />

alguma coisa no mundo jurídico teria fim, não haveria nenhuma estabilidade dessas relações e<br />

o caos estaria instalado. Incertas restariam as relações sociais, com a possibilidade de<br />

perpetuação dos litígios, se as decisões jurisdicionais não adquirissem a definitividade. Esta é<br />

a razão pela qual a lei criou o instituto da coisa julgada, que inclusive é prevista<br />

constitucionalmente no art. 5º, XXXVI.<br />

Trataremos a seguir da coisa julgada material e da coisa julgada formal.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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3. Coisa julgada material e formal<br />

Como já vimos, a sentença não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em<br />

julgado, tornando-se imutável dentro do processo.<br />

Configura-se coisa julgada formal, de acordo com Ada Pellegrini Grinover (ARAUJO<br />

CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p.305), a sentença, como ato do processo, que<br />

não pode ser reexaminada. É a imutabilidade em razão da preclusão das impugnações e dos<br />

recursos, isto é, a coisa julgada formal representa a preclusão máxima, extinguindo o direito<br />

naquele processo. Ocorrendo isso, o Estado cumpre o serviço jurisdicional que lhe foi<br />

requerido, julgando seu mérito, ou no mínimo, desenvolvendo as atividades necessárias para<br />

declarar inadmissível o julgamento do mérito, tratando se aí de uma sentença terminativa.<br />

Quanto à coisa julgada material, segundo Renato Rocha Braga (2000, p.22), somente nas<br />

sentenças onde há um pronunciamento sobre o mérito, estipulado pelo autor através do<br />

pedido, podemos falar em coisa julgada material. Nesse sentido, as sentenças meramente<br />

terminativas, que estão elencadas em nosso Código processual civil no rol do artigo 267, não<br />

possuem força de impedir que a questão seja novamente trazida a juízo, por não haver<br />

manifestação do Estado-juiz sobre o pedido. No que tange ao rol do artigo 269 do mesmo<br />

Código é que devemos falar em coisa julgada material, pois em todos eles há uma questão de<br />

direito material presente.<br />

A distinção então que se faz entre a coisa julgada formal e coisa julgada<br />

material, advém da separação entre o direito de ação e o direito material.<br />

Naquele, há garantia de que, preenchidas certas condições (interesse de agir,<br />

possibilidade jurídica do pedido e legitimidade da partes), alguém possa<br />

ingressar em juízo pleiteando um bem da vida (sua pretensão). Este ingresso<br />

não está subordinado à existência de razão em seu pedir, isto é, a existência<br />

do direito no qual se funda sua pretensão. A manifestação do Estado-Juiz<br />

sobre a existência somente se dará quando da decisão final, da sentença. Até<br />

lá, o autor exerceu seu direito de ação, independente de qualquer<br />

manifestação sobre seu direito material. (BRAGA, 2000, p.23)<br />

Assim, como bem menciona Humberto Theodoro Junior (1999, p.530), em toda causa em que<br />

o juiz extinguir o processo sem julgamento de seu mérito ou apreciando os pedidos, hipótese<br />

em que, qualquer que seja a solução, haverá de submeter-se às conseqüências da res iudicata.<br />

4. Coisa julgada nas ações coletivas<br />

Nos séculos XII e XIII, a sentença era tida como verdade e eficaz perante as partes. Também<br />

naquela época a sentença fazia o direito, com eficácia perante terceiros. Já nos séculos<br />

subseqüentes, a sentença passou a ter eficácia erga omnes, oponível a todos (MIRANDA,<br />

2005).<br />

A coisa julgada nas ações coletivas pode ser erga omnes ou ultra partes. Aprendemos em<br />

tempos acadêmicos que o efeito erga omnes é aquele com eficácia contra todos e o ultra<br />

partes é aquele que sua eficácia vai além das partes.<br />

Erga omnes deve significar que os efeitos da coisa julgada devem se projetar para toda a<br />

comunidade, de forma que os que sejam titulares do direito lesado possam deles se valer.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Ultra partes apresenta-se como um sentido mais restrito, referindo-se os doutrinadores que a<br />

acepção ainda não possui definição específica; Arruda Alvim, citado por Glauber Moreno<br />

