A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
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meta se chama — se é que se lhe pode dar algum nome —<br />
Buda." E, depois de pronunciar tais palavras como se fossem<br />
compreensíveis em si mesmas, o mestre nos pediu para<br />
observar atentamente os seus olhos enquanto ele atirava.<br />
Semicerra<strong>do</strong>s, como permaneciam durante as cerimônias que<br />
ele dirigia, nos davam a impressão de que a nada miravam.<br />
Nós permanecemos observan<strong>do</strong> <strong>do</strong>cilmente algo atirar sem<br />
apontar.<br />
Passei a não me preocupar com o destino das minhas<br />
flechas. Nem sequer me alegrava com um ou outro acerto<br />
ocasional, porque sabia que se deviam ao puro acaso.<br />
Passa<strong>do</strong> algum tempo, porém, já não suportava esses acertos<br />
ocasionais, obti<strong>do</strong>s de maneira indesejável, e pus-me a refletir<br />
uma vez mais sobre o que estava acontecen<strong>do</strong>. O mestre fez<br />
de conta que não percebia o que se passava comigo, até o dia<br />
em que lhe confessei que me sentia desorienta<strong>do</strong>.<br />
"O senhor se atormenta em vão", disse-me ele para me<br />
acalmar. "Eleve o espírito para além da preocupação de atingir<br />
o alvo. Mesmo que nenhuma flecha o alcance, o senhor pode<br />
tornar-se um mestre-arqueiro. Os impactos no alvo nada mais<br />
são <strong>do</strong> que confirmação e provas exteriores, da sua<br />
não-intenção, <strong>do</strong> seu autodespojamento, da sua absorção em<br />
si mesmo ou de qualquer nome que lhe dê. O aperfeiçoamento<br />
supremo tem os seus próprios níveis e só quem atingiu o último<br />
jamais errará o alvo exterior."<br />
"É precisamente isso o que não enten<strong>do</strong>", repliquei.<br />
"Creio que sei o que o senhor quer dizer quan<strong>do</strong> fala na<br />
meta verdadeira, íntima, que devemos atingir. Entretanto,<br />
como é possível que a meta exterior, o alvo de papel, seja<br />
atingida sem que o arqueiro tenha feito pontaria, de maneira<br />
que os acertos confirmem exteriormente o que se passa no<br />
interior? Confesso que essa correlação me é<br />
incompreensível."<br />
Depois de um longo momento de reflexão, o mestre me<br />
respondeu:<br />
"O senhor está engana<strong>do</strong> se pensa que pode tirar algum<br />
proveito da compreensão de tão obscuras conexões,<br />
inalcançáveis para o intelecto. Lembre-se de que na natureza<br />
ocorrem coincidências incompreensíveis, e não obstante tão<br />
comuns que nos acostumamos a elas. Vou dar-lhe um exemplo<br />
sobre o qual refleti muitas vezes: a aranha dança sua rede sem<br />
pensar nas moscas que se prenderão nela. A mosca,<br />
dançan<strong>do</strong> despreocupadamente num raio de sol, se enreda<br />
sem saber o que a esperava. Mas tanto na aranha, como na<br />
mosca, algo dança, e nela o exterior e o interior são a mesma<br />
coisa. Confesso que me sinto incapaz de explicar melhor, mas<br />
é dessa maneira que o arqueiro atinge o alvo, sem mirá-lo<br />
exteriormente."<br />
Apesar das reflexões que despertaram em mim essa<br />
parábola — apesar de não conseguir penetrar-lhe a essência<br />
—, alguma coisa em mim impedia que eu continuasse<br />
pratican<strong>do</strong> com o espírito tranqüilo. Á medida que se<br />
passavam as semanas, uma objeção se tornava cada dia<br />
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