São Paulo! comoção de minha vida... / Mário de Andrade
São Paulo! comoção de minha vida... / Mário de Andrade
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MÁRIO DE ANDRADE<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>!<br />
<strong>comoção</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…<br />
SELETA ORGANIZADA POR<br />
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo
Uma campanha <strong>de</strong> fomento à<br />
leitura da Secretaria Municipal<br />
<strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, em<br />
parceria com a Fundação<br />
Editora da Unesp e a Imprensa<br />
Oficial do Estado <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.
Comissão Editorial<br />
Carlos Augusto Calil<br />
Carlos Roberto Campos <strong>de</strong> Abreu Sodré<br />
Heloisa Jahn<br />
Jézio Hernani Bomfim Gutierre<br />
José <strong>de</strong> Souza Martins<br />
Luciana Veit<br />
Samuel Titan Jr.<br />
Sérgio Vaz
MáRIO dE AndRAdE<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>!<br />
<strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong><br />
<strong>vida</strong>…<br />
seleta organizada por<br />
Telê Ancona Lopez<br />
Tatiana Longo Figueiredo
© 2012 Editora Unesp<br />
Fundação Editora da Unesp (FEU)<br />
Praça da Sé, 108<br />
01001 ‑900 – <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> – SP<br />
Tel.: (0xx11) 3242 ‑7171<br />
Fax: (0xx11) 3242 ‑7172<br />
www.editoraunesp.com.br<br />
www.livrariaunesp.com.br<br />
feu@editora.unesp.br<br />
Imprensa Oficial do Estado <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
Rua da Mooca, 1921, Mooca<br />
03103‑902 – <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> – SP<br />
Sac: 0800‑0123‑401<br />
sac@imprensaoficial.com.br<br />
livros@imprensaoficial.com.br<br />
www.imprensaoficial.com.br<br />
CIP — Brasil. Catalogação na fonte<br />
Sindicato nacional dos Editores <strong>de</strong> Livros, RJ<br />
A565s<br />
Andra<strong>de</strong>, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong>, 1893‑1945<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! <strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>... / <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>; seleta<br />
organizada por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo. – <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong>: Ed. Unesp: Prefeitura Municipal: Imprensa Oficial do Estado<br />
<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 2012.<br />
176p. (Projeto <strong>de</strong> Mão Em Mão)<br />
Inclui bibliografia<br />
ISBn 978‑85‑393‑0254‑3 (Unesp)<br />
ISBn 978‑85‑401‑0086‑2 (Imprensa Oficial)<br />
1. Andra<strong>de</strong>, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong>, 1893‑1945. 2. Poesia brasileira. 3. Conto<br />
brasileiro. 4. Mo<strong>de</strong>rnismo (Literatura) ‑ Brasil. I. Lopez, Telê Ancona.<br />
II. Figueiredo, Tatiana Longo. III. Título. IV. Série.<br />
12‑5093. Cdd: 869.91<br />
CdU: 821.134.3(81)‑1<br />
Editora afiliada:
<strong>de</strong> Mão Em Mão<br />
Com a distribuição <strong>de</strong> livros gratuitamente em locais<br />
<strong>de</strong> ampla circulação, este projeto procura incentivar o gos‑<br />
to pela leitura.<br />
O leitor po<strong>de</strong>rá levar as publicações, sem necessida‑<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> retirada, com o compromisso <strong>de</strong> que as<br />
obras serão entregues em pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>volução e assim<br />
partilhadas com futuros leitores. A iniciativa se insere<br />
<strong>de</strong>ntro das ações da Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong><br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> que buscam a efetivação das políticas <strong>de</strong> leitura<br />
e informação, permitindo que todos os cidadãos tenham<br />
acesso a ati<strong>vida</strong><strong>de</strong>s culturais.<br />
Conheça os pontos <strong>de</strong> distribuição dos livros “<strong>de</strong> Mão<br />
Em Mão” no site www.projeto<strong>de</strong>maoemmao.com.br.<br />
5
Sumário<br />
Sobre este livro: <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! 11<br />
<strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…<br />
I. A poesia 15<br />
Inspiração 17<br />
Os cortejos 18<br />
O rebanho 19<br />
Tietê 20<br />
Paisagem n o 1 21<br />
O<strong>de</strong> ao burguês 22<br />
domingo 24<br />
Anhangabaú 26<br />
noturno 27<br />
Tu 30<br />
Colloque sentimental 32<br />
Paisagem n o 4 34<br />
XIII – “Seis horas lá em S. Bento.” 35<br />
XVII – “<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, 37<br />
intransigente pacifista […]”<br />
7
XXII – “A manhã roda 39<br />
macia a meu lado”<br />
XXXIII – “Meu gozo profundo 40<br />
ante a manhã sol”<br />
Sambinha 41<br />
Paisagem n o 5 42<br />
I – <strong>de</strong>scobrimento 43<br />
II – “Meu cigarro está aceso.” 44<br />
V – “Aquele quarto me sufoca,” 46<br />
Momento 48<br />
Toada 49<br />
V – dor 50<br />
Momento 52<br />
“Minha viola bonita,” 53<br />
“<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> pela noite.” 54<br />
“Garoa do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,” 55<br />
“Vaga um céu in<strong>de</strong>ciso 56<br />
entre nuvens cansadas.”<br />
“Ruas do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,” 57<br />
“O bon<strong>de</strong> abre a viagem,” 58<br />
“Eu nem sei se vale a pena” 59<br />
“O céu claro tão 61<br />
largo, cheio <strong>de</strong> calma na tar<strong>de</strong>,”<br />
“na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga” 62<br />
“Beijos mais beijos,” 63<br />
“A catedral <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>” 64<br />
“na rua Aurora eu nasci” 65<br />
“Quando eu morrer quero ficar,” 66<br />
A meditação sobre o Tietê 68<br />
8
II. A ficção 81<br />
nas terras do igarapé Tietê 83<br />
Túmulo, túmulo, túmulo 89<br />
Primeiro <strong>de</strong> Maio 105<br />
Balança, Trombeta e Battleship 117<br />
ou o <strong>de</strong>scobrimento da alma<br />
III. O poeta por ele mesmo 145<br />
Eu sou trezentos… 147<br />
notas/Glossário 149<br />
Bibliografia 159<br />
En<strong>de</strong>reços úteis 161<br />
9
Sobre este livro<br />
“<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! <strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…”<br />
Este verso <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1893 ‑1945), composto<br />
em 1922, resume a ligação essencial do escritor paulista‑<br />
no com uma cida<strong>de</strong> por ele transfigurada em sua cria‑<br />
ção <strong>de</strong> artista. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> perpassa a poesia e a prosa do<br />
mo<strong>de</strong>rnista que foi capaz <strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r as fronteiras estéti‑<br />
cas do mo<strong>de</strong>rnismo <strong>de</strong> programa, afirmando ‑se mo<strong>de</strong>rno<br />
na ironia do olhar sobre a própria obra, sobre seu país e<br />
sobre seu tempo; na <strong>de</strong>núncia das injustiças sociais e das<br />
contradições do progresso, assim como na constatação da<br />
angústia e da inelutável solidão do homem. Sem esquecer<br />
o riso, na consciência da precarieda<strong>de</strong> da arte e da <strong>vida</strong>.<br />
Estruturou um projeto literário renovador, muitas vezes<br />
visionário, moldado em três vertentes – estética, i<strong>de</strong>ológi‑<br />
ca e linguística. O poeta, romancista e contista que pô<strong>de</strong><br />
tocar verda<strong>de</strong>s humanas está atualmente traduzido em<br />
diversos idiomas.<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, musa e espaço arlequinal, microcosmo per‑<br />
corrido pelo eu lírico e pela narrativa <strong>de</strong> multiplicado<br />
11
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
foco, reflete a experimentação dirigida pelo crivo crítico<br />
das vanguardas europeias e por meditadas lições do pas‑<br />
sado, no anseio <strong>de</strong> ser brasileiro e assim contribuir para<br />
o “contingente universal”. A Pauliceia mario<strong>de</strong>andra‑<br />
diana não admite a mo<strong>de</strong>rnolatria alienada, o bairrismo<br />
eufórico ou o nacionalismo ufanista. no mundo <strong>de</strong> hoje,<br />
mostra ‑se, por vezes, <strong>de</strong> impressionante atualida<strong>de</strong>.<br />
na presente seleta, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong>mora ‑se na poesia <strong>de</strong>s‑<br />
<strong>de</strong> Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, marco em nosso mo<strong>de</strong>rnis‑<br />
mo; e em textos que ca<strong>minha</strong>m até “A meditação sobre<br />
o Tietê”, poema concluído poucos dias antes <strong>de</strong> <strong>Mário</strong><br />
falecer, em fevereiro <strong>de</strong> 1945. na prosa, abrange a rapsó‑<br />
dia Macunaíma, Os contos <strong>de</strong> Belazarte, os Contos novos<br />
e a novela inacabada Balança, Trombeta e Battleship,<br />
situando ‑se na década <strong>de</strong> 1920 e nos anos que a seguiram,<br />
até a morte do escritor.<br />
Esta edição acata o vocabulário e a sintaxe os quais,<br />
tanto na prosa como na poesia escolhidas, manifestam‑<br />
‑se na língua portuguesa falada no país, enquanto arti‑<br />
fício resultante da pesquisa empreendida por aquele que<br />
chegou a trabalhar em uma Gramatiquinha da fala bra‑<br />
sileira. Ao pôr em prática a atualização ortográfica dos<br />
textos pela norma vigente, a seleta não se furtou a cum‑<br />
prir, paralelamente, a grafia fonética <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />
palavras e expressões, compartilhando a preocupação<br />
com a prosódia e o sentido, o que, na parcela linguística<br />
do nacionalismo do mo<strong>de</strong>rnista, respon<strong>de</strong> por idiossio‑<br />
crasias ortográficas. Ao acatar essas formas e o discurso<br />
“oral” <strong>de</strong> Belazarte (“Belazarte me contou”) ou o canto<br />
do narrador rapsodo em Macunaíma, o estabelecimento<br />
do texto respeitou a sonorida<strong>de</strong> e o ritmo da frase, ques‑<br />
tões <strong>de</strong> importância estilística capital, assim como a pon‑<br />
tuação. Formas como si, milhor, quasi, rúim, viada, ólio,<br />
12
13<br />
sobre este livro<br />
<strong>de</strong>zanove, engulia, há ‑<strong>de</strong>, já ‑hoje, <strong>de</strong> ‑tar<strong>de</strong>, diz ‑que, cai‑<br />
xadóclos, malestar, senvergonha, a ‑pé e outras, garantem<br />
a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>calcada em manuscritos e tiragens realiza‑<br />
das durante a <strong>vida</strong> do autor.<br />
Cabe lembrar que o ingresso <strong>de</strong>sta coletânea da obra<br />
literária <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> no projeto <strong>de</strong> Mão Em Mão<br />
vale como o eco que consolida a <strong>de</strong>mocratização do saber<br />
pela qual este lúcido intelectual lutou, entre 1935 e 1938, à<br />
frente do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Cultura da Municipalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. E o livro termina, aberto a novas dimensões<br />
nos versos <strong>de</strong> “Eu sou trezentos…”.
I. A poesia
Inspiração *<br />
“On<strong>de</strong> até na força do verão havia<br />
tempesta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ventos e frios <strong>de</strong><br />
17<br />
cru<strong>de</strong>líssimo inverno.”<br />
Fr. Luís <strong>de</strong> Sousa 1<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! <strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…<br />
Os meus amores são flores feitas <strong>de</strong> original!…<br />
Arlequinal!… Traje <strong>de</strong> losangos… Cinza e ouro…<br />
Luz e bruma… Forno e inverno morno…<br />
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes…<br />
Perfumes <strong>de</strong> Paris… Arys! 2<br />
Bofetadas líricas no Trianon… 3 Algodoal!…<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! <strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…<br />
Galicismo 4 a berrar nos <strong>de</strong>sertos da América!<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Os cortejos *<br />
Monotonias das <strong>minha</strong>s retinas…<br />
Serpentinas <strong>de</strong> entes frementes a se <strong>de</strong>senrolar…<br />
Todos os sempres das <strong>minha</strong>s visões! “Bon giorno, caro”.<br />
Horríveis as cida<strong>de</strong>s!<br />
Vaida<strong>de</strong>s e mais vaida<strong>de</strong>s…<br />
nada <strong>de</strong> asas! nada <strong>de</strong> poesia! nada <strong>de</strong> alegria!<br />
Oh! os tumultuários das ausências!<br />
Pauliceia – a gran<strong>de</strong> boca <strong>de</strong> mil <strong>de</strong>ntes;<br />
e os jorros <strong>de</strong>ntre a língua trissulca<br />
<strong>de</strong> pus e <strong>de</strong> mais pus <strong>de</strong> distinção…<br />
Giram homens fracos, baixos, magros…<br />
Serpentinas <strong>de</strong> entes frementes a se <strong>de</strong>senrolar…<br />
Estes homens <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
todos iguais e <strong>de</strong>siguais,<br />
quando vivem <strong>de</strong>ntro dos meus olhos tão ricos,<br />
parecem ‑me uns macacos, uns macacos.<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922.<br />
18
O rebanho *<br />
Oh! <strong>minha</strong>s alucinações!<br />
Vi os <strong>de</strong>putados, chapéus altos,<br />
sob o pálio vesperal, 5 feito <strong>de</strong> mangas ‑rosas,<br />
saírem <strong>de</strong> mãos dadas do Congresso…<br />
Como um possesso num acesso em meus aplausos<br />
aos salvadores do meu estado amado!…<br />
<strong>de</strong>sciam, inteligentes, <strong>de</strong> mãos dadas,<br />
entre o trepidar dos táxis vascolejantes,<br />
a rua Marechal <strong>de</strong>odoro…<br />
Oh! <strong>minha</strong>s alucinações!<br />
Como um possesso num acesso em meus aplausos<br />
aos heróis do meu estado amado!…<br />
19<br />
A poESIA<br />
E as esperanças <strong>de</strong> ver tudo salvo!<br />
duas mil reformas, três projetos…<br />
Emigram os futuros noturnos…<br />
E ver<strong>de</strong>, ver<strong>de</strong>, ver<strong>de</strong>!…<br />
Oh! <strong>minha</strong>s alucinações!<br />
Mas os <strong>de</strong>putados, chapéus altos,<br />
mudavam ‑se pouco a pouco em cabras!<br />
Crescem ‑lhes os cornos, <strong>de</strong>scem ‑lhes as barbinhas…<br />
E vi que os chapéus altos do meu estado amado,<br />
com os triângulos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira no pescoço,<br />
nos ver<strong>de</strong>s esperanças, sob as franjas <strong>de</strong> ouro da tar<strong>de</strong>,<br />
se punham a pastar<br />
rente do palácio do senhor presi<strong>de</strong>nte… 6<br />
Oh! <strong>minha</strong>s alucinações!<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Tietê *<br />
Era uma vez um rio…<br />
Porém os Borbas ‑Gatos 7 dos ultranacionais<br />
[esperiamente! 8<br />
Havia nas manhãs cheias <strong>de</strong> sol do entusiasmo<br />
as monções 9 da ambição…<br />
E as gigânteas vitórias!<br />
As embarcações singravam rumo do abismal<br />
[<strong>de</strong>scaminho…<br />
Arroubos… Lutas… Setas… Cantigas… Povoar!<br />
Ritmos <strong>de</strong> Brecheret!… 10 E a santificação da morte!<br />
Foram ‑se os ouros!… E o hoje das turmalinas!… 11<br />
– nadador! vamos partir pela via dum Mato ‑Grosso?<br />
– Io! Mai!… (Mais <strong>de</strong>z braçadas.<br />
Quina Migone. 12 Hat Stores. 13 Meia <strong>de</strong> seda.)<br />
Vado a pranzare con la Ruth.<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922.<br />
20
Paisagem n o 1 *<br />
21<br />
A poESIA<br />
Minha Londres das neblinas finas!<br />
Pleno verão. Os <strong>de</strong>z mil milhões <strong>de</strong> rosas paulistanas.<br />
Há neve <strong>de</strong> perfumes no ar.<br />
Faz frio, muito frio…<br />
E a ironia das pernas das costureirinhas<br />
parecidas com bailarinas…<br />
O vento é como uma navalha<br />
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!…<br />
Há duas horas queimou sol.<br />
daqui a duas horas queima sol.<br />
Passa um <strong>São</strong> Bobo, cantando, sob os plátanos,<br />
um tralalá… A guarda ‑cívica! Prisão!<br />
necessida<strong>de</strong> a prisão<br />
para que haja civilização?<br />
Meu coração sente ‑se muito triste…<br />
Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas<br />
dialoga um lamento com o vento…<br />
Meu coração sente ‑se muito alegre!<br />
Este friozinho arrebitado<br />
dá uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sorrir!<br />
E sigo. E vou sentindo,<br />
à inquieta alacrida<strong>de</strong> 14 da invernia,<br />
como um gosto <strong>de</strong> lágrimas na boca…<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias,<br />
1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
O<strong>de</strong> ao burguês *<br />
Eu insulto o burguês! O burguês ‑níquel, 15<br />
o burguês ‑burguês!<br />
A digestão bem feita <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>!<br />
O homem ‑curva! o homem ‑ná<strong>de</strong>gas!<br />
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,<br />
é sempre um cauteloso pouco ‑a ‑pouco!<br />
Eu insulto as aristocracias cautelosas!<br />
Os barões lampiões! os con<strong>de</strong>s Joões! os duques zurros!<br />
que vivem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> muros sem pulos;<br />
e gemem sangues <strong>de</strong> alguns milréis fracos<br />
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês<br />
e tocam o Printemps 16 com as unhas!<br />
Eu insulto o burguês ‑funesto!<br />
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!<br />
Fora os que algarismam os amanhãs!<br />
Olha a <strong>vida</strong> dos nossos setembros!<br />
Fará sol? Choverá? Arlequinal!<br />
Mas à chuva dos rosais<br />
o êxtase fará sempre sol!<br />
Morte à gordura!<br />
Morte às adiposida<strong>de</strong>s cerebrais!<br />
Morte ao burguês ‑mensal!<br />
ao burguês ‑cinema! Ao burguês ‑tílburi! 17 →<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias,<br />
1941.<br />
22
Padaria Suíça! 18 Morte viva ao Adriano!<br />
“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?<br />
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!<br />
Mas nós morremos <strong>de</strong> fome!”<br />
23<br />
A poESIA<br />
Come! Come ‑te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!<br />
Oh! purée <strong>de</strong> batatas morais!<br />
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!<br />
Ódio aos temperamentos regulares!<br />
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!<br />
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!<br />
Ódio aos sem <strong>de</strong>sfalecimentos nem arrependimentos,<br />
sempiternamente as mesmices convencionais!<br />
<strong>de</strong> mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!<br />
dois a dois! Primeira posição! Marcha!<br />
Todos para a Central 19 do meu rancor inebriante!<br />
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!<br />
Morte ao burguês <strong>de</strong> giolhos, 20<br />
cheirando religião e que não crê em <strong>de</strong>us!<br />
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!<br />
Ódio fundamento, sem perdão!<br />
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
domingo *<br />
Missas <strong>de</strong> chegar tar<strong>de</strong>, em rendas,<br />
e dos olhares acrobáticos…<br />
Tantos telégrafos sem fio!<br />
Santa Cecília regorgita <strong>de</strong> corpos lavados<br />
e <strong>de</strong> sacrilégios picturais…<br />
Mas Jesus Cristo nos <strong>de</strong>sertos,<br />
mas o sacerdote no Confiteor… 21 Contrastar!<br />
– Futilida<strong>de</strong>, civilização…<br />
Hoje quem joga?… O Paulistano. 22<br />
Para o Jardim América das rosas e dos pontapés!<br />
Frie<strong>de</strong>nreich 23 fez gol! Corner! Que juiz!<br />
Gostar <strong>de</strong> Bianco? Adoro. Qual Bartô…<br />
E o meu xará maravilhoso!… 24<br />
– Futilida<strong>de</strong>, civilização…<br />
Mornamente em gasolinas… Trinta e cinco contos!<br />
Tens <strong>de</strong>z milréis? Vamos ao corso… 25<br />
E filar cigarros a quinzena inteira…<br />
Ir ao corso é lei. Viste Marília?<br />
E Filis? Que vestido: pele só!<br />
Automóveis fechados… Figuras imóveis…<br />
O bocejo do luxo… Enterro.<br />
E também as famílias dominicais por atacado,<br />
entre os convenientes perenemente…<br />
– Futilida<strong>de</strong>, civilização.<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922.<br />
24
25<br />
A poESIA<br />
Central. drama <strong>de</strong> adultério.<br />
A Bertini 26 arranca os cabelos e morre.<br />
Fugas… Tiros… Tom Mix! 27<br />
Amanhã fita alemã… <strong>de</strong> beiços…<br />
As meninas mor<strong>de</strong>m os beiços pensando em fita<br />
[alemã…<br />
As romas <strong>de</strong> Petrônio… 28<br />
E o leito virginal… Tudo azul e branco!<br />
<strong>de</strong>scansar… Os anjos… Imaculado!<br />
As meninas sonham masculinida<strong>de</strong>s…<br />
– Futilida<strong>de</strong>, civilização.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Anhangabaú *<br />
Parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora…<br />
Oh larguezas dos meus itinerários!…<br />
Estátuas <strong>de</strong> bronze nu correndo eternamente,<br />
num parado <strong>de</strong>sdém pelas velocida<strong>de</strong>s…<br />
O carvalho votivo escondido nos orgulhos<br />
do bicho <strong>de</strong> mármore parido no Salon… 29<br />
Prurido <strong>de</strong> estesias perfumando em rosais<br />
o esqueleto trêmulo do morcego…<br />
nada <strong>de</strong> poesia, nada <strong>de</strong> alegrias!…<br />
E o contraste boçal do lavrador<br />
que sem amor afia a foice…<br />
Estes meus parques do Anhangabaú ou <strong>de</strong> Paris,<br />
on<strong>de</strong> as tuas águas, on<strong>de</strong> as mágoas dos teus sapos?<br />
“– Meu pai foi rei!<br />
– Foi. – não foi. – Foi. – não foi.” 30<br />
On<strong>de</strong> as tuas bananeiras?<br />
On<strong>de</strong> o teu rio frio encanecido 31 pelos nevoeiros,<br />
contando histórias aos sacis?…<br />
Meu querido palimpsesto 32 sem valor!<br />
Crônica em mau latim<br />
cobrindo uma écloga 33 que não seja <strong>de</strong> Virgílio!…<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922<br />
26
noturno *<br />
Luzes do Cambuci pelas noites <strong>de</strong> crime… 34<br />
Calor!… E as nuvens baixas muito grossas,<br />
feitas <strong>de</strong> corpos <strong>de</strong> mariposas,<br />
rumorejando na epi<strong>de</strong>rme das árvores…<br />
Gingam os bon<strong>de</strong>s como um fogo <strong>de</strong> artifício,<br />
sapateando nos trilhos,<br />
cuspindo um orifício na treva cor <strong>de</strong> cal…<br />
num perfume <strong>de</strong> heliotrópios 35 e <strong>de</strong> poças<br />
gira uma flor ‑do ‑mal… Veio do Turquestã;<br />
e traz olheiras que escurecem almas…<br />
Fundiu esterlinas entre as unhas roxas<br />
nos oscilantes <strong>de</strong> Ribeirão Preto…<br />
– Batat’assat’ô furnn!… 36<br />
Luzes do Cambuci pelas noites <strong>de</strong> crime!…<br />
Calor… E as nuvens baixas muito grossas,<br />
feitas <strong>de</strong> corpos <strong>de</strong> mariposas,<br />
rumorejando na epi<strong>de</strong>rme das árvores…<br />
27<br />
A poESIA<br />
Um mulato cor <strong>de</strong> ouro,<br />
com uma cabeleira feita <strong>de</strong> alianças polidas…<br />
Violão! “Quando eu morrer…” Um cheiro pesado <strong>de</strong><br />
[baunilhas<br />
oscila, tomba e rola no chão…<br />
Ondula no ar a nostalgia das Baías…<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias,<br />
1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
E os bon<strong>de</strong>s passam como um fogo <strong>de</strong> artifício,<br />
sapateando nos trilhos,<br />
ferindo um orifício na treva cor <strong>de</strong> cal…<br />
– Batat’assat’ô furnn!…<br />
Calor!… Os diabos andam no ar<br />
corpos <strong>de</strong> nuas carregando…<br />
As lassitu<strong>de</strong>s 37 dos sempres imprevistos!<br />
e as almas acordando às mãos dos enlaçados!<br />
Idílios sob os plátanos!…<br />
E o ciúme universal às fanfarras gloriosas<br />
<strong>de</strong> saias cor ‑<strong>de</strong> ‑rosa e gravatas cor ‑<strong>de</strong> ‑rosa!…<br />
Balcões na cautela latejante, on<strong>de</strong> florem Iracemas<br />
para os encontros dos guerreiros brancos… 38 Brancos?<br />
E que os cães latam nos jardins!<br />
ninguém, ninguém, ninguém se importa!<br />
Todos embarcam na Alameda dos Beijos da Aventura!<br />
Mas eu… Estas <strong>minha</strong>s gra<strong>de</strong>s em girândolas 39 <strong>de</strong><br />
[jasmins,<br />
enquanto as travessas do Cambuci nos livres<br />
da liberda<strong>de</strong> dos lábios entreabertos!…<br />
Arlequinal! Arlequinal!<br />
As nuvens baixas muito grossas,<br />
feitas <strong>de</strong> corpos <strong>de</strong> mariposas,<br />
rumorejando na epi<strong>de</strong>rme das árvores…<br />
Mas sobre estas <strong>minha</strong>s gra<strong>de</strong>s em girândolas <strong>de</strong><br />
[jasmins,<br />
o estelário <strong>de</strong>lira em carnagens <strong>de</strong> luz,<br />
e meu céu é todo um rojão <strong>de</strong> lágrimas!…<br />
28
E os bon<strong>de</strong>s riscam como um fogo <strong>de</strong> artifício,<br />
sapateando nos trilhos,<br />
jorrando um orifício na treva cor <strong>de</strong> cal…<br />
– Batat’assat’ô furnn!…<br />
29<br />
A poESIA
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Tu *<br />
Morrente chama esgalga, 40<br />
mais morta inda no espírito!<br />
Espírito <strong>de</strong> fidalga,<br />
que vive dum bocejo entre dois galanteios<br />
e <strong>de</strong> longe em longe uma chávena 41 da treva bem forte!<br />
Mulher mais longa<br />
que os pasmos alucinados<br />
das torres <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bento!<br />
Mulher feita <strong>de</strong> asfalto e <strong>de</strong> lamas <strong>de</strong> várzea,<br />
toda insultos nos olhos,<br />
toda convites nessa boca louca <strong>de</strong> rubores!<br />
Costureirinha <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
ítalo ‑franco ‑luso ‑brasílico ‑saxônica,<br />
gosto dos teus ardores crepusculares,<br />
crepusculares e por isso mais ar<strong>de</strong>ntes,<br />
ban<strong>de</strong>irantemente!<br />
Lady Macbeth 42 feita <strong>de</strong> névoa fina,<br />
pura neblina da manhã!<br />
Mulher que és <strong>minha</strong> madrasta e <strong>minha</strong> irmã!<br />
Trituração ascencional dos meus sentidos!<br />
Risco <strong>de</strong> aeroplano entre Moji e Paris!<br />
Pura neblina da manhã!<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias,<br />
1941.<br />
30
Gosto dos teus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> crime turco<br />
e das tuas ambições retorcidas como roubos!<br />
Amo ‑te <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>los taciturnos,<br />
Materialização da Canaã do meu Poe! 43<br />
never more! 44<br />
31<br />
A poESIA<br />
Emílio <strong>de</strong> Menezes insultou a memória do meu Poe… 45<br />
Oh! Incendiária dos meus aléns sonoros!<br />
tu és o meu gato preto!<br />
Tu te esmagaste nas pare<strong>de</strong>s do meu sonho!<br />
este sonho medonho!…<br />
E serás sempre, morrente chama esgalga,<br />
meio fidalga, meio barregã, 46<br />
as alucinações crucificantes<br />
<strong>de</strong> todas as auroras <strong>de</strong> meu jardim!
