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Clarice Pommer, Marisa Castanho - Uninove

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Autoria docente: A articulação cognição&emoção no trabalho docente.<br />

<strong>Clarice</strong> P. R. C.<strong>Pommer</strong>1<br />

<strong>Marisa</strong> Irene Siqueira <strong>Castanho</strong>2<br />

Resumo<br />

Neste artigo apresentamos a autoria docente, um processo representativo do „querer ser‟<br />

professor, do „querer atuar' dinâmico e investigativo e do „querer exercer‟ uma capacidade<br />

de criar a aula. Tal movimento se evidencia quando o docente se percebe e é percebido como<br />

um professor motivado em transformar seu trabalho, em diminuir alternativas reprodutoras e<br />

em apresentar uma ação proativa. Como referencial metodológico utilizamos o Grupo Focal,<br />

com professores de 1º a 5º anos do Ensino Fundamental. Objetivamos apreender<br />

manifestações orais e gestuais ocorridas para verificar como e de que forma os elementos da<br />

dimensão afetiva e cognitiva se revelaram no „fazer docente‟, de modo a sinalizar como e<br />

quanto o professor está comprometido e imerso no processo de autoria docente. Levantamos<br />

três núcleos de significação referentes aos temas constitutivos do próprio pensar, sentir e<br />

agir docente, categorizados no ser professor, no trabalho docente e no processo autoria<br />

docente. Os conteúdos revelaram-se por contradições, semelhanças e complementaridades<br />

das relações presentes no fazer pedagógico, aos quais esteve subjacente uma forma<br />

tensionada de como o pensamento do professor revela a articulação cognição&emoção nesse<br />

fazer, sintetizada como contraposição entre a „vontade‟ e o „desconforto‟, conforme<br />

Vygotsky (2003), o que julgamos exprimir com propriedade a natureza do processo autoria<br />

docente nos professores participantes da pesquisa.<br />

Palavras-chave: Grupo Focal; autoria docente; articulação cognição-emoção.<br />

Introdução<br />

O presente artigo apresenta os aportes teóricos de uma pesquisa que delineou um<br />

processo que denominamos autoria docente. O trabalho está configurado na atual realidade<br />

educacional brasileira, apresentando resultados focados nas manifestações de um grupo de<br />

professores de 1º ao 5º anos do ensino fundamental.<br />

Denominamos como autoria docente o processo de um „fazer‟ docente que revela a<br />

expressão do pensamento do professor explicitado pelas questões cognitivas e pelo sentido<br />

atribuído ao próprio trabalho. Esse „fazer‟ é concretizado pelas propostas educativas,<br />

elaborações para a aula e atuação na própria aula.<br />

1 Mestre em Psicologia, área de concentração em Educação, pela UNIMARCO e professora da Escola de<br />

Aplicação da USP: São Paulo; e-mail: claricepommer@usp.br<br />

2 Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano (USP) e docente da UNIFIEO, São<br />

Paulo; e-mail: miscast@uol.com.br 2


Julgamos que esse movimento se evidencia principalmente quando o docente se<br />

percebe e é percebido como um professor motivado a buscar cada vez mais referenciais para<br />

transformar sua atividade, provavelmente pela intenção de diminuir ou transformar<br />

alternativas reprodutoras de padrões educativos sem questionamentos e apresentar assim<br />

uma ação menos mecanizada e automatizada em relação ao seu „fazer‟ pedagógico.<br />

A autoria docente representa a expressão dos motivos, dos interesses, das<br />

necessidades, dos conhecimentos orientadores de um movimento de superação e<br />

transformação da atividade profissional.<br />

O processo de autoria evidencia-se no „como‟ a relação dialética entre os aspectos<br />

afetivos e cognitivos do pensamento do professor se manifesta, compreendendo-se assim<br />

„como‟ o sentido atribuído ao seu próprio „fazer‟ se exprime e se constitui.<br />

Tal apreensão pelo termo autoria docente ocorreu pelas significações posteriores das<br />

vivências que tivemos em relação ao trabalho docente, representando a maneira como o<br />

professor revela seu pensamento no „fazer‟, concretizando e constituindo assim um processo<br />

de autoria, pensamento esse que pela perspectiva sócio-histórica é sempre emocionado.<br />

