Investigação sobre 'Máfia da Merenda' chega a ... - ABCD Maior

2 21 a 24 de janeiro de 2011
Opinião
“Todos somos, hoje, mais
ou menos iguais em grandezas
e misérias. Se fomos perversos
com a Terra, suas respostas
atacam todas as dimensões:
quem não tem vulcão, tem rios;
quem não tem barragem para
explodir, tem terra para ressecar;
quem não tem ilhas para
afundar, tem encostas para deslizar.”
O texto é seminal, dirão os
acadêmicos que se debruçarem
sobre o artigo do professor
Luiz Roberto Alves, publicado
ao lado. Ele vai no âmago da
calamidade das enchentes que
vitimaram centenas de brasileiros
nas últimas semanas.
E, como sustenta o professor,
nunca será demais repetir
os conceitos que formulou no
artigo. Só há um caminho para
a redenção: criar uma outra
cultura nas cidades, uma cultura
que respeite os fatores socioambientais
e que acabe com
editorial
Necessidade de
nova cultura
o mito do paraíso com que o
Brasil foi colonizado.
Criar esta nova cultura significa
também denunciar toda
e qualquer exploração das calamidades
públicas para quaisquer
fins, em especial com objetivos
eleitorais, como mostra
o artigo do jornalista Júlio Gardesani,
veiculado abaixo. Este
tipo de exploração só contribui
para dificultar ainda mais a mitigação
das consequências das
desgraças que afetam os setores
mais carentes da comunidade,
como é o caso do povo sofrido
do Jardim Zaíra, em Mauá.
Neste sentido, a entrevista
do prefeito Oswaldo Dias (pág.
3) revela um político altamente
sensibilizado e preparado para
enfrentar este momento de calamidade
que atinge o município
e toda a Região.
Mas, como diz a cultura
popular, desgraça pouca é bobagem.
Na esteira destas dificuldades,
outras carências precisam
ser enfrentadas, como é
o caso da telefonia, uma das
áreas mais estratégicas da infraestrutura
urbana. Nos últimos
dias, a Região ficou várias vezes
incomunicável.
Muito oportuna, portanto,
a chegada da GVT à Região, revelada
na reportagem da página
6. A maior fatia da telefonia
fixa, inclusive na Região, está
inteiramente construída sobre
a velha estrutura tecnológica
das tradicionais empresas que
foram privatizadas nos anos
1990.
Com chuvas, ou outras intempéries,
esta estrutura sobrecarregada
pela explosão dos
assinantes entra em pane e os
serviços emudecem.
O colapso da telefonia fixa
provoca imediatamente sobrecarga
sobre o sistema de telefonia
celular, que também entra
em pane.
Ou seja, o consumidor -
corporativo ou privado, de telefone
fixo ou celular - acaba
ficando na mão, apesar das altas
contas que paga todo final
de mês.
A chegada da GVT, portanto,
é muito bem vinda: pode
significar, na prática, o fim do
monopólio da telefonia fixa. E
com potencial para provocar
uma grande revolução na telefonia
do ABCD.
Coragem animal - Pato nada nas águas poluídas da represa Billings, um dos escoadouros do
esgoto produzido na Grande são Paulo e também reservatório que abastece milhões.
Preconceito: mambembe
é transformar mortes em política
É vexatória a cobertura do jornal que se credita o título de
mais importante do ABCD, apesar da decadência, sobre as
mortes causadas pelas chuvas em Mauá. Vexatória, hipócrita,
demagoga, oportunista e, diante do editorial publicado na
capa da edição desta quarta-feira (19/01), preconceituosa. Não
há quem, em sã consciência, possa aceitar tamanha exploração
política das seis mortes ocorridas na cidade como a proferida
pelo jornal que já foi o mais lido da Região. Reportagens
submissas a um único interesse: sangrar a imagem do
prefeito de Mauá, Oswaldo Dias, preparando o caminho para
a deputada Vanessa Damo, paparicada pelo jornal. Mas, se
a vontade do referido jornal fosse a vontade da população,
Dias não seria prefeito de Mauá e muito menos Luiz Marinho
comandaria São Bernardo.
Pois bem. Como noticiado inclusive por reportagem do
Fantástico, a área do morro do Macuco é particular. O
prefeito, como disse em coletiva de imprensa, não consegue
encaminhar recursos para o local. Negocia com o proprietário
desde 1999. Também não pode encaminhar verba do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) para obras de
contenção ou reurbanização no Macuco.
Mas então por que o jornal está tão incomodado com a gestão
de Oswaldo Dias sobre as tragédias? Porque o prefeito não foi
visitar o local. A visita a um local afetado por qualquer tragédia é
apenas simbólica. No ano passado, nesta mesma época, pessoas
morreram soterradas no Jardim Santo André. Não me lembro
de haver cobrança sobre a visita do prefeito Aidan Ravin ao
local. O prefeito Aidan não foi ao Jardim Santo André.
Pior: o jornal explorou a imagem da esposa do prefeito,
afi rmando que nem mesmo ela “pisou no barro”. Em que
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Júlio Gardesani *
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Fone: 3224-7712.