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Colloque sentimental *<br />
Tenho os pés chagados nos espinhos das calçadas…<br />
Higienópolis!… As Babilônias dos meus <strong>de</strong>sejos<br />
[baixos…<br />
Casas nobres <strong>de</strong> estilo… Enriqueceres em tragédias…<br />
Mas a noite é toda um véu ‑<strong>de</strong> ‑noiva ao luar…<br />
A preamar dos brilhos das mansões…<br />
O jazz ‑band da cor… O arco ‑íris dos perfumes…<br />
O clamor dos cofres abarrotados <strong>de</strong> <strong>vida</strong>s…<br />
Ombros nus, ombros nus, lábios pesados <strong>de</strong> adultério…<br />
E o rouge – cogumelo das podridões…<br />
Exércitos <strong>de</strong> casacas eruditamente bem talhadas…<br />
Sem crimes, sem roubos o carnaval dos títulos…<br />
Se não fosse o talco a<strong>de</strong>us sacos <strong>de</strong> farinha!<br />
Impiedosamente…<br />
– Cavalheiro… – Sou con<strong>de</strong>! – Perdão.<br />
Sabe que existe um Brás, um Bom Retiro?<br />
– Apre! respiro… Pensei que era pedido.<br />
Só conheço Paris!<br />
– Venha comigo então.<br />
Esqueça um pouco os braços da vizinha…<br />
– Percebeu, hein! dou ‑lhe gorjeta e cale ‑se.<br />
O sultão tem <strong>de</strong>z mil… Mas eu sou con<strong>de</strong>!<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias,<br />
1941.<br />
32
– Vê? Estas paragens trevas <strong>de</strong> silêncio…<br />
nada <strong>de</strong> asas, nada <strong>de</strong> alegria… A lua…<br />
A rua toda nua… As casas sem luzes…<br />
E a mirra 47 dos martírios inconscientes…<br />
– <strong>de</strong>ixe ‑me pôr o lenço no nariz.<br />
Tenho todos os perfumes <strong>de</strong> Paris!<br />
– Mas olhe, embaixo das portas, a escorrer…<br />
– Para os esgotos! Para os esgotos!<br />
– … a escorrer,<br />
um fio <strong>de</strong> lágrimas sem nome!…<br />
33<br />
A poESIA
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Paisagem n o 4 *<br />
Os caminhões rodando, as carroças rodando,<br />
rápidas as ruas se <strong>de</strong>senrolando,<br />
rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos…<br />
E o largo coro <strong>de</strong> ouro das sacas <strong>de</strong> café!…<br />
na confluência o grito inglês da <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> Railway… 48<br />
Mas as ventaneiras da <strong>de</strong>silusão! a baixa do café!…<br />
As quebras, as ameaças, as audácias superfinas!…<br />
Fogem os fazen<strong>de</strong>iros para o lar!… Cincinato Braga!… 49<br />
Muito ao longe o Brasil com seus braços cruzados…<br />
Oh! as indiferenças maternais!…<br />
Os caminhões rodando, as carroças rodando,<br />
rápidas as ruas se <strong>de</strong>senrolando,<br />
rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos…<br />
E o largo coro <strong>de</strong> ouro das sacas <strong>de</strong> café!…<br />
Lutar!<br />
A vitória <strong>de</strong> todos os sozinhos!…<br />
As ban<strong>de</strong>iras e os clarins dos armazéns abarrotados…<br />
Hostilizar!… Mas as ventaneiras dos braços cruzados!…<br />
E a coroação com os próprios <strong>de</strong>dos!<br />
Mutismos presi<strong>de</strong>nciais, para trás!<br />
Ponhamos os (Vitória!) colares <strong>de</strong> presas inimigas!<br />
Enguirlan<strong>de</strong>mo ‑nos <strong>de</strong> café ‑cereja!<br />
Taratá! e o peã 50 <strong>de</strong> escárnio para o mundo!<br />
Oh! este orgulho máximo <strong>de</strong> ser paulistamente!!!<br />
* Poema publicado em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, 1922, e em Poesias, 1941.<br />
34
XIII *<br />
Seis horas lá em S. Bento.<br />
Os lampiões fecham os olhos <strong>de</strong> repente<br />
À voz <strong>de</strong> comando do sino.<br />
A madrugada imensamente escura<br />
Abafa as arquiteturas da praça.<br />
E a estátua <strong>de</strong> Verdi 51 também, graças a <strong>de</strong>us!<br />
Mãos nos bolsos<br />
Grupinhos entanguidos<br />
Encafuados nas socavas dos andaimes<br />
Os reservistas que nem malfeitores.<br />
35<br />
A poESIA<br />
dlem! dlem!…<br />
“SAnT’AnA”<br />
Vem vindo a procissão com tocheiros e luzes.<br />
E principia o assalto agitado sem vozes.<br />
Anticlericais!<br />
Fora estandartes andores!<br />
<strong>de</strong>saparecem os padres da noite.<br />
As filhas ‑<strong>de</strong> ‑Maria das neblinas<br />
Espavoridas pelo Anhangabaú… →<br />
* Poema publicado em Losango cáqui ou afetos militares <strong>de</strong> mistu‑<br />
ra com os porquês <strong>de</strong> eu saber alemão, 1926. Obra escrita em 1922,<br />
ano no qual o autor, como reservista do exército, realiza exercícios<br />
militares. O título Losango foi recortado do traje arlequinal do<br />
poeta em Pauliceia <strong>de</strong>svairada, escolhida a cor cáqui dos unifor‑<br />
mes militares à época. <strong>de</strong>ve ‑se notar, em <strong>de</strong>terminados poemas<br />
<strong>de</strong> Losango cáqui, a organização gráfica que concretiza, na página,<br />
um <strong>de</strong>senho ligado ao tema, poesia visual, como nos Calligram‑<br />
mes <strong>de</strong> Appolinaire (1880 ‑1918), na vanguarda francesa.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Assaltantes equilibrados nos estribos.<br />
Estilhaço me fere nos olhos o sangue da aurora.<br />
Risadas.<br />
Chamados.<br />
Cigarros acesos.<br />
Incêndio!<br />
Extermínio!<br />
Vitória completa…<br />
Faz frio <strong>de</strong> geada esta manhã…<br />
A gente se encosta nos outros, pedindo<br />
Uma esmolinha <strong>de</strong> calor.<br />
E o bon<strong>de</strong> abala sapateando nos trilhos<br />
Em busca das casernas sinistras cor ‑<strong>de</strong> ‑chumbo.<br />
36
XVII *<br />
37<br />
A poESIA<br />
<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, intransigente pacifista, internacio‑<br />
nalista amador, comunica aos camaradas que bem con‑<br />
travonta<strong>de</strong>, apesar da simpatia <strong>de</strong>le por todos os homens<br />
da Terra, dos seus i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> confraternização universal, é<br />
atualmente soldado da República, <strong>de</strong>fensor interino do<br />
Brasil.<br />
E marcho tempestuoso noturno.<br />
Minha alma cida<strong>de</strong> das greves sangrentas,<br />
Inferno fogo InFERnO em meu peito,<br />
Insolências blasfêmias bocagens na língua.<br />
Meus olhos navalhando a <strong>vida</strong> <strong>de</strong>testada.<br />
A vista renasce na manhã bonita.<br />
Pauliceia lá embaixo epi<strong>de</strong>rme áspera<br />
Ambarizada pelo sol vigoroso,<br />
Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas.<br />
Fumaça ban<strong>de</strong>irinha.<br />
Torres.<br />
Cheiros.<br />
Barulhos<br />
E fábricas…<br />
naquela casa mora,<br />
Mora, ponhamos: Guaraciaba…<br />
A dos cabelos fogaréu!…<br />
Os bon<strong>de</strong>s meus amigos íntimos<br />
Que diariamente me acompanham pro<br />
[trabalho… →<br />
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926 e em Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Minha casa…<br />
Tudo caiado <strong>de</strong> novo!<br />
É tão gran<strong>de</strong> a manhã!<br />
É tão bom respirar!<br />
É tão gostoso gostar da <strong>vida</strong>!…<br />
A própria dor é uma felicida<strong>de</strong>…<br />
38
XXII *<br />
A manhã roda macia a meu lado<br />
Entre arranha ‑céus <strong>de</strong> luz<br />
Construídos pelo melhor engenheiro da Terra.<br />
39<br />
A poESIA<br />
Como ele <strong>de</strong>ixou longe as renascenças do sr. dr. Ramos<br />
[<strong>de</strong> Azevedo! 52<br />
<strong>de</strong> que valem a Escola normal o Théatre Municipal <strong>de</strong><br />
[l’Opéra<br />
E o sinuoso edifício dos Correios ‑e ‑Telégrafos<br />
Com aquele relógio ‑dia<strong>de</strong>ma ma<strong>de</strong> inexpressively?<br />
na Pauliceia <strong>de</strong>svairada das <strong>minha</strong>s sensações<br />
O Sol é o sr. engenheiro oficial.<br />
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
XXXIII *<br />
“Prazeres e dores pren<strong>de</strong>m a alma no cor‑<br />
po como com um prego. Tornam ‑a corporal…<br />
Consequentemente é impossível a ela chegar<br />
pura nos Infernos.”<br />
Platão<br />
Meu gozo profundo ante a manhã sol<br />
a <strong>vida</strong> carnaval…<br />
Amigos<br />
Amores<br />
Risadas<br />
Os piás imigrantes me ro<strong>de</strong>iam pedindo retratinhos <strong>de</strong><br />
[artistas <strong>de</strong> cinema, <strong>de</strong>sses que vêm<br />
[nos maços <strong>de</strong> cigarros.<br />
Me sinto a Assunção <strong>de</strong> Murilo! 53<br />
Já estou livre da dor…<br />
Mas todo vibro da alegria <strong>de</strong> viver.<br />
Eis porque <strong>minha</strong> alma inda é impura.<br />
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926 e em Poesias, 1941.<br />
40
Sambinha *<br />
41<br />
A poESIA<br />
Vêm duas costureirinhas pela rua das Palmeiras.<br />
Afobadas, braços dados, <strong>de</strong>pressinha,<br />
Bonitas, Senhor! que até dão vonta<strong>de</strong> pros homens da rua.<br />
As costureirinhas vão explorando perigos…<br />
Vestido é <strong>de</strong> seda.<br />
Roupa ‑branca é <strong>de</strong> morim. 54<br />
Falando conversas fiadas<br />
As duas costureirinhas passam por mim.<br />
– Você vai?<br />
– não vou não!<br />
Parece que a rua parou pra escutá ‑las.<br />
nem os trilhos sapecas<br />
Jogam mais bon<strong>de</strong>s um pro outro.<br />
E o sol da tardinha <strong>de</strong> abril<br />
Espia entre as pálpebras crespas <strong>de</strong> duas nuvens.<br />
As nuvens são vermelhas.<br />
A tardinha é cor ‑<strong>de</strong> ‑rosa.<br />
Fiquei querendo bem aquelas duas costureirinhas…<br />
Fizeram ‑me peito batendo<br />
Tão bonitas, tão mo<strong>de</strong>rnas, tão brasileiras!<br />
Isto é…<br />
Uma era ítalo ‑brasileira.<br />
Outra era áfrico ‑brasileira.<br />
Uma era branca.<br />
Outra era preta.<br />
* Poema publicado em Clã do jabuti, 1927 e em Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Paisagem n o 5 *<br />
<strong>de</strong> ‑dia um solzão <strong>de</strong> matar taperá 55<br />
Passeou na cida<strong>de</strong> o fogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>us.<br />
Os paulistas andaram que nem caçaremas 56 tontas<br />
daqui pra ali buscando as sombras <strong>de</strong> mentira.<br />
Mas agorinha mesmo <strong>de</strong>ram as vinte horas.<br />
<strong>de</strong> já ‑hoje quando a noite agarrou empurrando a luz<br />
[quente pra trás do horizonte<br />
Brisou uma friagem <strong>de</strong> inverno refrescando os pracianos<br />
[e a cida<strong>de</strong> rica.<br />
As famílias pararam <strong>de</strong> suar.<br />
Janelas abertas e portas abertas em todas as casas.<br />
Se boia, 57 se conversa <strong>de</strong>scansado.<br />
nas varandas portas terraços escuros<br />
Acen<strong>de</strong> apagam os vaga ‑lumes dos cigarros.<br />
Todas as bulhas se ajuntam num riso feliz.<br />
Faz gosto a gente andar assim à toa<br />
Reparando na calma da sua cida<strong>de</strong> natal.<br />
* Poema publicado em Clã do jabuti, 1927.<br />
42
I<br />
<strong>de</strong>scobrimento *<br />
Abancado à escrivaninha em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
na <strong>minha</strong> casa da rua Lopes Chaves<br />
<strong>de</strong> supetão senti um friúme por <strong>de</strong>ntro.<br />
Fiquei trêmulo, muito comovido<br />
Com o livro palerma olhando pra mim.<br />
43<br />
A poESIA<br />
não vê que me lembrei que lá no norte, meu <strong>de</strong>us! muito<br />
[longe <strong>de</strong> mim,<br />
na escuridão ativa da noite que caiu,<br />
Um homem pálido, magro, <strong>de</strong> cabelo escorrendo nos<br />
[olhos,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer uma pele com a borracha do dia,<br />
Faz pouco se <strong>de</strong>itou, está dormindo.<br />
Esse homem é brasileiro que nem eu…<br />
* Parte I <strong>de</strong> “dois poemas acreanos”, publicados em Clã do jabuti,<br />
1927 e em Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
II *<br />
Meu cigarro está aceso.<br />
O fumo esguicha,<br />
O fumo sobe,<br />
O fumo sabe ao bem e ao mal…<br />
O bem e o mal, que coisas sérias!<br />
Riqueza é bem.<br />
Tristeza é mal.<br />
<strong>de</strong>sastres<br />
sangue<br />
tiros<br />
doença<br />
dança!…<br />
O elevador subiu aos céus, ao nono andar,<br />
O elevador <strong>de</strong>sce ao subsolo,<br />
Termômetro das ambições.<br />
O açúcar sobe.<br />
O café sobe.<br />
Os fazen<strong>de</strong>iros vêm do lar.<br />
Eu danço!<br />
Tudo é subir.<br />
Tudo é <strong>de</strong>scer.<br />
Tudo é dançar!<br />
O Esplanada 58 grugrulha.<br />
Todos os homens vão no cinema.<br />
Lindas mulheres nos camarotes.<br />
Leves mulheres a passar…<br />
* Poema publicado na parte “danças” <strong>de</strong> Remate <strong>de</strong> males, 1930 e<br />
em Poesias, 1941. Explora graficamente o movimento da fumaça.<br />
44
não frequento cafés ‑concertos,<br />
Mas tenho as <strong>minha</strong>s aventuras…<br />
<strong>de</strong>sventurados os coiós!<br />
A <strong>vida</strong> é farta.<br />
O mundo é gran<strong>de</strong>.<br />
Tem muito canto on<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r!<br />
Subúrbios<br />
casas<br />
pensões<br />
táxis…<br />
Vejo sonâmbulos ao luar<br />
Beijando moças estioladas.<br />
Tolos! a poeira sobe no ar…<br />
O fumo sobe e morre no ar…<br />
Eu vivo no ar!<br />
dançarinar!…<br />
45<br />
A poESIA
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Aquele quarto me sufoca,<br />
Prefiro ar livre,<br />
não voltarei.<br />
V *<br />
Ar livre, ar leve que dança, dança!<br />
dançam as rosas nos rosais!<br />
<strong>São</strong> flores vermelhas<br />
<strong>São</strong> botões perfeitos<br />
<strong>São</strong> rosas abertas, gritos <strong>de</strong> prazer!<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> é um rosal!<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> é um jardim!<br />
Morena, tem pena,<br />
Tem pena <strong>de</strong> mim!<br />
A rosa ‑riso dança nos teus lábios<br />
vermelhos<br />
mordidos…<br />
Volúpias alegres…<br />
O mundo não vê?<br />
nós nos separamos.<br />
nós nos ajuntamos.<br />
O bon<strong>de</strong> passou,<br />
O amigo passou…<br />
O mundo não vê?<br />
* Poema publicado na parte “danças” <strong>de</strong> Remate <strong>de</strong> Males, 1930 e<br />
em Poesias, 1941.<br />
46
47<br />
A poESIA<br />
A <strong>vida</strong> é tão curta!<br />
Quem tem certeza do amanhã!<br />
Lourenço <strong>de</strong> Medicis?…59 Florença <strong>de</strong>lira.<br />
Paris queima,<br />
Viena valsa,<br />
Berlim ri…<br />
E new York abençoa o jazz universal.<br />
negros <strong>de</strong> cartola<br />
Turcos <strong>de</strong> casaca<br />
Montecarlo e Caldas e Copacabana<br />
Tudo é um caxambu!<br />
EU dAnÇO!<br />
dança do amor sem sentimento?<br />
dança das rosas nos rosais!…
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Momento *<br />
ninguém ignora a inquietação do clima paulistano…<br />
Pois tivemos hoje uma arraiada fresca <strong>de</strong> neblina.<br />
<strong>de</strong>pois do calorão duma noite maldita, sem sono,<br />
Uma neblina leviana <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u das nuvens lisas<br />
E pousou um momentinho sobre o corpo da cida<strong>de</strong>.<br />
Ôh como era boa, e o carinho que teve pousando!<br />
não espantou, não bateu asa, não fez nenhuma bulha,<br />
Veio, que nem beijo <strong>de</strong> <strong>minha</strong> mãe se estou enfezado<br />
Vem mansinho, sem medo <strong>de</strong> mim, e pousa em<br />
[<strong>minha</strong> testa.<br />
Assim neblina fez, e o sopro <strong>de</strong>la acalmou as penas<br />
<strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> histórica, <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> completa,<br />
Cheia <strong>de</strong> passado e presente, berço nobre on<strong>de</strong> nasci.<br />
Os beijos <strong>de</strong> <strong>minha</strong> mãe são tal ‑e ‑qual a neblina<br />
[madruga…<br />
Meu pensamento é tal ‑e ‑qual <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, é histórico<br />
[e completo,<br />
É presente e passado e <strong>de</strong>le nasce meu ser verda<strong>de</strong>iro…<br />
Vem, neblina, vem! Beija ‑me, sossega ‑me o meu<br />
[pensamento!<br />
* Escrito em novembro <strong>de</strong> 1925, publicado na parte “Marco <strong>de</strong> vira‑<br />
ção” <strong>de</strong> Remate <strong>de</strong> males, 1930.<br />
48
no outro lado da cida<strong>de</strong>,<br />
não sei o quê, foi o vento,<br />
O vento me dispersou.<br />
Toada *<br />
Viajei por terras estranhas<br />
Entre flores espantosas,<br />
Tive coragem pra tudo<br />
no outro lado da cida<strong>de</strong>,<br />
Sem tomar cuidado em mim.<br />
Passeava com tais perícias,<br />
Punha girafas na esquina,<br />
Quantos milagres na viagem,<br />
Meu coração <strong>de</strong> ninguém!<br />
E pu<strong>de</strong> estar sem perigo<br />
Por entre aconchegos pagos,<br />
Em que o carinho mais velho<br />
Inda guardava agressão.<br />
Busquei <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> no mapa,<br />
Mas tudo, com cara nova,<br />
duma tristeza <strong>de</strong> viagem,<br />
Tirava fotografia…<br />
E o meu cigarro na tar<strong>de</strong><br />
Brilhava só, que nem <strong>de</strong>us.<br />
Fiquei tão pobre, tão triste<br />
Que até meu olhar fechou.<br />
no outro lado da cida<strong>de</strong><br />
O vento me dispersou.<br />
49<br />
A poESIA<br />
* Poema datado <strong>de</strong> 1932; publicado na parte “A costela do Grã Cão”<br />
<strong>de</strong> Poesias, 1941.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
V – dor *<br />
A cida<strong>de</strong> está mais agitada a meidia.<br />
As ruas <strong>de</strong>vastam <strong>minha</strong> virginda<strong>de</strong><br />
E os cidadãos talvez marquem encontro nos meus lábios.<br />
Minha boca é o peixe macho e <strong>de</strong>rramo núcleos <strong>de</strong> amor<br />
[pelas ruas.<br />
Que irão fecundar os ovários da <strong>vida</strong> algum dia.<br />
Eu venho das altas torres, venho dos matos alagados,<br />
Com meus passos conduzidos pelo fogo do Grã Cão!<br />
Mas pra viver na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> escondi na<br />
[corrente <strong>de</strong> prata<br />
A inútil semente do milho, a maniva, 60<br />
E enroupei <strong>de</strong> acerba 61 seda o arlequinal do meu dizer…<br />
E agora apontai ‑me, janelas do Martinelli, 62<br />
Calçadas, ruas, ruas, la<strong>de</strong>iras rodantes, viadutos,<br />
On<strong>de</strong> estão os ju<strong>de</strong>us <strong>de</strong> consciência lí<strong>vida</strong>?<br />
Os tortuosos japoneses que flertam <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>?<br />
Os ágeis brasileiros do nor<strong>de</strong>ste? os coloridos?<br />
On<strong>de</strong> estão os coloridos italianos? on<strong>de</strong> estão os<br />
[turcomanos?<br />
On<strong>de</strong> estão os pardais, madame la Françoise, 63<br />
Ergo, ego, Ega, 64 égua, água, iota, calúnia e notícias,<br />
Balouçantes nas marquesas dos roxos arranha ‑céus?…<br />
não vos trago a fala <strong>de</strong> Jesus nem o escudo <strong>de</strong> Aquiles, 65<br />
nem a casinha pequenina ou a sombra do jatobá. →<br />
* Poema datado <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1933; publicado na parte “Grã<br />
Cão do outubro” <strong>de</strong> Poesias, 1941.<br />
50
51<br />
A poESIA<br />
Tudo escondi no caminho da corrente <strong>de</strong> prata.<br />
Mas eu venho das altas torres trazido ao facho do Grã Cão,<br />
Lábios, lábios para o encontro em que cantareis<br />
[fatalmente,<br />
Ameaçados pela fome que espia <strong>de</strong>trás da coxilha,<br />
A dor, a caprichosa dor <strong>de</strong>socupada que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> milhões<br />
[<strong>de</strong> existências<br />
Busca a razão <strong>de</strong> ser.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Momento *<br />
O vento corta os seres pelo meio.<br />
Só um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> niti<strong>de</strong>z ampara o mundo…<br />
Faz sol. Fez chuva. E a ventania<br />
Esparrama os trombones das nuvens no azul.<br />
ninguém chega a ser um nesta cida<strong>de</strong>,<br />
As pombas se agarram nos arranha ‑céus, faz chuva.<br />
Faz frio. E faz angústia… É este vento violento<br />
Que arrebenta dos grotões da terra humana<br />
Exigindo céu, paz e alguma primavera.<br />
* Poema datado <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1937; publicado na parte “Grã Cão do<br />
outubro” <strong>de</strong> Poesias, 1941.<br />
52
Minha viola bonita, *<br />
Bonita viola <strong>minha</strong>,<br />
Cresci, cresceste comigo<br />
nas Arábias.<br />
Minha viola namorada,<br />
namorada viola <strong>minha</strong>,<br />
Cantei, cantaste comigo<br />
Em Granada.<br />
Minha viola ferida,<br />
Ferida viola <strong>minha</strong>,<br />
O amor fugiu para leste<br />
na borrasca.<br />
Minha viola quebrada,<br />
Raiva, anseios, lutas, <strong>vida</strong>,<br />
Miséria, tudo passou ‑se<br />
Em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
53<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> pela noite. *<br />
Meu espírito alerta<br />
Baila em festa e metrópole.<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> na manhã.<br />
Meu coração aberto<br />
dilui ‑se em corpos flácidos.<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> pela noite.<br />
O coração alçado<br />
Se expan<strong>de</strong> em luz sinfônica.<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> na manhã.<br />
O espírito cansado<br />
Se arrasta em marchas fúnebres.<br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> noite e dia…<br />
A forma do futuro<br />
<strong>de</strong>fine as alvoradas:<br />
Sou bom. E tudo é glória.<br />
O crime do presente<br />
Enoitece o arvoredo:<br />
Sou bom. E tudo é cólera.<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
54
Garoa do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, *<br />
– Timbre triste <strong>de</strong> martírios –<br />
Um negro vem vindo, é branco!<br />
Só bem perto fica negro,<br />
Passa e torna a ficar branco.<br />
Meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> da garoa,<br />
– Londres das neblinas finas –<br />
Um pobre vem vindo, é rico!<br />
Só bem perto fica pobre,<br />
Passa e torna a ficar rico.<br />
Garoa do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
– Costureira <strong>de</strong> malditos –<br />
Vem um rico, vem um branco,<br />
<strong>São</strong> sempre brancos e ricos…<br />
Garoa, sai dos meus olhos.<br />
55<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Vaga um céu in<strong>de</strong>ciso entre nuvens cansadas. *<br />
On<strong>de</strong> está o insofrido? O mal das almas<br />
Quase parece um bem na linha das calçadas,<br />
A palavra se inutiliza em brisas calmas<br />
<strong>de</strong> andantes, on<strong>de</strong> estou! no entanto é dia claro…<br />
Toda forma <strong>de</strong> ação se esvai numa atonia,<br />
Há <strong>de</strong>samparo e aceitação do <strong>de</strong>samparo.<br />
– Essa história <strong>de</strong> amar quando começa o dia…<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
56
Ruas do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, *<br />
On<strong>de</strong> está o amor vivo,<br />
On<strong>de</strong> está?<br />
Caminhos da cida<strong>de</strong>,<br />
Corro em busca do amigo,<br />
On<strong>de</strong> está?<br />
Ruas do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
Amor maior que o cibo, 66<br />
On<strong>de</strong> está?<br />
Caminhos da cida<strong>de</strong>,<br />
Resposta ao meu pedido,<br />
On<strong>de</strong> está?<br />
Ruas do meu <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
A culpa do insofrido,<br />
On<strong>de</strong> está?<br />
Há ‑<strong>de</strong> estar no passado,<br />
nos séculos malditos,<br />
Aí está.<br />
57<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
O bon<strong>de</strong> abre a viagem, *<br />
no banco ninguém,<br />
Estou só, stou sem.<br />
<strong>de</strong>pois sobe um homem,<br />
no banco sentou,<br />
Companheiro vou.<br />
O bon<strong>de</strong> está cheio,<br />
<strong>de</strong> novo porém<br />
não sou mais ninguém.<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
58
Eu nem sei se vale a pena *<br />
Cantar <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> na lida,<br />
Só gente muito iludida<br />
Limpa o goto e assopra a avena, 67<br />
Esta angústia não serena,<br />
Muita fome pouco pão,<br />
Eu só vejo na função<br />
Miséria, dolo, 68 ferida,<br />
Isso é <strong>vida</strong>?<br />
<strong>São</strong> glórias <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong><br />
Ver a arte contando história,<br />
A religião sem memória<br />
<strong>de</strong> quem foi Cristo em verda<strong>de</strong>,<br />
Os chefes nossa amiza<strong>de</strong>,<br />
Os estudantes sem textos,<br />
Jornalismo no cabresto,<br />
Tolos cantando vitória,<br />
Isso é glória?<br />
divórcio pra todo o lado,<br />
As guampas fazem furor,<br />
Grã ‑finos do <strong>de</strong>spudor,<br />
no gasogênio 69 empestado,<br />
das moças do operariado<br />
<strong>São</strong> os gozosos mistérios,<br />
Isso <strong>de</strong> ter filho, néris,<br />
E se ama seja o que for,<br />
Isso é amor?<br />
59<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Mas o pior <strong>de</strong>sta nação<br />
E ter fábrica <strong>de</strong> gás<br />
Que donos ‑da ‑<strong>vida</strong> faz<br />
Ianques e ingleses <strong>de</strong> ação,<br />
Tudo vem <strong>de</strong> convulsão<br />
Enquanto se insulta o Eixo, 70<br />
Lights, Tramas, Corporation, 71<br />
E a gente <strong>de</strong> trás pra trás,<br />
Isso é paz?<br />
Pois nada vale a verda<strong>de</strong>,<br />
Ela mesma está vendida,<br />
A honra é uma suicida,<br />
nuvem a felicida<strong>de</strong>,<br />
E entre rosas a cida<strong>de</strong>,<br />
Muito concha e relambória, 72<br />
Sem paz, sem amor, sem glória,<br />
Se diz terra progredida,<br />
Eu pergunto:<br />
Isso é <strong>vida</strong>?<br />
60
O céu claro tão largo, cheio <strong>de</strong> calma na tar<strong>de</strong>, *<br />
É ver uma criança adormecida<br />
Baixando as pálpebras sem pensamento<br />
Sobre um mundo que ainda não viveu.<br />
Luzes suaves e certas, luzes até nas sombras,<br />
doçura em tudo. Os homens estão mais longe,<br />
<strong>São</strong> apenas recordações mansas pousando<br />
num sentimento sem temor.<br />
Os ruídos se amaciam quase envelhecidos,<br />
doçura em tudo. O chão é vagarento,<br />
O ar se esquece. A tensão do insofrido se abranda<br />
Como a firmeza das continuações.<br />
Eu te guardo, homem do meu caminho…<br />
Ôh espelhos, Pireneus, caiçaras insistentes, 73<br />
Porque não sereis sempre assim!<br />
Abril…<br />
61<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga *<br />
O meu coração não sabe <strong>de</strong> si,<br />
não se vê moça que não seja linda,<br />
Minha namorada não passeia aqui.<br />
na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga<br />
Minha aspiração não aguenta mais,<br />
A tar<strong>de</strong> caindo, a <strong>vida</strong> foi longa,<br />
Mas a esperança já está no cais.<br />
na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga<br />
Minha <strong>de</strong>voção quebra duma vez,<br />
Porque a mulher que eu amo está longe,<br />
É… a princesa do império chinês.<br />
na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga<br />
noite <strong>de</strong> <strong>São</strong> João qualquer mês terá,<br />
Em mil labaredas <strong>de</strong> fogo e sangue<br />
Ban<strong>de</strong>ira ar<strong>de</strong>nte tremulará.<br />
na rua Barão <strong>de</strong> Itapetininga<br />
Minha namorada vem passear.<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
62
Beijos mais beijos, *<br />
Milhões <strong>de</strong> beijos preferidos,<br />
Venho <strong>de</strong> amores com a <strong>minha</strong> amada,<br />
Insaciáveis.<br />
Rosas mais rosas,<br />
Milhões <strong>de</strong> rosas paulistanas,<br />
Venho <strong>de</strong> sustos com a <strong>minha</strong> amiga,<br />
Implacáveis.<br />
Luzes mais luzes,<br />
Luzes perdidas na garoa,<br />
Trago tristezas no peito vivo,<br />
Implacáveis.<br />
I<strong>de</strong>ais, i<strong>de</strong>ais,<br />
I<strong>de</strong>ais raivosos do insofrido,<br />
Trago verda<strong>de</strong>s novas na boca,<br />
Insaciáveis.<br />
Jornais, jornais,<br />
notícias que enchem e esvaziam,<br />
– Me dá uma bomba sem retardamento,<br />
Implacável!<br />
Horas mais horas,<br />
Rio do meu mistério esquivo,<br />
– Me dá violetas pelos meus <strong>de</strong>dos<br />
Insaciáveis…<br />
63<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
A catedral <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> *<br />
Por <strong>de</strong>us! que nunca se acaba<br />
– Como <strong>minha</strong> alma.<br />
É uma catedral horrível<br />
Feita <strong>de</strong> pedras bonitas<br />
– Como <strong>minha</strong> alma.<br />
A catedral <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
nasceu da necessida<strong>de</strong>.<br />
– Como <strong>minha</strong> alma.<br />
Sacro e profano edifício,<br />
Tem pedras novas e antigas<br />
– Como <strong>minha</strong> alma.<br />
Um dia há ‑<strong>de</strong> se acabar,<br />
Mas <strong>de</strong>pois se <strong>de</strong>struirá<br />
– Como o meu corpo.<br />
E a alma, memória triste,<br />
Por sobre os homens arisca,<br />
Sem porto.<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
64
na rua Aurora eu nasci *<br />
na aurora <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong><br />
E numa aurora cresci.<br />
no largo do Paiçandu<br />
Sonhei, foi luta renhida,<br />
Fiquei pobre e me vi nu.<br />
nesta rua Lopes Chaves<br />
Envelheço, e envergonhado<br />
nem sei quem foi Lopes Chaves. 74<br />
Mamãe! me dá essa lua,<br />
Ser esquecido e ignorado<br />
Como esses nomes da rua.<br />
65<br />
A poESIA<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Quando eu morrer quero ficar, *<br />
não contem aos meus inimigos,<br />
Sepultado em <strong>minha</strong> cida<strong>de</strong>,<br />
Sauda<strong>de</strong>.<br />
Meus pés enterrem na rua Aurora,<br />
no Paiçandu <strong>de</strong>ixem meu sexo,<br />
na Lopes Chaves a cabeça<br />
Esqueçam.<br />
no Pátio do Colégio afun<strong>de</strong>m<br />
O meu coração paulistano:<br />
Um coração vivo e um <strong>de</strong>funto<br />
Bem juntos.<br />
Escondam no Correio o ouvido<br />
direito, o esquerdo nos Telégrafos,<br />
Quero saber da <strong>vida</strong> alheia,<br />
Sereia.<br />
O nariz guar<strong>de</strong>m nos rosais,<br />
A língua no alto do Ipiranga<br />
Para cantar a liberda<strong>de</strong>.<br />
Sauda<strong>de</strong>…<br />
Os olhos lá no Jaraguá<br />
Assistirão ao que há ‑<strong>de</strong> vir,<br />
O joelho na Universida<strong>de</strong>,<br />
Sauda<strong>de</strong>…<br />
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].<br />
66
As mãos atirem por aí,<br />
Que <strong>de</strong>svivam como viveram,<br />
As tripas atirem pro diabo,<br />
Que o espírito será <strong>de</strong> <strong>de</strong>us.<br />
A<strong>de</strong>us.<br />
67<br />
A poESIA
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
A meditação sobre o Tietê *<br />
água do meu Tietê,<br />
On<strong>de</strong> me queres levar?<br />
– Rio que entras pela terra<br />
E que me afastas do mar…<br />
É noite. E tudo é noite. <strong>de</strong>baixo do arco admirável<br />
da Ponte das Ban<strong>de</strong>iras o rio<br />
Murmura num banzeiro <strong>de</strong> água pesada e oliosa.<br />
É noite e tudo é noite. Uma ronda <strong>de</strong> sombras,<br />
Soturnas sombras, enchem <strong>de</strong> noite tão vasta<br />
O peito do rio, que é como se a noite fosse água,<br />