Justificando a razão da investigação, durante anos atuando profissionalmente na área<br />

educacional, como professor e coordenador da rede pública ou particular, da Educação<br />

Infantil ou do Ensino Fundamental e Superior, por várias vezes nos deparamos com uma<br />

forte tendência pessoal, e igualmente de outros professores com que trabalhamos, em<br />

apresentarmos uma produção pedagógica pautada por repetições muitas vezes sem<br />

questionamentos, de atividades dos livros e manuais didáticos, apropriações de práticas<br />

estereotipadas, rotineiras, padrões educativos propostos para a aula e na atuação da aula.<br />

Ao refletir sobre essa experiência, inicialmente de forma intuitiva, entendemos que tal<br />

ação desencadeava em nós professores, expressão de alienação, ato que dificultava o<br />

desenvolvimento de uma outra postura pedagógica e de novas movimentações em relação ao<br />

próprio trabalho docente.<br />

Tal alienação se evidenciava pela quase ausência da busca de referenciais teóricos e<br />

práticos, por poucas atitudes voltadas à tomada de posição, de decisões e principalmente, por<br />

escassas demonstrações de motivações para ações mais inventivas e trocas de idéias entre os<br />

membros do grupo. 3


Em alguns momentos essa alienação nos incomodava. Passou a apresentar-se<br />

como geradora de desejo por outras iniciativas, configuradas no decorrer do percurso<br />

profissional pelo trabalho desenvolvido com os alunos e as devolutivas de aprendizagem<br />

que estes davam; pela freqüência a cursos de formação continuada e de novos<br />

referenciais teóricos e práticos; pelas assessorias particulares procuradas e pelo estudo<br />

constante, sempre instigador e passível de deixar marcas de um desconforto.<br />

Assim, através dos estudos para o desenvolvimento desta pesquisa apresentada,<br />

encontramos em Vygotsky (2003), um entendimento teórico sobre a questão desconforto.<br />

O teórico se refere ao termo, significando-o às questões generalizadas, mas geradoras<br />

de motivos para mudanças, ou seja, aquilo que impele o ser para a criação. Assim, “quanto<br />

maior é a tensão nesse sentimento de desconforto e, ao mesmo tempo, quanto mais complexo<br />

é o mecanismo psíquico do homem, mais naturais e irresistíveis serão seus ímpetos<br />

pedagógicos e com maior energia vão abrir passagem para fora” (VYGOTSKY, 2003,<br />

p.303).<br />

Dificilmente poderemos estabelecer em que ponto iniciou-se a relação do percurso<br />

profissional vivido com os conhecimentos teóricos ora apontados e a seguir construídos. Mas<br />

é possível detectar que, num dado momento dessa realidade profissional, algo como um<br />

incômodo pela maneira „reprodutora‟ como atuava e que encontro repercussão em outros<br />

colegas e parceiros de profissão, na maioria configurou-se um impulso para a conquista de<br />

referenciais, e a busca de novos movimentos, da construção pessoal e coletiva do fazer<br />

pedagógico.<br />

Poderíamos agir de forma diferente? Haveriam outros encaminhamentos didáticos aos<br />

quais os alunos se beneficiariam pela compreensão e apropriação dos conhecimentos? Por<br />

onde e como começar?<br />

Aos poucos, o envolvimento pessoal da citada experiência profissional mobilizou a<br />

produção de necessidades geradas e geradoras de motivos que impulsionaram movimentos<br />

voltados a uma compreensão, transformação e elaboração qualitativamente positiva desse<br />

trabalho docente. Esse envolvimento pessoal, aliado a apreensão de fundamentos teóricos<br />

coerentes e significativos voltados para uma prática em construção, conseqüentemente<br />

exemplifica aqui, o que denominamos um processo de autoria docente. 4


A competência integradora de conhecimentos, organizadora de procedimentos e<br />

conseqüentemente geradora de oportunidades para reflexão e escolhas, ocasionava um<br />

trabalho mais ativo e inventivo, com outras possibilidades, ações significativas, autônomas e<br />

criativas em relação à própria atividade docente.<br />

As opções e produções didáticas aconteciam pela apropriação dos conhecimentos<br />