Luciano Vicioni
isso interfere ou ajuda as pessoas que estão em apuros? O
ideal, caso jornalistas, editores, diretores e até o próprio dono
do jornal realmente queiram uma cobertura responsável, é
apresentar os motivos da tragédia. Afi nal, o que poderia ter
sido feito para impedir as mortes? A Defesa Civil de Mauá agiu
com efi cácia? Quem é o “dono” do morro do Macuco?
Foi assim que o próprio ABCD MAIOR procedeu, apontando
que o governo do Estado de São Paulo, durante a gestão de
José Serra, deixou de investir milhões de reais no combate às
enchentes e na construção de piscinões. Chegamos ao cerne
da questão.
E, como o ditado diz, tudo que é ruim pode piorar. O editorial
da capa desta quarta resolveu partir para o pior tipo de
preconceito: os donos do jornal acreditam que a população
pobre é burra. Assim como acreditam que a população pobre
do Nordeste elegeu Dilma por “não possuir instrução”. O jornal
teve a coragem de chamar as pessoas que estão sofrendo e
morrendo em Mauá de “mambembes” e “tolos inocentes”. De
acordo com o dicionário Aurélio, mambembe tem o seguinte
signifi cado: de pouquíssimo valor, imprestável, medíocre,
reles. Cobram que o prefeito “elucide” o povo. Querem um
déspota, não a democracia.
Obs: Acompanhe em matéria publicada nesta edição que o
pai de Vanessa Damo, o ex-prefeito de Mauá Leonel Damo,
teve rejeitada pelo TCE licitação de merenda por suposto
pagamento de propina.
*Júlio Gardesani é jornalista do ABCD MAIOR.
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Políticas de
Governança:
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a cidade e o paraíso
Por: Luiz Roberto Alves, professor da Universidade Metodista
Nossa estrutura de viver (dizem os mitos) foi construída
para existir no paraíso. Nem no purgatório, onde se é muito
testado, nem no Planeta aquecido, que altera as estações do
ano e reverte processos naturais. Os velhos mitos nos enganaram,
a despeito de sermos um povo trabalhador e inteligente.
Segundo os velhos mitos criados pelos colonizadores – e bem
estudados por Darcy Ribeiro e outros antropólogos – esta
terra tropical e subtropical foi feita ao modo de um jardim das
delícias, para a contemplação, o deleite e o prazer. Criava-se
ali o Mito do Eldorado, da Terra Perfeita. Mais tarde, livros e
livros buscaram dizer que fomos criados para a música, para o
carnaval e para a malandragem. No meio de tudo, inverdades
e ideologias com vistas a nos desmerecer e perder memória da
realidade.
Como se sabe, os rios de tinta gastos para caracterizar
os brasileiros não conseguiram fazê-lo, pois nossa riqueza
antropológica e social supera posicionamentos de época. No
entanto, na colônia, no império e na república, para gastarem
com as coisas supérfl uas certos governantes e seus intelectuais
forçaram na tecla de sermos um povo que vivia com muito
pouco, cantando o tempo todo, ou bebendo, e privilegiado pela
natureza. Quase sem desastres – que na prática nunca são
naturais, mas de fato culturais, provocados.
Essas narrativas, ainda que não convençam, pairam como
possibilidade, como algo que se pode vir a ter e ser, a partir do
que se teve e se foi. São os discursos míticos. De fato, discursos
míticos sempre escondem violência, negação de educação
e cultura, corrupção, clientelismo etc. Para alterar e superar
discursos míticos se carece de grandes mobilizações, transparência,
desmascaramento das supostas realidades e das ideologias
de plantão, o que é difícil de fazer. Mas indispensável.
E isso fi zemos poucas vezes em nossa história, geralmente a
preço altíssimo.
Pois bem, toda a realidade socioambiental mudou. Todos
somos, hoje, mais ou menos iguais em grandezas e misérias.
Se fomos perversos com a Terra, suas respostas atacam todas
as dimensões: quem não tem vulcão, tem rios;quem não tem
barragem para explodir, tem terra para ressecar; quem não tem
ilhas para afundar, tem encostas para deslizar. Algumas nações
e povos têm tudo isso. O fato é que temos várias reversões de
nossas expectativas e, agora, não é possível ter saudades e
nem tentar mágicas. Um único morto em tragédia dessa espécie
é injustifi cável e injusto. Exige grandes mudanças.
Carecemos de reverter comportamentos e educatividade,
para chegar a nova cultura sócio-ambiental. Mobilizar-se para
acabar com os velhos mitos e mostrar que um tempo pragmático
e radical de mudança, de investimento, de priorização, de
segurança habitacional é chegado. Nossa chegada a um ponto
ômega (um possível lugar saudável para viver, sempre) exige
ações determinadas e determinantes, sem enganações e delongas,
com planejamento e avaliação social e comunitária. A
educação será a transversalidade desse processo e a economia
voltará a ser uma serva da vida humana redimida. Oxalá!
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