água noturna, noite líquida, afogando <strong>de</strong> apreensões<br />
As altas torres do meu coração exausto. <strong>de</strong> repente<br />
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,<br />
É um susto. E num momento o rio<br />
Esplen<strong>de</strong> em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,<br />
Ruas, ruas, por on<strong>de</strong> os dinossauros caxingam 75<br />
Agora, arranha ‑céus valentes don<strong>de</strong> saltam<br />
Os bichos blau e os punidores gatos ver<strong>de</strong>s,<br />
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,<br />
Luzes e glória. É a cida<strong>de</strong>… É a emaranhada forma<br />
Humana corrupta da <strong>vida</strong> que muge e se aplau<strong>de</strong>.<br />
E se aclama e se falsifica e se escon<strong>de</strong>. E <strong>de</strong>slumbra.<br />
Mas é um momento só. Logo o rio escurece <strong>de</strong> novo,<br />
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam →<br />
* Último poema; versões escritas entre 30 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1944 e 12<br />
<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1945; <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morre no dia 25 do mes‑<br />
mo mês. Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma,<br />
[1946].<br />
68
69<br />
A poESIA<br />
num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho<br />
[<strong>de</strong> morte.<br />
É noite. E tudo é noite. E o meu coração <strong>de</strong>vastado<br />
É um rumor <strong>de</strong> germes insalubres pela noite insone<br />
[e humana.<br />
Meu rio, meu Tietê, on<strong>de</strong> me levas?<br />
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas<br />
E te afastas do mar e te a<strong>de</strong>ntras na terra dos homens,<br />
On<strong>de</strong> me queres levar?…<br />
Por que me proíbes assim praias e mar, por que<br />
Me impe<strong>de</strong>s a fama das tempesta<strong>de</strong>s do Atlântico<br />
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais<br />
[voltar?<br />
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,<br />
Me induzindo com a tua insistência turrona paulista<br />
Para as tempesta<strong>de</strong>s humanas da <strong>vida</strong>, rio, meu rio!…<br />
Já nada me amarga mais a recusa da vitória<br />
do indivíduo, e <strong>de</strong> me sentir feliz em mim.<br />
Eu mesmo <strong>de</strong>sisti <strong>de</strong>ssa felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>slumbrante,<br />
E fui por tuas águas levado,<br />
A me reconciliar com a dor humana pertinaz,<br />
E a me purificar no barro dos sofrimentos dos homens.<br />
Eu que <strong>de</strong>cido. E eu mesmo me reconstituí árduo na dor<br />
Por <strong>minha</strong>s mãos, por <strong>minha</strong>s <strong>de</strong>svi<strong>vida</strong>s mãos, por<br />
Estas <strong>minha</strong>s próprias mãos que me traem,<br />
Me <strong>de</strong>sgastaram e me dispersaram por todos os<br />
[<strong>de</strong>scaminhos,<br />
Fazendo <strong>de</strong> mim uma trama on<strong>de</strong> a aranha insaciada<br />
Se per<strong>de</strong>u em cisco e pólen, cadáveres e verda<strong>de</strong>s<br />
[e ilusões.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Mas porém, rio, meu rio, <strong>de</strong> cujas águas eu nasci,<br />
Eu nem tenho direito mais <strong>de</strong> ser melancólico e frágil,<br />
nem <strong>de</strong> me estrelar nas volúpias inúteis da lágrima!<br />
Eu me reverto às tuas águas espessas <strong>de</strong> infâmias,<br />
Oliosas, eu, voluntariamente, sofregamente, sujado<br />
<strong>de</strong> infâmias, egoísmos e traições. E as <strong>minha</strong>s vozes,<br />
Perdidas do seu tenor, rosnam pesadas e oliosas,<br />
Varando terra a<strong>de</strong>ntro no espanto dos mil futuros,<br />
À espera angustiada do ponto. não do meu ponto final!<br />
Eu <strong>de</strong>sisti! Mas do ponto entre as águas e a noite,<br />
daquele ponto leal à terrestre pergunta do homem,<br />
<strong>de</strong> que o homem há ‑<strong>de</strong> nascer.<br />
Eu vejo, não é por mim, o meu verso tomando<br />
As cordas oscilantes da serpente, rio.<br />
Toda a graça, todo o prazer da <strong>vida</strong> se acabou.<br />
nas tuas águas eu contemplo o Boi Paciência<br />
Se afogando, que o peito das águas tudo soverteu.<br />
Contágios, tradições, brancuras e notícias,<br />
Mudo, esquivo, <strong>de</strong>ntro da noite, o peito das águas,<br />
[fechado, mudo,<br />
Mudo e vivo, no <strong>de</strong>speito estrídulo que me fustiga<br />
[e <strong>de</strong>vora.<br />
<strong>de</strong>stino, pre<strong>de</strong>stinações… meu <strong>de</strong>stino. Estas águas<br />
do meu Tietê são abjetas 76 e barrentas,<br />
dão febre, dão a morte <strong>de</strong>certo, e dão garças e antíteses. 77<br />
nem as ondas das suas praias cantam, e no fundo<br />
das manhãs elas dão gargalhadas frenéticas,<br />
Silvos <strong>de</strong> tocaias e lamurientos jacarés.<br />
Isto não são as águas que se beba, conhecido, isto são<br />
águas do vício da terra. Os jabirus e os socós →<br />
70
71<br />
A poESIA<br />
Gargalham <strong>de</strong>pois morrem. E as antas e os ban<strong>de</strong>irantes<br />
[e os ingás,<br />
<strong>de</strong>pois morrem. Sobra não. nem sequer o Boi Paciência<br />
Se muda não. Vai tudo ficar na mesma, mas vai!…<br />
[e os corpos<br />
Podres envenenam estas águas completas no bem<br />
[e no mal.<br />
Isto não são águas que se beba, conhecido! Estas águas<br />
<strong>São</strong> malditas e dão morte, eu <strong>de</strong>scobri! e é por isso<br />
Que elas se afastam dos oceanos e induzem à terra dos<br />
[homens,<br />
Paspalhonas. Isto não são águas que se beba, eu <strong>de</strong>scobri!<br />
E o meu peito das águas se esborrifa, ventarrão vem,<br />
[se encapela<br />
Engruvinhado <strong>de</strong> dor que não se suporta mais.<br />
Me sinto o Pai Tietê! ôh força dos meus sovacos!<br />
Cio <strong>de</strong> amor que me impe<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>strói e fecunda!<br />
nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> impaciente amor sem metáforas,<br />
Que se horroriza e enraivece <strong>de</strong> sentir ‑se<br />
<strong>de</strong>magogicamente tão sozinho! Ôh força!<br />
Incêndio <strong>de</strong> amor estrondante, enchente magnânima<br />
[que me inunda,<br />
Me alarma e me <strong>de</strong>stroça, inerme 78 por sentir ‑me<br />
<strong>de</strong>magogicamente tão só!<br />
A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua<br />
Se as tuas águas estão podres <strong>de</strong> fel<br />
E majesta<strong>de</strong> falsa? A culpa é tua<br />
On<strong>de</strong> estão os amigos? on<strong>de</strong> estão os inimigos?<br />
On<strong>de</strong> estão os pardais? e os teus estudiosos e sábios, e<br />
Os iletrados? →
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
On<strong>de</strong> o teu povo? e as mulheres! dona Hircenuhdis<br />
[Quiroga!<br />
E os Prados e os crespos e os pratos e os barbas e os gatos<br />
[e os línguas79 do Instituto Histórico e Geográfico, e os mu ‑<br />
seus e a Cúria, e os senhores chantres80 reverendíssimos,<br />
Celso nihil estate varíolas gi<strong>de</strong> memoriam,<br />
Calípe<strong>de</strong>s flogísticos81 e a Confraria Brasiliense82 [e Clima83 E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as<br />
novas ruas abertas e a falta <strong>de</strong> habitações e<br />
Os mercados?… E a tira<strong>de</strong>ira divina <strong>de</strong> Cristo!…<br />
Tu és <strong>de</strong>magogia. A própria <strong>vida</strong> abstrata tem vergonha<br />
<strong>de</strong> ti em tua ambição fumarenta.<br />
És <strong>de</strong>magogia em teu coração insubmisso.<br />
És <strong>de</strong>magogia em teu <strong>de</strong>sequilíbrio anticéptico 84<br />
E antiuniversitário.<br />
És <strong>de</strong>magogia. Pura <strong>de</strong>magogia.<br />
<strong>de</strong>magogia pura. Mesmo alimpada <strong>de</strong> metáforas.<br />
Mesmo irrespirável <strong>de</strong> furor na fala reles:<br />
<strong>de</strong>magogia.<br />
Tu és enquanto tudo é eternida<strong>de</strong> e malvasia: 85<br />
<strong>de</strong>magogia.<br />
Tu és em meio à (crase) gente pia:<br />
<strong>de</strong>magogia.<br />
És tu jocoso 86 enquanto o ato gratuito se esvazia:<br />
<strong>de</strong>magogia.<br />
És <strong>de</strong>magogia, ninguém chegue perto!<br />
nem Alberto, nem Adalberto nem dagoberto<br />
Esperto Ciumento Peripatético e Ceci<br />
E Tancredo e Afrodísio e também Armida<br />
E o próprio Pedro e também Alcibía<strong>de</strong>s, 87 →<br />
72
ninguém te chegue perto, porque tenhamos o pudor,<br />
O pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, bem<br />
Sutis!… E as tuas mãos se emaranham lerdas,<br />
E o Pai Tietê se vai num suspiro educado e sereno,<br />
Porque és <strong>de</strong>magogia e tudo é <strong>de</strong>magogia.<br />
73<br />
A poESIA<br />
Olha os peixes, <strong>de</strong>magogo incivil! Repete os<br />
[carcomidos peixes!<br />
<strong>São</strong> eles que empurram as águas e as fazem servir <strong>de</strong><br />
[alimento<br />
Às areias gordas da margem. Olha o peixe dourado sonoro,<br />
Esse um é presi<strong>de</strong>nte, mantém faixa <strong>de</strong> crachá no peito,<br />
Acirculado <strong>de</strong> tubarões que escon<strong>de</strong>ndo na fuça rotunda<br />
O perrepismo 88 dos <strong>de</strong>ntes, se revezam na rota solene,<br />
Languidamente presi<strong>de</strong>nciais. Ei ‑vem o tubarão ‑martelo<br />
E o lambari ‑spitfire. Ei ‑vem o boto ‑ministro.<br />
Ei ‑vem o peixe ‑boi com as mil mamicas impru<strong>de</strong>ntes,<br />
Perturbado pelos golfinhos saltitantes e as tabaranas<br />
Em zás ‑trás dos guapos Pêdêcês e Guaporés.<br />
Eis o peixe ‑baleia entre os peixes muçuns lineares,<br />
E os bagres do lodo oliva e bilhões <strong>de</strong> peixins japoneses;<br />
Mas é asnático o peixe ‑baleia e vai logo encalhar<br />
[na margem,<br />
Pois quis engolir a própria margem, confundido<br />
[pela facheada.<br />
Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando<br />
<strong>de</strong> dirigir a corrente, com ares <strong>de</strong> salva ‑<strong>vida</strong>s.<br />
E lá vem por <strong>de</strong>baixo e por <strong>de</strong> ‑banda os interrogativos<br />
[peixes<br />
Internacionais, uns rubicundos sustentados <strong>de</strong> mosca,<br />
E os espadartes a trote chique, esses são espadartes!<br />
[e as duas →
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Semanas Santas se insultam e o<strong>de</strong>iam, na lufa ‑lufa<br />
[<strong>de</strong> ganhar<br />
no bicho o corpo do Crucificado. Mas as águas,<br />
As águas choram baixas num murmúrio lívido,<br />
[e se difun<strong>de</strong>m<br />
Tecidas <strong>de</strong> peixe e abandono, na mais incompetente<br />
[solidão.<br />
Vamos, <strong>de</strong>magogia! eia! sus! aceita o ventre e investe!<br />
Berra <strong>de</strong> amor humano impenitente,<br />
Cega, sem lágrima, ignara, colérica, investe!<br />
Um dia hás ‑<strong>de</strong> ter razão contra a ciência e a realida<strong>de</strong>,<br />
E contra os fariseus e as lontras luzidias.<br />
E contra os guarás e os elogiados. E contra todos os peixes.<br />
E também os mariscos, as ostras e os trairões fartos<br />
[<strong>de</strong> equilíbrio e<br />
Pundhonor. 89<br />
Pum d’honor.<br />
Quedê as Juvenilida<strong>de</strong>s<br />
[Auriver<strong>de</strong>s!<br />
Eu tenho medo… Meu coração está pequeno, é tanta<br />
Essa <strong>de</strong>magogia, é tamanha,<br />
Que eu tenho medo <strong>de</strong> abraçar os inimigos,<br />
Em busca apenas dum sabor,<br />
Em busca dum olhar,<br />
Um sabor, um olhar, uma certeza…<br />
É noite… Rio! meu rio! meu Tietê!<br />
É noite muito!… As formas… Eu busco em vão as formas<br />
Que me ancorem num porto seguro na terra dos homens.<br />
É noite e tudo é noite. O rio tristemente<br />
Murmura num banzeiro <strong>de</strong> água pesada e oliosa.<br />
água noturna, noite líquida… Augúrios 90 mornos afogam<br />
As altas torres do meu exausto coração. →<br />
74
75<br />
A poESIA<br />
Me sinto esvair no apagado murmulho das águas.<br />
Meu pensamento quer pensar, flor, meu peito<br />
Quereria sofrer, talvez (sem metáfora) uma dor irritada…<br />
Mas tudo se <strong>de</strong>sfaz num choro <strong>de</strong> agonia<br />
Plácida. não tem formas nessa noite, e o rio<br />
Recolhe mais esta luz, vibra, reflete, se aclara, refulge,<br />
E me larga <strong>de</strong>sarmado nos transes da enorme cida<strong>de</strong>.<br />
Se todos esses dinossauros imponentes <strong>de</strong> luxo e<br />
[diamante,<br />
Vorazes <strong>de</strong> genealogias e <strong>de</strong> arcanos,<br />
Quisessem reconquistar o passado…<br />
Eu me vejo sozinho, arrastando sem músculo<br />
A cauda do pavão e mil olhos <strong>de</strong> séculos,<br />
Sobretudo os vinte séculos <strong>de</strong> anticristianismo<br />
da por todos chamada Civilização Cristã…<br />
Olhos que me intrigam, olhos que me <strong>de</strong>nunciam,<br />
da cauda do pavão, tão pesada e ilusória.<br />
não posso continuar mais, não tenho, porque os homens<br />
não querem me ajudar no meu caminho.<br />
Então a cauda se abriria orgulhosa e reflorescente<br />
<strong>de</strong> luzes inimagináveis e certezas…<br />
Eu não seria tão somente o peso <strong>de</strong>ste meu <strong>de</strong>sconsolo,<br />
A lepra do meu castigo queimando nesta epi<strong>de</strong>rme<br />
Que encurta, me encerra e me inutiliza na noite,<br />
Me revertendo minúsculo à advertência do meu rio.<br />
Escuto o rio. Assunto estes balouços em que o rio<br />
Murmura num banzeiro. E contemplo<br />
Como apenas se movimenta escravizada a torrente,<br />
E rola a multidão. Cada onda que abrolha<br />
E se mistura no rolar fatigado é uma dor. E o surto<br />
Mirim dum crime impune.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Vem <strong>de</strong> trás o estirão. É tão soluçante e tão longo,<br />
E lá na curva do rio vêm outros estirões e mais outros,<br />
E lá na frente são outros, todos soluçantes e presos<br />
Por curvas que serão sempre apenas as curvas do rio.<br />
Há ‑<strong>de</strong> todos os assombros, <strong>de</strong> todas as purezas e martírios<br />
nesse rolo torvo das águas. Meu <strong>de</strong>us! meu<br />
Rio! como é possível a torpeza da enchente dos homens!<br />
Quem po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o escravo macho<br />
E multimilenar que escorre e sofre, e mandado escorre<br />
Entre injustiça e impieda<strong>de</strong>, estreitado<br />
nas margens e nas areias das praias sequiosas?<br />
Elas bebem e bebem. não se fartam, <strong>de</strong>ixando com<br />
<strong>de</strong>sespero<br />
Que o resto do galé aquoso ultrapasse esse dia,<br />
Pra ser represado e bebido pelas outras areias<br />
das praias adiante, que também dominam,<br />
[aprisionam e mandam<br />
A trágica sina do rolo das águas, e dirigem<br />
O leito impassível da injustiça e da impieda<strong>de</strong>.<br />
Ondas, a multidão, o rebanho, o rio, meu rio, um rio<br />
Que sobe! Fervilha e sobe! E se a<strong>de</strong>ntra fatalizado,<br />
[e em vez<br />
<strong>de</strong> ir se alastrar arejado nas liberda<strong>de</strong>s oceânicas,<br />
Em vez se a<strong>de</strong>ntra pela terra escura e á<strong>vida</strong> dos homens,<br />
dando sangue e <strong>vida</strong> a beber. E a massa líquida<br />
da multidão on<strong>de</strong> tudo se esmigalha e se iguala,<br />
Rola pesada e oliosa, e rola num rumor surdo,<br />
E rola mansa, amansada imensa eterna, mas<br />
no eterno imenso rígido canal da estulta 91 dor.<br />
Porque os homens não me escutam! Por que os<br />
[governadores<br />
não me escutam? Por que não me escutam →<br />
76
77<br />
A poESIA<br />
Os plutocratas 92 e todos os que são chefes e são fezes?<br />
Todos os donos da <strong>vida</strong>?<br />
Eu lhes daria o impossível e lhes daria o segredo,<br />
Eu lhes dava tudo aquilo que fica pra cá do grito<br />
Metálico dos números, e tudo<br />
O que está além da insinuação cruenta da posse.<br />
E se acaso eles protestassem, que não! que não <strong>de</strong>sejam<br />
A borboleta translúcida da humana <strong>vida</strong>, porque preferem<br />
O retrato a ólio das inaugurações espontâneas,<br />
Com béstias do operário e do oficial, imediatamente<br />
[inferior,<br />
E pal<strong>minha</strong>s, e mais os sorrisos das máscaras e a<br />
[profunda <strong>comoção</strong>,<br />
Pois não! Melhor que isso eu lhes dava uma felicida<strong>de</strong><br />
[<strong>de</strong>slumbrante<br />
<strong>de</strong> que eu consegui me <strong>de</strong>spojar porque tudo sacrifiquei.<br />
Sejamos generosíssimos. E enquanto os chefes e as fezes<br />
<strong>de</strong> mama<strong>de</strong>ira ficassem na creche <strong>de</strong> laca e lacinhos,<br />
Ingênuos brincando <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>slumbrante:<br />
nós nos iríamos <strong>de</strong> camisa aberta ao peito,<br />
<strong>de</strong>scendo verda<strong>de</strong>iros ao léu da corrente do rio,<br />
Entrando na terra dos homens ao coro das quatro estações.<br />
Pois que mais uma vez eu me aniquilo sem reserva,<br />
E me estilhaço nas fagulhas eternamente esquecidas,<br />
E me salvo no eternamente esquecido fogo <strong>de</strong> amor…<br />
Eu estalo <strong>de</strong> amor e sou só amor arrebatado<br />
Ao fogo irrefletido do amor.<br />
… eu já amei sozinho comigo; eu já cultivei também<br />
O amor do amor, Maria! 93<br />
E a carne plena da amante, e o susto vário<br />
da amiga, e a confidência do amigo… Eu já amei →
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça elevada,<br />
[escolhido<br />
Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu outro sinal. 94<br />
E também, ôh também! na mais impá<strong>vida</strong> glória<br />
<strong>de</strong>scobridora da <strong>minha</strong> inconstância e aventura,<br />
<strong>de</strong>sque me fiz poeta e fui trezentos, 95 eu amei<br />
Todos os homens, odiei a guerra, salvei a paz!<br />
E eu não sabia! Eu bailo <strong>de</strong> ignorâncias inventivas,<br />
E a <strong>minha</strong> sabedoria vem das fontes que eu não sei!<br />
Quem move meu braço? Quem beija por <strong>minha</strong> boca?<br />
Quem sofre e se gasta pelo meu renascido coração?<br />
Quem? senão o incêndio nascituro do amor?…<br />
Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Ban<strong>de</strong>iras,<br />
Bardo mestiço, e o meu verso vence a corda<br />
da caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares,<br />
[e enrouquece<br />
Úmido nas espumas da água do meu rio,<br />
E se espatifa nas <strong>de</strong>dilhações brutas do incorpóreo Amor.<br />
Por que os donos da <strong>vida</strong> não me escutam?<br />
Eu só sei que eu não sei por mim! sabem por mim as fontes<br />
da água, e eu bailo <strong>de</strong> ignorâncias inventivas.<br />
Meu baile é solto como a dor que range, meu<br />
Baile é tão vário que possui mil sambas insonhados!<br />
Eu converteria o humano crime num baile mais <strong>de</strong>nso<br />
Que estas ondas negras <strong>de</strong> água pesada e oliosa,<br />
Porque os meus gestos e os meus ritmos nascem<br />
do incêndio puro do amor… Repetição. Primeira voz<br />
[sabida, o Verbo.<br />
Primeiro troco. Primeiro dinheiro vendido. Repetição<br />
[logo ignorada.<br />
Como é possível que o amor se mostre impotente assim<br />
Ante o ouro pelo qual o sacrificam os homens, →<br />
78
79<br />
A poESIA<br />
Trocando a primavera que brinca na face das terras,<br />
Pelo outro tesouro que dorme no fundo baboso do rio!<br />
É noite! é noite!… E tudo é noite! E os meus olhos são<br />
[noite!<br />
Eu não enxergo sequer as barcaças na noite.<br />
Só a enorme cida<strong>de</strong>. E a cida<strong>de</strong> me chama e pulveriza,<br />
E me disfarça numa queixa flébil e comedida,<br />
On<strong>de</strong> irei encontrar a malícia do Boi Paciência<br />
Redivivo. Flor. Meu suspiro ferido se agarra,<br />
não quer sair, enche o peito <strong>de</strong> ardência ardilosa,<br />
Abre o olhar, e o meu olhar procura, flor, um tilintar<br />
nos ares, nas luzes longe, no peito das águas,<br />
no reflexo baixo das nuvens.<br />
<strong>São</strong> formas… Formas que fogem, formas<br />
Indivisas, se atropelando, um tilintar <strong>de</strong> formas fugidias<br />
Que mal se abrem, flor, se fecham, flor, flor, informes,<br />
[inacessíveis,<br />
na noite. E tudo é noite. Rio, o que eu posso fazer!…<br />
Rio, meu rio… mas porém há ‑<strong>de</strong> haver com certeza<br />
Outra <strong>vida</strong> melhor do outro lado <strong>de</strong> lá<br />
da serra! E hei ‑<strong>de</strong> guardar silêncio!<br />
O que eu posso fazer!… hei ‑<strong>de</strong> guardar silêncio<br />
<strong>de</strong>ste amor mais perfeito do que os homens?…<br />
Estou pequeno, inútil, bicho da terra, <strong>de</strong>rrotado.<br />
no entanto eu sou maior… Eu sinto uma gran<strong>de</strong>za<br />
[infatigável!<br />
Eu sou maior que os vermes e todos os animais.<br />
E todos os vegetais. E os vulcões vivos e os oceanos,<br />
Maior… Maior que a multidão do rio acorrentado,<br />
Maior que a estrela, maior que os adjetivos, →
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Sou homem! vencedor das mortes, bem ‑nascido além<br />
[dos dias,<br />
Transfigurado além das profecias!<br />
Eu recuso a paciência, o boi morreu, eu recuso a esperança.<br />
Eu me acho tão cansado em meu furor.<br />
As águas apenas murmuram hostis, água vil mas<br />
[turrona paulista<br />
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas<br />
Para o peito dos sofrimentos dos homens.<br />
… e tudo é noite. Sob o arco admirável<br />
da Ponte das Ban<strong>de</strong>iras, morta, dissoluta, fraca,<br />
Uma lágrima apenas, uma lágrima,<br />
Eu sigo alga escusa nas águas do meu Tietê.<br />
80
II. A ficção
nas terras do igarapé Tietê *<br />
[…]<br />
Porém entrando nas terras do igarapé Tietê adon<strong>de</strong> o<br />
burbom vogava e a moeda tradicional não era mais cacau,<br />
em vez, chamava arame contos contecos milréis borós tos‑<br />
tão duzentorréis quinhentorréis, cinquenta paus, noven‑<br />
ta bagarotes, e pelegas cobres xenxéns caraminguás selos<br />
bicos ‑<strong>de</strong> ‑coruja massuni bolada calcáreo gimbra siridó<br />
bicha e pataracos, assim, adon<strong>de</strong> até liga pra meia nin‑<br />
guém comprava nem por vinte mil cacaus. Macunaíma<br />
ficou muito contrariado. Ter <strong>de</strong> trabucar, ele, herói!…<br />
Murmurou <strong>de</strong>solado:<br />
– Ai! que preguiça!…<br />
Resolveu abandonar a empresa, voltando pros pagos <strong>de</strong><br />
que era imperador. Porém Maanape falou assim:<br />
– <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser aruá, mano! Por morrer um carangueijo<br />
o mangue não bota luto não! que diacho! <strong>de</strong>sanima não<br />
que arranjo as coisas!<br />
Quando chegaram em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, ensacou um pouco<br />
do tesouro pra comerem e barganhando o resto na Bol‑<br />
sa apurou perto <strong>de</strong> oitenta contos <strong>de</strong> réis. Maanape era<br />
* Excerto <strong>de</strong> “Piaimã”, capítulo 5 da rapsódia mo<strong>de</strong>rnista Macunaí‑<br />
ma, o herói sem nenhum caráter, 1928 (1ª. ed.).<br />
83
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
feiticeiro. Oitenta contos não valia muito mas o herói<br />
refletiu bem e falou pros manos:<br />
– Paciência. A gente se arruma com isso mesmo, quem<br />
quer cavalo sem tacha anda <strong>de</strong> a ‑pé…<br />
Com esses cobres é que Macunaíma viveu.<br />
E foi numa boca ‑da ‑noite fria que os manos toparam<br />
com a cida<strong>de</strong> macota <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> esparramada a beira‑<br />
‑rio do igarapé Tietê. Primeiro foi a gritaria da papagaiada<br />
imperial se <strong>de</strong>spedindo do herói. E lá se foi o bando sara‑<br />
pintado volvendo pros matos do norte.<br />
Os manos entraram num cerrado cheio <strong>de</strong> inajás ouri‑<br />
curis ubuçus bacabas mucajás miritis tucumãs trazendo<br />
no curuatá uma penachada <strong>de</strong> fumo em vez <strong>de</strong> palmas e<br />
cocos. Todas as estrelas tinham <strong>de</strong>scido do céu branco <strong>de</strong><br />
tão molhado <strong>de</strong> garoa e banzavam pela cida<strong>de</strong>. Macunaí‑<br />
ma lembrou <strong>de</strong> procurar Ci. Êh! <strong>de</strong>ssa ele nunca po<strong>de</strong>‑<br />
ria esquecer não, porque a re<strong>de</strong> feiticeira que ela armara<br />
pros brinquedos fora tecida com os próprios cabelos <strong>de</strong>la e<br />
isso torna a tece<strong>de</strong>ira inesquecível. Macunaíma campeou<br />
campeou mas as estradas e terreiros estavam apinhados<br />
<strong>de</strong> cunhãs tão brancas tão alvinhas, tão!… Macunaíma<br />
gemia. Roçava nas cunhãs murmurejando com doçura:<br />
“Mani! Mani! filhinhas da mandioca…” perdido <strong>de</strong> gosto<br />
e tanta formosura. Afinal escolheu três. Brincou com elas<br />
na re<strong>de</strong> estranha plantada no chão, numa maloca mais<br />
alta que a Paranaguara. <strong>de</strong>pois, por causa daquela re<strong>de</strong> ser<br />
dura, dormiu <strong>de</strong> atravessado sobre os corpos das cunhãs.<br />
E a noite custou pra ele quatrocentos bagarotes.<br />
A inteligência do herói estava muito perturbada. Acor‑<br />
dou com os berros da bicharia lá embaixo nas ruas, dis‑<br />
parando entre as malocas temíveis. E aquele diacho <strong>de</strong><br />
sagui ‑açu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em<br />
que dormira… Que mundo <strong>de</strong> bichos! que <strong>de</strong>spropósito<br />
84
85<br />
A ficção<br />
<strong>de</strong> papões roncando, mauaris juruparis sacis e boitatás<br />
nos atalhos nas socavas nas cordas dos morros furados<br />
por grotões don<strong>de</strong> gentama saía muito branquinha bran‑<br />
quíssima, <strong>de</strong> certo a filharada da mandioca!… A inteli‑<br />
gência do herói estava muito perturbada. As cunhãs rindo<br />
tinham ensinado pra ele que o sagui ‑açu não era saguim<br />
não, chamava elevador e era uma máquina. <strong>de</strong> ‑manhãzi‑<br />
nha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas<br />
sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram<br />
mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máqui‑<br />
na. As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam<br />
for<strong>de</strong>s hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram<br />
máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás <strong>de</strong> curua‑<br />
tás <strong>de</strong> fumo, em vez eram caminhões bon<strong>de</strong>s autobon<strong>de</strong>s<br />
anúncios ‑luminosos relógios faróis rádios motocicletas<br />
telefones gorjetas postes chaminés… Eram máquinas e<br />
tudo na cida<strong>de</strong> era só máquina! O herói apren<strong>de</strong>ndo cala‑<br />
do. <strong>de</strong> vez em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel<br />
escutando assuntando maquinando numa cisma assom‑<br />
brada. Tomou ‑o um respeito cheio <strong>de</strong> inveja por essa <strong>de</strong>u‑<br />
sa <strong>de</strong> <strong>de</strong>veras forçuda, Tupã famanado que os filhos da<br />
mandioca chamavam <strong>de</strong> Máquina, mais canta<strong>de</strong>ira que a<br />
Mãe ‑d’água, em bulhas <strong>de</strong> sarapantar.<br />
Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser tam‑<br />
bém imperador dos filhos da mandioca. Mas as três<br />
cunhãs <strong>de</strong>ram muitas risadas e falaram que isso <strong>de</strong> <strong>de</strong>u‑<br />
ses era uma gorda mentira antiga, que não tinha <strong>de</strong>us<br />
não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela<br />
mata. A máquina não era <strong>de</strong>us não, nem possuía os dis‑<br />
tintivos femininos <strong>de</strong> que o herói gostava tanto. Era feita<br />
pelos homens. Se mexia com eletricida<strong>de</strong> com fogo com<br />
água com vento com fumo, os homens aproveitando as<br />
forças da natureza. Porém jacaré acreditou? nem o herói!
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Se levantou na cama e com um gesto, esse sim! bem guaçu<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém, tó! batendo o antebraço esquerdo <strong>de</strong>ntro do<br />
outro dobrado, mexeu com energia a munheca direita pras<br />
três cunhãs e partiu. nesse instante, falam, ele inventou o<br />
gesto famanado <strong>de</strong> ofensa: a pacova.<br />
E foi morar numa pensão com os manos. Estava com<br />
a boca cheia <strong>de</strong> sapinhos por causa daquela primeira noi‑<br />
te <strong>de</strong> amor paulistano. Gemia com as dores e não havia<br />
meios <strong>de</strong> sarar até que Maanape roubou uma chave <strong>de</strong><br />
sacrário e <strong>de</strong>u pra Macunaíma chupar. O herói chupou<br />
chupou e sarou bem. Maanape era feiticeiro.<br />
Macunaíma passou então uma semana sem comer nem<br />
brincar só maquinando nas brigas sem vitória dos filhos<br />
da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava<br />
os homens porém os homens é que mandavam na Máqui‑<br />
na… Constatou pasmo que os filhos da mandioca eram<br />
donos sem mistério e sem força da máquina sem mistério<br />
sem querer sem fastio, incapaz <strong>de</strong> explicar as infelicida<strong>de</strong>s<br />
por si. Estava nostálgico assim. Até que uma noite, sus‑<br />
penso no terraço dum arranha ‑céu com os manos, Macu‑<br />
naíma concluiu:<br />
– Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem<br />
ela ganha <strong>de</strong>les nesta luta. Há empate.<br />
não concluiu mais nada porque inda não estava acos‑<br />
tumado com discursos porém palpitava pra ele muito<br />
embrulhadamente muito! que a máquina <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ser um<br />
<strong>de</strong>us <strong>de</strong> que os homens não eram verda<strong>de</strong>iramente donos<br />
só porque não tinham feito <strong>de</strong>la uma Iara explicável mas<br />
apenas uma realida<strong>de</strong> do mundo. <strong>de</strong> toda essa embru‑<br />
lhada o pensamento <strong>de</strong>le sacou bem clarinha uma luz: Os<br />
homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram<br />
homens. Macunaíma <strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> gargalhada. Per‑<br />
cebeu que estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe.<br />
86
87<br />
A ficção<br />
Virou Jiguê na máquina telefone, ligou pros cabarés enco‑<br />
mendando lagosta e francesas.<br />
[…]
Túmulo, túmulo, túmulo *<br />
Belazarte me contou:<br />
Caso triste foi o que suce<strong>de</strong>u lá em casa mesmo… Eu<br />
sempre falo que a gente <strong>de</strong>ve ser enérgico, nunca <strong>de</strong>sani‑<br />
mar, que se entregar é covardia, porém quando a coisa<br />
<strong>de</strong>sanda mesmo não tem vonta<strong>de</strong>, não tem paciência que<br />
faça <strong>de</strong>sgraça parar.<br />
Um tempo an<strong>de</strong>i mais endinheirado, com emprego<br />
bom e inda por cima arranjando sempre uns biscates por<br />
aí, que me <strong>de</strong>ixavam viver à larga. dinheiro faz cócega em<br />
bolso <strong>de</strong> brasileiro, enquanto não se gasta não há meios <strong>de</strong><br />
sossegar, pois imaginei ter um criado só pra mim. Achava<br />
gostoso esses pedaços <strong>de</strong> cinema: o dono vai saindo, vem<br />
o criado com chapéu e bengala na mão, “Prudêncio, hoje<br />
não boio em casa, querendo sair, po<strong>de</strong>. Té logo”. “Té logo,<br />
seu Belazarte.”<br />
Veio um criado mas eu não simpatizava com ele não.<br />
