A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (Eugen Herrigel - Webnode
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inicia<strong>do</strong> com os exercícios respiratórios, jamais o senhor se<br />
convenceria da sua influência decisiva. Era preciso que o<br />
senhor naufragasse nos próprios fracassos para aceitar o<br />
colete salva-vidas que ele lhe lançou. Creia-me, eu sei por<br />
experiência própria que o mestre conhece o senhor e cada um<br />
de seus discípulos melhor <strong>do</strong> que a nós mesmos. Ele lê nas<br />
nossas almas muito mais <strong>do</strong> que estamos dispostos a admitir."<br />
Depois de um ano inteiro de exercícios, ser capaz de estirar<br />
o arco de forma espiritual, isto é, vencen<strong>do</strong>-lhe a<br />
resistência sem nenhum esforço, não é um<br />
acontecimento excepcional. Contu<strong>do</strong>, eu me achava satisfeito,<br />
pois comecei a compreender como a técnica de defesa pessoal<br />
prostra o adversário sem despender nenhuma força, apenas<br />
recuan<strong>do</strong>, elástica e imprevistamente, aos seus esforços. É por<br />
isso que essa forma de luta se chama arte gentil (tradução<br />
literal das palavras jiu-jitsu), e o seu símbolo é o da água que<br />
sempre cede, mas jamais é vencida. Não foi por outro motivo<br />
que<br />
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Lao-Tsé 10 disse que a vida autêntica se parece com a água,<br />
que a tu<strong>do</strong> se adapta porque a tu<strong>do</strong> se submete.<br />
Nas aulas <strong>do</strong> mestre, era hábito dizer-se que quem não<br />
mostrava dificuldades no começo iria conhecê-las, de maneira<br />
muito mais forte, durante o curso. Para mim, o início tinha si<strong>do</strong><br />
extremamente penoso. Eu não teria, então, o direito de ser<br />
otimista em relação ao que me esperava, e cujos sacrifícios eu<br />
vislumbrava vagamente?<br />
As. aulas prosseguiram com o aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> disparo da flecha,<br />
que até o momento havia si<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong> displicentemente, como<br />
se estivesse entre parênteses, à margem <strong>do</strong>s exercícios. Não<br />
nos preocupávamos com o que sucedia com a nossa flecha. Era<br />
suficiente cravá-la no disco de palha prensada que fazia às<br />
vezes de alvo, apoia<strong>do</strong> num banco de areia. Acertá-lo não era<br />
nenhuma façanha, pois estava, quan<strong>do</strong> muito, a uma distância<br />
de <strong>do</strong>is metros. Até então, quan<strong>do</strong> me parecia insuportável<br />
permanecer por mais tempo na tensão máxima, eu<br />
simplesmente soltava a corda, para não aproximar as minhas<br />
mãos, que eu distanciara com tanto esforço. Não pensem<br />
que a tensão me causava <strong>do</strong>r. Um protetor de couro no polegar<br />
impede que a pressão da corda o moleste e que o arqueiro,<br />
10. Místico chinês que viveu no século VI a.C. Considera<strong>do</strong> o "pai" <strong>do</strong> taoísmo,<br />
foi contemporâneo de Confúcio. É autor <strong>do</strong> célebre Tao-te-ching, que contém a<br />
essência <strong>do</strong> seu pensamento, to<strong>do</strong> ele volta<strong>do</strong> para a bipolaridade cósmica, e<br />
cuja tradução aproximada é o livro que conduz à divindade. (N. <strong>do</strong> T.)<br />
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