Talavera (2004), diz que “a eficácia ultra partes tem sido explicada pela literatura, não<br />

especificamente referente a ações coletivas, como sendo uma hipótese de eficácia,<br />

transcendente às partes, como decorrência da circunstância de ter atuado, no processo, um<br />

legitimado extraordinário”. Eis que a produção de efeitos da coisa julgada formada segundo<br />

este critério, numa abrangência menor que aquela eficácia erga omnes, pois a noção de<br />

grupo, classe ou categoria permite um grau de individualização maior.<br />

O Direito positivo pátrio ao tratar da eficácia da coisa julgada nas ações<br />

coletivas é que determina em quais sentenças o efeito será erga omnes ou<br />

ultra partes.<br />

Do disposto no art. 103, combinado com o art.81, do CDC, pode-se concluir:<br />

a) que nas ações coletivas que envolvam interesses ou direitos difusos, a<br />

coisa julgada terá efeito erga omnes;<br />

b) que nas ações coletivas que envolvam interesses ou direitos coletivos, a<br />

coisa julgada terá efeito ultra partes;<br />

c) que nas ações coletivas que envolvam interesses ou direitos individuais<br />

homogêneos a coisa julgada terá efeitos erga omnes. (MIRANDA, 2005)<br />

Para melhor esclarecer o que foi acima mencionado, quando os direitos ou interesses forem<br />

difusos (transindividuais de natureza indivisível, titulados por pessoas indeterminadas e<br />

ligadas por circunstâncias de fato), a sentença terá efeito erga omnes, pois deve atingir a<br />

todos, tendo em vista a impossibilidade de determinação dos beneficiados pela decisão.<br />

Se, por ventura, os direito ou interesses forem coletivos, isto é, aqueles transindividuais<br />

também de natureza indivisível, mas que seja o titular um grupo, categoria ou classe de<br />

pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base, a sentença<br />

proferida terá efeito ultra partes, pelo motivo de que apenas um grupo de pessoas pode ser<br />

determinado.<br />

No entanto, se os direitos ou interesses forem individuais homogêneos, isto é, aqueles de<br />

origem comum, a sentença proferida terá efeitos erga omnes, tendo em vista também a<br />

dificuldade de determinar aqueles que serão beneficiados pela decisão.<br />

Antonio Gidi (1995, p.58), acertadamente discorre sobre o foco principal de nosso trabalho,<br />

mencionando que a principal nota caracterizadora da coisa julgada nas ações coletivas em<br />

face da coisa julgada tradicional, é a imperativa necessidade de delimitar, de maneira<br />

diferenciada, o rol de pessoas que deverão ter suas esferas jurídicas atingidas pela eficácia da<br />

coisa julgada, dentro de sua característica primordial que é a imutabilidade do comando da<br />

sentença.<br />

No que diz respeito aos direitos indivisíveis, e nesse rol se encontra os direitos difusos e os<br />

coletivos, principalmente por serem insusceptíveis de divisão em quotas atribuíveis a cada<br />

qual dos interessados, a satisfação de um implicará na satisfação de todos, e também podemos<br />

igualar nesse aspecto que a lesão de um também será a lesão de toda a coletividade.<br />

Para melhor esclarecer, cabe mencionar que a sentença proferida atingirá necessariamente a<br />

esfera jurídica de todos os membros da coletividade ou daquele determinado grupo, que,<br />

conforme consta no artigo 81 do CDC, parágrafo único, I e II, são os verdadeiros e únicos<br />

titulares do direito em litígio.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Para Talavera (2004), embora haja autores que não reconheçam diversidade conceitual na<br />

aplicação dos termos erga omnes e ultra partes, a doutrina justifica a utilização discriminada<br />

das expressões, a par da natureza do direito protegido, dizendo os adeptos desta técnica que<br />

são distintos os efeitos que emergem das situações dirigidas erga omnes daquelas outras<br />

dirigidas ultra partes.<br />

Gidi (1995) sabiamente também nos chama a atenção em que, se levarmos em conta que é<br />

inadmissível a existência de formação de um litisconsórcio, nesse caso o litisconsórcio<br />

necessário (decorrente da própria indivisibilidade) composto por todos os interessados no<br />

conflito, iremos perceber que a verdadeira utilidade prática das ações coletivas é a solução dos<br />

conflitos de massa.<br />

Não podemos também, com a instauração de uma demanda coletiva, obstar o ajuizamento das<br />

demandas individuais, tentando criar aí uma figura criticada pelos doutrinadores do assunto<br />

que é um tipo de “legitimidade extraordinária exclusiva”, pois sacrificaria os direitos<br />

individuais de terceiros, e não se pode descartar, nesse caso, a possibilidade de existência de<br />

fraude organizada para prejudicá-los, ficando o processo nesse caso, uma grave ameaça para<br />

aqueles que dele não participaram.<br />

As garantias constitucionais já conquistadas também não podem ser esquecidas,<br />

principalmente a inafastabilidade do controle jurisdicional a lesão ou ameaça de lesão a<br />

direito, e não dando oportunidade de terceiros a virem defender seus direitos também<br />

estaríamos ferindo o disposto constitucional do contraditório e da ampla defesa.<br />