Sei lá si percebeu? uma noite pediu a conta e <strong>de</strong>i graças.<br />
Levei uns pares <strong>de</strong> dias assim, até que indo ver uns ter‑<br />
renos longe, estava no mesmo banco do bon<strong>de</strong> um tiziu<br />
* Texto publicado em Os contos <strong>de</strong> Belazarte, 1934 (1ª ed.), ali datado<br />
<strong>de</strong> 1926; correspon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fato, à reescrita <strong>de</strong> 1934, refundida em<br />
1943 ‑1944. neste livro, o autor transfigura alguns traços autobio‑<br />
gráficos.<br />
89
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
extraordinário <strong>de</strong> simpático. Que olhos sossegados! você<br />
não imagina. Adoçavam tudo que nem verso <strong>de</strong> Rilke. 96<br />
<strong>de</strong>sci matutando, vi os terrenos, peguei o bon<strong>de</strong> que vol‑<br />
tava. Instinto é uma curiosida<strong>de</strong>: quando o condutor veio<br />
cobrar a passagem e percebi que era o mesmo da ida, tive a<br />
certeza que o negrinho havia <strong>de</strong> estar no carro. Olhei para<br />
trás, pois não é que estava mesmo! Encontrei os olhos <strong>de</strong>le,<br />
dito e feito: senti uma doçura por <strong>de</strong>ntro uma calma lenta,<br />
pensei: está aí, disso é que você carece pra criado. Mu<strong>de</strong>i<br />
<strong>de</strong> banco e meio juruviá puxei conversa:<br />
– Me diga ũa coisa, você não sabe por acaso <strong>de</strong> algum<br />
moço que queira ser meu criado? Mas quero brasileiro e<br />
preto.<br />
Riu manso, apalpando a vista com a pálpebra. Me<br />
olhou, respon<strong>de</strong>ndo com voz silenciosa, essa mesma <strong>de</strong><br />
gente que não pensa nem viveu passado:<br />
– Tem eu, sim senhor. O senhor querendo…<br />
– Eu, eu quero sim, por que não havia <strong>de</strong> querer? Quan‑<br />
to você pe<strong>de</strong>?<br />
Etc. E ele entrou pro meu serviço.<br />
Quando indaguei o nome <strong>de</strong>le, falou que chamava Ellis.<br />
Ellis era preto, já disse… Mas uma boniteza <strong>de</strong> pretura<br />
como nunca eu tinha visto assim. Como linhas até que não<br />
era essas coisas, meio nhato, 97 porém aquela cor elevava o<br />
meu criado a tipo ‑<strong>de</strong> ‑beleza da raça tizia. Com <strong>de</strong>zenove<br />
anos sem nem um poucadico <strong>de</strong> barba, a epi<strong>de</strong>rme <strong>de</strong> Ellis<br />
era um esplendor. não brilhava mas não brilhava nada<br />
mesmo! nem que ele estivesse trabalhando pesado, suor<br />
corria, ficava o risco da gota feito rastinho <strong>de</strong> lesma e só.<br />
Bastava que lavasse a cara, pronto: voltava o preto opaco<br />
outra vez. Era doce, aveludado o preto <strong>de</strong> Ellis… A gente<br />
se punha matutando que havia <strong>de</strong> ser bom passar a mão<br />
naquela cor humil<strong>de</strong>, mão que andou todo o dia apertando<br />
90
91<br />
A ficção<br />
passe ‑bem <strong>de</strong> muito branco emproado e filho ‑da ‑mãe.<br />
Ellis trazia o cabelo sempre bem roçado, arredondando<br />
o coco. Pixaim fininho, tão fofo que era ver piri <strong>de</strong> beira‑<br />
‑rio. 98 Beiço, não se percebia, negro também. Só mesmo<br />
o olhar amarelado, cor <strong>de</strong> ólio <strong>de</strong> babosa, é que <strong>de</strong>scansa‑<br />
va no meio daquela igualda<strong>de</strong> perfeita. É verda<strong>de</strong> que os<br />
<strong>de</strong>ntes eram brancos, mas isso raramente se enxergava,<br />
porque Ellis tinha um sorriso apenas entreaberto. Estava<br />
muito igualado com o movimento da miséria pra andar<br />
mostrando gengiva a cada passo. A gente tinha impressão<br />
<strong>de</strong> que nada o espantava mais, e que Ellis via tudo preto,<br />
do mesmo preto exato da epi<strong>de</strong>rme.<br />
Como criado, manda a justiça contar que ele não foi<br />
inteiramente o que a gente está acostumado a chamar <strong>de</strong><br />
criado bom. não é que fosse rúim não, porém tinha seus<br />
carnegões, moleza chegou ali, parou. Limpava bem as coi‑<br />
sas mas levava uma <strong>vida</strong> pra limpar esta janela. E <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>u <strong>de</strong> sair muito, não tinha noite que ficasse em casa. Mas<br />
no sentido <strong>de</strong> criado moral, Ellis foi sublime. <strong>de</strong> inteira<br />
confiança, discreto, e sobretudo amigo. Quando eu aspe‑<br />
rejava com ele, escutava tudo num <strong>de</strong>saponto que só ven‑<br />
do. Sei que eu <strong>de</strong>sbaratava, ia <strong>de</strong>sbaratando, ia ficando sem<br />
assunto pra <strong>de</strong>sbaratar, meio com dó daquele tão humil<strong>de</strong><br />
que, a gente percebia, não tinha feito nada por mal. Aca‑<br />
bava sendo eu mesmo a discutir comigo:<br />
– Sei bem que <strong>de</strong> tanto lavar copo vem um dia em que<br />
um escapole da mão… Está bom, veja si não quebra mais,<br />
ouviu?<br />
– Sei, seu Belazarte.<br />
E ficava esperando, jururu que fazia dó. Eu é que enca‑<br />
fifava. Com aquele olho ‑<strong>de</strong> ‑pomba me seguindo, arru‑<br />
lhando pelo meu corpo numa bulha penarosa <strong>de</strong> carinho<br />
batido, eu nem sabia o que fazer. Pegava numa gravata,
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
reparando que tinha pegado nela só pra gesticular, largava<br />
da gravata, arranja cabelo, arranja não ‑sei ‑o ‑quê, acabava<br />
sempre <strong>de</strong>scobrindo poeira na roupa, ũa mancha, qual‑<br />
quer coisa assim:<br />
– Ellis, me limpe isto.<br />
Ele vinha chegando meio encolhido e limpava. Então<br />
olho ‑<strong>de</strong> ‑babosa pousava em <strong>minha</strong> justiça, tremendo:<br />
– Está bom assim, seu Belazarte?<br />
– Está. Po<strong>de</strong> ir.<br />
Ia. Porém ficava rondando. Mesmo que fosse lá no andar<br />
térreo trabalhar, me levava no pensamento, ia imaginando<br />
um jeito <strong>de</strong> me agradar. E não tinha mais parada nos agra‑<br />
dinhos discretos enquanto eu não ria pra ele. Então gengiva<br />
aparecia. Quando chegava <strong>de</strong> noite já sabe, vinha pedindo<br />
pra ir no cinema, eu tinha pena, <strong>de</strong>ixava. E quantas vezes<br />
ainda não acabei dando dinheiro pro cinema!<br />
nesse andar é lógico que eu mesmo estava fazendo arte<br />
<strong>de</strong> ficar sem criado. Foi o que suce<strong>de</strong>u. Ellis tomou conta<br />
<strong>de</strong> mim duma vez. Piorar, piorou não, mas já estava difícil<br />
<strong>de</strong> dizer quem era o criado <strong>de</strong> nós dois. Sim, porque, afinal<br />
das contas quem que é o criado? quem serve ou quem não<br />
po<strong>de</strong> mais passar sem o serviço, digo mais, sem a compa‑<br />
nhia do outro?<br />
– Ellis, você já sabe ler?… Uhm… acho que vou ensi‑<br />
nar francês pra você, porque si um dia eu for pra Europa,<br />
não vou sem você.<br />
– Si seu Belazarte for, eu vou também.<br />
Sempre com o mesmo respeito. Às vezes eu chegava<br />
em casa sorumbático, 99 moído com a trabalheira do dia,<br />
Ellis não falava nada, nem vinha com amolação, porém<br />
não arredava pé <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong>scobrindo o que eu queria pra<br />
fazer. Foi uma <strong>de</strong>ssas vezes que escutei ele falando no por‑<br />
tão pra um companheiro:<br />
92
93<br />
A ficção<br />
– Hoje não, seu Belazarte carece <strong>de</strong> mim.<br />
Até achei graça. E principiei verificando que aquilo não<br />
tinha jeito mais, Ellis não trabalhava. Estava tomando um<br />
lugar muito gran<strong>de</strong> em <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>. Pois então vamos fazer<br />
alguma coisa pelo futuro <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>cidi. Entramos os dois<br />
numa explicação que me abateu, por causa dos sentimen‑<br />
tos <strong>de</strong>sencontrados que me percorreram. Ellis me con‑<br />
fessou que pensava mesmo em ser chofer, mas não tinha<br />
dinheiro pra tirar a carta. Tive ciúmes, palavra. Secreta‑<br />
mente eu achava que ele <strong>de</strong>via só pensar em ser meu cria‑<br />
do. Mas venci o sentimento besta e falei que isso era o <strong>de</strong><br />
menos, porque eu emprestava os cobres. Só que não pu<strong>de</strong><br />
vencer a fraqueza e, com pretexto <strong>de</strong> esclarecer, ajuntei:<br />
– Você pense bem, <strong>de</strong>cida e volte me falar. Chofer é<br />
bom, dá bem, só que é ofício perigoso e já tem muito cho‑<br />
fer por aí. Muitas vezes a gente imagina que faz um giro<br />
e faz mas é um jirau. Enfim, tudo isso é com você. Já falei<br />
que ajudo, ajudo.<br />
Foi então que ele me confessou que precisava ganhar<br />
mais porque estava com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> casar.<br />
– Ellis, mas que ida<strong>de</strong> você tem, Ellis!<br />
– <strong>de</strong>zanove, sim senhor.<br />
– Puxa! e você já quer casar!<br />
<strong>de</strong>u aquele sorriso entreaberto, sossegado:<br />
– Gente pobre carece casar cedo, seu Belazarte, sinão<br />
vira que nem cachorro sem dono.<br />
não entendi logo a comparação. Ellis esclareceu:<br />
– Pois é: cachorro sem dono não vive comendo lixo<br />
dos outros?…<br />
Meio que me <strong>de</strong>speitava também, isso do Ellis gos‑<br />
tar <strong>de</strong> mais outra pessoa que do patrão, porém já sei me<br />
livrar com facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes egoísmos. Perguntei quem era<br />
a moça.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
– É tizia que nem eu mesmo, seu Belazarte. Se chama<br />
dora.<br />
Encabulou, tocando na namorada. Falei mais uma vez<br />
pra ele pensar bem no que ia fazer e me comunicasse.<br />
dias <strong>de</strong>pois ele veio:<br />
– Seu Belazarte… an<strong>de</strong>i matutando no que o senhor me<br />
falou, semana atrás…<br />
– Resolveu?<br />
– Pois então a gente po<strong>de</strong> fazer uma coisa: espero o dia‑<br />
‑dos ‑anos do senhor e <strong>de</strong>pois saio.<br />
Tive um <strong>de</strong>speito machucando. <strong>de</strong>certo fui duro:<br />
– Está bom, Ellis.<br />
não se mexeu. <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo, muito baixinho:<br />
– Seu Belazarte…<br />
– O que é.<br />
– Mas… seu Belazarte… eu quero sair por bem da<br />
casa do senhor… até a dora me falou que… me falou que<br />
<strong>de</strong>certo o senhor aceitava ser nosso padrinho…<br />
Custou ele falar <strong>de</strong> tanta <strong>comoção</strong>. Olhei pra ele. O ólio<br />
<strong>de</strong> babosa <strong>de</strong>stilava duas lágrimas negras no pretume liso.<br />
Me comovi também.<br />
– Sai por bem, é lógico! não tenho queixa nenhuma<br />
<strong>de</strong> você.<br />
– Quando o senhor quiser alguma coisa, me chame que<br />
eu venho fazer. O senhor foi muito bom para mim…<br />
– não fui bom, Ellis, fui como <strong>de</strong>via porque você tam‑<br />
bém foi direito.<br />
Botei a mão no ombro <strong>de</strong>le pra sossegar o comovido<br />
soluçante, estava engasgado, o pobre!… Sem se esperar,<br />
rápido, virou a cara <strong>de</strong> lado, encolheu o ombro, beijou<br />
<strong>minha</strong> mão, partiu fechando a porta.<br />
Já me sentava outra vez, pensando naquele bei‑<br />
jo que fazia a <strong>minha</strong> mão tão recompensada por toda a<br />
94
95<br />
A ficção<br />
humanida<strong>de</strong>, a porta abriu <strong>de</strong> leve. E ele, não se mostran‑<br />
do:<br />
– Seu Belazarte, o senhor não falou que aceitava…<br />
Até me ri.<br />
– Aceito, Ellis! Quando que você casa?<br />
– Si arranjar licença logo, caso no 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, sim<br />
senhor, dia da Virgem Maria.<br />
não me logrou, porém logrou a Virgem Maria. Saiu <strong>de</strong><br />
casa dias <strong>de</strong>pois do meu aniversário, 100 e nem bem dona<br />
República fez anos, 101 casou com a dora, num dia claro que<br />
parecia querer durar a <strong>vida</strong> inteira. Cheguei do casamento<br />
com uma felicida<strong>de</strong> artística <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Você não ima‑<br />
gina que coisa mais bonita Ellis e dora juntos! Mulatinha<br />
lisa, lisa, cor <strong>de</strong> ouro, isto é, cor <strong>de</strong> ólio <strong>de</strong> babosa, cor dos<br />
olhos <strong>de</strong> Ellis! E nos olhos então todo esse pretume impos‑<br />
sível que o medo põe na cor do mato à noite. Você <strong>de</strong>certo<br />
que já reparou: a gente vê uns olhos <strong>de</strong> menina boa e jura:<br />
“Palavra que nunca vi olho tão preto”, vai ver? quando mui‑<br />
to olho é cor <strong>de</strong> fumo <strong>de</strong> mapinguim. 102 É o receio da gente<br />
que bota escureza temível nos olhos <strong>de</strong>sses nossos peca‑<br />
dos… Que gostosa a dora! Era uma pretarana <strong>de</strong> cabelo<br />
acolchoado e corpo <strong>de</strong> potranquinha in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Tinha<br />
um jeito <strong>de</strong> não ‑querer, muito fiteiro, um <strong>de</strong>ngue meio fati‑<br />
gado oscilando na brisa, tinha uma fineza <strong>de</strong> S espichado,<br />
que fazia ela parecer maior do que era, uma graça flexível…<br />
nem sei bem o que é que o corpo <strong>de</strong>la tinha, só sei que<br />
espantava tanto o <strong>de</strong>sejo da gente, que <strong>de</strong>sejo ficava <strong>de</strong> boca<br />
aberta, extasiado, sem gesto, <strong>de</strong>ixando respeitosamente ela<br />
passar por entre toda a cristanda<strong>de</strong>… dora linda!<br />
Ellis <strong>de</strong>sapareceu uns meses e me esqueci <strong>de</strong>le. A <strong>vida</strong><br />
é tão bondosa que nunca senti falta <strong>de</strong> ninguém. Reapare‑<br />
ceu. Foi engraçado até. Me levantei tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sci pra beber<br />
meu mate, Ellis no hol, encerando.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
– Bom ‑dia, seu Belazarte.<br />
– Ué! quê que você está fazendo aqui!<br />
– dona Mariquinha 103 me chamou pra limpar a casa.<br />
– Mas você não está trabalhando então!<br />
– Trabalho, sim senhor, mas a <strong>vida</strong> anda mesmo dura,<br />
seu Belazarte, a gente carece <strong>de</strong> ir pegando o que acha.<br />
A fúria <strong>de</strong> casar borrara os sonhos do chofer. Vivia<br />
<strong>de</strong> pedreiro. Mamãe encontrou com ele e se lembrou <strong>de</strong><br />
dar esse dinheiro semanal pro mendigo quasi. Um Ellis<br />
esmolambado, todo sujo <strong>de</strong> cal. dora andava com mui‑<br />
to enjoo, coisa do filho vindo. não trabalhava mais. Ellis<br />
com pouco serviço. Estava magro e bem mais feio. <strong>de</strong><br />
repente uma semana não apareceu. Que é, que não é, afi‑<br />
nal veio uma conhecida contar que Ellis tinha adoeci‑<br />
do <strong>de</strong> resfriado, estava tossindo muito, aparecendo uns<br />
caroços do lado da cara. Quando vi ele até assustei, era<br />
um caroção medonho, parecendo abscesso. Foi no <strong>de</strong>n‑<br />
tista, não sei… <strong>de</strong>ntista andou engambelando Ellis um<br />
sem ‑fim <strong>de</strong> tempo, começou aparecendo novo caroço do<br />
outro lado da cara. Mamãe imaginou que era anemia.<br />
Mandamos Ellis no médico <strong>de</strong> casa, com recomendação.<br />
Resultado: estava fraquíssimo do peito e si não tomasse<br />
cuidado, bom!<br />
Calvário começou. Ele não sabia bem o que havia <strong>de</strong><br />
fazer, eu também não podia estar recolhendo dois em<br />
casa. Inda mais doentes! Vacas magras também estavam<br />
pastando no meu campo nesse tempo… Foi uma tristeza.<br />
Ellis andou <strong>de</strong> cá pra lá, fazendo tudo e não fazendo nada.<br />
Mandou buscar a mãe, que vivia numa chacrinha empres‑<br />
tada em Botucatu, foram morar todos juntos na lonjura<br />
da Casa Ver<strong>de</strong>, diz ‑que pra criar galinha e por causa do ar<br />
bom. não arranjaram nada com as galinhas nem com os<br />
ares. Vieram pra cida<strong>de</strong> outra vez. Foram morar perto <strong>de</strong><br />
96
97<br />
A ficção<br />
casa, num porão, <strong>de</strong>pois eu vi o porão, que coisa! Todos<br />
morando no buraco <strong>de</strong> tatu, Ellis, dora, a mãe <strong>de</strong>le e mais<br />
dois gafanhotinhos concebidos <strong>de</strong> passagem.<br />
Ellis voltara pra pedreiro, encerava nossa casa e outras<br />
que arranjamos, andou consertando esgotos, <strong>de</strong>pois na<br />
Companhia <strong>de</strong> Gás… não tinha parada, emagrecendo,<br />
não se <strong>de</strong>scobriu remédio que acabasse inteiramente com<br />
os caroços.<br />
Meio rindo, meio sério, nem eram bem sete da manhã,<br />
um dia apareceu contando que era pai. Vinha participar e:<br />
– Seu Belazarte, vinha também saber si o senhor que‑<br />
ria ser padrinho do tiziu, o senhor já está servindo <strong>de</strong> meu<br />
tudo mesmo.<br />
Falei que sim, meio sem gostar nem <strong>de</strong>sgostar, estava<br />
já me acostumando. <strong>de</strong>i vinte milréis. Mamãe, que era a<br />
madrinha, andou indo lá no porão <strong>de</strong>les, arranjando rou‑<br />
pas <strong>de</strong> lã pro <strong>de</strong>sgraçadinho novo.<br />
nem semana <strong>de</strong>pois, chego em casa e mamãe me con‑<br />
ta que dora tinha adoecido. Pedi pra ela ir lá outra vez,<br />
ela foi. Mandamos médico. dora piorou do dia pra noite,<br />
e morreu quem a gente menos imaginava que morresse.<br />
número um.<br />
Agora sim, e a criança? É verda<strong>de</strong> que a mãe do Ellis<br />
tinha inda filho <strong>de</strong> peito, <strong>de</strong>smamou o safadinho que já<br />
estava errando língua portuguesa, e o leite <strong>de</strong>la foi mudan‑<br />
do <strong>de</strong> porão.<br />
O dia do batizado, sofri um <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sgostos, fatigan‑<br />
tes pra mim que vivo reparando nas coisas. Primeiro quis<br />
que o menino se chamasse Benedito, nome abençoado <strong>de</strong><br />
todos os escravos sinceros, porém a mãe do Ellis resmun‑<br />
gou que a gente não <strong>de</strong>via <strong>de</strong>srespeitar vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morto,<br />
que dora queria que o filho chamasse Armando ou Luís<br />
Carlos. Então pus autorida<strong>de</strong> na questão e ce<strong>de</strong>ndo um
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
pouco também, acabamos carimbando o <strong>de</strong>sgraçadinho<br />
com o título <strong>de</strong> Luís.<br />
Havia muita lembrança <strong>de</strong> dora naquilo tudo, há só<br />
dois dias que ela adormecera. Fizemos logo o batizado<br />
porque o menino estava muito aniquiladinho.<br />
Engraçado o Ellis… Até hoje não me arrisco a enten<strong>de</strong>r<br />
bem qual era o sentimento <strong>de</strong>le pela dora. Quando veio<br />
me comunicar a morte da pobre, até parecia que eu gosta‑<br />
va mais <strong>de</strong>la, com este meu jeito <strong>de</strong> ficar logo num pasmo<br />
danado, suce<strong>de</strong>ndo coisa triste.<br />
– dora morreu, seu Belazarte.<br />
– Morreu, Ellis!<br />
nem posto explicar com quanto sentimento gritei. Ellis<br />
também não estava sossegado não, mas parecia mais inca‑<br />
pacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sofrer que tristeza verda<strong>de</strong>ira. O amarelão<br />
dos olhos ficara ro<strong>de</strong>ado dum branco vazio. dora ia fazer<br />
falta física pra ele, como é que havia <strong>de</strong> ser agora com os<br />
<strong>de</strong>sejos? Isso é que está me parecendo foi o sofrimento per‑<br />
guntado do Ellis. E pra <strong>de</strong>cidir duma vez a in<strong>de</strong>cisão, ele<br />
vinha pra mim cuja amiza<strong>de</strong> compensava. E seria mesmo<br />
por amiza<strong>de</strong>? Aqui nem a gente po<strong>de</strong> saber mais, <strong>de</strong> tanto<br />
que os interesses se misturavam no gesto, e <strong>de</strong>termina‑<br />
vam a fuga <strong>de</strong> Ellis pra junto <strong>de</strong> mim. Eu era amigo <strong>de</strong>le,<br />
não tinha dú<strong>vida</strong>, porém numa ocasião como aquela não<br />
é muito <strong>de</strong> amigo que a gente precisa não, é mais <strong>de</strong> pessoa<br />
que saiba as coisas. Eu sabia as coisas, e havia <strong>de</strong> arranjar<br />
um jeito <strong>de</strong> acomodar a interrogação.<br />
… e quem diz que na amiza<strong>de</strong> também não existe esse<br />
interesse <strong>de</strong> ajutório?… Existe, só que mais bonito que<br />
no amor, porque interesse está longe do corpo, é mistério<br />
da <strong>vida</strong> silenciosa espiritual. <strong>de</strong>pois, amor… É inútil os<br />
pernósticos estarem inventando coisas atrapalhadas pra<br />
encherem o amor <strong>de</strong> trezentas auroras ‑boreais ou caem<br />
98
99<br />
A ficção<br />
no domínio da amiza<strong>de</strong>, que também po<strong>de</strong> existir entre<br />
bigo<strong>de</strong> e seios, ou então principiam sutilizando os ges‑<br />
tos físicos do amor, caem na bandalheira. Observando,<br />
feito eu, amor <strong>de</strong> sem ‑educação, a gente percebe mesmo<br />
que nele não tem metafísica: uma escolha proveniente do<br />
sentimento que a babosa recebe dum corpo estranho, e<br />
em seguida furrum ‑fum ‑fum. A força do amor é que ele<br />
po<strong>de</strong> ser ao mesmo tempo amiza<strong>de</strong>. Mas tudo o que existe<br />
<strong>de</strong> bonito nele, não vem <strong>de</strong>le não, vem da amiza<strong>de</strong> gruda‑<br />
da nele. Amor quando enxerga <strong>de</strong>feito no objeto amado,<br />
cega: “não faz mal!” Mas o amigo sente: “Eu perdoo você.”<br />
Isso é que é sublime no amigo, essa repartição contínua <strong>de</strong><br />
si mesmo, coisa humana profundamente, que faz a gen‑<br />
te viver duplicado, se repartindo num casal <strong>de</strong> espíritos<br />
amantes que vão, feito passarinhos <strong>de</strong> voo baixo, pairando<br />
rente ao chão sem tocar nele…<br />
dora era corpo só. E uma bonda<strong>de</strong> inconsciente. Eu<br />
não tinha corpo mas era protetor. E principalmente era<br />
o que sabia as coisas. <strong>de</strong>sta vez amor não se uniu com<br />
amiza<strong>de</strong>: o amor foi pra dora, a amiza<strong>de</strong> pra mim. natu‑<br />
ral que o Ellis proce<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ssa forma, sendo um frouxo.<br />
Batizado fatigante. não paga a pena a gente imaginar<br />
que todos somos iguais, besteira! Mamãe, por causa da<br />
muita religião, imagina que somos. Inventou <strong>de</strong> convi‑<br />
dar Ellis, mãe e tutti quanti 104 pra comer um doce em<br />
nossa casa, vieram. Foi um ridículo oprimente pra nós<br />
os superiores, e <strong>de</strong>primente pra eles os <strong>de</strong>sinfelizes. Esta‑<br />
vam esquerdos, cheios <strong>de</strong> mãos, não sabendo pegar na<br />
xicra. E eu então! Qualquer gesto que a gente faz, pegar<br />
no pão, na bolacha, pronto: já é diferente por classe da<br />
maneira, igualzinha muitas vezes, com que o pobre pega<br />
nessas coisas. Parece lição. A gente fica temendo rebaixar<br />
o outro e também já não sabe pegar na xicra mais. Custei
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
pra inventar umas frases engraçadas, <strong>de</strong>pois reparei que<br />
não tinham graça nenhuma por causa da dora se <strong>de</strong>pen‑<br />
durando nelas, não <strong>de</strong>ixando a graça rir. <strong>de</strong> repente fui‑<br />
‑me embora.<br />
não levou nem semana, o <strong>de</strong>sgraçadinho pegou mir‑<br />
rando mais, mirrando e esticou. número dois.<br />
Ellis nem pô<strong>de</strong> tratar do enterro. não é que estivesse<br />
penando muito, mas o caroço tinha dado <strong>de</strong> crescer no<br />
lado esquerdo agora. na véspera tivera uma vertigem, nin‑<br />
guém sabe por que, junto do filho morrendo. Foi pra cama<br />
com febrão <strong>de</strong> quarenta ‑e ‑um no corpo tremido.<br />
Era a tuberculose galopante que, sem nenhum respeito<br />
pelas regras da cida<strong>de</strong>, estava fazendo cento ‑e ‑vinte por<br />
hora na raia daquele peito apertado. Quando Ellis soube,<br />
virou meu filho duma vez. Mandava contar tudo pra mim.<br />
Mas não sei por que <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za sublime, por que invenção<br />
<strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scobriu que não me dou bem com a tísica.<br />
O certo é que nunca me mandou pedir pra ir vê ‑lo. Fui.<br />
Fui, também uma vez só, <strong>de</strong> passagem, falando que esta‑<br />
va na hora <strong>de</strong> ir pro trabalho. Mas não <strong>de</strong>ixei faltar nada<br />
pra ele. nada do que eu podia dar, está claro, leite <strong>de</strong> vacas<br />
magras.<br />
durou três meses, nem isso, onze semanas em que me<br />
parece foi feliz. Sim, porque virara criança, e talvez pela<br />
primeira vez na <strong>vida</strong>, inventava essas pequenas faceirices<br />
com que a gente negaceia o amor daqueles por quem se<br />
sabe amado. Mantimento, remédios, roupa, tudo <strong>minha</strong><br />
mãe é que provi<strong>de</strong>nciava pra ele, conforme <strong>de</strong>sejo meu.<br />
Pois <strong>de</strong> supetão vinha um pedido engraçado, que Ellis<br />
queria comer sopa da <strong>minha</strong> casa, que si eu não podia<br />
mandar pra ele ũa meia igualzinha àquela que usara no<br />
batizado do <strong>de</strong>sgraçadinho, com lista amarela, outra roxa<br />
até em cima… Uma feita mandou pedir <strong>de</strong> emprestado a<br />
100
101<br />
A ficção<br />
almofada que eu tinha no meu estúdio e que, ele mandou<br />
dizer, até já estava bem velha. É lógico que almofada foi,<br />
porém dadinha duma vez.<br />
da <strong>minha</strong> parte era tudo agora gestos mecânicos <strong>de</strong><br />
protetor, meu <strong>de</strong>us! como a <strong>vida</strong> esperada se mecaniza…<br />
não sei… Ellis creio que não, mas eu já fazia muito que<br />
estava acostumado a sentir Ellis morto. E aquela espera<br />
da morte já pra mim era bem ũa morte longa, um andar<br />
na gandaia <strong>de</strong>ntro da morte, que não me dava mais que<br />
uma sauda<strong>de</strong> cômoda do passado. Era amigo <strong>de</strong>le, juro,<br />
mas Ellis estava morto, e com a morte não se tem direito<br />
<strong>de</strong> contar na <strong>vida</strong> viva. Ele, isso eu soube <strong>de</strong>pois, ele sim,<br />
estava vivendo essa morte já chegada, numa contemplação<br />
sublime do passado, única realida<strong>de</strong> pra ele. dora tinha<br />
sido uma função. A <strong>vida</strong> prática não fora sinão comer,<br />
dormir, trabalhar. no que se agarraria aquele morto em<br />
férias? Em mim, é lógico. Isso eu sube <strong>de</strong>pois… Levava o<br />
dia falando no amigo, pensando no amigo. E todas aquelas<br />
faceirices <strong>de</strong> pedidos e vontadinhas <strong>de</strong> criança, não passa‑<br />
vam <strong>de</strong> jeitos <strong>de</strong> se recordar mais objetivamente <strong>de</strong> mim.<br />
<strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> mim, que não ia vê ‑lo.<br />
Cheguei em casa pra almoçar, a mãe do Ellis viera dizer<br />
que ele estava me chamando, não gostei nada. Si agora<br />
ele principiava pedindo mais isso, eu que tenho um bruto<br />
horror <strong>de</strong> tísica… Enfim man<strong>de</strong>i a criada lá, que <strong>de</strong>pois<br />
do almoço ia.<br />
Quando cheguei na porta, os uivos da mãe <strong>de</strong>le me<br />
<strong>de</strong>ram a notícia inesperada. Sim, inesperada, porque já<br />
estava acostumado a ficar esperando e per<strong>de</strong>ra a noção<br />
<strong>de</strong> que o esperado havia mesmo <strong>de</strong> vir. Entrei. Estavam<br />
uma italianona vermelha <strong>de</strong> tanto choro por tabela e dois<br />
tizius fumando.<br />
– Morreu!
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
– Ahm, su Beladzarte, tanto que o povero está chaman‑<br />
do o sinhore!<br />
– Mas já morreu, é!<br />
– Que esperandza! <strong>de</strong>s<strong>de</strong> manhãzinha está cham…<br />
– On<strong>de</strong> ele está?<br />
Um dos tizius.<br />
– Está lá <strong>de</strong>ntro, sim senhor.<br />
Jogou o cigarro e foi mostrando caminho. Segui atrás.<br />
Pulei por cima dos uivos saindo duma furna que nunca viu<br />
dia, e lá numa sala mais larga, com entrada em arco sem<br />
porta dando pro quintal interior, num canto invisível, cho‑<br />
rava uma vela, era ali. Ellis vasquejava com as borlas dos<br />
caroços <strong>de</strong>pendurados pros lados, medonho <strong>de</strong> magro. Esta‑<br />
va morrendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> manhã, sempre chamando por mim.<br />
– Mas por que não me avisaram!<br />
Eram não sei quantas vezes que agarravam a vela nas<br />
mãos <strong>de</strong>le já em cruz, pra sempre fantasiadas <strong>de</strong> morte.<br />
<strong>de</strong> repente soluço parava. O moribundo engulia em seco e<br />
pegava me chamando outra vez. Afinal parara <strong>de</strong> chamar<br />
fazia mais <strong>de</strong> hora. Parece que a coisa estava chegando.<br />
Falei baixo, sem querer, me acomodando com o silêncio<br />
da morte:<br />
– Ellis… ôh Ellis!<br />
nada. Só o respiro serrando na ma<strong>de</strong>ira seca da gar‑<br />
ganta. Os outros me olhavam, esperando o bem que eu<br />
ia fazer pro coitado. Até parecia que o importante ali era<br />
eu. Insisti, lutando com a amiza<strong>de</strong> da morte, mais unifor‑<br />
me que a <strong>minha</strong>. Com mentira e tudo, até me parece que<br />
eu insistia mais pra vencer a predominância da morte, e<br />
aqueles assistentes não me verem per<strong>de</strong>r numa luta. Botei<br />
a mão na testa morna <strong>de</strong> Ellis, havia <strong>de</strong> me sentir.<br />
– Ellis! sou eu, Ellis!… Sossegue que já cheguei, ouviu!<br />
Estou juntinho <strong>de</strong> você, ouviu!… Ellis!<br />
102
103<br />
A ficção<br />
O soluço parou.<br />
– Pronto! Ansim que está fatchendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong> manhán,<br />
ô povero!… Tira áa vela, Maria!<br />
– <strong>de</strong>ixe a vela, ôh Ellis!<br />
Ellis abriu as pálpebras, principiou abrindo, parecia<br />
que não parava mais <strong>de</strong> as abrir. Ficaram escancaradas,<br />
mas ólio <strong>de</strong> babosa não vê que escorrendo mais! pupilas<br />
fixas, retas, frechando o teto preto. Pus <strong>minha</strong> cara on<strong>de</strong><br />
elas me focalizassem.<br />
– Estou aqui, Ellis! não tenha medo! você está me<br />
enxergando, hein!<br />
– Está sim, seu Belazarte. Viu! <strong>de</strong>s<strong>de</strong> manhã que está <strong>de</strong><br />
olho fechado. Ele queria muito be… bem o senhor! tam‑<br />
bém… também o senhor tem sido muito bom pro coita‑<br />
do… <strong>de</strong> meu filho, ai!… aaai! meu filho está morrendo,<br />
ahn! ahn! ahn!…<br />
– Ellis! você está precisando <strong>de</strong> alguma coisa, hein! Eu<br />
faço!<br />
A gelatina me recebia sem brilhar. As pálpebras foram<br />
cerrando um bocado. Instintivamente apressei a fala, pra<br />
que os olhos inda recebessem meu carinho:<br />
– Eu faço tudo pra você! não quero que te falte nada,<br />
ouviu bem!<br />
Os olhos se escon<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> todo com muita calma.<br />
– Meu filho morreu! ai, ai!… Aaai!…<br />
Tive um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero porque Ellis não dava<br />
sinal <strong>de</strong> me sentir. Insisti mais, ajoelhando junto da cama.<br />
– Ora, o que é isso, Ellis!…<br />
– ahan… só falava no senhor, ahn… ontem mesmo<br />
disse pra mim, ahan, que, ahn, milhorando cavava um<br />
poço… fundo, aáin… pra enterrar todos os mi… micró‑<br />
bios pra <strong>de</strong>spois, pedir pra morar, ahn… no porão da casa<br />
do senhor… aai!
