A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
superar seus companheiros e até a si mesmo. Adquire uma<br />
fascinante técnica que lhe devolve parte da segurança perdida,<br />
e sente-se cada vez mais próximo da tão sonhada meta. O<br />
mestre, porém, não pensa o mesmo, e com toda razão Takuan<br />
nos adverte que a destreza <strong>do</strong> aprendiz pode apenas levar a<br />
que "seu coração seja arrebata<strong>do</strong> pela espada".<br />
Por serem as mais apropriadas para o principiante, as<br />
primeiras lições não podem ser ministradas de outra maneira,<br />
embora o mestre saiba muito bem que elas não conduzem à<br />
meta final. É inevitável que o aprendiz, desde que se dedique<br />
com afinco e possua uma habilidade inata, se transforme em<br />
mestre. Mas por que razão aquele que há muito tempo<br />
aprendeu a não se arrebatar durante o ar<strong>do</strong>r da luta, manten<strong>do</strong><br />
o sangue-frio e conservan<strong>do</strong> suas forças, prepara<strong>do</strong> que está<br />
para um combate de longa duração — e que por isso encontra<br />
poucos adversários à altura — pode, durante uma luta, se<br />
distrair e ficar paralisa<strong>do</strong>?<br />
Segun<strong>do</strong> Takuan, isso se deve ao fato de que ele<br />
observou o adversário com inquietação, permanecen<strong>do</strong> atento<br />
à sua maneira de manejar a espada, enquanto reflete sobre<br />
qual será o melhor mo<strong>do</strong> e o momento mais indica<strong>do</strong> de<br />
atacá-lo. Durante a luta, recorre, enfim, a toda a sua arte e<br />
ciência. Assim proceden<strong>do</strong>, diz Takuan, perde a "presença <strong>do</strong><br />
coração", e o habitual e decisivo golpe chega tarde,<br />
impedin<strong>do</strong>-o de fazer com que a espada <strong>do</strong> adversário<br />
"volte-se contra quem a empunha". Quanto mais ele fizer para<br />
que a superioridade da sua luta dependa<br />
da reflexão, da sua experiência e da tática, mais obstáculos ele<br />
criará para a livre mobilidade <strong>do</strong> "agir <strong>do</strong> coração".<br />
Como é possível corrigir isso? Como se pode<br />
espiritualizar a habilidade? Como se converter o <strong>do</strong>mínio<br />
soberano da técnica na arte magistral da espada? A resposta<br />
é: o discípulo só progredirá se se desprender de toda intenção<br />
e <strong>do</strong> seu próprio eu. Ele tem que atingir um estágio no qual se<br />
desprenda não só <strong>do</strong> adversário, mas de si mesmo. E tem que<br />
superar a etapa em que se encontra, deixan<strong>do</strong>-a para trás, sob<br />
o risco de fracassar irreversível-mente. Isso não parece tão<br />
absur<strong>do</strong> como a exigência, no tiro com arco, de se atingir o alvo<br />
sem fazer pontaria, ou seja, de se esquecer completamente da<br />
meta e da intenção de atingi-la?<br />
Não nos esqueçamos de que a arte <strong>do</strong> espadachim, cuja<br />
essência é descrita por Takuan, provou sua eficácia na<br />
realidade de incontáveis combates. O mestre tem a<br />
responsabilidade de fazer com que o aluno descubra, não o<br />
caminho propriamente dito, mas as vias de acesso a esse<br />
caminho, que devem conduzir à meta última. Sua primeira<br />
providência será ensinar o discípulo a receber os golpes<br />
inespera<strong>do</strong>s, despertan<strong>do</strong>, para isso, os seus reflexos. Numa<br />
história deliciosa, D. T. Suzuki descreve o méto<strong>do</strong><br />
extremamente original a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por um mestre para cumprir<br />
uma tarefa tão difícil. O aprendiz tem que adquirir um novo<br />
senti<strong>do</strong>, ou melhor, uma nova presença de to<strong>do</strong>s os seus<br />
senti<strong>do</strong>s que lhe permita se esquivar <strong>do</strong>s golpes <strong>do</strong> adversário,<br />
como se os pressentisse. Uma vez <strong>do</strong>minada essa arte de se<br />
esquivar, não mais terá<br />
82 83