Há um problema de difícil solução quando nos deparamos com a coisa julgada da decisão que<br />

rejeita a demanda, e por outro lado, se às ações coletivas não se autorizar a extensão da<br />

imutabilidade do seu julgado perante terceiros, estaríamos diante do caos comentado<br />

anteriormente, pois se multiplicariam as ações semelhantes com o mesmo intuito, sendo<br />

diferentes somente em suas partes e com idêntica causa de pedir e pedido, abarrotando da<br />

mesma forma o Judiciário.<br />

Se partíssemos pela assertiva que a extensão erga omnes da coisa julgada nas sentenças de<br />

improcedência não poderia prevalecer, talvez a própria razão de ser das ações coletivas<br />

perderia sua característica e como Ada P. Grinover, citada por Gidi (1995), com propriedade<br />

disse – “é da própria índole das ações coletivas a extensão do julgado “ultra partes” ou “erga<br />

omnes”.<br />

Concluímos, portanto, acompanhando os ensinamentos de Antonio Gidi, que “se após o<br />

trânsito em julgado da sentença coletiva qualquer interessado precisasse discutir novamente o<br />

litígio em outro processo para obter a tutela do seu direito, de nada teria servido a propositura<br />

da ação coletiva”.<br />

Há a necessidade de analisar individualmente algumas diversas particularidades da coisa<br />

julgada nas Ações Coletivas, lembrando sempre ao leitor desse trabalho que nosso foco<br />

principal é a coisa julgada nas ações coletivas sob o prisma do Código de Defesa do<br />

Consumidor.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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5. Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública<br />

Como ensina Luiz Manoel Gomes Junior (2005), a coisa julgada na Ação Civil Pública está<br />

disciplinada no art. 16 da Lei 7.347/85 e produzirá efeito erga omnes nos limites territoriais<br />

do órgão prolator, a não ser naqueles casos de improcedência por insuficiência de provas, e<br />

nesse caso sim, poderá haver um outro ajuizamento de idêntica demanda, isto é, com as<br />

mesmas partes, pedido e causa de pedir, desde que embasado em nova prova.<br />

Ponderando Nelson Nery, citado na obra de Luiz Manoel Gomes Junior (2005, p.192), que<br />

nas ações coletivas com pedido de natureza difusa ou coletiva, a coisa julgada será<br />

obviamente erga omnes, ou ultra partes (mas limitada ao grupo ou categoria). Sendo o caso<br />

de improcedência por insuficiência de provas, não haverá autoridade da coisa julgada,<br />

podendo o próprio autor ou qualquer outro legitimado repropor a ação, desde que, como<br />

mencionado acima, valendo-se de nova prova.<br />

Em nosso Código de Defesa do Consumidor, o sistema é mais completo e com detalhes, onde<br />

se disciplina a coisa julgada sob os vários aspectos de direitos coletivos, ou seja, direitos<br />

difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme art.103 do CDC.<br />

Para José Maria Rosa Tesheiner (1992), o Código do Consumidor é lei especial em relação à<br />

Lei n. 7.347, que regula a ação civil pública, podendo-se imaginar que, no futuro, se utilizará<br />

a expressão “ação civil pública” com referência às ações coletivas pró-interesses difusos<br />

relativos ao meio ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,<br />

paisagístico e outros, com exclusão dos relativos às relações de consumo; utilizar-se-á a<br />

expressão “ações coletivas”, com referência às voltadas à tutela do consumidor.<br />

A titulo ilustrativo, a Lei n.º 9.494/ 97, que “Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra<br />

a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências”,<br />

tentou instituir uma nova sistemática na questão relativa à coisa julgada nas ações civis<br />

públicas, tendo disciplinado que o artigo 16 da Lei nº 7.347/85 passaria a ter nova redação, no<br />

sentido de que os efeitos "erga omnes" estariam restritos à competência territorial do órgão<br />

prolator da decisão.<br />

O artigo 16, na redação dada pela Lei 9494/97 diz o seguinte:<br />

A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência<br />

territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por<br />

insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar<br />

outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.<br />

Tal artigo da lei nos leva a crer que a questão de saber quais as pessoas atingidas por essa<br />

autoridade da coisa julgada deve ser tratada sob a rubrica dos limites subjetivos desse instituto<br />

processual da coisa julgada.<br />

Para o promotor de Justiça Paulo Valério Dal Pai Moraes (2005), tudo assim reflui para que a<br />

resposta judiciária, no âmbito da jurisdição coletiva, desde que promanada de juiz<br />

competente, deve ter eficácia até onde se revele a incidência do interesse objetivado, e por<br />

modo a se estender a todos os sujeitos concernentes, e isso, mesmo em face do caráter unitário<br />

desse tipo de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judicial, evitando assim<br />

decisões conflitantes.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Por exemplo, se o pedido numa ação civil pública em curso perante juiz competente (Lei<br />