pedagógicos conquistados e transformados especificamente em elaborações para a aula e<br />

atuação na aula. Porém havia nessa ação a marca generalizada de um trabalho conquistado,<br />

salto qualitativo, que ao mesmo tempo expressava desejos e motivos, sentimentos e emoções<br />

gerados e relacionados a esse „fazer‟.<br />

Dessa forma, esse foi o contexto tido como leitmotiv condutor da pesquisa, que pelas<br />

considerações intuitivas e de certo modo provocativas da transformação de uma prática<br />

profissional, se configuraram em teorizações da prática.<br />

Os fundamentos teóricos essenciais para a compreensão do estudo foram pautados em<br />

Vygotsky (1896-1934) e alguns de seus seguidores como Luria (1902-1977) e Leontiev<br />

(1904-1979), embasando a corrente soviética denominada Psicologia Histórico-Cultural.<br />

Este estudo pauta a categoria sentido, com ênfase na articulação cognição& emoção e<br />

o processo de autoria, com base na tese vygotskyana que pontua o “anseio atual das ciências<br />

humanas em superar as concepções cindidoras do homem” (SAWAIA, 2003, p.9), foco da<br />

pesquisa. Isto significa que elegemos como objeto de estudo a forma e a maneira qualitativa<br />

em como essa articulação é revelada nos momentos onde o pensar, o sentir e o agir docente<br />

se manifestam, ou seja, como os professores sinalizam e manifestam sentido ao próprio<br />

„fazer‟, cuja relevância então volta-se à pessoa do professor.<br />

A perspectiva favorece considerações sobre um pensamento docente não só analisado<br />

por questões de caráter cognitivo, mas por suas significações e emoções articuladas nessa<br />

expressão, salientando-se que tal processo psicológico, na maioria das vezes, não é<br />

percebido pelo próprio professor (ele não se percebe envolvido no seu trabalho) e tão pouco<br />

esse pensamento que é articulado, não é valorizado pelos outros pela perspectiva dessa<br />

articulação. 5


A proposta é lançar um alerta e tentar valorizar nas discussões educacionais, como esse<br />

pensamento se manifesta e o que a qualidade dessa articulação – cognição&emoção - pode<br />

expressar e representar para o desenvolvimento e atuação do próprio trabalho docente.<br />

A pesquisa teve como objetivo apreender das manifestações de professores,<br />

indicadores que pudessem expressar a atribuição de sentido ao seu próprio trabalho e,<br />

especificamente, como e de que forma os elementos da dimensão afetiva e os elementos da<br />

dimensão cognitiva nesse „fazer‟ eram revelados, indicando assim o quanto o professor está<br />

comprometido e imerso em um processo que denominamos autoria docente.<br />

Como problema formulamos a questão: se e como são revelados pelos professores,<br />

indicadores que expressam e manifestam a forma, a maneira de atribuição de sentido ao<br />

próprio trabalho, especificando se, como e de que forma elementos da dimensão afetiva e<br />

elementos da dimensão cognitiva são indicados nesse „fazer‟ docente, o que revelou a<br />

qualidade, a constituição desse processo autoria docente e o quanto esse professor estava ou<br />

não imerso nele.<br />

A hipótese inicial era, se os professores e as pessoas envolvidas nas questões<br />

educacionais tivessem clareza da importância e considerassem como a expressão da<br />

articulação cognição&emoção eram manifestadas no „fazer‟ pedagógico, isso poderia<br />

significar como o processo autoria docente estava sendo constituído e assim propiciar ou<br />

não, imprimir ou não, um trabalho qualitativo mais autônomo, criativo e de fato envolvido,<br />

ou seja, com sentido.<br />

Para tanto houve o pressuposto da importância de voltar a atenção para o „como‟ o<br />

próprio conhecimento conquistado nos estudos acadêmicos, nos cursos realizados, nas<br />

práticas vividas se manifestam nesse „fazer‟ docente, assim „como‟ o envolvimento, a não<br />

rigidez em buscar referenciais para a atuação, demonstração de persistência e segurança em<br />

apropriar-se e transformar um trabalho teórico-metodológico em propostas educativas,<br />

caracteriza um processo de mudanças qualitativas tanto intelectuais como em relação à<br />

