A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
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mensageiro como me havia ocorri<strong>do</strong> aquela maneira de<br />
disparar, uma vez que eu não conseguia avançar um passo,<br />
apesar <strong>do</strong>s meus esforços. Graças à sua intervenção, o mestre<br />
reconsiderou sua atitude, mas com a condição expressa de<br />
que eu prometesse jamais violar o espírito da Doutrina<br />
Magna.<br />
Não bastasse meu profun<strong>do</strong> sentimento de vergonha, o<br />
comportamento <strong>do</strong> mestre fez com que ele aumentasse.<br />
Sequer mencionou o incidente, simplesmente disse: "O senhor<br />
sabe o que acontece se somos incapazes de permanecer livres<br />
de intenção, no esta<strong>do</strong> de máxima tensão. O senhor não pode<br />
continuar o aprendiza<strong>do</strong> se não se perguntar uma ou outra vez:<br />
'Eu o conseguirei?' Espere pacientemente o que vier e como<br />
vier!" Lembrei-lhe que estava no curso há quatro anos e que<br />
minha estada no Japão não era ilimitada, ao que ele<br />
respondeu:<br />
"O caminho até a meta é incomensurável. Para ele nada<br />
significam semanas, meses, anos."<br />
"Mas se eu tiver que interromper meu aprendiza<strong>do</strong> na<br />
metade <strong>do</strong> caminho? "<br />
"Pode fazê-lo a qualquer momento, desde que se tenha<br />
desprendi<strong>do</strong> realmente <strong>do</strong> seu eu. Por isso, continue<br />
pratican<strong>do</strong>!"<br />
E assim, voltamos a começar desde o princípio, como se<br />
to<strong>do</strong> o aprendiza<strong>do</strong> tivesse si<strong>do</strong> inútil. Continuava impossível<br />
para mim permanecer sem intenção dentro, como se fosse<br />
possível escapar de um caminho por demais vicia<strong>do</strong>, até que<br />
um dia perguntei ao mestre:<br />
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"Como o disparo pode ocorrer, se não for eu que o fizer<br />
acontecer?"<br />
"Algo dispara", respondeu-me.<br />
"Já ouvi essa resposta outras vezes. Modifico, pois, a<br />
pergunta: como posso esperar pelo disparo, esqueci<strong>do</strong> de mim<br />
mesmo, se eu não posso estar presente?<br />
"Algo permanece na tensão máxima".<br />
"E o que é esse algo?"<br />
"Quan<strong>do</strong> o senhor souber a resposta, não precisará mais<br />
de mim. E se eu lhe der alguma pista, poupan<strong>do</strong>-o da<br />
experiência pessoal, serei o pior <strong>do</strong>s mestres, merecen<strong>do</strong> ser<br />
dispensa<strong>do</strong>. Por isso, não falemos mais! Pratiquemos!"<br />
Passaram-se muitas semanas sem que eu tivesse<br />
avança<strong>do</strong> um passo, mas isso em nada me afetava. O longo<br />
aprendiza<strong>do</strong> tinha me torna<strong>do</strong> indiferente. Aprender a arte,<br />
descobrir o que o mestre quis dizer com o seu algo, encontrar<br />
o acesso ao <strong>Zen</strong>, tu<strong>do</strong> isso me pareceu de repente tão<br />
longínquo, tão indiferente, que já não me preocupava. Em<br />
várias ocasiões, propus-me confessá-lo ao mestre, mas diante<br />
dele a coragem desaparecia. Estava convenci<strong>do</strong> de que<br />
escutaria outra vez a sua resposta tranqüila: "Não pergunte,<br />
pratique!" Então, deixei de fazer perguntas e por pouco,<br />
também de praticar, se o mestre não me tivesse manti<strong>do</strong><br />
seguro nas suas mãos. Indiferente, eu deixava os dias<br />
passarem, cumprin<strong>do</strong> da melhor maneira possível minhas<br />
obrigações profissionais, já não me afastan<strong>do</strong> a constatação<br />
de indiferença que eu tinha diante daquilo a que, durante anos,<br />
eu dedicara meus mais persistentes esforços.<br />
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