7.347/85, art. 2º, c/c CDC, art. 93) é que se interdite a fabricação de medicamento tido como<br />

nocivo à saúde humana, a resposta judiciária (inclusive como liminar) não pode, a nosso ver,<br />

sofrer condicionamento geográfico, seja porque não caberia falar numa saúde paulista, distinta<br />

de uma saúde mineira, como bem frisou Luiz Manoel Gomes Junior 1 , seja porque, de outro<br />

modo, se teria que admitir a virtualidade de ação coletiva concomitante, em outra sede, ao<br />

risco da prolação de julgados porventura contraditórios, gerando caos e perplexidade.<br />

Outro exemplo que podemos citar é em uma ação civil pública ambiental, onde se pede a<br />

interdição do uso de mercúrio no garimpo de ouro, atividade realizada ao longo de um rio que<br />

atravessa por vários Estados, como a decisão judicial que acolhe a ação poderia ser realmente<br />

eficaz, se os seus efeitos práticos ficassem circunscritos em termos dos limites territoriais do<br />

Juízo prolator da decisão? Somente naquele Estado?<br />

Por esses motivos que, aliás, o art. 93 do CDC não distingue dano nacional, regional e local.<br />

Cabe mencionar aqui também que, conforme narra Ada Pellegrini Grinover (2005), que já é<br />

uma posição assumida pelo Superior Tribunal de Justiça, compete à justiça estadual, em<br />

primeiro grau, processar e julgar ação civil pública visando à proteção do patrimônio e meio<br />

ambiente, mesmo no caso de comprovado interesse da União no seu deslinde. Nesse sentido,<br />

o tribunal reconheceu a compatibilidade do art. 2º,LACP com o art. 109, §§ 2º e 3º, da CF. 2<br />

Por esse motivo, seria uma afronta à aplicação da justiça não considerar que o trânsito em<br />

julgado de uma ação coletiva, julgada por vários Juízes e Desembargadores, não pudesse<br />

espalhar seus efeitos para todos aqueles que eventualmente tenham sido lesados pela mesma<br />

"origem comum" (seja ela decorrente de uma circunstância fática - interesses difusos – ou de<br />

uma relação jurídica base - interesses coletivos stricto sensu) (MORAES, 2005).<br />

Diante do exposto, é evidente que a Lei nº 9.494/97, quando objetivou alterar o artigo 16 da<br />

Lei nº 7.347/85, na interpretação esta que, com a devida vênia temos por incorreta, feriria<br />

frontalmente o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor.<br />

6. A coisa julgada na Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor<br />

Previa a Carta Magna que deveria o legislador criar mecanismos para a defesa do consumidor.<br />

Tal lei veio a ser criada, através do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, que<br />

surgiu para dar um tratamento preferencial ao consumidor em suas relações com os<br />

fornecedores, considerando as partes como desiguais, com relação a informação e<br />

conhecimentos técnicos, trazendo, assim, uma maior proteção ao consumidor como<br />

hipossuficiente nas relações de consumo.<br />

Para tanto, estabeleceu diversos regramentos específicos para assegurar a defesa de interesses<br />

e direitos coletivos e difusos, que já eram protegidos pela LACP, ampliando, contudo, o<br />

alcance dessa defesa coletiva também para os interesses e direitos individuais homogêneos,<br />

assim considerados os de natureza divisível, cujos titulares são determinados, decorrentes de<br />

origem comum, razão pela qual podem ser defendidos de maneira coletiva.<br />

1 Notas de aula.<br />

2 Conflito de competência nº 2.230-RO, j. 26.11.91, rel.min. Pádua Ribeiro, com referências doutrinárias e<br />

jurisprudenciais, inclusive ao voto do min. Carlos Mário Velloso (2ª turma do ex-TRF, AI 51.132-RJ, rel. min.<br />

Otto Rocha).<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Para cada uma dessas espécies de defesa de direitos e interesses coletivos, criou o Código do<br />