própria interioridade, percepção dos desejos, das necessidades, dos interesses que justificam<br />

diferentes movimentos em relação ao „fazer‟ docente. 6


A relevância de se considerar como o pensamento do professor, pensamento que não é<br />

somente cognitivo, mas sempre emocionado, se expressa e se manifesta, indicando de que<br />

maneira o docente está sentindo, refletindo e agindo no seu trabalho, busca contribuir para<br />

que a atividade docente seja percebida por ele e pelos „outros‟ como revestida de maior<br />

qualidade, ativada de iniciativas, desempenhada com mais envolvimento, articulada de<br />

inúmeras possibilidades de ações autônomas e criativas em relação às elaborações da aula e<br />

atuações nela, ações essas processadas e transformadas no plano da consciência, movimento<br />

dialético e transformador.<br />

Tais considerações podem trazer ao professor maior desejo e mais motivos para a<br />

busca de referenciais teórico-metodológicos para transformar o trabalho, opções por<br />

alternativas pedagógicas que proporcionem uma ação de não repetição, modelos didáticos,<br />

„modismos‟ inquestionáveis, reproduções incompreensíveis e sem questionamentos, de não<br />

apresentar um trabalho mecanizado e automatizado por determinações do próprio sistema<br />

educacional que, muitas vezes, parecem incompreensíveis a ele.<br />

Visto que “o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos<br />

desejos e necessidades, nossos interesses e emoções” (VYGOTSKY, 2000, p. 187), as<br />

manifestações docentes qualitativamente mais críticas, mais investigativas, e significativas<br />

possibilitam a abertura para um processo de autoria docente.<br />

A pesquisa<br />

Dar oportunidades aos professores para, através das falas e outras formas de<br />

manifestações, se exporem e se perceberem na profissão, a fim de tomarem consciência ou<br />

ressaltarem suas possibilidades/dificuldades, por exemplo, nas trocas entre seus pares, na<br />

aceitação das orientações da equipe de trabalho, na busca de referenciais, no permitir<br />

envolver-se e de fato serem envolvidos no posicionamento em relação ao próprio trabalho<br />

demonstrou as diversas possibilidades de indicar como pensam, como agem, como sentem e<br />

como se percebem, não só em relação aos conhecimentos considerados necessários a sua<br />

prática, mas em relação ao seu próprio sentimento diante dessas situações, do aqui e agora<br />

do seu „fazer‟. 7


O interesse era a aproximação da expressão da emoção, do sentido e dos significados<br />

implícitos no „fazer‟ do professor, amalgamados nos aspectos cognitivos, afetivos e volitivos<br />

do ser, ou seja, nos motivos, nas necessidades, nos seus interesses e nos impulsos.<br />

Um grupo foi constituído e formado por docentes de mais de quarenta anos,<br />

professoras do ensino fundamental. As manifestações docentes ocorridas representaram um<br />

percurso, um momento e também uma maneira de „olharmos‟ para o trabalho do professor,<br />

de falarmos sobre ele e considerá-lo pelas diferentes faces.<br />

Para tanto, através dos princípios da pesquisa qualitativa, participaram como sujeitos<br />

da pesquisa, quatro professoras do Ensino Fundamental de 1º a 5º ano da rede pública e<br />

particular, com três anos no mínimo de experiência profissional, convidadas a participar dos<br />

procedimentos adotados para a realização de uma técnica de exposição oral específica. Dessa<br />

forma, se pretendia apreender das manifestações das professoras, indicadores que<br />

expressassem como a atribuição de sentido se revelava no próprio trabalho e,<br />

especificamente, como e de que forma os elementos da dimensão afetiva e os elementos da<br />

dimensão cognitiva se revelavam nesse „fazer‟, indicando assim o quanto ou não o professor<br />

está comprometido e imerso no processo denominado autoria docente.<br />

A análise dos dados e das manifestações observadas nortearam-se pelos elementos<br />

revelados em cada momento do encontro, cuja seqüência obedeceu à exposição das próprias<br />

idéias e acontecimentos gerados nas quase três horas de compartilhamento de<br />

conhecimentos, expectativas e sentimentos explicitados.<br />

A análise que se segue tem o objetivo de trazer o percurso constituído na pesquisa<br />

para discussão, através dos vários momentos da coleta de dados, cuja busca de questões<br />

centrais desvendadas das falas e expressões das professoras, entendidas “menos pela<br />

freqüência e mais por ser aquelas que motivam, geram emoções e envolvimento”<br />

