A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
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vés de uma simples reclusão, mas de uma disposição de ceder<br />
sem resistência. Para conseguirmos instintivamente essa<br />
atitude não-ativa, a alma precisa de um apoio íntimo, que é o<br />
ato de respirar. Ele deve ser executa<strong>do</strong> conscientemente, com<br />
um cuida<strong>do</strong> beiran<strong>do</strong> a afetação. Tanto a inspiração como a<br />
expiração precisam ser praticadas em separa<strong>do</strong> e com a maior<br />
atenção. Os bons resulta<strong>do</strong>s desses exercícios não tardam.<br />
Quanto mais intensa a concentração na respiração, mais<br />
rapidamente desaparecem os estímulos exteriores, pois eles<br />
se confundem com vagos murmúrios a que prestamos cada<br />
vez menos atenção, até que deixem de nos perturbar, como o<br />
ruí<strong>do</strong> das ondas quebran<strong>do</strong>-se na praia.<br />
Com o passar <strong>do</strong> tempo, conseguimos nos insensibilizar<br />
para estímulos fortes e deles nos desprender com maior<br />
facilidade e rapidez. É importante, porém, que o nosso corpo,<br />
esteja em pé, senta<strong>do</strong> ou apoia<strong>do</strong>, permaneça o mais relaxa<strong>do</strong><br />
possível e concentra<strong>do</strong> na respiração. Rapidamente nos<br />
sentiremos isola<strong>do</strong>s como que por um invólucro acústico.<br />
Assim, a única coisa que sabemos e sentimos é que<br />
respiramos, e para nos libertarmos desse saber e sentir não é<br />
necessária nenhuma decisão, pois a respiração irá,<br />
espontaneamente, fican<strong>do</strong> mais lenta, diminuin<strong>do</strong> cada vez<br />
mais o consumo de ar e, por conseguinte, prenden<strong>do</strong> cada vez<br />
menos a nossa atenção.<br />
Infelizmente, esse agradável esta<strong>do</strong> de recolhimento<br />
pode não ser dura<strong>do</strong>uro, pois está arrisca<strong>do</strong> a ser destruí<strong>do</strong>:<br />
como que brotan<strong>do</strong> <strong>do</strong> nada, surgem de repente esta<strong>do</strong>s de<br />
ânimo, sentimentos, desejos, preocupações e<br />
até pensamentos borra<strong>do</strong>s uns com os outros que, quanto<br />
mais fantásticos, menos estão relaciona<strong>do</strong>s com aquilo pelo<br />
qual prescindimos de nossa consciência comum, tão mais<br />
obstinadamente nos <strong>do</strong>minam. É como se quisessem se vingar<br />
pelo fato de a consciência tocar esferas às quais comumente<br />
não chegam. Mas essa perturbação é vencida se se continua<br />
respiran<strong>do</strong> tranqüila e serenamente, aceitan<strong>do</strong>-se de maneira<br />
agradável o que acontece, acostuman<strong>do</strong>-se à perturbação,<br />
aprenden<strong>do</strong>-se a contemplá-la com indiferença e, finalmente,<br />
cansan<strong>do</strong>-se de acompanhá-la. Assim se imerge, pouco a<br />
pouco, num esta<strong>do</strong> similar àquele relaxamento que precede o<br />
sono.<br />
Deslizar definitivamente para esse esta<strong>do</strong> é um perigo<br />
que devemos evitar: consegui-lo-emos mediante um esforço<br />
especial de concentração, que pode ser compara<strong>do</strong> ao que faz<br />
alguém que sabe que sua vida depende da vigília de to<strong>do</strong>s os<br />
seus senti<strong>do</strong>s. Feito uma vez, esse esforço poderá ser repeti<strong>do</strong><br />
seguidamente com toda segurança. Graças a ele, a alma entra<br />
espontaneamente numa espécie de vibração suscetível de se<br />
intensificar, até chegar à sensação de incrível leveza, que só<br />
experimentamos poucas vezes no sonho, e à segurança de<br />
podermos dirigir energia em qualquer direção, aumentar e<br />
dissolver tensões, numa lenta e gradual adaptação.<br />
Esse esta<strong>do</strong>, em que não se pensa nada de defini<strong>do</strong>, em<br />
que nada se projeta, aspira, deseja ou espera e que não<br />
aponta em nenhuma direção determinada (e não obstante,<br />
pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz <strong>do</strong> possível<br />
e <strong>do</strong> impossível), esse esta<strong>do</strong>, fundamen-<br />
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