Consumidor uma forma de extensão dos efeitos subjetivos da coisa julgada sendo, em<br />

qualquer dos casos, extensivos os efeitos ultra partes, já que o bem tutelado pertence a uma<br />

coletividade de pessoas.<br />

Trataremos aqui de cada uma delas em separado, por existirem diferenças básicas entre a<br />

aplicação dos efeitos da coisa julgada em cada caso.<br />

- Nas ações coletivas para a defesa de interesses e direitos difusos, a coisa julgada tem<br />

ampliação de seus efeitos erga omnes, ou seja, extensivo a toda a coletividade, exceto se o<br />

pedido for julgado improcedente por falta de provas (Art. 103, I e parágrafo 1o).<br />

- Nas ações coletivas para defesa de interesses e direitos coletivos de determinado grupo ou<br />

classe, os efeitos da coisa julgada serão extensivos ultra partes, mas restritos àqueles grupos<br />

ou classe envolvida, exceto se julgada improcedente por falta de provas (Art. 103, II e<br />

parágrafo 1o).<br />

- Nas ações pra defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, os efeitos da coisa<br />

julgada serão extensivos erga omnes somente em caso de procedência do pedido, e nos casos<br />

de improcedência, somente àqueles que intervieram no feito (Art. 103, III e parágrafo 2o).<br />

Não há aqui a hipótese de repropositura da ação em caso de improcedência por insuficiência<br />

de provas, uma vez que todos os interessados serão chamados a intervir no processo através<br />

da publicação prevista pelo Art. 94 do CDC.<br />

7. Do transporte da coisa julgada in utilibus para as ações de indenização por danos<br />

pessoalmente sofridos<br />

Inovou, novamente, o Código de Defesa do Consumidor, ao criar dispositivo que permite a<br />

extensão dos efeitos da coisa julgada que vier a ser formada na Ação Civil Pública, bem como<br />

na sentença penal condenatória, para as ações de indenização por danos pessoalmente<br />

sofridos.<br />

Tal extensão está prevista nos parágrafos 3o e 4o, do Art. 103, do CDC, cujo teor é o<br />

seguinte: “§ 3º. Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13<br />

da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos<br />

pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista nesse Código mas, se<br />

procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder a<br />

liquidação e a execução, nos termos dos arts. 97 a 100.<br />

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória”.<br />

Como se pode depreender dos dispositivos acima transcritos, prevê o legislador que haverá a<br />

extensão dos efeitos da coisa julgada porém tal extensão somente ocorrerá para beneficiar as<br />

vítimas e seus sucessores, não podendo em qualquer hipótese prejudicá-los.<br />

Tal extensão foi denominada – exatamente pelas razões já apontadas – como in utilibus, pois<br />

irá sempre e necessariamente favorecer aos interessados (vítimas e seus sucessores) para que<br />

não tenham a obrigação de promover uma ação própria, podendo utilizar-se da sentença<br />

proferida na ação civil pública, ou na ação penal.<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Ocorre, com a aplicação do dispositivo sob análise, um outro fenômeno, denominado de<br />

ampliação ope legis do objeto da ação.<br />

Melhor explicando, a sentença de procedência proferida tanto na ação civil pública , quanto<br />

na ação penal, terá seus efeitos estendidos às vítimas e seus sucessores que, sem a necessidade<br />

de um novo processo de conhecimento, com amplo contraditório, poderão promover a<br />

liquidação e execução daquela sentença já proferida, passando a causa pretendi a integrar o<br />

pedido.<br />

Para ilustrar a ocorrência dessa ampliação do objeto da ação, pertinente e oportuno é o<br />

exemplo trazido por Ada Pellegrini Grinover, com relação a ação civil pública. Caso essa<br />

ação tenda à obrigação de retirar do mercado um produto nocivo à saúde pública e for julgada<br />

procedente, reconhecendo a sentença os danos, reais ou potenciais, pelo fato do produto,<br />

poderão as vítimas, sem necessidade de novo processo de conhecimento, alcançar a reparação<br />

dos prejuízos pessoalmente sofridos, mediante liquidação e execução da sentença coletiva,<br />

nos termos do art. 97, do Código. Se, porém, a ação civil pública for julgada improcedente, as<br />

vítimas e seus sucessores poderão normalmente intentar suas próprias ações reparatórias a<br />

título individual.<br />

8. Coisa julgada erga omnes ou coisa julgada ultra partes<br />

Por que não haveria necessidade de se distinguir, como o faz o Código de Defesa do<br />