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
– Levem ela! não vale a pena ele estar escutando esse<br />
choro!<br />
Transportaram os uivos. Estaria escutando ainda?<br />
Insisti numa esperança exacerbada pela anedota da negra,<br />
sem querer, perverso, voz pura, doce <strong>de</strong> carícia:<br />
– Ellis! você não me respon<strong>de</strong> mesmo!<br />
Abriu um pouco os olhos outra vez. Me via!<br />
… foi tão humil<strong>de</strong> que nem teve o egoísmo <strong>de</strong> sustentar<br />
contra mim a indiferença da morte. O olhar <strong>de</strong>le teve uma<br />
palpitação franca pra mim. Ellis me obe<strong>de</strong>cia ainda com<br />
esse olhar. Fosse por amiza<strong>de</strong>, fosse por servilismo, obe‑<br />
<strong>de</strong>ceu. Isso me fez confundir extraordinariamente com os<br />
manejos da <strong>vida</strong>, a morte <strong>de</strong>le. <strong>de</strong>sapareceu mistério, fata‑<br />
lida<strong>de</strong>, tudo o que havia <strong>de</strong> grandioso nela. Foi ũa mor‑<br />
te familiar. Foi ũa morte nossa, entre amigos, direitinho<br />
aquele dia em que resolvemos, meu aniversário passado,<br />
ele ir buscar o casamento e a choferagem <strong>de</strong> ganhar mais.<br />
Cerrava os olhos calmo. Pesei a mão no corpo <strong>de</strong>le pra<br />
que me sentisse bem. Ao menos assim, Ellis ficava seguro<br />
<strong>de</strong> que tinha ao pé <strong>de</strong>le o amigo que sabia as coisas. Então<br />
não o <strong>de</strong>ixaria sofrer. Porque sabia as coisas…<br />
número três.<br />
104
Primeiro <strong>de</strong> Maio *<br />
no gran<strong>de</strong> dia Primeiro <strong>de</strong> Maio, não eram bem seis<br />
horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava muito bem‑<br />
‑disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros<br />
da Estação da Luz que queria celebrar e havia <strong>de</strong> celebrar.<br />
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham<br />
caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, traba‑<br />
lho <strong>de</strong>les não tinha feriado. Mas o 35 retrucara com altivez<br />
que não, não carregava mala <strong>de</strong> ninguém, havia <strong>de</strong> cele‑<br />
brar o dia <strong>de</strong>les. E agora tinha o gran<strong>de</strong> dia pela frente.<br />
dia <strong>de</strong>le… Primeiro quis tomar um banho pra ficar<br />
bem digno <strong>de</strong> existir. A água estava gelada, ri<strong>de</strong>nte, cele‑<br />
brando, e abrira um sol enorme e frio lá fora. <strong>de</strong>pois fez<br />
a barba. Barba era aquela penuginha meia loura, mas foi<br />
assim mesmo buscar a navalha dos sábados, herdada do<br />
pai, e se barbeou. Foi se barbeando. nu só da cintura pra<br />
cima por causa da mamãe por ali, <strong>de</strong> vez em quando a<br />
distância mais aberta do espelhinho refletia os múscu‑<br />
los violentos <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>senvolvidos <strong>de</strong>sarmoniosamente nos<br />
braços, na peitaria, no cangote, pelo esforço cotidiano <strong>de</strong><br />
carregar peso. O 35 tinha um ar glorioso e estúpido. Porém<br />
* Texto publicado em Contos novos, edição póstuma, 1947; escrito<br />
entre 1934 e 1942.<br />
105
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
ele se agradava daqueles músculos intempestivos, fazen‑<br />
do a barba.<br />
Ia <strong>de</strong>vagar porque estava matutando. Era a esperança<br />
dum turumbamba macota, 105 em que ele <strong>de</strong>sse uns socos<br />
formidáveis nas fuças dos polícias. não teria raiva espe‑<br />
cial dos polícias, era apenas a ressonância vaga daquele<br />
dia. Com seus vinte anos fáceis, o 35 sabia, mais da leitu‑<br />
ra dos jornais que <strong>de</strong> experiência, que o proletariado era<br />
uma classe oprimida. E os jornais tinham anunciado que<br />
se esperava gran<strong>de</strong>s “motins” do Primeiro <strong>de</strong> Maio, em<br />
Paris, em Cuba, no Chile, em Madri.<br />
O 35 apressou a navalha <strong>de</strong> puro amor. Era em Madri,<br />
no Chile que ele não tinha bem lembrança se ficava na<br />
América mesmo, era a gente <strong>de</strong>le… Uma pieda<strong>de</strong>, um bei‑<br />
jo lhe saía do corpo todo, feito proteção sadia <strong>de</strong> macho, ia<br />
parar em terras não sabidas, mas era a gente <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>fen‑<br />
<strong>de</strong>r, combater, vencer… Comunismo?… Sim, talvez fosse<br />
isso. Mas o 35 não sabia bem direito, ficava atordoado com<br />
as notícias, os jornais falavam tanta coisa, faziam tama‑<br />
nha misturada <strong>de</strong> Rússia, só sublime ou só horrenda, e o<br />
35 infantil estava por <strong>de</strong>mais machucado pela experiência<br />
pra não <strong>de</strong>sconfiar, o 35 <strong>de</strong>sconfiava. Preferia o turum‑<br />
bamba porque não tinha medo <strong>de</strong> ninguém, nem do Car‑<br />
nera, ah, um soco bem nas fuças dum polícia… A navalha<br />
apressou o passo outra vez. Mas <strong>de</strong> repente o 35 não imagi‑<br />
nou mais em nada por causa daquele bigodinho <strong>de</strong> cinema<br />
que era a melhor preciosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o seu ser. Lembrou<br />
aquela moça do apartamento, é verda<strong>de</strong>, nunca mais tinha<br />
passado lá pra ver se ela queria outra vez, safada! Riu.<br />
Afinal o 35 saiu, estava lindo. Com a roupa preta <strong>de</strong><br />
luxo, um nó errado na gravata ver<strong>de</strong> com listinhas bran‑<br />
cas e aqueles admiráveis sapatos <strong>de</strong> pelica amarela que não<br />
pu<strong>de</strong>ra sem comprar. O ver<strong>de</strong> da gravata, o amarelo dos<br />
106
107<br />
A ficção<br />
sapatos, ban<strong>de</strong>ira brasileira, tempos <strong>de</strong> grupo escolar…<br />
E o 35 se comoveu num hausto forte, 106 querendo bem o<br />
seu imenso Brasil, imenso colosso gigan ‑ante, foi andando<br />
<strong>de</strong>pressa, assobiando. Mas parou <strong>de</strong> supetão e se orientou<br />
assustado. O caminho não era aquele, aquele era o cami‑<br />
nho do trabalho.<br />
Uma in<strong>de</strong>cisão indiscreta o tornou consciente <strong>de</strong> novo<br />
que era o Primeiro <strong>de</strong> Maio, ele estava celebrando e não<br />
tinha o que fazer. Bom, primeiro <strong>de</strong>cidiu ir na cida<strong>de</strong> pra<br />
assuntar alguma coisa. Mas podia seguir por aquela dire‑<br />
ção mesmo, era uma volta, mas assim passava na Estação<br />
da Luz dar um bom ‑dia festivo aos companheiros traba‑<br />
lhadores. Chegou lá, gesticulou o bom ‑dia festivo, mas<br />
não gostou porque os outros riram <strong>de</strong>le, bestas. Só que<br />
em seguida não encontrou nada na cida<strong>de</strong>, tudo fechado<br />
por causa do gran<strong>de</strong> dia Primeiro <strong>de</strong> Maio. Pouca gente<br />
na rua. <strong>de</strong>viam <strong>de</strong> estar almoçando já, pra chegar cedo<br />
no maravilhoso jogo <strong>de</strong> futebol escolhido pra celebrar o<br />
gran<strong>de</strong> dia. Tinha mas era muito polícia, polícia em qual‑<br />
quer esquina, em qualquer porta cerrada <strong>de</strong> bar e <strong>de</strong> café,<br />
nas joalherias, quem pensava em roubar! nos bancos, nas<br />
casas <strong>de</strong> loteria. O 35 teve raiva dos polícias outra vez.<br />
E como não encontrasse mesmo um conhecido, com‑<br />
prou o jornal pra saber. Lembrou <strong>de</strong> entrar num café,<br />
tomar por certo uma média, lendo. Mas a maioria dos<br />
cafés estavam <strong>de</strong> porta cerrada e o 35 mesmo achou que<br />
era preferível economizar dinheiro por enquanto, porque<br />
ninguém não sabia o que estava pra suce<strong>de</strong>r. O mais prá‑<br />
tico era um banco <strong>de</strong> jardim, com aquele sol maravilho‑<br />
so. nuvens? umas nuvenzinhas brancas, ondulando no ar<br />
feliz. Insensivelmente o 35 foi se enca<strong>minha</strong>ndo <strong>de</strong> novo<br />
para os lados do Jardim da Luz. Eram os lados que ele<br />
conhecia, os lados em que trabalhava e se entendia mais.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> repente lembrou que ali mesmo na cida<strong>de</strong> tinha banco<br />
mais perto, nos jardins do Anhangabaú. Mas o Jardim da<br />
Luz ele entendia mais. Imaginou que a preferência vinha<br />
do Jardim da Luz ser mais bonito, estava celebrando. E<br />
continuou no passo em férias.<br />
Ao atravessar a estação achou <strong>de</strong> novo a companhei‑<br />
rada trabalhando. Aquilo <strong>de</strong>u um malestar fundo nele,<br />
espécie não sabia bem, <strong>de</strong> arrependimento, talvez irritação<br />
dos companheiros, não sabia. nem quereria nunca <strong>de</strong>cidir<br />
o que estava sentindo já… Mas disfarçou bem, passando<br />
sem parar, se dando por afobado, virando pra trás com o<br />
braço ameaçador, “Vocês vão ver!”… Mas um riso aqui,<br />
outro riso acolá, uma frase longe, os carregadores com‑<br />
panheiros, era tão amigo <strong>de</strong>les, estavam caçoando. O 35 se<br />
sentiu bobo, era impossível recusar, envilecido. 107 Odiou<br />
os camaradas.<br />
Andou mais <strong>de</strong>pressa, entrou no jardim em frente, o<br />
primeiro banco era a salvação, sentou. Mas dali algum<br />
companheiro podia divisar ele e caçoar mais, teve raiva.<br />
Foi lá no fundo do jardim campear banco escondido. Já<br />
passavam negras disponíveis por ali. E o 35 teve uma i<strong>de</strong>ia<br />
muito não pensada, recusada, <strong>de</strong> que ele também estava<br />
uma espécie <strong>de</strong> negra disponível, assim. Mas não esta‑<br />
va não, estava celebrando, não podia nunca acreditar que<br />
estivesse disponível e não acreditou. Abriu o jornal. Havia<br />
logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na<br />
nobreza do trabalho, nos operários que eram também os<br />
“operários da nação”, é isso mesmo! O 35 se orgulhou todo<br />
comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava, roubava,<br />
trabalhava grátis, tomado dum sublime <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fraterni‑<br />
da<strong>de</strong>, todos os seres juntos, todos bons… <strong>de</strong>pois vinham<br />
as notícias. Se esperava “gran<strong>de</strong>s motins” em Paris, <strong>de</strong>u<br />
uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, 108 quase sem<br />
108
109<br />
A ficção<br />
respirar, <strong>de</strong>sejando “motins” (<strong>de</strong>via ser turumbamba) na<br />
sua <strong>de</strong>smesurada força física, ah, as fuças <strong>de</strong> algum… polí‑<br />
cia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.<br />
Pois estava escrito em cima do jornal: em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> a<br />
Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se<br />
falasse vagamente em motins <strong>de</strong> ‑tar<strong>de</strong> no Largo da Sé.<br />
Mas a polícia já tomara todas as providências, até metra‑<br />
lhadoras, estava em cima do jornal, nos arranha ‑céus,<br />
escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queima‑<br />
va, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura,<br />
pra evitar safa<strong>de</strong>z dos·namorados, punha os bancos só<br />
bem no sol. E ainda por cima era aquela imensida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha<br />
a mão no pescocinho <strong>de</strong>la, trilo. Mas a Polícia permitira a<br />
gran<strong>de</strong> reunião proletária, com discurso do ilustre Secre‑<br />
tário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio<br />
das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente<br />
péssima. não era medo, mas por que que a gente havia<br />
<strong>de</strong> ficar encurralado assim! É! é pra eles <strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>rem<br />
cair em cima da gente, (palavrão)! não vou! não sou bes‑<br />
ta! Quer dizer: vou sim! <strong>de</strong>saforo! (palavrão), socos, uma<br />
visão tumultuária, rolando no chão, se machucava mas<br />
não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das<br />
Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não!<br />
a indústria é a gente, “operários da nação”, pegavam fogo<br />
na igreja <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bento mais próxima que era tão linda por<br />
“drento”, mas pra que pegar fogo em nada! (O 35 chegara<br />
até a primeira comunhão em menino…), é melhor a gen‑<br />
te não pegar fogo em nada; vamos no Palácio do Gover‑<br />
no, exigimos tudo do Governo, vamos com o general da<br />
Região Militar, <strong>de</strong>ve ser gaúcho, gaúcho só dá é farda,<br />
pegamos fogo no palácio <strong>de</strong>le. Pronto. Isso o 35 consentiu,<br />
não porque o tingisse o menor separatismo (e o aprendido
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
no grupo escolar?) mas nutria sempre uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>s‑<br />
peito por <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> ter perdido na revolução <strong>de</strong> 32. Sensa‑<br />
ção aliás quase <strong>de</strong> esporte, questão <strong>de</strong> Palestra ‑Coríntians,<br />
cabeça inchada, porque não vê que ele havia <strong>de</strong> se matar<br />
por causa <strong>de</strong> uma besta <strong>de</strong> revolução diz ‑que <strong>de</strong>mocrática,<br />
vão “eles”!… Se fosse o Primeiro <strong>de</strong> Maio, pelo menos… O<br />
35 mal percebeu que se regava todo por “drento” dum espí‑<br />
rito generoso <strong>de</strong> sacrifício. Estava outra vez enormemente<br />
piedoso, morreria sorrindo, morrer… Teve uma nítida,<br />
envergonhada sensação <strong>de</strong> pena. Morrer assim tão lindo,<br />
tão moço. A moça do apartamento…<br />
Salvou ‑se lendo com pressa, oh! os <strong>de</strong>putados traba‑<br />
lhistas chegavam agora às nove horas, e o jornal con<strong>vida</strong>‑<br />
vam (sic) o povo pra ir na Estação do norte (a estação rival,<br />
<strong>de</strong>sapontou) pra receber os gran<strong>de</strong>s homens. Se levantou<br />
mandado, procurou o relógio da torre da Estação da Luz,<br />
ora! não dava mais tempo! quem sabe se dá!<br />
Foi correndo, estava celebrando, raspou distraído o<br />
sapato lindo na beirada <strong>de</strong> tijolo do canteiro, (palavrão),<br />
parou botando um pouco <strong>de</strong> guspe no raspão, <strong>de</strong>pois<br />
engraxo, tomou o bon<strong>de</strong> pra cida<strong>de</strong>, mas dando uma vol‑<br />
tinha pra não passar pelos companheiros da Estação. Que<br />
alvoroço por <strong>de</strong>ntro, ainda havia <strong>de</strong> aplaudir os homens.<br />
Tomou o outro bon<strong>de</strong> pro Brás. não dava mais tempo,<br />
ele percebia, eram quase nove horas quando chegou na<br />
cida<strong>de</strong>, ao passar pelo Palácio das Indústrias, o relógio da<br />
torre indicava nove e <strong>de</strong>z, mas o trem da Central sempre<br />
atrasa, quem sabe? bom: às quatorze horas venho aqui,<br />
não perco, mas <strong>de</strong>vo ir, são nossos <strong>de</strong>putados no tal <strong>de</strong><br />
congresso, <strong>de</strong>vo ir. Os jornais não falavam nada dos tra‑<br />
balhistas, só falavam dum que insultava muito a religião e<br />
exigia divórcio, o divórcio o 35 achava necessário (a moça<br />
do apartamento…), mas os jornais contavam que toda a<br />
110
111<br />
A ficção<br />
gente achava graça no homenzinho, “Vós, burgueses”, e<br />
toda a gente, os jornais contavam, acabaram se rindo do<br />
tal <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado. E o 35 acabou não achando mais graça<br />
nele. Teve até raiva do tal, um soco é que merecia. E ago‑<br />
ra estava quase torcendo pra não chegar com tempo na<br />
estação.<br />
Chegou tar<strong>de</strong>. Quase nada tar<strong>de</strong>, eram apenas nove e<br />
quinze. Pois não havia mais nada, não tinha aquela multi‑<br />
dão que ele esperava, parecia tudo normal. Conhecia alguns<br />
carregadores dali também e foi perguntar. não, não tinham<br />
reparado nada, <strong>de</strong>certo foi aquele grupinho que parou na<br />
porta da estação, tirando fotografia. Aí outro carregador<br />
conferiu que eram os <strong>de</strong>putados sim, porque tinham toma‑<br />
do aqueles dois sublimes automóveis oficiais. nada feito.<br />
Ao chegar na esquina o 35 parou pra tomar o bon<strong>de</strong>,<br />
mas vários bon<strong>de</strong>s passaram. Era apenas um moço bem‑<br />
‑vestidinho, <strong>de</strong>certo à procura <strong>de</strong> emprego por aí, olhando<br />
a rua. Mas <strong>de</strong> repente sentiu fome e se reachou. Havia por<br />
<strong>de</strong>ntro, por “drento” <strong>de</strong>le um <strong>de</strong>sabalar neblinoso <strong>de</strong> ilu‑<br />
sões, <strong>de</strong> entusiasmo e uns raios fortes <strong>de</strong> remorso. Estava<br />
tão <strong>de</strong>sgradável, estava quase infeliz… Mas como perceber<br />
tudo isso se ele precisava não perceber!… O 35 percebeu<br />
que era fome.<br />
<strong>de</strong>cidiu ir a ‑pé pra casa, foi a ‑pé, longe, fazendo um<br />
esforço penoso para achar interesse no dia. Estava era com<br />
fome, comendo aquilo passava. Tudo <strong>de</strong>serto, era por ser<br />
feriado, Primeiro <strong>de</strong> Maio. Os companheiros estavam tra‑<br />
balhando, <strong>de</strong> vez em quando um carrego, o mais eram<br />
conversas divertidas, mulheres <strong>de</strong> passagem, comenta‑<br />
das, piadas grossas com as mulatas do jardim, mas só as<br />
bem limpas mais caras, que ele ganhava bem, todos sim‑<br />
patizavam logo com ele, ora por que que hoje me <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
lembrar aquela moça do apartamento!… Também: moça
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
morando sozinha é no que dá. Em todo caso, pra acabar o<br />
dia era uma i<strong>de</strong>ia ir lá, com que pretexto?… <strong>de</strong>via ter ido<br />
em Santos, no piquenique da Mobiliadora, doze paus con‑<br />
vite, mas o Primeiro <strong>de</strong> Maio… Recusara, recusara repe‑<br />
tindo o “não” <strong>de</strong> repente com raiva, muito interrogativo,<br />
se achando esquisito daquela raiva que lhe <strong>de</strong>ra. Então<br />
conseguiu imaginar que esse piquenique monstro, aquele<br />
jogo <strong>de</strong> futebol que apaixonava eles todos, assim não ficava<br />
ninguém pra celebrar o Primeiro <strong>de</strong> Maio, sentiu ‑se muito<br />
triste, <strong>de</strong>samparado. É melhor tomo por esta rua. Isso o<br />
35 percebeu claro, insofismável que não era melhor, ficava<br />
bem mais longe. Ara, que tem! Agora ele não podia se con‑<br />
fessar mais que era pra não passar na Estação da Luz e os<br />
companheiros não rirem <strong>de</strong>le outra vez. E <strong>de</strong>u a volta, <strong>de</strong>u<br />
com o coração cerrado <strong>de</strong> angústia indizível, com um ven‑<br />
to enorme <strong>de</strong> todo o ser assoprando ele pra junto dos com‑<br />
panheiros, ficar lá na conversa, quem sabe? trabalhar…<br />
E quando a mãe lhe pôs aquela esplêndida macarronada<br />
celebrante sobre a mesa, o 35 foi pra se queixar “Estou sem<br />
fome, mãe”. Mas a voz lhe morreu na garganta.<br />
não eram bem treze horas e já o 35 <strong>de</strong>sembocava no<br />
parque Pedro II outra vez, à vista do Palácio das Indús‑<br />
trias. Estava inquieto mas modorrento, 109 que diabo <strong>de</strong> sol<br />
pesado que acaba com a gente, era por causa do sol. não<br />
podia mais se recusar o estado <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>, a solidão<br />
enorme, sentida com vigor. Por sinal que o parque já se<br />
mexia bem agitado. <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> operários, se via, eram<br />
operários endomingados, vagueavam por ali, in<strong>de</strong>cisos,<br />
ar <strong>de</strong> quem não quer. Então nas proximida<strong>de</strong>s do palácio,<br />
os grupos se apinhavam, conversando baixo, com melan‑<br />
colia <strong>de</strong> conspiração. Polícias por todo lado.<br />
O 35 topou com o 486, grilo quase amigo, que policia‑<br />
va na Estação da Luz. O 486 achara jeito <strong>de</strong> não trabalhar<br />
112
113<br />
A ficção<br />
aquele dia porque se pensava anarquista, mas no fundo era<br />
covar<strong>de</strong>. Conversaram um pouco <strong>de</strong> entusiasmo semos‑<br />
tra<strong>de</strong>iro, 110 um pouco <strong>de</strong> Primeiro <strong>de</strong> Maio, um pouco<br />
<strong>de</strong> “motins”. O 486 era muito valentão <strong>de</strong> boca, o 35 pen‑<br />
sou. Pararam bem na frente do Palácio das Indústrias que<br />
fagulhava <strong>de</strong> gente nas sacadas, se via que não eram ope‑<br />
rários, <strong>de</strong>certo os <strong>de</strong>putados trabalhistas, havia até moças,<br />
se via que eram distintas, todos olhando para o lado do<br />
parque on<strong>de</strong> eles estavam.<br />
Foi uma nova sensação tão <strong>de</strong>sagradável que ele <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
andar quase fugindo, polícias, centenas <strong>de</strong> polícias, mo<strong>de</strong>‑<br />
rou o passo como quem passeia. nas ruas que davam pro<br />
parque tinha cavalarias aos grupos, cinco, seis, escondi‑<br />
dos na esquina, querendo a discrição não ostentar força<br />
e ostentando. Os grilos ainda não faziam mal, são uns<br />
(palavrão)! O palácio dava i<strong>de</strong>ia duma fortaleza enfeitada,<br />
entrar lá drento, eu!… O 486 então, exaltadíssimo, <strong>de</strong>scre‑<br />
via coisas piores, massacres horrendos <strong>de</strong> “proletários” lá<br />
<strong>de</strong>ntro, <strong>de</strong>screvia tudo com a visibilida<strong>de</strong> dos medrosos, o<br />
pátio fechado, <strong>de</strong>z mil proletários no pátio e os polícias lá<br />
em cima nas janelas, fazendo pontaria na maciota.<br />
Mas foi só quando aqueles três homens bem ‑vestidos,<br />
se via que não eram operários, se dirigindo aos grupos<br />
vagueantes, falaram pra eles em voz alta: “Po<strong>de</strong>m entrar!<br />
não tenham vergonha! po<strong>de</strong>m entrar!” com voz <strong>de</strong> man‑<br />
dando assim na gente… O 35 sentiu um medo franco.<br />
Entrar ele! Fez como os outros operários: era impossível<br />
assim soltos, <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer aos três homens bem ‑vestidos,<br />
com voz mandando, se via que não eram operários. Foram<br />
todos obe<strong>de</strong>cendo, se aproximando das escadarias, mas<br />
o maior número, longe da vista dos três homens, torcia<br />
caminho, iam se espalhar pelas outras alamedas do par‑<br />
que, mais longe.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Esses movimentos coletivos <strong>de</strong> recusa, acordaram a<br />
covardia do 35. não era medo, que ele se sentia fortíssimo,<br />
era pânico. Era um puxar unânime, uma fraternida<strong>de</strong>, era<br />
carícia dolorosa por todos aqueles companheiros fortes<br />
tão fracos que estavam ali também pra… pra celebrar?<br />
pra… O 35 não sabia mais pra quê. Mas o palácio era gran‑<br />
dioso por <strong>de</strong>mais com as torres e as esculturas, mas aquela<br />
porção <strong>de</strong> gente bem ‑vestida nas sacadas enxergando eles<br />
(teve a intuição violenta <strong>de</strong> que estava ridiculamente ves‑<br />
tido), mas o enclausuramento na casa fechada, sem espaço<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, sem ruas abertas pra avançar, pra correr dos<br />
cavalarias, pra brigar… E os polícias na maciota, encara‑<br />
pitados nas janelas, dormindo na pontaria, teve ódio do<br />
486, idiota medroso! <strong>de</strong> repente o 35 pensou que ele era<br />
moço, precisava se sacrificar: se fizesse um modo bem visí‑<br />
vel <strong>de</strong> entrar sem medo no palácio, todos haviam <strong>de</strong> seguir<br />
o exemplo <strong>de</strong>le. Pensou, não fez. Estava tão opresso, 111 se<br />
<strong>de</strong>sfibrara tão rebaixado naquela mascarada <strong>de</strong> socialis‑<br />
mo, naquela <strong>de</strong>sorganização trágica, o 35 ficou <strong>de</strong>solado<br />
duma vez. Tinha pieda<strong>de</strong>, tinha amor, tinha fraternida<strong>de</strong>,<br />
e era só. Era uma sarça ar<strong>de</strong>nte, mas era sentimento só.<br />
Um sentimento profundíssimo, queimando, maravilhoso,<br />
mas <strong>de</strong>samparado, mas <strong>de</strong>samparado. nisto vieram uns<br />
cavalarias, falando garantidos:<br />
– Aqui ninguém não fica não! a festa é lá <strong>de</strong>ntro,<br />
me’rmão! no parque ninguém não para não!<br />
Cabeças ‑chatas… 112 E os grupos <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> andar outra<br />
vez, <strong>de</strong> cá para lá, riscando no parque vasto, com vonta<strong>de</strong>,<br />
com medo, falando baixinho, mastigando incerteza. <strong>de</strong>u<br />
um ódio tal no 35, um <strong>de</strong>sespero tamanho, passava um<br />
bon<strong>de</strong>, correu, tomou o bon<strong>de</strong> sem se <strong>de</strong>spedir do 486,<br />
com ódio do 486, com ódio do Primeiro <strong>de</strong> Maio, quase<br />
com ódio <strong>de</strong> viver.<br />
114
115<br />
A ficção<br />
O bon<strong>de</strong> subia para o centro mais uma vez. Os relógios<br />
marcavam quatorze horas, <strong>de</strong>certo a celebração estava<br />
principiando, quis voltar, dava muito tempo, três minu‑<br />
tos pra <strong>de</strong>scer a la<strong>de</strong>ira, teve fome. não é que tivesse fome,<br />
porém o 35 carecia <strong>de</strong> arranjar uma ocupação senão arre‑<br />
bentava. E ficou parado assim, mais <strong>de</strong> uma hora, mais <strong>de</strong><br />
duas horas, no Largo da Sé, diz ‑que olhando a multidão.<br />
Acabara por completo a angústia. não pensava, não<br />
sentia mais nada. Uma vagueza cruciante, nem bem sen‑<br />
tida, nem bem vi<strong>vida</strong>, inexistência fraudulenta, cínica,<br />
enquanto o Primeiro <strong>de</strong> Maio passava. A mulher <strong>de</strong> encar‑<br />
nado foi apenas o que lhe trouxe <strong>de</strong> novo à lembrança a<br />
moça do apartamento, mas nunca que ele fosse até lá, não<br />
havia pretexto, na certa que ela não estava sozinha. nada.<br />
Havia uma paz, que paz sem cor por “drento”…<br />
Pelas <strong>de</strong>zessete horas era fome, agora sim, era fome.<br />
Reconheceu que não almoçara quase nada, era fome, e<br />
principiou enxergando o mundo outra vez. A multidão já<br />
se esvaziava, <strong>de</strong>sapontada, porque não houvera nem uma<br />
briguinha, nem uma correria no Largo da Sé, como se<br />
esperava. Tinha claros bem largos, on<strong>de</strong> os grupos dos<br />
polícias resplan<strong>de</strong>ciam mais. As outras ruas do centro,<br />
essas então quase totalmente <strong>de</strong>sertas. Os cafés, já sabe,<br />
tinham fechado, com o pretexto magnânimo <strong>de</strong> dar feria‑<br />
do aos seus “proletários” também.<br />
E o 35 inerme, passivo, tão criança, tão já experiente<br />
da <strong>vida</strong>, não cultivou vaida<strong>de</strong> mais: foi se dirigindo num<br />
passo arrastado para a Estação da Luz, pra os companhei‑<br />
ros <strong>de</strong>le, esse era o domínio <strong>de</strong>le. Lá no bairro os cafés<br />
continuavam abertos, entrou num, tomou duas médias,<br />
comeu bastante pão com manteiga, exigiu mais manteiga,<br />
tinha um fraco por manteiga, não se amolava <strong>de</strong> pagar o<br />
exce<strong>de</strong>nte, gastou dinheiro, queria gastar dinheiro, queria
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
perceber que estava gastando dinheiro, comprou uma<br />
maçã bem rubra, oitocentão! foi comendo com prazer até<br />
os companheiros. Eles se ajuntaram, agora sérios, curio‑<br />
sos, meio inquietos, perguntando pra ele. Teve um instin‑<br />
to voluptuoso <strong>de</strong> mentir, contar como fora a celebração,<br />
se enfeitar, mas fez um gesto só, (palavrão) cuspindo um<br />
muxoxo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém pra tudo.<br />
Chegava um trem e os carregadores se dispersaram,<br />
agora rivais, colhendo carregos em porfia. O 35 encostou<br />
na pare<strong>de</strong>, indiferente, catando com <strong>de</strong>ntadinhas cui‑<br />
dadosas os restos da maçã, junto aos caroços. Sentia ‑se<br />
cômodo, tudo era conhecido velho, os choferes, os viajan‑<br />
tes. Surgiu um farrancho 113 que chamou o 22. Foram subir<br />
no automóvel mas afinal, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita gritaria, acaba‑<br />
ram reconhecendo que tudo não cabia no carro. Era a mãe,<br />
eram as duas velhas, cinco meninos repartidos pelos colos<br />
e o marido. Tudo falando: “Assim não serve não! As malas<br />
não vão não!” aí o chofer garantiu enérgico que as malas<br />
não levava, mas as maletas elas “não largaram não”, só as<br />
malas gran<strong>de</strong>s que eram quatro. <strong>de</strong>ixaram elas com o 22,<br />
gritaram a direção e partiram na gritaria. Mais cabeça‑<br />
‑chata, o 35 imaginou com muita aceitação.<br />
O 22 era velhote. Ficou na beira da calçada com aque‑<br />
las quatro malas pesadíssimas, preparou a correia, mas<br />
coçou a cabeça.<br />
– <strong>de</strong>ixa que te ajudo, chegou o 35.<br />
e foi logo escolhendo as duas malas maiores, que ergueu<br />
numa só mão, num esforço satisfeito <strong>de</strong> músculos. O 22<br />
olhou pra ele, feroz, imaginando que o 35 propunha rachar<br />
o ganho. Mas o 35 <strong>de</strong>u um soco só <strong>de</strong> pân<strong>de</strong>ga no velhote,<br />
que estremeceu socado e cambaleou três passos. Caíram<br />
na risada os dois. Foram andando.<br />
116
Balança, Trombeta e Battleship<br />
ou o <strong>de</strong>scobrimento da alma *<br />
do nascimento até a chegada <strong>de</strong> Battleship na baía do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, me<strong>de</strong>iam poucas informações. Viveu por<br />
toda Londres num vagamun<strong>de</strong>ar <strong>de</strong> roubos e indiferen‑<br />
ças, até que a paciência lhe ditou como melhor meio <strong>de</strong><br />
<strong>vida</strong> o pouco perigoso ofício <strong>de</strong> pickpocket. 114 Aos doze<br />
anos já adotara o nome <strong>de</strong> Battleship; e até essa noite dos<br />
seus <strong>de</strong>zessete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> só tivera duas prisões, quan‑<br />
do topou com uma festa sobre a qual estava escrito em<br />
letras luminosas: Café do Brazil. Vendo a ban<strong>de</strong>ira por<br />
cima das letras que a iluminavam, Battleship teve uma<br />
sensação <strong>de</strong> repugnância por causa daquela mistura idio‑<br />
ta <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> com amarelo, mas a entrada era franca e Bat‑<br />
tleship estava enroupado como todos os ingleses <strong>de</strong>ste<br />
mundo, sobretudo, boné, botinas fortes, entrou. <strong>de</strong>ntro<br />
havia cartazes provando que o Brasil era admirável, um<br />
“Salve 15 <strong>de</strong> novembro”, era o dia 15 <strong>de</strong> novembro, e bas‑<br />
tante gente provando café do Brasil. Quando chegou a vez<br />
<strong>de</strong> Battleship, coisa que jamais suce<strong>de</strong>ra na <strong>vida</strong>, os olhos<br />
<strong>de</strong>le até relampearam <strong>de</strong> gozo ao sabor da bebida incom‑<br />
parável, que <strong>de</strong>lícia! E como o tumulto lhe estava sendo<br />
* Edição póstuma, 1994.<br />
117
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
extraordinariamente propício, ainda ficou por ali, se esfre‑<br />
gando nos outros, olhando pras pare<strong>de</strong>s ilustradas, até que<br />
julgou suficientemente farta a colheita, bebeu nova xicra e<br />
saiu. Mas que gosto ele trazia na boca, nem uísque!… Até<br />
o cigarro tomara alma nova, tão generoso em seus pra‑<br />
zeres que pela primeira vez na <strong>vida</strong> Battleship suspirou.<br />
não lhe valia <strong>de</strong> nada o que enxergara nas pare<strong>de</strong>s, portos<br />
civilizados, gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s do Brasil e gentes como Lon‑<br />
dres mesmo, via <strong>de</strong>trás dos olhos, era a já agora não repug‑<br />
nante mais, porém selvagíssima paisagem ver<strong>de</strong> e amarela<br />
dum calor <strong>de</strong> esporte, índios, re<strong>de</strong>s, palmeiras e ele rei sem<br />
medo. Mas foi só quando mais tar<strong>de</strong> porém, esboçando o<br />
riso da alegria ante a bolada boa colhida na festa, que nas‑<br />
ceu em Battleship o mando <strong>de</strong> ir para o Brasil.<br />
no dia seguinte esteve sem trabalho, banzando no por‑<br />
to, a ver navios. O Brasil já se afastava aos poucos <strong>de</strong>le<br />
entre a bruma, na azáfama dos cais e aquela naviozada<br />
que partia pro mundo. Só permanecera firme o mando<br />
<strong>de</strong> partir por conciliar <strong>de</strong>ntro do moço a fadiga <strong>de</strong> <strong>de</strong>zes‑<br />
sete anos monótonos com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem era só no<br />
mundo. na outra semana Battleship partiu rumo do Egi‑<br />
to. Esteve lá, esteve em Marselha, voltou pra Londres no<br />
outro inverno e caiu doente. Quando saiu do hospital, com<br />
a mocida<strong>de</strong> exausta <strong>de</strong> reagir sobre a moléstia que o queria<br />
matar, não tinha nada, estava na miséria, ao frio comple‑<br />
to <strong>de</strong> janeiro. Lhe vinham nostalgias do Sol que doíam,<br />
e se valendo da presença agradavelmente esbelta e sem<br />
a mais leve sombra <strong>de</strong> fio <strong>de</strong> barba, apesar dos <strong>de</strong>zeno‑<br />
ve, arranjou ‑se <strong>de</strong> steward 115 num navio e foi pro Egito.<br />
Em Lisboa fugiu <strong>de</strong> bordo, roubou três portugueses, foi<br />
pra Madri, <strong>de</strong> lá pra Barcelona, com a intenção firme <strong>de</strong><br />
ir pro Egito. Estava com bastante dinheiro espanhol no<br />
bolso do sobretudão que já pesava em plena primavera.<br />
118
119<br />
A ficção<br />
Pôs o dinheiro <strong>de</strong>ntro do boné, costume velho que lhe<br />
vinha dos tempos <strong>de</strong> menino e lhe dava sempre a sensação<br />
agradável <strong>de</strong> que era um pobrinho que os outros batiam,<br />
roubavam, e por isso carecia se escon<strong>de</strong>r. Lembrou <strong>de</strong> dar<br />
o sobretudão pesado pra velha sentada no chão junto da<br />
casa <strong>de</strong> moda, porém, olhando, se enxergou bem refletido<br />
na vitrina, e aquela massa enorme <strong>de</strong> lã suspensa ao braço<br />
lhe compunha tão bem a esbeltez da figura, não <strong>de</strong>u não.<br />
Ia passar um sublime vapor italiano pra Buenos Aires. na<br />
Inglaterra, no Egito, em Marselha, e agora excessivamente<br />
na Espanha, Battleship sempre escutara o nome <strong>de</strong> Buenos<br />
Aires, comprou uma passagem pra lá.<br />
Eis toda a <strong>vida</strong> sem mistério <strong>de</strong>sse moço inglês, até o<br />
momento em que ele <strong>de</strong>sembarcou no porto do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Porque Battleship não foi pra Buenos Aires. Um<br />
dia, um marinheiro que simpatizara muito com ele, lhe<br />
contou que já estávamos nas costas do Brasil. Battleship<br />
teve um sobressalto. Lhe veio completinha aquela noite<br />
nunca mais lembrada em que entrara na festa do café do<br />
Brasil. Tinha <strong>de</strong>cidido vir pro Brasil e no entanto Egito,<br />
Marselha, Egito, Londres, doença, Egito, Lisboa, Egito,<br />
puxa quanto Egito! e agora Buenos Aires, Brasil mesmo!…<br />
