A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
absoluto desabrocha, maravilhosamente, o ato puro." O que é<br />
váli<strong>do</strong> para o tiro com arco e para a esgrima também o é para<br />
as demais artes. Para mencionar outro exemplo,<br />
lembremo-nos <strong>do</strong> pintor que trabalha com tinta nanquim. Sua<br />
habilidade se revela no momento em que a mão, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>ra<br />
incondicional da técnica, executa e torna visível a idéia que<br />
naquele exato momento está sen<strong>do</strong> criada pelo espírito, sem<br />
que haja qualquer distanciamento entre a concepção e a<br />
realização. A pintura se transforma numa escrita automática 17 .<br />
E também nesse caso as instruções para o pintor podem ser<br />
simplesmente as seguintes: contemple o bambu durante dez<br />
anos, converta-se nele, esqueça-se de tu<strong>do</strong> e pinte.<br />
O mestre-espadachim reencontra a segurança ingênua<br />
<strong>do</strong> principiante, aquela serenidade perdida no início da<br />
aprendizagem, mas recuperada e por ele absorvida como um<br />
traço <strong>do</strong>minante da sua personalidade. Porém, ao contrário <strong>do</strong><br />
aprendiz, é reserva<strong>do</strong>, sereno, modesto, despi<strong>do</strong> de qualquer<br />
presunção. Entre o estágio de novicia<strong>do</strong> e de "mestra<strong>do</strong>",<br />
transcorreram longos e fecun<strong>do</strong>s<br />
17. Os surrealistas franceses a<strong>do</strong>taram o princípio da écriture automatique<br />
numa tentativa, até então original no Ocidente, de se desembaraçarem <strong>do</strong><br />
intelecto e de deixar fluir toda a atividade psíquica sem qualquer bloqueio,<br />
exatamente como o pintor que trabalha sob inspiração zen-budista. O curioso é<br />
que os dadaístas, que os precederam e influenciaram, pregavam um conceito de<br />
vazio que se confundia com o niilismo, e que por isso nada tinha a ver com o<br />
<strong>Zen</strong>. (N. <strong>do</strong> T.)<br />
anos de incansáveis exercícios. Sob a influência <strong>do</strong> <strong>Zen</strong>, a<br />
habilidade se espiritualizou e o praticante dessas artes se<br />
transformou, vencen<strong>do</strong>-se a si mesmo e de si mesmo se<br />
libertan<strong>do</strong> por etapas. Desembainha a espada apenas nos<br />
momentos inevitáveis, porque ela se converteu na sua alma,<br />
evitan<strong>do</strong>, porém, lutar contra um adversário indigno, que se<br />
vangloria <strong>do</strong>s seus músculos, não deixan<strong>do</strong> de receber, por<br />
causa disso, um sorriso que o acusa de covardia. Mas também<br />
pode acontecer que, movi<strong>do</strong> por um grande respeito pelo<br />
adversário, convida-o a uma luta que terminará com a morte<br />
deste. Por detrás dessas atitudes estão os sentimentos que<br />
caracterizam a ética <strong>do</strong> samurai 18 , esse incomparável<br />
caminho <strong>do</strong> cavaleiro conheci<strong>do</strong> pelo nome de bushidô.<br />
Mais alto <strong>do</strong> que a glória, a vitória e a vida, o<br />
mestre-espadachim coloca a espada da Verdade, que ele<br />
conhece e que o julga.<br />
Como o principiante, ele não conhece o me<strong>do</strong>, mas, ao<br />
contrário <strong>do</strong> discípulo, torna-se cada vez mais completamente<br />
indiferente a tu<strong>do</strong> o que possa amedrontá-lo 19 . Através de<br />
longos anos dedica<strong>do</strong>s à meditação ele descobriu que, no<br />
fun<strong>do</strong>, a vida e a morte são uma única coisa, e que ambas<br />
pertencem ao mesmo plano <strong>do</strong> destino. Ele não<br />
18. Guerreiros da época <strong>do</strong> Japão feudal (séculos XVIII e XIX), embora<br />
suas origens — ou as <strong>do</strong> seu espírito — remontem ao século IV. (N. <strong>do</strong> T.)<br />
19. A alegria de viver é um <strong>do</strong>s mais <strong>do</strong>s mais venera<strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong><br />
zen-budismo, pois só através dela seus adeptos sabem que podem vencer o seu<br />
inimigo mais forte: o me<strong>do</strong>. (N. <strong>do</strong> T.)<br />
86 87