Consumidor, nos incisos do Art. 103, quando diz que nas ações para a defesa de interesses e<br />

direitos difusos, a coisa julgada teria seus efeitos estendidos erga omnes, enquanto que para a<br />

defesa de interesses e direitos coletivos, a eficácia seria ultra partes?<br />

Se analisarmos sob a ótica de que erga omnes representaria toda uma coletividade de pessoas<br />

indefinidas, que somente seriam atingidas desde que guardadas alguma relação com aqueles<br />

direitos pleiteados e obtidos através do processo coletivo, enquanto que ultra partes nada mais<br />

seria do que as pessoas que não integraram aquela lide coletiva, mas que, por pertencerem a<br />

um determinado grupo ou classe, foram atingidas pelo julgamento proferido naquela<br />

demanda, ambos representam, dentro do universo jurídico, a mesma coisa.<br />

Para ilustrar, tomemos o caso de propaganda enganosa, ocorrida em uma determinada cidade<br />

do interior, pela rádio local.<br />

O exemplo é de direito difuso, pois não se sabe ao certo quem pode ter sido enganado ou<br />

envolvido pela falsa propaganda.<br />

Proposta a ação coletiva e, julgada essa procedente, somente poderão dela se aproveitar<br />

aqueles que, na fase de liquidação de sentença, demonstrarem terem sido atingidos e<br />

prejudicados por aquela publicidade, ou seja, sua eficácia se estenderá para terceiros que não<br />

foram parte no processo, porém limitados pelas circunstâncias de fato, não se podendo falar,<br />

assim, em eficácia erga omnes, pois não serão todos os atingidos por aquela publicidade.<br />

Conclui-se que, mais técnico seria a utilização, em todos os casos de interesses e direitos<br />

difusos ou coletivos, o emprego da expressão ultra partes, que representaria melhor a<br />

extensão dos efeitos que irão ocorrer, pois o que irá definir a quem alcançará tais efeitos será<br />

o texto que se segue a expressão, ou seja, “para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores”,<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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no caso do inciso I, ou “mais limitadamente ao grupo, categoria ou classe, no caso do inciso<br />

II, do Art. 103, do CDC”.<br />

9. A coisa julgada secundum eventum litis<br />

De imediato cabe nos indagar sobre o que significa “a coisa julgada secundum eventum litis”?<br />

Significa na tradução literal da palavra, a coisa julgada segundo o resultado do processo.<br />

A formação da coisa julgada material, e conseqüentemente extensão subjetiva pelo CPC se dá<br />

pro et contra, isto é, sempre que o juiz analisar o pedido, independentemente do resultado da<br />

demanda, o conteúdo dessa sentença que será exarada transitará em julgado, tornando-se<br />

imutável e indiscutível para as partes, às quais é proferida a sentença, mantendo se aí a<br />

segurança das relações jurídicas; isso nada mais é que a interpretação do artigo 472 do nosso<br />

Código de Processo Civil (BRAGA, 2000, p.123-124).<br />

Nas demandas coletivas do direito brasileiro, de acordo com Antonio Gidi (1995, p.73), a<br />

coisa julgada não é secundum eventum litis; seria assim, se ela se formasse nos casos de<br />

procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas, segundo o jurista, não é exatamente<br />

isso que acontece. Ela sempre se formará independente do resultado da demanda e será pro et<br />

contra.<br />

No Brasil o sistema é diferente do sistema da adequacy of representation americano, porque<br />

não é o juiz que faz o controle, caso a caso, de quem está legitimado para ajuizar a ação<br />

coletiva. No nosso sistema, os legitimados já estão, previamente, previstos na lei, no artigo 82<br />

do CDC, e, além disto, nossa coisa julgada erga omnes e ultra partes é também secundum<br />

eventum litis, no caso de insuficiência de provas. A coisa julgada, é produzida segundo o<br />

resultado final do processo, variando no caso da ação coletiva ter seu pedido julgado<br />

procedente, ou improcedente.<br />

Também é variado o seu resultado final de acordo com o motivo do julgamento de<br />

improcedência do pedido. Isto porque, se o pedido for julgado improcedente por falta de<br />

provas, o resultado do processo será um, mas se for julgado improcedente por quaisquer<br />

outros motivos, o resultado do processo será outro.<br />

Para melhor entendermos, o julgamento do processo secundum eventum litis, segundo o<br />

resultado do processo, pode ser compreendido em termos das conseqüências do julgamento<br />

do processo coletivo, com relação aos legitimados coletivos e também tendo em vista as<br />

conseqüências deste processo coletivo, com relação a todos os processos e a direitos<br />

individuais existentes.<br />

A primeira ponderação que demonstraremos é que há a previsão do processo coletivo da ação<br />

civil pública de ser julgado procedente o pedido, tendo como conseqüência o imediato<br />