Battleship quase sorriu. O marinheiro estava caceteando<br />
muito ele porque arranjara uma saída pro dia <strong>de</strong> para‑<br />
da no Rio <strong>de</strong> Janeiro, pra visitar um fratello trabalhando<br />
<strong>de</strong> engraxate na Avenida. Con<strong>vida</strong>va Battleship pra pas‑<br />
sear, que era lindo. <strong>de</strong>sceram juntos. Era uma manhã <strong>de</strong><br />
julho, <strong>de</strong>ssas maravilhosas em que o Rio se dissolve numa<br />
névoa quentinha <strong>de</strong> Sol. Os brasileiros estavam todos rin‑<br />
do muito, que pessoal fácil da gente roubar, polícia nenhu‑<br />
ma, todos se abraçavam, ninguém se amolava dos outros<br />
encostarem. O marinheiro também estava caceteando<br />
muito ele e <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong> repente Battleship concebeu o
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
mando <strong>de</strong> ficar no Rio, pra se ver livre do marujo. Entrou<br />
num café com o pretexto <strong>de</strong> comprar cigarro, pediu pro<br />
outro esperar na porta, e enquanto o marinheiro se dis‑<br />
traía com a rua, foi sair na outra porta extrema, entrou<br />
no café pegado, foi se escon<strong>de</strong>r no mictório. Ficou numa<br />
ansieda<strong>de</strong> medrosíssima, mais <strong>de</strong> uma hora ali, e o mari‑<br />
nheiro não veio. Resolveu sair e na rua o marinheiro não<br />
estava mais. Voltou pelo caminho andado, sempre cor‑<br />
tado <strong>de</strong> medos naquele perigo insinuante <strong>de</strong> topar com o<br />
marinheiro outra vez. Buscava as calçadas do outro lado<br />
da rua e uma esquisita nostalgia <strong>de</strong> sofrer lhe punha nos<br />
transeuntes a figura fatigante do companheiro. não pene‑<br />
trou no cais, foi seguindo por <strong>de</strong>trás dos armazéns até<br />
uma nesga <strong>de</strong> ruela por on<strong>de</strong> enxergava o casco alevanta‑<br />
do do navio. Os viajantes já voltavam dos seus passeios na<br />
cida<strong>de</strong>, embarcavam. Battleship ficou ali espreitando até<br />
que o navio foi embora.<br />
Quem sabe a língua do Brasil?… Mas Battleship se<br />
arranjou. Há sempre algum speackenglish 116 no cami‑<br />
nho e os brasileiros adivinham todas as línguas do mun‑<br />
do. Battleship se sentia perfeito naquele inverno carioca<br />
apesar do dinheiro estar finando aos poucos. Agora ele<br />
percebia, muito riso, muito abraço, todos eram ‑se ami‑<br />
gos íntimos, mas havia uma sensibilida<strong>de</strong> tal nos corpos<br />
que era raro Battleship po<strong>de</strong>r roubar. Roubava assim mes‑<br />
mo, principalmente <strong>de</strong> algum estrangeiro civilizado do<br />
velho mundo, mas estes apareciam pouco na vertigem das<br />
multidões. Eram multidões feitas <strong>de</strong> brasileiros, e quando<br />
Battleship conseguia iludir a sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algum cor‑<br />
po e surripiar uma carteira, era carteira mas não tinha<br />
nada <strong>de</strong>ntro, <strong>de</strong>z milréis!… Mas Battleship era pru<strong>de</strong>nte.<br />
Quando percebeu que a semana seguinte seria difícil <strong>de</strong><br />
viver, falavam tanto que os mineiros eram ricos, partiu pra<br />
120
121<br />
A ficção<br />
Belo Horizonte. Mas aí as carteiras continham era abso‑<br />
lutamente nada <strong>de</strong>ntro, nem <strong>de</strong>z milréis, e <strong>de</strong> resto, não<br />
havia multidões. Fez como os retirantes, num golpe <strong>de</strong><br />
vista genial, buscou <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Moji das Cruzes na manhã, já não havia<br />
roça mais. Eram pequenas proprieda<strong>de</strong>s, bangalôs <strong>de</strong><br />
recreio, Egito, fábricas, campinhos bem ver<strong>de</strong>s com três<br />
vacas cada um, Battleship assuntara bem o companheiro<br />
<strong>de</strong> cabina guardar alguma coisa <strong>de</strong>baixo do travesseiro,<br />
agora não. Mas lá na suja estação <strong>de</strong> parada, aquela azá‑<br />
fama, valises, todos queriam <strong>de</strong>scer primeiro do vagão,<br />
quando Battleship examinou a carteira, meia hora <strong>de</strong>pois,<br />
naquele parque subindo pra arranha ‑céus em <strong>de</strong>lírio, sem<br />
quase ninguém, eram três contos! Os paulistas <strong>de</strong>ixavam‑<br />
‑se roubar.<br />
Battleship só não foi pro Esplanada por civilização. Era<br />
pickpocket, trinta contos que tivesse, o lugar <strong>de</strong>le era lugar<br />
<strong>de</strong> pickpocket, foi pra um <strong>de</strong>sses hoteizinhos <strong>de</strong> improviso<br />
do centro da capital. Mas gastava sem pensar, fez roupas<br />
<strong>de</strong> bom alfaiate, comprou dois bonés festivos, um cinza,<br />
um bege, e novo sobretudão que o fim <strong>de</strong> agosto estava<br />
duro. Sentiu ‑se em casa. Era completamente diferente,<br />
bem mais suave, mas havia um vago ar <strong>de</strong> Londres, mis‑<br />
turado com Marselha, um vago ar <strong>de</strong> Europa e Battleship<br />
estava em casa. Ficou logo tomado <strong>de</strong> paixão pelos enor‑<br />
mes polícias, limpos, esportivos, circulando com poses<br />
fotográficas, e <strong>de</strong>ixando roubar. E os secretas então, glo‑<br />
riosamente visíveis, gordos, mucudos, 117 todos uniforme‑<br />
mente negros <strong>de</strong> bengalão. Mas olhavam tanto pros bonés<br />
<strong>de</strong>le, aliás era no que toda a gente reparava nele, Battle‑<br />
ship <strong>de</strong>scobriu logo, ninguém não <strong>de</strong>sconfiava <strong>de</strong>le, mas<br />
todos <strong>de</strong>sconfiavam do boné. <strong>de</strong>sistiu dos bonés. Com‑<br />
prou chapéus <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fabrico paulista, duros, rijos
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
como a lealda<strong>de</strong>, machucando a testa muito. Mas agora<br />
tudo ficara completamente fácil, não havia o boné, e só<br />
os camarões 118 da Light and Power davam pra Battleship<br />
viver <strong>de</strong> <strong>vida</strong> sossegada. Só, só neste mundo, só <strong>de</strong> amigos,<br />
Battleship continuava em seus vinte anos imberbes, cor‑<br />
po <strong>de</strong> efebo, 119 cara esmaltada, sapatões, vivendo só nes‑<br />
te mundo, estudando a linguagem brasileira nos jornais,<br />
comprando todas as revistas ilustradas, que lia em casa,<br />
se encharcando <strong>de</strong> café do Brasil, e fumando cigarros <strong>de</strong><br />
palha, fortíssimos, que só tinham o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> enegrecer<br />
com rapi<strong>de</strong>z os <strong>de</strong>ntes. <strong>de</strong> ‑tar<strong>de</strong> saía da cama, raspava<br />
<strong>de</strong> leve os <strong>de</strong>ntes com o limpador <strong>de</strong> unhas, se vestia em<br />
três segundos, se assoava bem, o que gostava muito <strong>de</strong><br />
fazer só, no quarto, escutando os barulhos curiosos que<br />
lhe davam uma sensação cômoda da própria existência e<br />
da higiene. Saía pra trabalhar. Parava na esquina pra beber<br />
um café expresso, que não lhe agradava muito mas cuja<br />
vasta máquina <strong>de</strong> níquel brilhando, lhe dava sempre uma<br />
recordação sem sauda<strong>de</strong>s, feliz, da catedral <strong>de</strong> Londres.<br />
Ora quando chegou o dia 7 <strong>de</strong> setembro que era <strong>de</strong> festa<br />
nacional, Battleship foi, como todos, ver a gran<strong>de</strong> parada<br />
que se anunciara nos prados do Jockey Club. Battleship<br />
estava bem, com bastante dinheiro no bolso, não muito<br />
mas bastante, porém tinha o trabalho cotidiano. Foi no<br />
prado da Mooca e foi roubar, mas sempre com aquela seve‑<br />
rida<strong>de</strong> sem pensamentos dum velho professor <strong>de</strong> esco‑<br />
la pública, apenas porque era dia <strong>de</strong> multidão e ele tinha<br />
que trabalhar. Mas, está claro, tinha excessiva prática do<br />
ofício pra não perceber <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo que a menina estava<br />
com intenção <strong>de</strong> o roubar. Uma única diretriz o domi‑<br />
nou, enorme raiva. Se em vez <strong>de</strong> menina fosse alguma<br />
mulher velha ou ladrão na força do homem, sem dú<strong>vida</strong><br />
que o moço teria muito se divertido daquela coincidência<br />
122
123<br />
A ficção<br />
<strong>de</strong> ladrão roubando ladrão, mas tinha apenas vinte anos e<br />
a menina presumivelmente quatorze pela in<strong>de</strong>cisão ain‑<br />
da dos seios, daí a raiva. O instinto <strong>de</strong> prestígio que nós<br />
sempre sentimos diante dos que estão do mesmo lado da<br />
nossa ida<strong>de</strong>, lhe mostrara imediato o horror que havia,<br />
não no ato puro e abstrato <strong>de</strong> roubar, mas daquela meni‑<br />
na roubar. Era uma estúpida, merecia castigo, e Battleship<br />
<strong>de</strong>cidiu castigá ‑la.<br />
Imediatamente sentiu que tinha muita pressa, o castigo<br />
<strong>de</strong>via ser agora já. Mas isso não <strong>de</strong>rivava do tamanho da<br />
raiva, esta <strong>de</strong>rivara pra aquela <strong>de</strong>cisão aventurosa <strong>de</strong> cas‑<br />
tigar a menina – o que o <strong>de</strong>ixara inteiramente divertido. A<br />
pressa vinha da sujeira da pequena, estava porca. naquela<br />
misturada matinal <strong>de</strong> gentes que a festa da in<strong>de</strong>pendência<br />
levara ao prado da Mooca, tudo endomingado, a menina<br />
punha um gosto horrendo <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> semana, suja, suja,<br />
maltrapilha, com apenas o vestidinho que nem tinha mais<br />
cor <strong>de</strong> vermelho, sobre o corpo repelente. Aqueles cabelos<br />
pingando irregularmente da maçaroca inviolável sobre a<br />
cara, o pescoço… <strong>de</strong>via ter muito bicho naqueles cabelos.<br />
Tudo na menina <strong>de</strong>ixava Battleship violentamente sem<br />
conforto. Sempre ele fora discretamente higiênico, mesmo<br />
no tempo dos <strong>de</strong>z anos soltos em Londres, e agora então as<br />
vacas gordas o punham: numa resplan<strong>de</strong>cente exigência<br />
<strong>de</strong> limpeza, álgido 120 como a Lua da tar<strong>de</strong>. Carecia se <strong>de</strong>s‑<br />
cartar daquela sórdida, pra voltar ao prazer <strong>de</strong> si mesmo.<br />
Battleship fincou os olhos no longe do campo, inteira‑<br />
mente distraído <strong>de</strong> olhos, fácil da gente roubar. A menina<br />
apressada se aproximou, e não tirava os olhos da cara <strong>de</strong>le,<br />
ele bem via com o pensamento. Battleship estava outra<br />
vez com raiva, mas agora indignado, a estúpida nem sabia<br />
se distrair pra disfarçar! E eis que ela o toca no braço e<br />
com tanto peso que era impossível Battleship continuar
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
na distração. Agarrou a mão <strong>de</strong>la, era mãozinha fria, sem<br />
prazer, e olhou com tanta força que a coitadinha teve um<br />
estremeção, ficou imóvel. Vinha do fundo dos seus olhos<br />
negros, agora abertos no medo, uma expressão <strong>de</strong> sofri‑<br />
mento tão quietinho que <strong>de</strong>ixava a existência consolada.<br />
Battleship ficou surpreso. Pela primeira vez na <strong>vida</strong> teve<br />
a noção, noção muito longínqua, <strong>de</strong> que era um <strong>de</strong>sgra‑<br />
çado também. Mas aqueles olhos negros lhe diziam tam‑<br />
bém que era indiferente ser <strong>de</strong>sgraçado. Estavam os dois<br />
assim, um minuto, ela com medo, ele surpreso, quando se<br />
lembraram <strong>de</strong> si. E a menina, recuperada, continuou na<br />
intenção que o rapaz interceptara, pesou ‑lhe mais a mão<br />
no braço e murmurou, fingindo vasta ansieda<strong>de</strong>:<br />
– Me dá esmola!<br />
Era esmola, não era roubo, Battleship ficou sem fim.<br />
não tinha pieda<strong>de</strong>, não tinha raiva, não tinha pressa<br />
mais, estava por tal forma sem razão, meia dificulda<strong>de</strong><br />
em respirar tão inútil se achou. “Me dá esmola!” que ela<br />
repetia outra vez, certa da esmola agora, mais animada<br />
porque ele não apertava tanto mais o braço <strong>de</strong>la e a olhava<br />
sempre, mas sem aquela força <strong>de</strong> vista que a estarrecera<br />
pouco antes, e sim com olhos inertes, ainda por qualifi‑<br />
car. “Só um tostão!… pra pão!” ela insistia, animada cada<br />
vez mais; porém, como a resposta não vinha, a frase nova<br />
<strong>de</strong>nunciava uma certa impaciência, enquanto a tradição,<br />
contradizendo a impaciência leal, teatralizava cada vez<br />
mais, com uma burrice que atingia o ridículo, a sua ati‑<br />
tu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fingir <strong>de</strong>sgraça. Battleship não estava com míni‑<br />
ma intenção <strong>de</strong> dar esmola, estava literalmente aquó. 121 E<br />
agora que examinara bem a cara da menina, aquela suji‑<br />
da<strong>de</strong> tão impregnada, tão conservada como um rito secu‑<br />
lar, se era menos repugnante assim, não lhe <strong>de</strong>ixava lugar<br />
pro mais mínimo impulso <strong>de</strong> simpatia. Era apenas uma<br />
124
125<br />
A ficção<br />
revelação surpreen<strong>de</strong>nte, Battleship ficara sarapantando.<br />
Já umas duas ou três pessoas olhavam algumas vezes pros<br />
dois, reparando, e o inglesinho era discreto. Mas ficara<br />
nele uma curiosida<strong>de</strong> fixa, Battleship estava com pressa<br />
outra vez, e, pra o normalizar inda mais nos projetos ante‑<br />
riores, uma raiva nova lhe bateu no ser. disse “não” frio,<br />
largou <strong>de</strong> golpe o braço da pequena, fincou os olhos no<br />
campo on<strong>de</strong> os soldados valsavam <strong>de</strong> focas <strong>de</strong> music ‑hall.<br />
E a menina foi ‑se embora.<br />
Mas Battleship não a per<strong>de</strong>u <strong>de</strong> vista mais. Ela andou<br />
por ali, colhendo esmola <strong>de</strong> um, recusa <strong>de</strong> outro, até que a<br />
parada acabou. <strong>de</strong>z mil pessoas se acossavam nas saídas<br />
mas Battleship não roubou ninguém, seguia a menina.<br />
Assuntou ‑a correr <strong>de</strong> bon<strong>de</strong> em bon<strong>de</strong>, jogar a mão <strong>de</strong>n‑<br />
tro dos automóveis, parar senhores <strong>de</strong> cinquenta anos, e<br />
Battleship calculava nuns <strong>de</strong>z milréis a colheita quando se<br />
lembrou que estava em S. <strong>Paulo</strong>, na carteira <strong>de</strong> três contos<br />
e aumentou o cálculo pra vinte milréis. Afinal os bon<strong>de</strong>s<br />
foram rareando, e os próprios ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> pastéis se<br />
arranjaram pra partir, tinha acabado a in<strong>de</strong>pendência. A<br />
menina se orientou na rua. Mas Battleship estava preveni‑<br />
do agora que não tinha mais povo pro disfarçar, e ela não<br />
o enxergou. Amarrou a espécie <strong>de</strong> lenço em que aperta‑<br />
ra as moedas, e com uma no <strong>de</strong>do foi comprar o doce do<br />
doceiro.<br />
Agora ela partia mesmo. Battleship ia segui ‑la quando<br />
compreen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> repente o que vale um doce. Jogou a moe‑<br />
dinha <strong>de</strong> milréis na cesta enjoativa do doceiro e recebeu<br />
<strong>de</strong>z doces num papel. Então seguiu atrás da menina. Ela<br />
tomara por umas ruelas sem calçamento que ro<strong>de</strong>avam<br />
o prado, <strong>de</strong>pois atravessou um ajuntamento <strong>de</strong> casinhas<br />
novas, bor<strong>de</strong>jando a linha <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>. do outro lado era um<br />
campo aberto, inda sem <strong>de</strong>stino como se aquele lado da
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
cida<strong>de</strong> acabasse ali. Havia bosquetes esparsos <strong>de</strong> arvore‑<br />
tas plebeias, a faixa branca duma rodovia bem tratada, e<br />
além um mato baixo que pra Battleship figurou a jungla 122<br />
selvagem. A pequena tomou pela vereda que enfiava pelo<br />
mato e Battleship, já perto, <strong>de</strong>u um grito cuidadoso <strong>de</strong> paz,<br />
chamando. Ela virou mas em vão Battleship forçava a boca<br />
num riso e mostrava os doces na mão: nem percebeu quem<br />
era, a menina <strong>de</strong>satou na carreira mato <strong>de</strong>ntro. Battleship<br />
correu também, sem refletir. O matinho acabava quase<br />
que ali mesmo, e quando o rapaz entrou por ele já não<br />
enxergou mais a menina, e apenas no fim do túnel sobrea‑<br />
do, a moeda violenta do céu. O coração <strong>de</strong>le cerrou num<br />
pressentimento <strong>de</strong> perda que doeu muito e <strong>de</strong>sacostuma‑<br />
do <strong>de</strong> sofrer, Battleship arremeteu com <strong>de</strong>sespero na dire‑<br />
ção da outra entrada da vereda. Chegado lá entreparou<br />
pra se orientar e teve um baque. Junto mesmo à entrada<br />
do matinho, à esquerda, no terreno que <strong>de</strong>scia até o corpo<br />
<strong>de</strong>smanchado dum riacho pluvial, havia um rancho. no<br />
terreirinho <strong>de</strong> frente, <strong>de</strong>scuidado, sujíssimo, estava uma<br />
menina, tão suja como o chão, como [que] fazendo comida<br />
num fogareiro miserável. Parara o gesto e o olhava, pasma.<br />
Sentada na porta estava ainda uma mulher velha, <strong>de</strong>via ser<br />
velhíssima, amulatada na cor, com uma enorme carapi‑<br />
nha embranquecida, fumando num cachimbo comprido.<br />
Atrás <strong>de</strong>la, <strong>de</strong> pé, se protegendo mais na entressombra<br />
do rancho que na velha, a menina da parada recuou mais<br />
assim que Battleship apareceu.<br />
O moço abriu o papel e esten<strong>de</strong>u os <strong>de</strong>z doces como<br />
apresentação. A menina do fogareiro arregalou os olhos<br />
pro convite mas logo ficou sofridamente inquieta, olhou<br />
pros doces, olhou pra velha, olhou pro riso do moço, olhou<br />
pra velha outra vez… Mas a mulata que não per<strong>de</strong>ra nada<br />
da sua calma virtuosíssima com a chegada do estranho,<br />
126
127<br />
A ficção<br />
fez uma careta <strong>de</strong> fúria castigante pra pequena, e esta<br />
recomeçou a lidar com a panela sem saber. A velha voltou<br />
logo ao seu aspecto <strong>de</strong> perfeição, mas os olhinhos ávidos,<br />
piscando, estavam presos na direção dos doces, <strong>de</strong>smen‑<br />
tindo a calma. <strong>de</strong>pôs lentamente o cachimbo no chão e<br />
arrimou ‑se no batente solto, pra se erguer. A que estava<br />
junto <strong>de</strong>la ajudou ‑a numa monotonia <strong>de</strong> obrigação. Era<br />
uma velha bem gran<strong>de</strong>, que se reduzia à meta<strong>de</strong>, magrís‑<br />
sima, engruvinhada por mil reumatismos. <strong>de</strong>u uns passos<br />
difíceis na direção <strong>de</strong> Battleship, e este, se compreen<strong>de</strong>n‑<br />
do aceito, veio ao encontro <strong>de</strong>la, e lhe <strong>de</strong>pôs os doces nas<br />
mãos trêmulas. A velha apertou o embrulho no peito que<br />
saía duma camiseta já sem cor. Battleship recebeu <strong>de</strong>la<br />
um fedor tão nítido <strong>de</strong> porqueira que, não pô<strong>de</strong>, recuou<br />
um passo. Então saiu da velha uma voz muito fina, muito,<br />
agra<strong>de</strong>cendo. Voltou pra sentar <strong>de</strong> novo, mas lembrou que<br />
o moço estava ali e ela <strong>de</strong>via representar, chamou:<br />
– Balança, <strong>minha</strong> filha venha cá.<br />
Isso a menina do fogareiro <strong>de</strong>u um pulo pra junto da<br />
velha e esten<strong>de</strong>u a mão. A mulata olhou meio inquieta<br />
pros doces, tinha mesmo que se resolver, <strong>de</strong>u um. Balança,<br />
recebendo o doce, olhou pro moço, já sem nenhum medo.<br />
E os olhos <strong>de</strong>la bem falavam que ele visse como era aquela<br />
velha amaldiçoada, que só dava um doce tendo tantos. E<br />
Trombeta recebeu também seu doce <strong>de</strong> favor.<br />
Estes nomes estrambólicos, Balança e Trombeta, Bat‑<br />
tleship veio a saber e a compreen<strong>de</strong>r só <strong>de</strong>pois. Porque<br />
ele estava mesmo <strong>de</strong>cidido a não sabia mais o que, <strong>de</strong><br />
rumos tão impossíveis que tomara a aventura da para‑<br />
da. Mas tudo ainda estava <strong>de</strong>cidido nele que tinha <strong>de</strong><br />
haver qualquer coisa com a menina da parada, a Trombe‑<br />
ta. A velha sentou <strong>de</strong> novo, sem preocupação <strong>de</strong> limpeza,<br />
botou o papel inteiramente engordurado pelos doces no
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
colo, e levantou do chão o cachimbo. não houve in<strong>de</strong>‑<br />
cisão nenhuma, porque todos percebiam que Battleship<br />
era só bom, nasceu uma conversação longa que Battle‑<br />
ship aguentou <strong>de</strong> pé, não tendo ca<strong>de</strong>ira nem on<strong>de</strong> sentar.<br />
As meninas entravam na conversa, sem nenhum respeito<br />
pela velha, auxiliando as respostas.<br />
Battleship fez umas perguntas e foi logo censurando a<br />
sordi<strong>de</strong>z das meninas. Mas ninguém não compreen<strong>de</strong>u do<br />
que ele falava. não era a relativa dificulda<strong>de</strong> com que ele se<br />
expressava que trouxe a incompreensão, e sim a nenhuma<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sujeira que havia nas três, piores que irracionais.<br />
Viviam <strong>de</strong> esmolas. A velha, que as meninas chamavam<br />
<strong>de</strong> dona Maria, afirmava que Trombeta era filha <strong>de</strong>la, mas<br />
não havia entre ambas a mais mínima relação <strong>de</strong> pare‑<br />
cença. não se tratava porém duma mentira da velha, nem<br />
mesmo propriamente dum esquecimento, e <strong>de</strong> fato ela<br />
caducava bastante: se tratava sim duma espécie <strong>de</strong> aban‑<br />
dono do passado, em quem só vivera e por quase cem anos<br />
já, da exclusiva precisão do momento. Ela não sabia mais<br />
e Battleship logo percebeu que a mulatona inventava res‑<br />
postas, pela simples necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. As meninas<br />
é que traziam alguma verda<strong>de</strong> à história daquelas três.<br />
Fazia pouco tempo que viviam ali. Trombeta con‑<br />
tava que sempre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, dona Maria esmolava<br />
lá na cida<strong>de</strong> puxando ela pelo bracinho <strong>de</strong> quatro, seis,<br />
oito anos. Moravam on<strong>de</strong> podiam, on<strong>de</strong> achavam no que<br />
morar, mas sempre nas barras da cida<strong>de</strong>. À medida que<br />
esta crescia, as duas eram enxotadas pra limites novos, pra<br />
ranchos abandonados <strong>de</strong> carvoeiros, pra restos <strong>de</strong> bilhe‑<br />
terias <strong>de</strong> circos idos, pra tábuas ficadas <strong>de</strong> algum acam‑<br />
pamento <strong>de</strong> cigano. Aos poucos dona Maria ia ficando<br />
encarangada, 123 o que levou naturalmente Trombe‑<br />
ta a esmolar sozinha. Se <strong>de</strong>u logo um certo proveito <strong>de</strong><br />
128
129<br />
A ficção<br />
situação porque os oito anos sozinhos da pequena como‑<br />
viam mais que menina e velha juntas. Também Trom‑<br />
beta era inexperiente e se afoitava muito. A velha ficava<br />
sempre pelas barras da cida<strong>de</strong> em suas ca<strong>minha</strong>das <strong>de</strong><br />
esmola. Batia nas chacras, nos mosqueiros 124 <strong>de</strong> operá‑<br />
rios, nas vendinhas <strong>de</strong> beira ‑estrada. E eram restos <strong>de</strong><br />
comida, farrapos sujos, algum raro tostão que recolhiam<br />
as duas. Trombeta, menos por ambição que curiosida<strong>de</strong>,<br />
principiou entrando pelos bairros, batucando os pezinhos<br />
miúdos por avenidas calçadas, e uma vez, <strong>de</strong>svairada <strong>de</strong><br />
aventura e surpresa, subiu a la<strong>de</strong>ira do Carmo e chegou na<br />
Rua Quinze. Então foi presa. Quando ela percebeu que o<br />
soldado segurava no braço <strong>de</strong>la e a levava por um cami‑<br />
nho que ela não <strong>de</strong>cidia, botou a boca no mundo e reu‑<br />
niu gente. Todos pediam pro soldado que <strong>de</strong>ixasse ela ir<br />
embora que ela não fazia mais, e também o soldado esta‑<br />
va com enorme dó. <strong>de</strong>ixou que ela partisse, no princípio<br />
<strong>de</strong>vagar, sem coragem <strong>de</strong>pois numa carreira entre lágri‑<br />
mas, porém o dó <strong>de</strong> todos lhe ajuntara quase oito milréis.<br />
não lhe interessavam tantos milréis e sim o medo horrível<br />
que tivera. Continuou esmolando pelas chacrinhas e bote‑<br />
quins sem polícia. A quase irracional momentaneida<strong>de</strong> da<br />
mulata já se infiltrara nela também. Uma lata <strong>de</strong> restos <strong>de</strong><br />
almoço lhe interessava mais que oito milréis <strong>de</strong> alimentos<br />
por cozinhar ou panos pra costurar.<br />
<strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>z, quem ia supondo isso era Battleship,<br />
quando uma feita encontrou com outra menina na rua.<br />
Esta seria Balança <strong>de</strong>pois, porque naqueles tempos elas<br />
se chamavam <strong>de</strong> “Chíu!” e “você”. Pois um dia Trombeta<br />
encontrou uma menina na estrada e as duas brigaram por‑<br />
que Trombeta ia com um ramo <strong>de</strong> árvore na mão, a outra<br />
menina chegou e disse:<br />
– Esse pau é meu.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Bateram bastante uma na outra, se puxaram os cabelos,<br />
contaram nomes feios e Trombeta seguiu seu caminho.<br />
no outro dia fez questão <strong>de</strong> passar por ali mas a menina<br />
não estava. Isto é, estava sim. Saiu <strong>de</strong> repente correndo<br />
pela porta duma casinhola <strong>de</strong> estrada que ficara mais pra<br />
trás, e se atirou aos tapas sobre Trombeta. Tornaram a se<br />
bater muito, só que não doía porque as duas não tinham<br />
força nenhuma, eram miserinhas <strong>de</strong> gente. Uma acabava<br />
tomada <strong>de</strong> medo e a outra ficava com gosto <strong>de</strong> superio‑<br />
rida<strong>de</strong> no instinto. Foi assim. A outra menina não tinha<br />
nada que a pren<strong>de</strong>sse em casa, nem a mãe, uma italianona<br />
que batia às vezes, lhe agradava mais que a liberda<strong>de</strong> com<br />
que a inimiga Trombeta seguia por caminhos inventados<br />
e batia nos botequins. Um dia foi com Trombeta, dormiu<br />
no quase relento da tapera e não mais se lembrou da ita‑<br />
liana da mãe.<br />
dona Maria tinha instintos. Uma das meninas pedia<br />
esmolas enquanto a outra ficava em casa, diminuindo o<br />
reumatismo da velha e fazendo comida, se tinha comi‑<br />
da pra cozinhar. Foi então que partiram pra mais longe e<br />
vieram topar com o rancho abandonado em que estavam<br />
agora. E eis que a zona era excelente por causa do Joc‑<br />
key Club que nos domingos proporcionava uma colheita<br />
regular <strong>de</strong> oito, nove milréis. E ali ficaram alguns anos até<br />
Battleship chegar.<br />
Battleship olhou em torno. O matinho seguia até o ria‑<br />
cho e parava ali entre arvoretas esparsas. do outro lado<br />
continuava subindo o morro e se perdia no além. A uns<br />
trezentos metros no campo se percebia a casa branca<br />
duma chacra, com telhado <strong>de</strong> cottage, 125 surgindo das ter‑<br />
ras plantadas. Havia um burro no campo. A manhã estava<br />
bem alta e Battleship olhou o relógio pulseira, meio ‑dia.<br />
Sentiu fome. As três mulheres já tinham comido na panela<br />
130
131<br />
A ficção<br />
mesmo, o feijão cozido. Ele nem tivera que recusar por‑<br />
que não fora con<strong>vida</strong>do, era rico. Então Battleship par‑<br />
tiu <strong>de</strong>ixando mais cinco milréis pra mulata e um riso <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spedida.<br />
<strong>de</strong>pois que entrou pela vereda do matinho ouviu um<br />
ruído <strong>de</strong> carreira atrás <strong>de</strong> si, virou. Era Trombeta sorrin‑<br />
do, sem compostura. Chegou junto <strong>de</strong>le, e contou que<br />
nem ela nem Balança chamavam dona Maria <strong>de</strong> “dona<br />
Maria” entre si, mas <strong>de</strong> “Juízo Final”. Era também outra<br />
palavra que elas tinham pegado do padre no dia em que<br />
entraram na tal capela e escutaram o sermão, e tinham se<br />
entrebatizado pelas palavras engraçadas que escutaram<br />
da boca do padre. Então ela ficara Trombeta, e a com‑<br />
panheira Balança. dona Maria, principiaram chamando<br />
<strong>de</strong> Juízo Final e achavam muita graça, mas um instinto<br />
impossível <strong>de</strong> respeito, não, uma reserva <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong><br />
por quem não era igual a elas, fizera com que não revelas‑<br />
sem nunca pra velha que a chamavam <strong>de</strong> Juízo Final. E,<br />
<strong>de</strong> fato, sem perigo nenhum, diante <strong>de</strong> dona Maria, uma<br />
falava pra outra:<br />
– Balança.<br />
– Eu.<br />
– Juízo Final é isto, um palavrão.<br />
Ambas se riam.<br />
Pra Battleship a revelação não adiantara nada. não<br />
imaginava o que fosse Juízo Final, nem balança, nem<br />
trombetas dum futuro vale da justiça. Mas olhou mais<br />
Trombeta, agora tão amiga <strong>de</strong>le, e uma simpatia gostosa,<br />
fez ele esboçar um gesto <strong>de</strong> proteção. Reforçou a mão <strong>de</strong>le<br />
um ar <strong>de</strong> pai que ia alisar os cabelos da menina, mas tudo<br />
ficou por fazer, interrompido pelo nojo. Battleship disse<br />
a<strong>de</strong>us e foi seguindo. no fim do matinho olhou pra trás.<br />
Mas Trombeta não estava mais.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
no bon<strong>de</strong> o moço ia completamente transformado,<br />
participando <strong>de</strong> tudo. Olhou a paisagem que <strong>de</strong>slizava<br />
entre amostras <strong>de</strong> ati<strong>vida</strong><strong>de</strong> humana, muito rápida e <strong>de</strong>s‑<br />
confortável. Mas só pô<strong>de</strong> ajuizar assim no primeiro minu‑<br />
to <strong>de</strong> visão, enquanto a preocupação <strong>de</strong> tomar o bon<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
pagar a passagem e tudo o <strong>de</strong>ixavam ainda bem disponí‑<br />
vel, porque logo os olhos principiaram não vendo mais o<br />
que passava e parecia incrível pra Battleship que Balança<br />
e Trombeta vivessem assim. naquela sujeira. Imediata‑<br />
mente ele <strong>de</strong>cidiu que ia na cida<strong>de</strong> comprar uns vestidos,<br />
sabões, toalhas pras duas, e foi <strong>de</strong>cidido, mas as lojas todas<br />
estavam fechadas porque era mais um feriado. Battleship<br />
banzou muito <strong>de</strong>sempregado. Mas quando foi <strong>de</strong> ‑tardi‑<br />
nha, a i<strong>de</strong>ia fixa <strong>de</strong> arranjar bem limpas as meninas lhe fez<br />
conseguir uma carteira com cento ‑e ‑vinte milréis. Ligou<br />
logo a felicida<strong>de</strong> com o caso da manhã e <strong>de</strong>cidiu que as<br />
meninas traziam sorte. Caiu uma chuvada braba e Bat‑<br />
tleship foi pro hotel. Fez café, <strong>de</strong>itou pra fumar e dormiu<br />
até o dia seguinte.<br />
Quando acordou teve o bom ‑dia das meninas que ime‑<br />
diatamente lhe vieram no pensamento, sorriu. Levantou‑<br />
‑se apressado, levou todo o dinheiro que tinha consigo,<br />
podia bem gastar tudo porque as meninas davam sorte e<br />
<strong>de</strong> resto era a primeira vez que Battleship imaginava na<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faltar dinheiro como precisão constante,<br />
e não apenas como precaução imediata. Estava fazendo<br />
um frio úmido carregado <strong>de</strong> névoas claras. O rapaz enver‑<br />
gou o sobretudão e foi pra rua comprar roupas. Comprou<br />
muita coisa. Comprou até uma esponja cara, <strong>de</strong>ssas que<br />
as pessoas limpas usam pra acarinhar o corpo no banho.<br />
E comprou também um vasto xale marrom pra mulatona.<br />
não tinha pensado nela até esse instante quando a ima‑<br />
ginação lhe trouxe as meninas bem higiênicas nos seus<br />
132
133<br />
A ficção<br />
vestidinhos azuis e uma velha pitando com elas e suja <strong>de</strong>s‑<br />
<strong>de</strong> nascer. não se lembrou <strong>de</strong> limpar a velha também que<br />
não lhe dava nenhuma raiva, mas a visão ficara inconfor‑<br />
tável e Battleship comprou o xale pra escon<strong>de</strong>r a sujeira<br />
da velha.<br />
Lá chegado, a velha estava sempre no mesmo lugar, só<br />
que tremendo por causa da umida<strong>de</strong>. no fundo do terreno<br />
o riacho nadava claro, refletindo as nuvens frouxas, muito<br />
aumentado com a chuva da véspera. Trombeta veio corren‑<br />
do, com o colo cheio <strong>de</strong> gravetos <strong>de</strong> cozinhar o feijão. Era<br />
a vez <strong>de</strong>la cozinhar, Balança não estava. A menina sorriu<br />
pra ele e Battleship teve uma <strong>comoção</strong> que ele julgou vio‑<br />
lentíssima porque, <strong>de</strong>sacostumado a carinhos, o presente<br />
que trazia o impediu <strong>de</strong> falar, corou. Ficou mesmo encar‑<br />
nado até no longo pescoço alvo que afundava no sobretu‑<br />
dão, baixou os olhos aturdido porque essa era a primeira<br />
consciência <strong>de</strong> falta que lhe pousava no espírito. Tudo ficou<br />
suspenso assim, mas Battleship não podia aguentar com<br />
suplício tamanho. Principiou varrendo com o pé um naco<br />
<strong>de</strong> chão e Trombeta logo o ajudou, ajoelhada, varrendo o<br />
chão com as mãos. Ela fazia tudo, olhando pra ele e rindo,<br />
mas o moço bem quis, e não pô<strong>de</strong> sustentar os olhos <strong>de</strong>la.<br />
Sorriu amarelo, ajoelhou no chão, <strong>de</strong>srespeitando sua linha<br />
<strong>de</strong> limpo, e foi <strong>de</strong>satando os dois enormes embrulhos que<br />
trazia. A mulata parara <strong>de</strong> fumar olhando com avi<strong>de</strong>z.<br />
Surgiu o xale que a cobriu. <strong>de</strong>pois vieram roupas brancas,<br />
dois vastos pares <strong>de</strong> meia <strong>de</strong> lã, vestidinhos azuis, pentes,<br />
uma barra translúcida <strong>de</strong> sabão <strong>de</strong> coco, a esponja, toalhas<br />
<strong>de</strong> rosto, um pedaço comprido <strong>de</strong> fita <strong>de</strong> cetim preto que<br />
era pras meninas amarrarem os cabelos, e a tesourinha<br />
<strong>de</strong> unhas. Isso Battleship estava tão feliz! Os olhos <strong>de</strong>le se<br />
enchiam <strong>de</strong> lágrimas ignoradas que o moço logo limpava<br />
porque eram do vento frio. Trombeta se extasiava e não
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
sabia qual dos vestidinhos escolher. Só a velha quando se<br />
convenceu <strong>de</strong> que nada mais era pra ela, retomou o pito.<br />
Lançou assim mesmo um olhar <strong>de</strong> ternura como<strong>vida</strong> sobre<br />
Trombeta que agora ia andar bem vestidinha, e recaiu na<br />
indiferença. Mas <strong>de</strong> repente a menina ficou muito inquieta<br />
e segurou forte no braço <strong>de</strong> Battleship.<br />
– Pra mim!…<br />
– Hum ‑hum.<br />
– Com Balança?…<br />
– Hum ‑hum!<br />
Se arriscou a olhar pra menina outra vez. Trombeta<br />
enfim compreen<strong>de</strong>ra. Ela já tinha atento o hábito <strong>de</strong> rece‑<br />