(AGUIAR, 2002, p.135), foram organizadas a partir de núcleos de significação e em<br />

seguida entre os próprios núcleos. Assim pudemos observar semelhanças e contradições<br />

reveladas no movimento e expressões dos sujeitos.<br />

Articulados com o contexto pessoal, histórico e profissional não só dos sujeitos, mas<br />

do próprio momento político e educacional, apontamos então o processo de análise<br />

expresso pelos Núcleos de Significação: 8


1º Núcleo de Significação: Ser professor.<br />

Foram analisadas questões referentes ao trabalho docente, implicando em apreender<br />

as necessidades configuradas em motivos, gerando assim a própria opção em ser professor,<br />

significação essa possibilitada por necessidades que na consolidação do plano das vivências<br />

do passado, projetadas no presente, se manifestaram na própria profissão.<br />

Compreender então como as necessidades, captadas através da própria história<br />

familiar e profissional, é também apreender a configuração de motivos pela escolha em ser<br />

professor e de permanecer na profissão. É apreender a própria vivência docente e a partir<br />

daí, se deter em como produziram outras necessidades, configurando outros motivos para<br />

as mudanças, as modificações até de um sentido atribuído ao „estar‟ no magistério.<br />

Esse núcleo analisado representou formas de contato com as necessidades de uma<br />

vida profissional, do cotidiano, das buscas profissionais através de situações que estavam<br />

estruturadas historicamente, como crenças e ideologias, valores, enfim “numa história de<br />

vida podem identificar-se às continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no<br />

espaço, as „transferências‟ de preocupações e de interesses, os quadros de referência<br />

presentes nos vários espaços do quotidiano” (NÓVOA, 1992, p.116).<br />

2º Núcleo de Significação: Trabalho Docente<br />

A análise referente a esse núcleo partiu do que foi apreendido dos acontecimentos<br />

preliminares até o final da dinâmica do Grupo Focal. São as apresentações iniciais quando<br />

as professoras chegam ao local da reunião, uma vez que nem todas se conheciam<br />

mutuamente, com exceção de duas e se estendem até o término do encontro, espaço de<br />

interlocuções oportunizadas pela técnica do Grupo Focal.<br />

O enfoque sócio-histórico permite “historicizar o fenômeno psicológico,<br />

compreendendo o homem na sua dimensão cultural e social, trazendo para a discussão a<br />

subjetividade e a afetividade, enquanto dimensões constitutivas do sujeito” (MOLON,<br />

2002, p.221). As professoras evidenciaram principalmente a constituição afetiva por serem<br />

professoras e o significado atribuído ao trabalho, ao reiterarem um compromisso e gosto<br />

pela profissão ao longo dessa trajetória. Assim, durante a reunião, o sentido denotado à<br />

profissão se manifestou de várias formas. 9


3º Núcleo de Significação: Autoria Docente.<br />

Refletimos e tentamos analisar as manifestações dos professores através de suas falas<br />

e das expressões produzidas no grupo, de forma interativa e não individualizada, pela<br />

própria orientação metodológica para o Grupo Focal, entendendo que:<br />

(...) as falas dos sujeitos são Construções. A fala do sujeito histórico<br />

expressa muito mais do que uma resposta ao estímulo apresentado, ou,<br />

de outra forma, ela revela uma construção do sujeito, uma construção<br />

que é histórica, na qual a situação de intervenção em que está inserido,<br />

no caso, o grupo [focal] (...) entra como mais um dos elementos,<br />

determinações, para a construção de sua fala (AGUIAR, 2002, p.134).<br />

E foi assim que as manifestações se revelaram. Ficou evidente um desconforto, um<br />

sofrimento em não poder ou ter situações oportunizadas pela própria instituição, além dos<br />

impedimentos entre os pares, as resistências por trocas de opiniões e experiências. Em<br />

contrapartida temos o „desconforto‟ na acepção dada por Vygotsky (2003), que gera um<br />