benefício deste título judicial que alcança e beneficia todas as ações e todos os direitos<br />

individuais existentes, com exceção dos titulares de direitos individuais que não tiverem<br />

requerido a suspensão de suas ações individuais até 30 (trinta) dias, após a ciência da ação<br />

coletiva, conforme o art. 103 do CDC.<br />

A segunda ponderação é que há a hipótese da ação coletiva, ação civil pública ter seu pedido<br />

julgado improcedente, lembrando que este resultado negativo da ação coletiva não poderá<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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prejudicar as ações e direitos individuais existentes, a não ser se o titular da ação individual<br />

tiver participado como litisconsorte na ação coletiva.<br />

Todavia, este julgamento de improcedência do pedido da ação coletiva terá conseqüências<br />

com relação aos outros titulares coletivos de ações coletivas (art. 81 do CDC e art. 5º da<br />

LACP). Poderá ter conseqüências com relação às outras ações coletivas. Nesta linha de<br />

pensamento, Lutiana Nacur Lorentz (2003, p.129) demonstra que há duas diferenças muito<br />

importantes que devem ser consideradas, isto é, o fato do motivo do pedido ter sido julgado<br />

improcedente ser por falta ou insuficiência de provas e o fato do motivo do pedido ter sido<br />

julgado improcedente por quaisquer outras razões.<br />

Na hipótese de o pedido ter sido julgado improcedente por falta de provas não há o<br />

impedimento de que os legitimados coletivos, todos concorrentes e disjuntivos, ou seja, que<br />

os titulares da ação civil pública elencados nos arts. 5º da Lei nº 7.347/85 e art. 81 da Lei nº<br />

8.078, de 1990, ajuízem outra ação coletiva, em síntese, as outras possíveis ações coletivas<br />

para defesa dos direitos metaindividuais restam intactas, não sendo atingidas pela força da<br />

coisa julgada da primeira Ação Civil Pública.<br />

Se traçarmos um paralelo da coisa julgada nas ações individuais com o que foi discorrido<br />

anteriormente, sempre haverá dependência do resultado da ação coletiva, por isso que é dito<br />

que a coisa julgada da ação civil pública é secundum eventum litis, ou segundo o resultado do<br />

processo.<br />

E, para concluir, não podemos olvidar e deixar de mencionar críticas a este sistema por causar<br />

um ônus excessivo ao réu, segundo Ada Grinover (2005), reconhecendo que há muitas<br />

críticas mesmo e se refuta argumentando no seguinte sentido:<br />

Em primeiro lugar, o réu participou do processo e teve direito de defesa, e em segundo,<br />

mesmo no caso de procedência do pedido da ação coletiva, que irá beneficiar as ações<br />

individuais, há apenas uma obrigação genérica de indenizar, mas esta será liquidada com<br />

relação a cada liquidante individualmente considerado (liquidada e executada). Haverá, então,<br />

um novo processo de conhecimento com relação ao réu, para fixação dos valores individuais,<br />

permanecendo válido o contraditório.<br />

Em terceiro lugar, finalmente, quanto à questão da coisa julgada secundum eventum litis, ou<br />

segundo o resultado do processo, trazer a possibilidade de produção de coisas julgadas<br />

contraditórias, a doutrinadora assevera que não incide tal hipótese, pois, em caso de<br />

desprovimento do pedido (não por falta de provas, mas sim por outros motivos) a demanda só<br />

faz coisa julgada entre os legitimados coletivos do art. 82, do CDC. A demanda só não poderá<br />

ser repetida em âmbito coletivo, mas pode ser em âmbito individual (neste aspecto, para estes<br />

legitimados individuais o resultado seria apenas inter partes). Assim, este eventual conflito é<br />

resolvido pela simples aplicação do art. 104 do CDC, a coisa julgada será produzida<br />

secundum eventum litis, só podendo beneficiar os autores das ações individuais que<br />

requereram a suspensão de suas ações, até 30 dias da ciência da ação coletiva.<br />

Havia propostas legislativas, no sentido de a coisa julgada, produzida nas ações coletivas,<br />

atingir as ações individuais, tanto no caso de procedência do pedido, quanto no de<br />

improcedência, mas, isto sim, na visão da doutrinadora, iria comprometer o contraditório.<br />

Neste ponto específico, este trabalho sustenta que a coisa julgada secundum eventum litis, ou<br />

segundo o resultado final do processo não é inconstitucional. O que seria inconstitucional é o<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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tratamento dado à coisa julgada no caso de improcedência do pedido por falta de provas. O<br />

fato de, nesta hipótese, a coisa julgada não abranger aos demais legitimados coletivos, deveria<br />

ensejar ensejar a extensão da coisa julgada para todos os outros legitimados coletivos<br />