ber, que os doces da véspera assim como essa rouparia não<br />
passavam <strong>de</strong> esmolas pra ela. Era uma espécie <strong>de</strong> obriga‑<br />
ção do mundo, e ela recebia a tudo com indiferença <strong>de</strong><br />
quem recebe o que tem que receber. Porém o excesso, os<br />
panos não usados, a dú<strong>vida</strong> <strong>de</strong> que tudo aquilo não pas‑<br />
sasse [<strong>de</strong> sonho], e ela não pensou, mas ela teve o senti‑<br />
mento nítido <strong>de</strong> que havia sonhos, ela a sem sonhos, e<br />
a dor insofismável 126 <strong>de</strong> que havia burlas no mundo. Pra<br />
mim! É sim pra você, Trombeta, eu comprei tudo pra<br />
você, Trombeta, com sua companheira Balança; e ago‑<br />
ra tudo isso que eu comprei eu dou pra você, Trombeta,<br />
com sua companheirinha, Balança. A noção da dádiva<br />
brotou nela feito um Sol macio. E <strong>de</strong> fato o Sol rompia<br />
a frouxidão das nuvens e veio bater no terreiro. Battle‑<br />
ship olhou pra ela e enxergou um rosto novo. Trombeta<br />
não ria não porque os lábios estavam alastrados, fechadi‑<br />
nhos, rubros <strong>de</strong> natureza, guardando um riso interior <strong>de</strong><br />
sublime festa. Os olhos estavam muito gran<strong>de</strong>s, negros,<br />
rutilantes, pela primeira vez vivendo o sentido da gra‑<br />
tidão. E agora Battleship não podia mais tirar os olhos<br />
<strong>de</strong>la, nem ela os seus <strong>de</strong> Battleship, ambos se examinando<br />
134
135<br />
A ficção<br />
numa paciência curiosa que era <strong>de</strong> perfeita simpatia.<br />
Eram iguais, sentiam ‑se iguais, companheiros <strong>de</strong> triste‑<br />
za. Esse era o <strong>de</strong>scobrimento explosivo que acabavam <strong>de</strong><br />
fazer. Brotara <strong>de</strong> tudo aquilo, arrebentando em escarcéus<br />
barulhentos que não pouco os aturdia, a noção da felici‑<br />
da<strong>de</strong>. Isto é, pelo contrário, a certeza <strong>de</strong> que nunca tinham<br />
sido felizes. Em vão Trombeta representara a <strong>de</strong>sgraça,<br />
mentira pais doentes em casa, bancara <strong>de</strong> esfomeada, nos<br />
seus caminhos <strong>de</strong> esmola, tudo fora gesto <strong>de</strong> teatro, não<br />
lhe <strong>de</strong>ra nunca a mínima inquietação, a mínima verda<strong>de</strong>.<br />
Mas agora um sentimento próprio, pela primeira vez exa‑<br />
tamente pessoal, e não nascido da paciência ou da pregui‑<br />
ça, ou do costume, como a espécie <strong>de</strong> amor que ligava as<br />
três mulheres, agora um sentimento dado a fundia com<br />
mais alguém. Era a simpatia, a camaradagem, o amor <strong>de</strong><br />
amigo em toda a sua mais esplêndida integração. Pela pri‑<br />
meira vez, estimando e <strong>de</strong>sejando possuir alguém, nas‑<br />
cia em Trombeta o instinto <strong>de</strong> comparação. Se comparou<br />
com o moço e <strong>de</strong>scobriu que não fora nunca feliz, que<br />
era uma miserável <strong>de</strong>sgraçada. Percebeu que estava feia.<br />
Percebeu que estava suja, não, não percebeu nada disso, a<br />
não ser como ilações 127 necessárias mas não conscientes,<br />
da sua infelicida<strong>de</strong>.<br />
Battleship violentamente recebera o mesmo sentimen‑<br />
to. Assim como Trombeta o julgava lindo, trabalhador,<br />
capaz <strong>de</strong> dar, bom, mas completamente igual a ela nalgu‑<br />
ma <strong>de</strong>sgraça insabida, ele a examinava, simpática, ocu‑<br />
pada com a <strong>vida</strong>, tendo gentes em torno pra se unir. Ele<br />
não, era um sozinho maquinal, um estrangeiro, um sem<br />
família vivendo fora da pátria. A sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londres o<br />
invadia. nunca fora mais que um miserável <strong>de</strong>sgraçado.<br />
Ficaram um minuto assim, vivendo sem pensar todas<br />
as suas poucas noções <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraçados. As lágrimas
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
corriam francamente pelas faces <strong>de</strong> Trombeta, mas agora<br />
Battleship continha com energia sua enorme vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
chorar. Pouco antes suas lágrimas tinham sido por cau‑<br />
sa do vento, mas agora ele sabia que as lágrimas eram do<br />
choro, chorar não. E as suas violentas superiorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
homem dirigiram a cena.<br />
Sorriu. Murmurou uma carícia em inglês, como se dis‑<br />
sesse “Bobinha!”, e <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> si mesmo pra adquirir uma<br />
funda pieda<strong>de</strong> daquela pobrezinha suja.<br />
– Você precisa se limpar, Trombeta.<br />
Ela imediatamente obe<strong>de</strong>ceu. Olhou rápido em torno<br />
se orientando, pegou numa das toalhas <strong>de</strong> rosto, na barra<br />
<strong>de</strong> sabão e disparou na direção do riacho. Battleship teve<br />
que sentar no chão, às gargalhadas. Trombeta <strong>de</strong>saparece‑<br />
ra entre as arvoretas e o moço ficou trocando umas pala‑<br />
vras com a velha.<br />
Uns <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong>pois Trombeta voltou. Tivera<br />
honestamente i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> se limpar mas sujara toda a toa‑<br />
lha. A cabelaça era a mesma com uns pingos <strong>de</strong> água bri‑<br />
lhando. Limpara as pernas mas os pés vinham do barro.<br />
E nas mãos enrubescidas pela água inda fria, as unhas<br />
pretas agora enojavam mais. Battleship <strong>de</strong>u um risinho<br />
<strong>de</strong>scontente. Levantou a cabelaça e viu uma orelha, infun‑<br />
dia horror. Mas Trombeta era mesmo bonitinha <strong>de</strong> cara<br />
e os nojos <strong>de</strong> Batlleship terminavam em simpatia, olhos<br />
tão doces, negros! Junto da gola do vestido trapo a rapi‑<br />
<strong>de</strong>z da limpeza <strong>de</strong>ixara uns traços <strong>de</strong> sujeira no pescoço.<br />
A toalha estava suja mesmo, Battleship pegou na toalha e<br />
esfregou os traços com o que achou <strong>de</strong> limpo na toalha.<br />
Mas o limpo era pano seco e o cascão não saiu. Battleship<br />
ficou <strong>de</strong>sesperado. Fazia tudo falando, ralhando já com a<br />
menina, como se ela fosse <strong>de</strong>le, e Trombeta estava muito<br />
triste porque não conseguia obe<strong>de</strong>cer ao companheiro.<br />
136
137<br />
A ficção<br />
– Vamos até o rio! que ele falou, se <strong>de</strong>cidindo. Leva‑<br />
ram as roupas, a tesoura, os pentes. Lá Battleship tirou o<br />
sobretudão que já estava mesmo sobrando ao Sol, tirou o<br />
paletó, o colete, arregaçou as mangas, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sacudir<br />
forte a arvoreta pra ver se a roupa <strong>de</strong>le não caía dos galhos,<br />
se orientou. Mas pra chegar na água corrente, tinha um<br />
metro e muito <strong>de</strong> lama, pra sujar Battleship. Além disso a<br />
própria água corrente era <strong>de</strong> chuva, barrenta, imagem <strong>de</strong><br />
sujidão. não havia outra água, mas não havia outra vasi‑<br />
lha gamela na casa que não fosse a panelinha <strong>de</strong> cozinhar<br />
o feijão. Foram até lá no rancho pra ver se <strong>de</strong>scobriam<br />
um jeito e encontraram a velha resmungando por causa<br />
<strong>de</strong> Trombeta não estar preparando a comida. A menina<br />
olhou pra Battleship enormemente <strong>de</strong>solada. Tudo aqui‑<br />
lo afinal a estava divertindo muito e a Battleship também.<br />
Então ele se lembrou, foi correndo até junto do riacho e<br />
voltou com uma tabuinha <strong>de</strong> cacau que <strong>de</strong>stinava pras<br />
meninas. <strong>de</strong>u pra velha, que comesse em vez <strong>de</strong> feijão<br />
aquele dia, ela bem quis mas guspiu achando rúim. Então<br />
o moço ficou meio zangado e falou pra ela que fizesse fei‑<br />
jão ela mesma, o quê que tinha, um dia só! A velha obe‑<br />
<strong>de</strong>ceu por causa do xale e porque também pela primeira<br />
vez <strong>de</strong>spertara nela alguma coisa mais que o instante, e ela<br />
<strong>de</strong>scobrira que por causa das meninas era capaz <strong>de</strong> ter um<br />
futuro risonho. Isto é, futuro sossegado, futuro <strong>de</strong> xale. O<br />
moço que fizesse o que quisesse contanto que [ela recebes‑<br />
se] xale e doces como os <strong>de</strong> ontem, cacau não.<br />
Battleship entrou no rancho procurando. Encontrou<br />
uma caneca e no mato atrás da casa, havia duas tábuas<br />
aparelhadas, quem sabe quem tinha <strong>de</strong>ixado ali! Leva‑<br />
ram as tábuas, levaram a caneca e Battleship se <strong>de</strong>ci‑<br />
diu enfim a tirar os sapatos e ficar <strong>de</strong> pé no chão feito as<br />
meninas. Quando foi pra arregaçar as calças, teve pena,
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
amarfanhava tudo. Tirou as calças, ficou <strong>de</strong> cuecas <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> olhar o horizonte. Mas as arvoretas apagariam qual‑<br />
quer vista vinda do além e não tinha gente no horizonte,<br />
só um burro branco no longe, comendo capim. Foram<br />
dispondo tudo e Battleship <strong>de</strong>scobriu que lá pra <strong>de</strong>ntro do<br />
matinho o riacho se estreitava mais, lá era melhor. Leva‑<br />
ram então as tábuas pra um lugar muito propício, on<strong>de</strong><br />
elas ficaram <strong>de</strong> barranco a barranco, cinco centímetros<br />
fora d’água. Estava tudo alegre e a água era limpa na escu‑<br />
reza natural. O inglesinho sentia prazeres <strong>de</strong>liciados <strong>de</strong><br />
estar <strong>de</strong> pé no chão no frio. Vencera a repugnância e estava<br />
só se rindo. Trouxeram tudo pra ali e Battleship mandou<br />
Trombeta entrar n’água. Mas uma surpresa amarga o fez<br />
exclamar. Se esquecera <strong>de</strong> comprar sapatos pras meninas,<br />
e agora as meias estavam ali pra quê! <strong>de</strong>pois riu, ficavam<br />
<strong>de</strong>scalças mesmo essas porcas.<br />
Foi, sem cerimônia, <strong>de</strong>sabotoando o trapo <strong>de</strong> Trom‑<br />
beta nos botões que sobravam, e a menina ficou nua. Ela<br />
se ajuntou todinha ao contato do ar frio e Battleship, se<br />
rindo, borrifou um pouco <strong>de</strong> água no corpinho escuro,<br />
fizeram as pazes. Foi uma limpeza em regra. Aos poucos<br />
<strong>de</strong>saparecera <strong>de</strong> ambos a noção <strong>de</strong> alegria, era um tra‑<br />
balho; e o trabalho se fez com convicção. Só interrom‑<br />
peu a serieda<strong>de</strong>, o fato <strong>de</strong> chegar Balança, que ficou logo<br />
indignada com aquilo tudo e chamou Trombeta <strong>de</strong> sen‑<br />
vergonha. Trombeta não sentiu nada porque o adjetivo<br />
era comum entre elas, embora só no momento parecesse<br />
ter sentido. Mas Battleship falou que Balança se aprontas‑<br />
se, que ele a lavaria também. Balança gritou que não, que<br />
não, seu isto! – uma palavra muito feia. Sentou numa raiz<br />
e ficou olhando <strong>de</strong> soslaio 128 pros dois.<br />
Trombeta ia ficando aos poucos outra gente. Saíra<br />
<strong>de</strong>baixo da sujeira quase um anjo claro, anjo brasileiro,<br />
138
139<br />
A ficção<br />
é certo, <strong>de</strong> olhos e cabelos muito escuros, e um corpo<br />
copiado da mulataria na esbeltez. Mas, insexuada como<br />
os anjos, a sensação que Trombeta nos dava era a <strong>de</strong> grave<br />
segurança no pudor. Se ficava tão calmo, contemplando<br />
a menina, como <strong>de</strong>ve ser o sentimento <strong>de</strong> paz <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
uma guerra comprida.<br />
Assim Trombeta vinha saindo do riacho, esguia, quase<br />
um silvo, um silvo sim <strong>de</strong> cobra, eufônica 129 junto dos mil<br />
ruidinhos que a natureza estava chorando naquele mato<br />
da manhã. não se <strong>de</strong>stacava nem se impunha, pé <strong>de</strong> car‑<br />
rapicho, pé <strong>de</strong> flor sem nome, bonita feito folha que a chu‑<br />
va lavou.<br />
Battleship, esse estava feliz completamente, sentindo as<br />
forças matemáticas do arquiteto. Contemplou um bocado<br />
a menina toda entregue em se escon<strong>de</strong>r na roupa nova,<br />
mas tinha trabalho duro a completar. Se voltou, lançan‑<br />
do o braço:<br />
– Agora você, Balança.<br />
A menina, enroscada num tronco áspero como ela,<br />
estava espiando com <strong>de</strong>sprezo, <strong>de</strong> soslaio sempre, aquela<br />
no<strong>vida</strong><strong>de</strong> que saíra da companheira, e tinha, tinha o <strong>de</strong>se‑<br />
jo enorme daquelas fazendas que ninguém nunca usara.<br />
Mas que transportes a tomavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o instante em que<br />
enxergara Trombeta nua e Battleship <strong>de</strong> cuecas, ambos<br />
imensamente nus, se contagiando! E como se analisar?<br />
saber o que sentia?… Se o que sentia era um mundo tão<br />
novo, on<strong>de</strong> faltava nome ao mais mínimo afeto?… Balan‑<br />
ça? Balança estava medonha por <strong>de</strong>ntro, era medo, era<br />
<strong>de</strong>sejos, ciúmes, <strong>de</strong>speitos, era uma cólera hirsuta. 130 A<br />
mão <strong>de</strong> Battleship resvalou nela apenas. A menina <strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong> banda com uma <strong>de</strong>lícia <strong>de</strong> ritmos, e <strong>de</strong>sembestaram os<br />
dois matinho a<strong>de</strong>ntro, convertendo outra vez a existência<br />
num brinquedo marginal. O erro, talvez erro procurado,
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
foi Balança buscar o limpo pra correr. no matinho Bat‑<br />
tleship não alcançava ninguém. doíam ‑lhe os pés <strong>de</strong>sa‑<br />
costumados, se machucava muito, e a tristeza viria logo<br />
pousar no corpo do inglesinho algum gênero <strong>de</strong> lassi‑<br />
dão. 131 Mas Balança, alcançado o limite do mato, junto ao<br />
riacho, parou olhando pra trás. Battleship saiu bem mais<br />
pra cima, na vereda, <strong>de</strong>z passos além. Olhou <strong>de</strong> cuecas<br />
pro mundo, e era o mesmo <strong>de</strong>serto, só o burro ocupado<br />
com o seu capim. Arrancou na disparada, Balança hesi‑<br />
tou no rumo e estava presa. Então bateu. Battleship foi<br />
aguentando, cheio <strong>de</strong> boas <strong>de</strong>fesas, muito lor<strong>de</strong> no boxe,<br />
mas chegou a vez dum tapa que machucou. O branco não<br />
teve mais contemplação: com dois bofetes Balança parou<br />
chorando. Isso é que ele queria, sentiu prazer inesquecível,<br />
gosto <strong>de</strong> prolongar o sofrimento da vencida, foi ralhan‑<br />
do muito com ela, em inglês, chamando ela <strong>de</strong> “senver‑<br />
gonha” também, e outros nomes feios que escutara mais<br />
vezes por aí. E agora Balança nunca mais fugiria dos pul‑<br />
sos que a puxavam pro lugar do banho. Trombeta estava<br />
lá, toda <strong>de</strong> azul, se rindo. Mas foi só quando enxergou<br />
Trombeta que Balança compreen<strong>de</strong>u <strong>de</strong>finitivamente: o<br />
banho era impossível mesmo. Se <strong>de</strong>bateu <strong>de</strong> novo, Battle‑<br />
ship também era cabeçudo, e a briga <strong>de</strong> ambos tomou tais<br />
proporções, tanto ódio verda<strong>de</strong>iro, que não era fácil mais<br />
adivinhar quem venceria. E os gritos <strong>de</strong> Balança haviam<br />
<strong>de</strong> chamar alguém, pelo menos a velha. Mas o pickpocket<br />
sentia um verda<strong>de</strong>iro terror por qualquer ruído sem dis‑<br />
crição. <strong>de</strong> repente empurrou Balança pra longe, largou‑<br />
‑a, ela caiu na concha da vereda. Trombeta estava ficando<br />
enormemente séria por não compreen<strong>de</strong>r. Balança e Bat‑<br />
tleship arfavam, 132 imóveis, se olhando com lumes diabó‑<br />
licos do olhar. Houve um momento incompreensível pros<br />
três, até que o <strong>de</strong>slumbramento chegou.<br />
140
141<br />
A ficção<br />
Foi que, quando Battleship perguntou furioso porque<br />
ela não queria se lavar também, ficar linda, Balança, vai,<br />
recomeçando o choro, disse que estava com vergonha <strong>de</strong><br />
Trombeta. E foi o <strong>de</strong>slumbramento.<br />
– Eu viro, sua isto! <strong>de</strong>sferiu Trombeta logo, botando a<br />
língua pra legítima “senvergonha” que pusera o mal na<br />
roda.<br />
Balança também botou logo a língua, enquanto Trom‑<br />
beta lhe dava as costas mais que <strong>de</strong>pressa, pra não receber<br />
o insulto em cheio sobre o olhar. Insulto <strong>de</strong> botar a língua<br />
era dos mais fortes entre elas, mas só enquanto se enxer‑<br />
gava o gesto da outra. “Ahan” Balança fez, reforçando o<br />
insulto com som, pra Trombeta escutar. Tudo mecânico,<br />
sem nenhuma convicção. Os três estavam longe, em que<br />
mundos não sabiam, por <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>slumbrados.<br />
Mas Battleship imaginou que tudo era por causa das<br />
meninas estarem brigando, e alvitrou 133 que pois então<br />
Trombeta podia voltar pro rancho, fazer a comida da<br />
velha. Trombeta partiu num rompante, mexendo a bun‑<br />
dinha com raiva, nada curiosa, mas sofrendo a ingratidão<br />
do amigo, meio disfarçando a primeira lágrima feminina<br />
dos seus olhos. <strong>de</strong>ixara uma encabulação difícil nos dois<br />
sozinhos, o que era aquilo! eles pensaram sem nenhuma<br />
resposta do ser. Mas Battleship era menos completo, era<br />
homem:<br />
– Venha agora, Balança…<br />
murmurou com mansidão, por não suportar mais tempo<br />
o malestar, isto é, a imediatez do mal que estava ali. Então<br />
Balança veio e ficou nua.<br />
E para os olhos dos insetos se balouçando sobre as<br />
águas, nada eles puseram <strong>de</strong> mal nessa lavação. Apenas<br />
estavam muito sérios, e a alegria grátis, que nasce <strong>de</strong> si<br />
mesma, não dá nada e nada exige, essa <strong>de</strong>via andar por
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
outros seres, noutros riachos, talvez apenas nalgum mato<br />
sem ninguém. Battleship, primeiro sentado, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
cócoras na tábua, lavava sempre com vigor. A esponja<br />
procurava o corpo imóvel <strong>de</strong> Balança e se esmigalhava<br />
em jorros <strong>de</strong> água, enquanto aos poucos a sujeira se diluía<br />
listrando o corpo da menina em fios compridos. Os olhos<br />
<strong>de</strong>la fixavam atentos a vereda, temendo que Trombeta<br />
viesse. Battleship, imerso no trabalho, falava ralhos mei‑<br />
gos, <strong>de</strong> voz grave, que Trombeta era muito boazinha, que<br />
elas não <strong>de</strong>viam brigar tanto assim. Havia uma presen‑<br />
ça vermelha <strong>de</strong> Trombeta ali, uma presença insuportável.<br />
O corpo moreno <strong>de</strong> Balança emergia da limpeza parece<br />
que mais moreno, um ocre rutilante que as sombras do<br />
matinho acentuavam num quase negro, ao mesmo tem‑<br />
po que empali<strong>de</strong>ciam mais o branco violento do torso <strong>de</strong><br />
Battleship. E tudo pronto, <strong>de</strong>pois dum tempo longo que<br />
surpreen<strong>de</strong>u os dois pela curteza, quando o inglesinho<br />
quis levantar pra se rever na obra pronta, ele percebeu que,<br />
erguido, havia <strong>de</strong> mostrar pra menina a indiscrição agu‑<br />
da em que se achava e teve um imenso dó. Agarrou sem<br />
brinquedo Balança pelo corpo e pelas pernas, suspen<strong>de</strong>u ‑a<br />
no colo e assim pô<strong>de</strong> se erguer n’água. Balança principiou<br />
chorando miúdo no ombro <strong>de</strong>le, e, patinhando n’água,<br />
<strong>de</strong>pois no lamedo, e afinal marchando na terra firme, Bat‑<br />
tleship carregou a menina até a vereda, on<strong>de</strong> o vestido azul<br />
a esperava para disfarçar a virginda<strong>de</strong> que eles tinham<br />
perdido n’água.<br />
dizei, ôh periquitos do ar e piabas d’água, on<strong>de</strong> nos<br />
fica a virginda<strong>de</strong>!… nem Battleship, nem Trombeta, nem<br />
Balança tinham abandonado aquela integrida<strong>de</strong> físi‑<br />
ca que <strong>de</strong>ixa os seres tão sem <strong>de</strong>stino e pueris. Quanto<br />
a saber, sabiam <strong>de</strong> tudo. Balança, Trombeta e Battleship<br />
já eram sabidíssimos nesses caminhos da <strong>vida</strong>, nenhuma<br />
142
143<br />
A ficção<br />
hesitação teriam no cumprir o ato do amor. Se diria que<br />
a virginda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> nem do corpo nem das saben‑<br />
ças do espírito, mas da consciência <strong>de</strong> um erro gran<strong>de</strong> da<br />
natureza, <strong>de</strong> que somos todos vítimas… Trombeta, Balan‑<br />
ça bem que já podiam ter encontrado na várzea algum<br />
rapaz <strong>de</strong>storcido que as <strong>de</strong>rrubasse no chão. Sairiam do<br />
sangue zangadíssimas, chamando <strong>de</strong> “senvergonha”, disto<br />
e mais aquilo, o rapagão se rindo. Continuariam virginais.<br />
E o mesmo com o pickpocket que olhava uma mulher <strong>de</strong><br />
alto a baixo, distinguia as boas, comentava doenças, mas<br />
jamais não <strong>de</strong>ixara que uma <strong>de</strong>usa <strong>de</strong> Londres lhe guar‑<br />
dasse os <strong>de</strong>dos mais que o tempo <strong>de</strong> um chequen<strong>de</strong>s. 134 O<br />
beijo? porcaria.<br />
Pois com o espaço <strong>de</strong> um banho sério, ganha <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
ontem a noção agradável das companheiragens, ago‑<br />
ra aqueles três tinham como a antecipação dolorosa <strong>de</strong><br />
que a amiza<strong>de</strong> havia <strong>de</strong> ser terrível pra eles, <strong>de</strong>vido a ter<br />
a diferença <strong>de</strong> homens e mulheres neste mundo. não se<br />
compreendiam ainda, nem a ternura tivera espaço e expe‑<br />
riência pra aveludar aqueles três corações fechadinhos.<br />
Elas só o que tinham por enquanto era confiança no moço<br />
e batera em Battleship o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> prestígio e <strong>de</strong> apadri‑<br />
nhar, isso apenas.<br />
Mas Balança estragara tudo por causa do temperamen‑<br />
to mais inventivo. num ímpeto primaveril <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>,<br />
inventou a vergonha e sexuou todos. Eles não provinham<br />
mais nem do sal das águas nem do barro <strong>de</strong> <strong>de</strong>us: provi‑<br />
nham daquela vitória dos vivos que faz prevalecer, sobre<br />
o <strong>de</strong>stino perverso das diferenças, o instinto da felicida<strong>de</strong>.<br />
E eles só viram então o presente, mui dourado e irregular,<br />
por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>dicação exclusivista, aí está. Trom‑<br />
beta lá na panela mexendo, não escutava mesmo nada os<br />
ralhos da velha, <strong>de</strong>slumbrada. Balança no riacho limpa,
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
enxergara sequer no espaço alguma libélula prateando,<br />
<strong>de</strong>slumbrada. Battleship, surpreso, ignorava se a limpeza<br />
fora total na menina. Se sentiam todos três jogados num<br />
turbilhão <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sinfelizes todos os três, com<br />
uma pressa in<strong>de</strong>stinada, muito inculta, muito grosseira,<br />
agora que estavam tão <strong>de</strong>licados por <strong>de</strong>ntro, <strong>de</strong>licadíssi‑<br />
mos, só capazes <strong>de</strong> acarinhar. E assim um riacho <strong>de</strong> chuva<br />
levou a virginda<strong>de</strong> dos três.<br />
144
III. O poeta por ele mesmo
Eu sou trezentos… *<br />
(7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1929)<br />
Eu sou trezentos, sou trezentos ‑e ‑cinquenta,<br />
As sensações renascem <strong>de</strong> si mesmas sem repouso,<br />
Ôh espelhos, ôh Pireneus! ôh caiçaras!<br />
Se um <strong>de</strong>us morrer, irei no Piauí buscar outro!<br />
Abraço no meu leito as melhores palavras,<br />
E os suspiros que dou são violinos alheios;<br />
Eu piso a terra como quem <strong>de</strong>scobre a furto<br />
nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios<br />
[beijos!<br />
Eu sou trezentos, sou trezentos ‑e ‑cinquenta,<br />
Mas um dia afinal me encontrarei comigo…<br />
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,<br />
Só o esquecimento é que con<strong>de</strong>nsa,<br />
E então <strong>minha</strong> alma servirá <strong>de</strong> abrigo.<br />
* Poema publicado em Remate <strong>de</strong> males, 1930 e em Poesias, 1941.<br />
147
notas/Glossário<br />
1. “On<strong>de</strong> até na força do verão havia tempesta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ventos e<br />
frios <strong>de</strong> cru<strong>de</strong>líssimo inverno” Fr. Luís <strong>de</strong> Sousa: fragmento<br />
<strong>de</strong>stacado do capítulo V, da Vida <strong>de</strong> Arcebispo, obra <strong>de</strong><br />
Frei Luís <strong>de</strong> Sousa, cronista português (1555 ‑1632), consi<strong>de</strong>‑<br />
rado um dos maiores escritores <strong>de</strong> língua portuguesa. na<br />
carta a Fernando Sabino, em 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1942, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> inclui esse título entre as leituras fundamentais<br />
para a formação do intelectual.<br />
2. Arys: o texto, ao incorporar marca <strong>de</strong> perfume feminino<br />
do gosto da elite, aten<strong>de</strong> à literatura <strong>de</strong> circunstância no<br />
projeto literário do mo<strong>de</strong>rnista. Eis o anúncio na revista<br />
A Cigarra: “Un JOUR VIEndRA/ Perfume d’Arys o mais<br />
luxuoso/ adoptado pelas pessoas elegantes/ o mais capti‑<br />
vante e penetrante./ […] ARYS, 3, rue <strong>de</strong> la Paix, Paris –<br />
em todas as perfumarias” (a. 6, no 125. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 1o <strong>de</strong>z.<br />
1919, p. 4).<br />
3. Trianon: restaurante e confeitaria frequentado pela alta<br />
burguesia e pela intelectualida<strong>de</strong> paulistana, no início do<br />
<strong>de</strong>cênio <strong>de</strong> 1920; local <strong>de</strong> banquetes <strong>de</strong> homenagem e <strong>de</strong><br />
encontros amorosos furtivos. no banquete oferecido a<br />
Menotti <strong>de</strong>l Picchia, em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1921, Oswald <strong>de</strong><br />
149
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> ali discursou lançando o mo<strong>de</strong>rnismo. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> focalizou o acontecimento, em março <strong>de</strong> 1921, em<br />
sua crônica “<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>”, na série homônima na revista<br />
carioca Ilustração Brasileira.<br />
4. Galicismo: francesismo.<br />
5. Pálio vesperal: céu róseo, protegendo a cida<strong>de</strong> como um<br />
guarda ‑sol litúrgico, no fim do dia.<br />
6. Presi<strong>de</strong>nte: na República Velha, os governadores dos esta‑<br />
dos eram <strong>de</strong>nominados presi<strong>de</strong>ntes.<br />
7. Borbas ‑Gatos: referência aos ban<strong>de</strong>irantes paulistas do<br />
século XVII; metáfora a partir do nome Manoel <strong>de</strong> Borba<br />
Gato, integrante da gran<strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ira chefiada por Fernão<br />
dias Paes Leme em busca <strong>de</strong> esmeraldas.<br />
8. Esperiamente: neologismo que alu<strong>de</strong> ao Canottieri Espé‑<br />
ria, o mais antigo clube <strong>de</strong> remo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
fundado por italianos em 1899, para ironizar a i<strong>de</strong>alização<br />
dos ban<strong>de</strong>irantes.<br />
9. Monções: ban<strong>de</strong>iras que seguiam pelos rios nas capitanias<br />
<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e Mato Grosso, nos séculos XVII e XVIII.<br />
10. Ritmos <strong>de</strong> Brecheret: metáfora vinculada ao Monumento às<br />
ban<strong>de</strong>iras do escultor Victor Brecheret (1894 ‑1955), parti‑<br />
cipante do grupo mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
11. Turmalinas: pedra ver<strong>de</strong>, metáfora <strong>de</strong> um tempo sem<br />
grandiosida<strong>de</strong>, utilizando o engano do ban<strong>de</strong>irante Fer‑<br />
não dias Paes Leme, que morre <strong>de</strong>sconhecendo que as<br />
esmeraldas, por ele <strong>de</strong>scobertas, eram turmalinas sem<br />
valor. O poema <strong>de</strong> Olavo Bilac “O Caçador <strong>de</strong> Esmeral‑<br />
das” cria o <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong>sse ban<strong>de</strong>irante.<br />
12. Quina Migone: anúncio <strong>de</strong> tônico capilar, refletido no rio.<br />
no último poema <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>, em 1945, “A meditação sobre o<br />
Tietê”, em 1945, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> retorna espelhada no rio.<br />
13. Hat Stores: anúncio da chapelaria <strong>de</strong> Serafino Chiodi, à<br />
Rua direita, no centro da cida<strong>de</strong>, espelhado no Tietê.<br />
150
14. Alacrida<strong>de</strong>: alegria, vivacida<strong>de</strong>.<br />
151<br />
notas/glossário<br />
15. Burguês ‑níquel: exemplo do uso <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> substantivos,<br />
ao invés <strong>de</strong> adjetivos, nas injúrias en<strong>de</strong>reçadas ao burguês.<br />
O poeta assimila, assim, o Manifesto técnico da literatura<br />
futurista.<br />
16. Printemps: a Canção sem palavras em lá maior para piano,<br />
op. 62, nº 6, <strong>de</strong> Felix Men<strong>de</strong>lssohn ‑Bartholdy (1809 ‑1847),<br />
conhecida como Canção da primavera ou Chanson <strong>de</strong><br />
Printemps. Peça do repertório dos estudos <strong>de</strong> piano das<br />
moças da burguesia paulistana.<br />
17. Tílburi: carro <strong>de</strong> duas rodas e dois assentos (condutor e<br />
passageiro), sem boleia, com capota, puxado por um só<br />
cavalo.<br />
18. Padaria Suíça: naquela época, estabelecimento bastante<br />
conceituado, à rua Formosa.<br />
19. Central: <strong>de</strong>legacia da Polícia, no Pátio do Colégio.<br />
20. Giolhos: joelhos, no português antigo.<br />
21. Confiteor: parte da missa <strong>de</strong>stinada à confissão.<br />
22. Paulistano: time <strong>de</strong> futebol do Clube Atlético Paulistano,<br />
fundado em 1900.<br />
23. Frie<strong>de</strong>nreich: Arthur Frie<strong>de</strong>nreich (1892 ‑1969), consi<strong>de</strong>‑<br />
rado pela crítica esportiva um dos maiores centroavantes<br />
do Brasil, pertenceu a vários times <strong>de</strong> futebol; entre eles o<br />
Paulistano.<br />
24. Gostar <strong>de</strong> Bianco? Adoro. Qual Bartô…/ E o meu xará<br />
maravilhoso!…: na década <strong>de</strong> 1920, além <strong>de</strong> Frie<strong>de</strong>nreich,<br />
Bianco, Bartô e <strong>Mário</strong> Andrada eram os craques do fute‑<br />
bol paulista.<br />
25. Corso: programa da burguesia paulistana que se exibia<br />
<strong>de</strong>sfilando em seus automóveis; propiciava namoros.<br />
26. Bertini: Francesca Bertini (1892‑1985), gran<strong>de</strong> atriz do<br />
cinema mudo italiano.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
27. Tom Mix: (1880 ‑1940) o mais famoso caubói do cinema<br />
norte ‑americano.<br />
28. As romas <strong>de</strong> Petrônio: referência ao filme italiano Quo<br />
vadis, sucesso mundial do cinema mudo que, em 1913,<br />
recria o romance homônimo do escritor polonês H. Sien‑<br />
kiewicz (1846 ‑1916). dirigido por Enrico Guazzoni é tal‑<br />
vez o primeiro longa ‑metragem conhecido. na ação que<br />
se passa em Roma, no século I d.C., durante a resistência<br />
dos cristãos à perseguição mo<strong>vida</strong> por nero, <strong>de</strong>staca ‑se o<br />
personagem Petrônio, patrício romano e conselheiro do<br />
imperador, vivido pelo ator Gustavo Serena.<br />
29. Bicho <strong>de</strong> mármore parido no Salon…: referência a escultura<br />
exibida no Salon d’Autonne, em Paris.<br />
30. “– Meu pai foi rei!/ – Foi. – Não foi. – Foi. – Não foi.”: apro‑<br />
priação dos versos 30 ‑31 do poema <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira<br />
“Os sapos”, lido na Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna, em feve‑<br />
reiro <strong>de</strong> 1922.<br />
31. Encanecido: embranquecido.<br />
32. Palimpsesto: papiro ou pergaminho cujo texto primitivo<br />
foi raspado, para dar lugar a outro.<br />
33. Écloga: referência aos poemas pastorais escritos pelo<br />
romano Virgílio (70 ‑19 a.C.).<br />
34. Luzes do Cambuci pelas noites <strong>de</strong> crime…: no bairro do<br />
Cambuci, localizava ‑se o presídio, inaugurado em 1922;<br />
<strong>de</strong>molido na Revolução <strong>de</strong> 1930.<br />
35. Heliotrópios: flores da baunilha ‑<strong>de</strong> ‑jardins.<br />
36. – Batat’assat’ô furnn!…: pregão do ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> batata‑<br />
‑doce assada, nas ruas paulistanas.<br />
37. Lassitu<strong>de</strong>s: moleza, langui<strong>de</strong>z.<br />
38. Balcões na cautela latejante, on<strong>de</strong> florem Iracemas/ para<br />
os encontros dos guerreiros brancos…: alusão a persona‑<br />
gens do romance Iracema, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar (1829 ‑1877).<br />
152
153<br />
notas/glossário<br />
39. Girândolas: fogos <strong>de</strong> artifício queimados em roda <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira.<br />
40. Esgalga: longa e esbelta.<br />
41. Chávena: xícara.<br />
42. Lady Macbeth: personagem da peça Macbeth <strong>de</strong> William<br />
Shakespeare (1564 ‑1616).<br />
43. Poe: Edgar Allan Poe (1809 ‑1849), poeta norte ‑americano,<br />
ficcionista e teórico da literatura.<br />
44. Never more!: “nunca mais!”, no refrão do poema <strong>de</strong> Edgar<br />
Allan Poe “The Raven” (“O corvo”).<br />
45. Emílio <strong>de</strong> Menezes insultou a memória do meu Poe…: crí‑<br />
tica à paráfrase do poema <strong>de</strong> Edgar Allan Poe, “O corvo”,<br />
feita, em 1917, pelo poeta parnasiano brasileiro Emílio <strong>de</strong><br />
Menezes (1866 ‑1918), em Últimas rimas.<br />
46. Barregã: prostituta.<br />
47. Mirra: essência vegetal usada para embalsamar mortos.<br />
48. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> Railway: “The <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>’s Railway Company<br />
Ltd”: empreendimento ferroviário formado em 1848 pelo<br />
Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mauá e seus sócios ingleses. Inaugurado em<br />
1867, representou progresso para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
49. Cincinato Braga: (1864 ‑1953), político e economista;<br />
<strong>de</strong>stacou ‑se no Partido Republicano Paulista – PRP.<br />
50. Peã: canto <strong>de</strong> celebração pública entre os gregos da<br />
Antiguida<strong>de</strong>.<br />
51. Estátua <strong>de</strong> Verdi: escultura <strong>de</strong> Ama<strong>de</strong>o Zani (1869 ‑1944),<br />
no vale do Anhangabaú; presente da colônia italiana à<br />
cida<strong>de</strong>, em 1921.<br />
52. Ramos <strong>de</strong> Azevedo: Francisco <strong>de</strong> Paula Ramos <strong>de</strong> Azevedo<br />
(1851 ‑1928) arquiteto e engenheiro; responsabilizou ‑se por<br />
diversas obras na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
53. Assunção <strong>de</strong> Murilo: quadro do pintor espanhol Bartolomé<br />
Estebán Murillo (1617 ‑1682).