ímpeto de ir em frente, um movimento de superação de barreiras, capaz de configurar<br />

desejos e satisfação, de não paralisar um processo, que no caso seria a autoria docente.<br />

As professoras deixam transparecer o valor que atribuem à competência profissional,<br />

de forma explícita e implícita, aspectos esses que se relacionam com a própria efetivação da<br />

dinâmica das interações. Demonstram que a relação de afetividade constituída desde o<br />

momento da decisão em „ser professora‟ ou „permanecer na profissão docente‟, está<br />

alicerçada em uma atividade mediada socialmente, onde “o sujeito constitui-se pela<br />

atividade (...) produtora de significado no campo das intersubjetividades” (MOLON, 2002,<br />

p.224). Isto quer dizer que, o trabalho docente cria necessidades para buscar uma formação<br />

de competência, o que motiva as professoras na busca dos seus ideais de qualificação.<br />

O sentido denotado a essa tentativa de continuar é único e pessoal. É impulso<br />

individual a uma ação com sentido, onde há afetividade, emoção e sentimentos envolvidos,<br />

integrados às configurações que ao longo desse percurso profissional foram sendo<br />

constituídas pelas professoras, gerando outras necessidades, produtoras de outros motivos,<br />

os quais se convertem no próprio sentido de não desistir e continuar na tentativa de<br />

efetivação do seu trabalho, da forma como o entendem. 10


A tensão sintetizada entre duas zonas de sentido: do ‘Desconforto’ e da ‘Vontade’.<br />

A síntese culminou após um processo de releituras e análises intra-núcleos,<br />

ampliando-se para uma „articulação inter-núcleos‟. Encontraram-se assim, sentimentos e<br />

emoções contraditórios/semelhantes nesses movimentos dos sujeitos, revelados pelo<br />

pesquisador além da aparência dos discursos.<br />

Dessa análise da articulação dos núcleos chegou-se a duas „zonas de sentidos‟<br />

consideradas aqui tensionadas e reveladoras de um „desconforto‟, conforme Vygostsky<br />

(2003), ímpeto para frente, rompimento de obstáculos ao próprio „fazer‟ e não impedimento<br />

ao processo e da „vontade‟, conforme Vygotsky (2003), expressões das necessidades e dos<br />

desejos em freqüentarem cursos e efetivarem estudos e pesquisas educacionais; formas de<br />

compartilharem o trabalho; maior apoio da equipe técnica, enfim aspectos revelados nas<br />

interlocuções ocorridas na reunião, configurando assim motivos para as buscas, para as<br />

possibilidades de efetivarem propostas qualitativas e outras concepções vinculadas ao<br />

próprio trabalho.<br />

Percebemos que a „vontade‟ é ativada toda vez que há um „desconforto‟, uma zona de<br />

tensão em relação à falta de conhecimentos e diferentes oportunidades para efetivação do<br />

„fazer‟, reivindicados pelas próprias professoras e expressos pela falta de possibilidades de<br />

mecanismos para compartilharem com os pares, as movimentações qualitativas de<br />

diferentes ocorrências no trabalho e até mesmo os diversos impedimentos de diferentes<br />

naturezas para a efetivação da atividade docente.<br />

Chegamos, dessa forma, ao objetivo desta síntese, ou seja, apontarmos, através da<br />

análise efetivada, como ocorre a expressão da atribuição de sentido ao próprio trabalho<br />

docente e, especificamente, como e de que forma os elementos da dimensão afetiva e os<br />

elementos da dimensão cognitiva são revelados nesse „fazer‟, indicando assim o quanto o<br />

professor está comprometido e imerso em um processo que denominamos autoria docente.<br />