(concorrentes e disjuntivos) do art. 82 do CDC, pois, só assim, tanto o réu teria um tratamento<br />

igualitário, quanto restariam cumpridos os princípios Constitucionais da isonomia,<br />

contraditório e ampla defesa (LORENTZ, 2003).<br />

10. Conclusões<br />

O presente teve como pretensão contribuir com uma visão atual a respeito da coisa julgada na<br />

tutela de direitos coletivos, enfocando o Código de Defesa do Consumidor.<br />

Os interesses individuais homogêneos são representados por um conjunto de vontades<br />

individuais e foram denominados de "acidentalmente coletivos" porque apenas o que os<br />

diferencia dos direitos individuais é o fato de possuírem a mesma origem em relação aos fatos<br />

geradores, proporcionando, desse modo, a sua defesa conjunta.<br />

Os interesses coletivos possuem natureza indivisível e pertencem a um grupo, categoria ou<br />

classe de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica base.<br />

Os interesses difusos são também de natureza indivisível, porém pertencentes a pessoas<br />

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.<br />

Entendemos como demandas coletivas não só o mandado de segurança coletivo, a ação civil<br />

pública e a ação popular, mas também as ações coletivas de consumo e verificamos que os<br />

legitimados para a propositura de ações coletivas possuem legitimidade extraordinária para a<br />

causa, tratando-se de caso de substituição processual.<br />

Com relação à coisa julgada, verificamos a absorção pelo nosso ordenamento jurídico do<br />

entendimento de Enrico Tullio Liebman, o qual sustenta que o referido instituto é uma<br />

qualidade que se agrega à sentença, tornando-a imutável.<br />

Outra importante constatação refere-se aos limites da coisa julgada nas ações individuais, os<br />

quais operam-se inter partes e não erga omnes, atingindo apenas os participantes da relação<br />

jurídica processual.<br />

Quando se está diante da tutela coletiva de direitos, porém, os limites subjetivos da coisa<br />

julgada adquirem contornos diferenciados, conforme o disposto no artigo 103 do Código de<br />

Defesa do Consumidor, que se refere à coisa julgada erga omnes (para direitos difusos e<br />

individuais homogêneos) e ultra partes (para direitos coletivos).<br />

O fato de a autoridade da coisa julgada ser proferida além das partes atuantes na relação<br />

processual deve-se em razão do próprio objetivo da tutela coletiva que é atingir a todas as<br />

pessoas lesadas.<br />

Verificamos que, em ações coletivas, poderemos ter alterado o rol de pessoas atingidas pela<br />

coisa julgada, dependendo do resultado da ação e de sua fundamentação, em razão de uma<br />

peculiaridade do instituto, que é ser secundum eventum litis (segundo o evento da lide).<br />

Ius et Iustitia Eletrônica, Araras, SP, v.1, n.1, p.70-84, 2008.<br />

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Por outro lado, em razão do próprio fim da tutela coletiva, que é molecularizar o direito, a<br />

coisa julgada, em regra, somente atinge àqueles que não participaram da relação jurídica, em<br />

caso de procedência da ação (coisa julgada in utilibus).<br />

Ainda, mesmo que esteja em andamento uma ação coletiva, nada obsta a propositura de ações<br />

individuais, não ocorrendo litispendência entre as mesmas, embora, para que o sujeito seja<br />

beneficiado pela ação coletiva em caso de sua procedência, tenha que pedir a suspensão do<br />

processo individual.<br />

A partir de todas as questões aqui apontadas, frisamos que o regime trazido pelo Código de<br />

Processo Civil pátrio não se adapta, em muitos aspectos, ao novo paradigma processual<br />

estatal existente, o Estado Social, que se preocupa não apenas com o indivíduo e seus direitos<br />

subjetivos, mas também com o grupo, com a sociedade como um todo.<br />

Percebemos que, se inserirmos os direitos coletivos como aqui verificado em uma teoria geral<br />

do processo coletivo, muitos conceitos poderão ser firmados, pois estaremos abandonando de<br />

vez seu atrelamento com a teoria geral do processo civil de cunho individualista.<br />

Por fim, deixamos as sábias palavras de Adroaldo Furtado Fabrício, citando Antônio Gidi, as<br />

quais, segundo nosso entendimento, bastariam nesta conclusão: "Quando o agigantamento do<br />

usuário faz romper o tecido e rebentar as costuras já não é o caso para remendos ou ajustes: a<br />

roupa tem de ser substituída".<br />

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