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
54. Roupa ‑branca é <strong>de</strong> morim.: roupa <strong>de</strong> baixo <strong>de</strong> algodão<br />
barato.<br />
55. Taperá: andorinha.<br />
56. Caçaremas: formigas dos cacaueiros.<br />
57. Se boia: come ‑se.<br />
58. Esplanada: hotel requintado, muito concorrido, sito atrás<br />
do Teatro Municipal.<br />
59. Quem tem certeza do amanhã!/ Lourenço <strong>de</strong> Medicis?…: o<br />
poeta se apropria do verso famoso “Di doman non c’è cer‑<br />
tezza” <strong>de</strong> Lorenzo <strong>de</strong> Medicis (1449 ‑1492), poeta e estadista<br />
do Renascimento.<br />
60. Maniva: mandioca brava.<br />
61. Acerba: áspera.<br />
62. Martinelli: o segundo arranha ‑céu em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, cons‑<br />
truído em 1928; o primeiro, o Sampaio Moreira, é <strong>de</strong> 1924.<br />
63. Madame la Françoise: possível referência à leitura das<br />
memórias <strong>de</strong> Françoise Athenaïs, Marquesa <strong>de</strong> Montes‑<br />
pan (1641 ‑1707).<br />
64. Ega: João da Ega, personagem <strong>de</strong> Os Maias, do romancista<br />
português Eça <strong>de</strong> Queirós (1845 ‑1900).<br />
65. Aquiles: herói da mitologia grega, participante da guerra<br />
<strong>de</strong> Troia.<br />
66. Cibo: sustento.<br />
67. Avena: flauta.<br />
68. Dolo: trapaça.<br />
69. Gasogênio: aparelho usado nos automóveis durante a<br />
Segunda Guerra Mundial; produzia um substituto da<br />
gasolina, um gás resultante da combustão incompleta do<br />
carvão vegetal.<br />
70. Eixo: aliança da Alemanha nazista com a Itália fascista e o<br />
Império do Japão na Segunda Guerra Mundial.<br />
71. Lights, Tramas, Corporation: trocadilho visando a <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong> Tramway Light and Power Company, companhia<br />
154
155<br />
notas/glossário<br />
cana<strong>de</strong>nse responsável pelos bon<strong>de</strong>s e pelos serviços <strong>de</strong><br />
geração e distribuição <strong>de</strong> energia elétrica no município <strong>de</strong><br />
<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
72. Relambória: sem graça, inexpressiva.<br />
73. Ôh espelhos, Pireneus, caiçaras insistentes,: retomada do<br />
verso 3 do poema “Eu sou trezentos…” <strong>de</strong> Remate <strong>de</strong> males.<br />
74. Lopes Chaves: político paulista, Joaquim Lopes Chaves<br />
(1833 ‑1909), <strong>de</strong>stacou ‑se no Império e na República.<br />
75. Caxingam: coxeiam, mancam.<br />
76. Abjetas: <strong>de</strong>sprezíveis, ignóbeis.<br />
77. Antíteses: figura <strong>de</strong> linguagem que <strong>de</strong>marca junção <strong>de</strong><br />
oposições.<br />
78. Inerme: in<strong>de</strong>feso.<br />
79. Línguas: intérpretes, tradutores.<br />
80. Chantre: diretor eclesiástico dos coros em igrejas e capelas.<br />
81. Celso nihil estate varíolas gi<strong>de</strong> memoriam,/ Calípe<strong>de</strong>s flo‑<br />
gísticos: latim inventado, estapafúrdio, satírico.<br />
82. Confraria Brasiliense: por Livraria Brasiliense, ponto <strong>de</strong><br />
encontro <strong>de</strong> intelectuais em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>; trocadilho.<br />
83. Clima: revista cultural paulistana (1941 ‑1944).<br />
84. Anticéptico: que nega a dú<strong>vida</strong>.<br />
85. Malvasia: tipo <strong>de</strong> uva e <strong>de</strong> vinho <strong>de</strong> sabor doce.<br />
86. Jocoso: engraçado, divertido.<br />
87. Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto/ Esperto Ciu‑<br />
mento Peripatético e Ceci/ E Tancredo e Afrodísio e também<br />
Armida/ E o próprio Pedro e também Alcibía<strong>de</strong>s: enumera‑<br />
ção tomando personagens da história e da literatura.<br />
88. Perrepismo: posição política reacionária ligada ao Partido<br />
Republicano Paulista (PRP).<br />
89. Pundhonor: ponto <strong>de</strong> honra.<br />
90. Augúrios: presságios.<br />
91. Estulta: estúpida.<br />
92. Plutocratas: os ricos.
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
93. O amor do amor, Maria!: o poeta alu<strong>de</strong> ao próprio lirismo<br />
amoroso, em “Tempo da Maria”, parte <strong>de</strong> seu livro Remate<br />
<strong>de</strong> males (1930).<br />
94. Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça elevada,<br />
escolhido/ Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu<br />
outro sinal.: referido, pelo poeta, o seu “Rito do irmão<br />
pequeno” (1931).<br />
95. Desque me fiz poeta e fui trezentos: o poeta refere ‑se ao seu<br />
poema “Eu sou trezentos…”.<br />
96. Rilke: Rainer Maria Rilke (1875 ‑1926), poeta da língua<br />
alemã.<br />
97. Nhato: pessoa com o maxilar inferior proeminente,<br />
queixudo.<br />
98. Piri <strong>de</strong> beira ‑rio: matinho em terreno pantanoso.<br />
99. Sorumbático: triste.<br />
100. Dias <strong>de</strong>pois do meu aniversário: <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> nascera<br />
em 9 <strong>de</strong> outubro, 1893.<br />
101. Nem bem dona República fez anos: alusão a 15 <strong>de</strong> novem‑<br />
bro, Proclamação da República.<br />
102. Mapinguim: fumo muito apreciado, produzido no Sul e no<br />
Su<strong>de</strong>ste; em Minas Gerais, principalmente.<br />
103. Dona Mariquinha: apelido da mãe <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
Maria Luísa <strong>de</strong> Moraes Andra<strong>de</strong>.<br />
104. Tutti quanti: expressão do idioma italiano, adotada em <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong>: todos, várias pessoas.<br />
105. Turumbamba macota: gran<strong>de</strong> tumulto, confusão.<br />
106. Se comoveu num hausto forte: encheu o peito, tomou<br />
fôlego.<br />
107. Envilecido: humilhado.<br />
108. Fremente: vibrante, entusiasmado.<br />
109. Modorrento: sonolento, amolecido.<br />
110. Semostra<strong>de</strong>iro: exibido.<br />
111. Opresso: oprimido.<br />
156
157<br />
notas/glossário<br />
112. Cabeças ‑chatas: apelido pejorativo dado aos nor<strong>de</strong>stinos.<br />
113. Farrancho: grupo que se dirige a uma festa.<br />
114. Pickpocket: no inglês, batedor <strong>de</strong> carteiras, ladrão.<br />
115. Steward: mordomo.<br />
116. Speackenglish: pessoa que fala a língua inglesa.<br />
117. Mucudos: que têm muque, musculosos.<br />
118. Camarões: bon<strong>de</strong>s fechados, gíria.<br />
119. Efebo: jovem.<br />
120. Álgido: gélido.<br />
121. Aquó: sem ação.<br />
122. Jungla: selva, <strong>de</strong> jungle, no inglês.<br />
123. Encarangada: com dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> andar.<br />
124. Mosqueiros: moradias pobres.<br />
125. Cottage: casa <strong>de</strong> campo inglesa.<br />
126. Insofismável: indiscutível.<br />
127. Ilações: relações.<br />
128. De soslaio: <strong>de</strong> esguelha, obliquamente.<br />
129. Eufônica: harmoniosa.<br />
130. Hirsuta: áspera.<br />
131. Lassidão: tédio, esgotamento.<br />
132. Arfavam: ofegavam.<br />
133. Alvitrou: julgou.<br />
134. Chequen<strong>de</strong>s: aperto <strong>de</strong> mão; shakehands, no inglês.
Bibliografia<br />
AndRAdE, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong>. Balança, Trombeta e Battleship ou o<br />
<strong>de</strong>scobrimento da alma. Edição genética e crítica <strong>de</strong> Telê<br />
Ancona Lopez. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Instituto Moreira Salles/ Insti‑<br />
tuto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros, 1994.<br />
. Clã do jabuti. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Ed. do autor no Estabeleci‑<br />
mento Gráfico <strong>de</strong> Eugenio Cupolo, 1927.<br />
. Os contos <strong>de</strong> Belazarte. 1ª ed., <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Editora Pira‑<br />
tininga, 1934; 2ª ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Americ ‑Edit, 1944;<br />
nova ed.: estabelecimento do texto: Aline nogueira Mar‑<br />
ques. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 2008.<br />
. Contos novos. Estabelecimento do texto: Hugo<br />
Camargo Rocha e Aline nogueira Marques. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: nova Fronteira, 2011.<br />
. Lira paulistana seguida <strong>de</strong> O carro da Miséria. <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong>: Livraria Martins Editora, [1946].<br />
. Losango cáqui ou afetos militares <strong>de</strong> mistura com os<br />
porquês <strong>de</strong> eu saber alemão. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Ed. do autor na<br />
Casa Editora A. Tisi, 1926.<br />
. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 1ª ed., <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong>: Ed. do autor no Estabelecimento Gráfico <strong>de</strong> Euge‑<br />
nio Cupolo, 1928; 2ª ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria José<br />
159
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Olympio Editora, 1937; nova ed.: estabelecimento <strong>de</strong> texto:<br />
Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Agir, 2008.<br />
. Pauliceia <strong>de</strong>svairada. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Ed. do autor na grá‑<br />
fica da Casa Mayença, 1922.<br />
. Poesias. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Ed. do autor na Livraria Martins<br />
Editora, 1941.<br />
. Poesias completas. Edição crítica <strong>de</strong> diléa Zanotto<br />
Manfio. Belo Horizonte/ <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Itatiaia/ Edusp, 1987.<br />
. Poesias completas. Estabelecimento <strong>de</strong> texto, intro‑<br />
dução e notas: Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona<br />
Lopez. Rio <strong>de</strong> Janeiro: nova Fronteira, 2012 (no prelo).<br />
. Remate <strong>de</strong> males. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Ed. do autor no Estabe‑<br />
lecimento Gráfico <strong>de</strong> Eugenio Cupolo, 1930.<br />
BOAVEnTURA, Maria Eugenia (Org.). 22 x 22: a Semana <strong>de</strong><br />
Arte Mo<strong>de</strong>rna vista pelos seus contemporâneos. <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong>: Edusp, 2001.<br />
160
En<strong>de</strong>reços úteis<br />
Além dos pontos <strong>de</strong> distribuição da Coleção <strong>de</strong> Mão<br />
Em Mão, conheça também as unida<strong>de</strong>s do Sistema Muni‑<br />
cipal <strong>de</strong> Bibliotecas, on<strong>de</strong> é possível consultar e emprestar<br />
livros e outros materiais, bem como usufruir <strong>de</strong> ampla<br />
programação cultural.<br />
Para efetuar empréstimo em uma das unida<strong>de</strong>s, basta<br />
se inscrever e obter seu cartão <strong>de</strong> leitor, levando documen‑<br />
to <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e comprovante <strong>de</strong> residência. Seu cartão<br />
do leitor valerá para todas as bibliotecas do Sistema. Con‑<br />
fira o regulamento <strong>de</strong> empréstimo no site ou em uma das<br />
unida<strong>de</strong>s.<br />
Para consultar o acervo disponível em cada biblioteca,<br />
a programação cultural e outras informações, acesse o site<br />
www.bibliotecas.sp.gov.br.<br />
Toda a programação do Sistema Municipal <strong>de</strong> Biblio‑<br />
tecas é gratuita.<br />
A seguir estão listados en<strong>de</strong>reços <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s vincula‑<br />
das à Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura.<br />
161
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Bibliotecas públicas <strong>de</strong>scentralizadas<br />
Ao todo, são 52 bibliotecas espalhadas pelos bairros<br />
da cida<strong>de</strong>. Oito <strong>de</strong>las fazem parte do projeto Bibliotecas<br />
Temáticas, que oferece acervo e ati<strong>vida</strong><strong>de</strong>s específicas nas<br />
suas áreas <strong>de</strong> atuação.<br />
A<strong>de</strong>lpha Figueiredo<br />
Pça. Ilo Ottani, 146, Canindé, tel.: 2292 ‑3439<br />
Afonso Taunay<br />
R. Taquari, 549, Mooca, tel.: 2292 ‑5126<br />
Afonso Schmidt<br />
Av. Elisio Teixeira Leite, 1470, Cruz das Almas, tel.: 3975 ‑2305<br />
Alceu Amoroso Lima – Temática em poesia<br />
Av. Henrique Schaumann, 777, Pinheiros, tels.: 3082 ‑5023 /<br />
3081 ‑6092<br />
Álvares <strong>de</strong> Azevedo<br />
Pça. Joaquim José da nova, s/n, V. Maria, tel.: 2954 ‑2813<br />
Álvaro Guerra<br />
Av. Pedroso <strong>de</strong> Moraes, 1919, Pinheiros, tel.: 3031 ‑7784<br />
Ama<strong>de</strong>u Amaral<br />
R. José C. Castro, s/n, Jd. da Saú<strong>de</strong>, tel.: 5061 ‑3320<br />
Anne Frank<br />
R. Cojuba, 45, Itaim Bibi, tel.: 3078 ‑6352<br />
Arnaldo Magalhães Giácomo, Prof.<br />
R. Restinga, 136, Tatuapé, tel.: 2295 ‑0785<br />
Aureliano Leite<br />
R. Otto Schubart, 196, Pq. <strong>São</strong> Lucas, tel.: 2211 ‑7716<br />
Belmonte – Temática em cultura popular<br />
R. <strong>Paulo</strong> Eiró, 525, Santo Amaro, tels.: 5687 ‑0408 / 5691 ‑0433<br />
Brito Broca<br />
Av. Mutinga, 1425, Pirituba, tels.: 3904 ‑1444 / 3904 ‑2476<br />
162
Camila Cerqueira César<br />
R. Wal<strong>de</strong>mar Sanches, 41, Butantã, tel.: 3731 ‑5210<br />
Cassiano Ricardo – Temática em música<br />
Av. Celso Garcia, 4200, Tatuapé, tel.: 2092 ‑4570<br />
Castro Alves<br />
R. Abrahão Mussa, s/n, Jd. Patente, tel.: 2946 ‑4562<br />
Clarice Lispector<br />
R. Jaricunas, 458, Siciliano, tel.: 3672 ‑1423<br />
163<br />
en<strong>de</strong>reços úteis<br />
Cora Coralina<br />
R. Otelo Augusto Ribeiro, 113, Guaianases, tel.: 2557 ‑8004<br />
Érico Veríssimo<br />
R. diógenes dourado, 101, Parada <strong>de</strong> Taipas, tel.: 3972 ‑0450<br />
Gilberto Freyre<br />
R. José Joaquim, 290, Sapopemba, tel.: 2143 ‑1811<br />
Hans Christian An<strong>de</strong>rsen – Temática em contos <strong>de</strong> fadas<br />
Av. Celso Garcia, 4142, Tatuapé, tel.: 2295 ‑3447<br />
Helena Silveira<br />
R. João Batista Reimão, 146, Campo Limpo, tel.: 5841 ‑1259<br />
Jamil Almansur Haddad<br />
R. An<strong>de</strong>s, 491 ‑A, Guaianases, tel.: 2557 ‑0067<br />
José <strong>de</strong> Anchieta, Pe.<br />
R. Antonio Maia, 651, Perus, tel.: 3917 ‑0751<br />
José Mauro <strong>de</strong> Vasconcelos<br />
Pça. Com. Eduardo Oliveira, 100, Pq. Edu Chaves,<br />
tels.: 2242 ‑8196 / 2242 ‑1072<br />
José <strong>Paulo</strong> Paes<br />
Lgo. do Rosário, 20, Penha, tels.: 2295 ‑9624 / 2295 ‑0401<br />
Jovina Rocha Álvares Pessoa<br />
Av. Pe. Francisco <strong>de</strong> Toledo, 331, Itaquera, tels.: 2741 ‑7371 /<br />
2741 ‑0371<br />
Lenira Fraccaroli<br />
Pça. Haroldo daltro, 451, Vila Manchester, tel.: 2295 ‑2295
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Malba Tahan<br />
R. Brás Pires Meira, 100, Veleiros, tel.: 5523 ‑4556<br />
Marcos Rey<br />
Av. Anacê, 92, Jardim Umarizal, tel.: 5845 ‑2572<br />
<strong>Mário</strong> Schenberg – Temática em ciências<br />
R. Catão, 611, Lapa, tel.: 3672 ‑0456<br />
Menotti Del Picchia<br />
R. <strong>São</strong> Romualdo, 382, Limão, tels.: 3966 ‑4814 / 3956 ‑5070<br />
Milton Santos<br />
Av. Aricanduva, 5777, Jardim Aricanduva, tel.: 2726 ‑4882<br />
Narbal Fontes<br />
R. Cons. Moreira <strong>de</strong> Barros, 170, Santana, tel.: 2973 ‑4461<br />
Nuto Sant’Anna<br />
Pça. Tenório Aguiar, 32, Santana, tel.: 2973 ‑0072<br />
<strong>Paulo</strong> Duarte<br />
R. Arsênio Tavollieri, 45, Jabaquara, tels.: 5011 ‑8819 / 5011 ‑7445<br />
<strong>Paulo</strong> Sérgio Milliet<br />
Pça. Ituzaingó, s/n, Tatuapé, tel.: 2671 ‑4974<br />
<strong>Paulo</strong> Setúbal<br />
Av. Renata, 163, Vila Formosa, tels.: 2211 ‑1508 / 2211 ‑1507<br />
Pedro Nava<br />
Av. Eng. Caetano álvares, 5903, Mandaqui, tels.: 2973 ‑7293 /<br />
2950 ‑3598<br />
Prestes Maia, Pref. (fechada para reforma, retomará as ati<strong>vida</strong>‑<br />
<strong>de</strong>s no 2º semestre <strong>de</strong> 2012)<br />
Av. João dias, 822, Santo Amaro, tel.: 5687 ‑0513<br />
Raimundo <strong>de</strong> Menezes<br />
Av. nor<strong>de</strong>stina, 780, <strong>São</strong> Miguel Paulista, tel.: 2297 ‑4053<br />
Raul Bopp – Temática em meio ambiente<br />
R. Muniz <strong>de</strong> Sousa, 1155, Aclimação, tel.: 3208 ‑1895<br />
Ricardo Ramos<br />
Pça. Centenário <strong>de</strong> Vila Pru<strong>de</strong>nte, 25, Vila Pru<strong>de</strong>nte, tel.:<br />
2273 ‑4860<br />
164
Roberto Santos – Temática em cinema<br />
165<br />
en<strong>de</strong>reços úteis<br />
R. Cisplatina, 505, Ipiranga, tels.: 2273 ‑2390 / 2063 ‑0901<br />
Rubens Borba <strong>de</strong> Moraes<br />
R. Sampei Sato, 440, Ermelino Matarazzo, tel.: 2943 ‑5255<br />
Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda<br />
R. Augusto C. Baumman, 564, Itaquera, tel.: 2205 ‑7406<br />
Sylvia Orthof<br />
Av. Tucuruvi, 808, Tucuruvi, tels.: 2981 ‑6264 / 2981 ‑6263<br />
Thales Castanho <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
R. dr. Artur Fajardo, 447, Freguesia do Ó, tel.: 3975 ‑7439<br />
Vicente <strong>de</strong> Carvalho<br />
R. Guilherme Valência, 210, Itaquera, tel.: 2521 ‑0553<br />
Vicente <strong>Paulo</strong> Guimarães<br />
R. Jaguar, 225, V. Curuçá, tels.: 2035 ‑5322 / 2034 ‑0646<br />
Vinicius <strong>de</strong> Moraes<br />
Av. Jardim Tamoio, 1119, Itaquera, tel.: 2521 ‑6914<br />
Viriato Corrêa – Temática em literatura fantástica<br />
R. Sena Madureira, 298, V. Mariana, tels.: 5573 ‑4017 / 5574 ‑0389<br />
Bibliotecas centrais<br />
Tradicional instituição do país, a Biblioteca <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> possui acervo expressivo com <strong>de</strong>staque para as<br />
coleções <strong>de</strong> artes, mapas, periódicos, obras raras e acervo<br />
da OnU.<br />
Já a Biblioteca Infanto ‑Juvenil Monteiro Lobato reú‑<br />
ne significativo acervo <strong>de</strong> literatura brasileira, infantil e<br />
juvenil, acervo bibliográfico e museológico sobre Montei‑<br />
ro Lobato <strong>de</strong> textos teatrais.<br />
<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Av. <strong>São</strong> Luis, 235, República, tel. 3256 ‑5270
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Monteiro Lobato<br />
R. Gal. Jardim, 485, V. Buarque, tel.: 3256 ‑4038<br />
Bibliotecas do Centro Cultural <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
Abrigam um dos mais significativos patrimônios<br />
bibliográficos do país.<br />
na Biblioteca Sérgio Milliet <strong>de</strong>stacam‑se obras nas<br />
áreas <strong>de</strong> literatura latino‑americana, filosofia, religião,<br />
ciências sociais e história. Possui seções especializadas<br />
em artes, hemeroteca, recursos audiovisuais e banco <strong>de</strong><br />
peças teatrais.<br />
A Biblioteca Louis Braille, planejada e equipada para<br />
aten<strong>de</strong>r a pessoas com <strong>de</strong>ficiência visual, possui acervo<br />
em braile e áudio.<br />
A Gibiteca Henfil tem mais <strong>de</strong> 8 mil títulos entre qua‑<br />
drinhos, fanzines, periódicos e livros sobre histórias em<br />
quadrinhos.<br />
A discoteca Oneyda Alvarenga possui acervo especia‑<br />
lizado em música erudita e popular, nacional e estrangei‑<br />
ra, constituído por livros, partituras, discos <strong>de</strong> 33 e 78 rpm<br />
e Cds.<br />
Centro Cultural <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
R. Vergueiro, 1000, Paraíso<br />
Biblioteca Sérgio Milliet – tels.: 3397 ‑4003 / 3397 ‑4074 / 3397 ‑4075<br />
Biblioteca Louis Braille – tel.: 3397 ‑4088<br />
Gibiteca Henfil – tel.: 3397 ‑4090<br />
Discoteca Oneyda Alvarenga – tels.: 3397 ‑4071 / 3397 ‑4072<br />
166
167<br />
en<strong>de</strong>reços úteis<br />
Biblioteca do Centro Cultural da Juventu<strong>de</strong><br />
A Biblioteca Jayme Cortez possui um acervo com mais<br />
<strong>de</strong> 10 mil exemplares entre livros, álbuns <strong>de</strong> HQ, mangás,<br />
periódicos e material audiovisual. Conta também com um<br />
Laboratório <strong>de</strong> Idiomas.<br />
Biblioteca Jayme Cortez<br />
Av. <strong>de</strong>putado Emílio Carlos, 3641, Cachoeirinha, tel.: 3984‑<br />
‑2466, ramal 24<br />
Pontos <strong>de</strong> leitura<br />
Espaços criados em bairros <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> equipamen‑<br />
tos culturais ou <strong>de</strong> difícil acesso a Bibliotecas Públicas.<br />
André Vital<br />
Av. dos Metalúrgicos, 2255, Cida<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, tel.: 2282 ‑2562<br />
Carolina Maria <strong>de</strong> Jesus<br />
R. Teresinha do Prado Oliveira, 119, Parelheiros, tel.: 5921 ‑3665<br />
Graciliano Ramos<br />
R. Prof. Oscar Barreto Filho, 252 (Calçadão Cultural do Grajaú),<br />
Parque América – Grajaú, tel.: 5924 ‑9135<br />
Jardim Lapenna<br />
R. Serra da Juruoca, s/n (Galpão da Cultura e Cidadania), Jar‑<br />
dim Lapenna, tel.: 2297 ‑3532<br />
Juscelino Kubitschek<br />
Av. Inácio Monteiro, 55, Cida<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, tel.: 2556 ‑3036<br />
Olido<br />
Av. <strong>São</strong> João, 473, Centro, tel.: 3397 ‑0176<br />
Parque do Piqueri<br />
R. Tuiuti, 515, Tatuapé, tel.: 2092 ‑6524
mário <strong>de</strong> andra<strong>de</strong><br />
Parque do Ro<strong>de</strong>io<br />
R. Igarapé da Bela Aurora, s/n, Cida<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, tel.: 2555 ‑4276<br />
Praça do Bambuzal<br />
R. da Colônia nova, s/n (Praça nativo Rosa <strong>de</strong> Oliveira – Praça<br />
do Bambuzal), Jardim Ângela, tel.: 5833 ‑3567<br />
<strong>São</strong> Mateus<br />
R. Fortaleza <strong>de</strong> Itapema, 268, Jardim Vera Cruz – <strong>São</strong> Mateus,<br />
tel.: 2019 ‑1718<br />
Severino do Ramo<br />
R. Barão <strong>de</strong> Alagoas, 340, Itaim Paulista, tels.: 2963 ‑2742 /<br />
2568 ‑3329<br />
União dos moradores do Parque Anhanguera<br />
R. Ama<strong>de</strong>u Caego Monteiro, 209, Parque Anhanguera, tel.:<br />
3911 ‑3394<br />
Vila Mara<br />
R. Conceição <strong>de</strong> Almeida, 170, <strong>São</strong> Miguel Paulista, tel.:<br />
2586 ‑2526<br />
Bosques <strong>de</strong> leitura<br />
Ambientes culturais alternativos em parques da cida<strong>de</strong>.<br />
Abrem aos domingos e, em alguns en<strong>de</strong>reços, também aos<br />
sábados. Confira os dias e horários <strong>de</strong> funcionamento no<br />
site www.bibliotecas.sp.gov.br ou pelo telefone 3675 ‑8096.<br />
Anhanguera<br />
Av. Fortunata Tadiello natucci, 1000, Perus<br />
Carmo<br />
Av. Afonso <strong>de</strong> Sampaio Souza, 951, Itaquera<br />
Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto<br />
Av. Car<strong>de</strong>al Motta, 84, Pirituba<br />
168
Esportivo dos Trabalhadores<br />
R. Canuto Abreu, s/n, Tatuapé<br />
Ibirapuera<br />
Av. República do Líbano, 1151 – Portão 7A, Moema<br />
Jardim da Luz<br />
R. Ribeiro <strong>de</strong> Lima, 99, Luz<br />
Lajeado<br />
R. Antonio Tha<strong>de</strong>o, 74, Lajeado<br />
Lions Clube Tucuruvi<br />
R. Alcindo Bueno <strong>de</strong> Assis, 500, Tucuruvi<br />
Raposo Tavares<br />
R. Telmo Coelho Filho, 200, Vila Albano – Butantã<br />
Santo Dias<br />
R. Jasmim da Beirada, 71, Capão Redondo<br />
Ônibus‑biblioteca<br />
169<br />
en<strong>de</strong>reços úteis<br />
Os ônibus ‑biblioteca levam livros, jornais, revistas,<br />
gibis e programação cultural às comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bairros<br />
periféricos da cida<strong>de</strong>. Conta com paradas pre<strong>de</strong>termina‑<br />
das para cada dia da semana. Confira os roteiros da sua<br />
região no site www.bibliotecas.sp.gov.br ou pelo telefone<br />
2291 ‑5763.
Títulos da coleção<br />
1 ‑ Missa do galo e outros contos<br />
Machado <strong>de</strong> Assis<br />
2 ‑ Contos Paulistanos<br />
Antônio <strong>de</strong> Alcântara Machado<br />
3 ‑ A nova Califórnia e outros contos<br />
Lima Barreto<br />
4 ‑ <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! <strong>comoção</strong> <strong>de</strong> <strong>minha</strong> <strong>vida</strong>…<br />
<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
5 ‑ Histórias <strong>de</strong> horror<br />
Vários autores
EQUIPE dE REALIZAÇÃO<br />
Estabelecimento dos textos<br />
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo (Poesia)<br />
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo<br />
(Ficção: Macunaíma, o herói sem nenhum caráter)<br />
Aline nogueira Marques (Ficção: “Túmulo, túmulo, túmulo”)<br />
Hugo Camargo Rocha e Aline nogueira Marques<br />
(Ficção: “Primeiro <strong>de</strong> Maio”)<br />
Telê Ancona Lopez (Ficção: Balança, Trombeta e Battleship)<br />
Notas<br />
diléa Zanotto Manfio, Telê Ancona Lopez e<br />
Tatiana Longo Figueiredo (Poesia)<br />
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo (Ficção)<br />
Edição <strong>de</strong> texto<br />
Fabiana Mioto (Preparação <strong>de</strong> original)<br />
Leandro Raniero Fernan<strong>de</strong>s (Revisão)<br />
Assistência Editorial<br />
Olivia Fra<strong>de</strong> Zambone<br />
Editoração Eletrônica<br />
Estúdio Bogari<br />
Capa<br />
Estúdio Bogari<br />
Imagem <strong>de</strong> capa<br />
“Painel <strong>de</strong> azulejos”, <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> von Poser.<br />
Fotografia <strong>de</strong> Victor Tronconi.<br />
Coor<strong>de</strong>nação De Mão em Mão<br />
Ananda Stücker (Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura)<br />
Oscar d’Ambrosio (Editora Unesp)
SOBRE O LIVRO<br />
Formato: 12 x 21 cm<br />
Mancha: 18 x 37 paicas<br />
Tipologia: Minion Pro 10/13,5<br />
Papel: Lagenda 80 g/m² (miolo)<br />
Cartão triplex 250 g/m² (capa)<br />
1ª edição: 2012<br />
Impressão e acabamento<br />
CTP, Impressão e Acabamento<br />
Imprensa Oficial do Estado <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>