Compreender então, como o pensamento do professor se processou para tal constituição<br />

e ainda, como ele pensa o seu „fazer‟ hoje, só é possível se considerarmos um aspecto<br />

fundamental para este estudo, segundo Vygotsky (2002), que a compreensão do pensamento<br />

de alguém só é possível se reconhecermos a sua base afetivo-volitiva. Assim, 11


(...) quem separa o pensamento do afeto, nega de antemão a<br />

possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano<br />

afetivo, volitivo da vida psíquica, porque uma análise determinista<br />

desta última inclui tanto atribuir ao pensamento um poder mágico<br />

capaz de fazer depender o comportamento humano única e<br />

exclusivamente de um sistema interno do indivíduo, como transformar<br />

o pensamento em um apêndice inútil do comportamento, em uma<br />

sombra desnecessária e impotente (VYGOTSKY, 1993, p. 25 apud<br />

OLIVEIRA; REGO, 2003, p.18).<br />

A relação essencial entre a dimensão cognitiva e a dimensão afetiva transita por uma<br />

série de componentes ligados ao próprio funcionamento psicológico, pois as emoções não<br />

podem ser tratadas de forma isolada, como ressaltava Vygotsky (1993), ressignificado por<br />

Rey (2003) quando cita que falar sobre emoções “não terá um tratamento conseqüente se<br />

for tratado de forma isolada, fora das dimensões de sentido da constituição subjetiva<br />

individual que participam da definição de sentido das diferentes emoções produzidas pelo<br />

homem” (p.146).<br />

Apreender das expressões, como as professoras reagiram diante das situações do<br />

próprio trabalho e como expressam hoje seu modo singular dessas configurações, é poder<br />

considerar as mediações conferidas pelos significados e pelas determinações culturais e<br />

sociais referentes ao trabalho, pois “o ser humano aprende, por meio do legado de sua<br />

cultura e da interação com outros humanos, a agir, a pensar, a falar e também a sentir”<br />

(OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 23).<br />

Considerações Finais<br />

Encontrando nas afirmações de Vygotsky (2000), síntese teórica dos fundamentos<br />

deste estudo, ressalto que “o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é,<br />

por nosso desejos e necessidades, nossos interesses e emoção” (p.187). O envolvimento do<br />

professor em „querer fazer‟ seu trabalho amplia propostas e o desejo, necessidades de busca<br />

de conhecimento e transformação das ações. Em contrapartida, o „ter que fazer‟ desmonta<br />

razões, o que supostamente leva a não atribuição de sentido àquilo que se faz, pois não se<br />

mobiliza, não encontra entendimento e sintonia no par teoria e prática, expressando tensão<br />

e conflito. Colocar no lugar o que já se encontra pronto é uma solução para a falta de ação,<br />

uma forma de agir por inércia que revela a alienação do próprio agir. 12


O simples talvez signifique „se permitir‟ e „envolver-se‟. A motivação, com certeza,<br />

amplia o pensamento, permite novas formas de enxergar aquilo que se fazia e que „começar<br />

de novo‟ implica uma outra maneira de expressão e fomenta mudanças internas.<br />

Assim, escrever sobre a questão do trabalho do professor, colocando-o em processo<br />

de autoria, se volta para como seu pensamento expresso evidencia a questão da articulação<br />

cognição&emoção no „fazer‟ pedagógico.<br />

Referência Bibliografia<br />

AGUIAR, W. M. J. A Pesquisa em Psicologia Sócio-Histórica: Contribuições para o debate<br />

metodológico. In: BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.; FURTADO, O. Psicologia<br />

Sócio Histórica. 2 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. Cap. 7, p. 129 -140.<br />

MOLON, S. I. Entrelaçando a psicologia e a educação: uma reflexão sobre a formação<br />

continuada de educadores à luz da psicologia sócio-histórica. ContraPontos: Revista de<br />

Educação da Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, São Paulo, ano 2, n. 5, p.215 – 225,<br />

maio-ago. 2002.<br />

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (coord.). Os<br />

professores e a sua formação. 2.ed, Lisboa: Dom Quixote, 1992.<br />

OLIVEIRA, M. K; REGO, T. C. Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto.<br />

In: ARANTES, Valéria A. (org.) Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas.<br />

São Paulo: Summus Editorial, 2003. p.13 – 34.<br />

SAWAYA, B. B. Prefácio. In: MOLON, S. I. Subjetividade e constituição do sujeito em<br />

Vygotsky. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 9 - 13.<br />

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos<br />

psicológicos superiores. 6 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002. 191 p.<br />

_________________. Obras escogidas. Madrid: Visor, 1993. v.2.<br />

_________________. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />

_________________. Psicologia Pedagógica.Porto Alegre: Artmed, 2003.

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