18.04.2013 Views

6 - Repositório Aberto da Universidade do Porto

6 - Repositório Aberto da Universidade do Porto

6 - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Uma Teorid Fisicalista <strong>do</strong><br />

Contei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Consciência


Autor: Sofia hiiguens<br />

Capa: Hcrminio Bastos<br />

O CAMPO DAS LETRAS -Editores, S.A. - Potro, 2002<br />

Rua D. hlanuel11,33 - 5.0, 4050-345 <strong>Porto</strong><br />

Tcl. 226 O80 870 Fax 226 080 880<br />

E-mil: csmpo.lcuas@miiU.rclcpp.c.pt<br />

Site: ~ililv.wmpo-1erms.pt<br />

Impressão: Papclmundc - SRIG, Ldn.<br />

Pré-impressão e ncabnmcnms: Inforrcrtc - \i N. dc Farnniicão<br />

1.' cdi<strong>do</strong>: Deremùro de 2002<br />

Depósito legd: 193291/03<br />

ISBN 972-610-653-2<br />

Código dc Bairas: 9789726106531<br />

Colcqão: Campa <strong>da</strong> Füosoún/Noiis - 14<br />

Sofia Miguens<br />

Uma Teoria Fisicalista <strong>do</strong><br />

Conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Consciência<br />

D. Dennett e os debates <strong>da</strong> f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> mente


Índice<br />

Prólogo<br />

Siglas utiliza<strong>da</strong>s<br />

Citações e traduções<br />

INTRODUÇÃO<br />

Apresentação geral <strong>do</strong> trabalho. A úlosofia <strong>da</strong> mente. Ciência copitiva<br />

como Eúosofia redescoherta. Será a psicologia (mais) importante para a<br />

f<strong>do</strong>sofia (<strong>do</strong> que as oums ciências)? Estrutura específica <strong>do</strong> trabaiho. 23<br />

PRiMEIRA PARE: As Ongerrs 43<br />

D~P~TULO 1 - Deime8 e a teoria <strong>da</strong> rr/errte irn 1965. Opri?/xiito esbogo <strong>da</strong> Teo>ia<br />

<strong>do</strong>s SSisler~a~ It~terrcio~rais:p>i~~c$ios orie~rta<strong>do</strong>res (/e Content and Consciousness. 45<br />

1.1 A partir de Ryle e Wittgenstein, Quinc e Putnam 51<br />

1.1.1 Breve referência a E. Anscombe, C. Taylor e a alguns visioná-<br />

nos na ciência e na engenharia. 70<br />

1.2 O problema <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> em Contezt and Cor~s~ousr~ess: inícios de<br />

uma teoria teleológica <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

1.2.1 A partir de fora e de cima. A referência segun<strong>do</strong> Quine.<br />

Existência e Identi<strong>da</strong>de. 'Referencial' e 'não-referencial' segun<strong>do</strong><br />

Dennett. O holismo e a fusão experimental <strong>da</strong>s frases mentalistas<br />

nos seus contextos. 75<br />

1.2.2 A partk de dentro e de baixo. Informagâo e Teleologia.<br />

Armazenamento inteligente de informação e comportamento. O<br />

74


Soja Migierrs<br />

conteú<strong>do</strong> e o funcionamento de estruturas apropria<strong>da</strong>s. Evolução<br />

no cérebro. 79<br />

1.2.3 A estrutura <strong>do</strong> comportamento. O comportamento dingi<strong>do</strong> a<br />

úns @ou/ directed behaviol) e a adscrição <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. P~incípios <strong>da</strong><br />

teleossemântica. Mente e linguagem. 86<br />

1.2.4 Os níveis pessoal e sub-pessoa1 de descrição e explicação:<br />

como tratar o nível pessoal. A <strong>do</strong>r como exemplo. 93<br />

1.3 O problema <strong>da</strong> consciência em Corrtei/t arrd Cor~sioi~siress: inícios de<br />

uma teoria deflacionária <strong>da</strong> consciência. 95<br />

1.3.1 O funcionalismo segun<strong>do</strong> Putnam. A certeza introspectiva de<br />

um ponto de vista funcionalista. 96<br />

1.3.2 Os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> 'apercebimento' (a~uarei~ess). Apercebimento e<br />

controlo (apercebimento-21, apercebimento e expressão verbal<br />

(apercebimento-1). 101<br />

1.3.3 Imagens, qualia, preenchimentos e cores. Peicepções de ausência<br />

ou ausência de percepção. 107<br />

1.4 A Intenção: pensar e agir voluntariamente. 112<br />

1.4.1 O nível pessoal e a teoria <strong>da</strong> acção: as razões na acção. A inten-<br />

ção segun<strong>do</strong> Anscombe e a siia a<strong>da</strong>ptação à psicologia f<strong>do</strong>sófica de<br />

Dennett. 118<br />

1.5 A linguagem, o entendimento e o nível pessoal. O que fica estabeleci<strong>do</strong><br />

em Conter~t ar~d Coiisriozisriess. 128<br />

SEGUNDA PARE: O Mode/o 133<br />

CAP~TULO 2 - Aposte>i<strong>da</strong>de <strong>do</strong>fii~~cior~alis~~~o de Pi~t~rar,~: d@rerr<strong>do</strong>s acerca <strong>da</strong><br />

rrat~ire~u <strong>da</strong>psicologio. 135<br />

2.1 Dos anos 70 aos anos 90: A teoria teleológica <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, as suas<br />

implicações e os seus opositores - Bra~rstor~us (1978), The Ii~terrtior~a/<br />

(1 987), Brair,chi/drei/ (1 998). 135<br />

Sta~ce<br />

2.1.1 Jinhas de análise <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>: a formulação <strong>da</strong><br />

Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais (TSI), a oposição à Teoria <strong>do</strong>s<br />

Sistemas Intencionais (especialmente <strong>da</strong> Teoria I


Soja M&ueris<br />

2.3.1 Oscilação entre desig~i real e des&iz como interpretação.<br />

2.3.2 Danvililr Darigeroiis Idea (1995): a ideia de Danvin e o evolucio-<br />

241<br />

nismo generaliza<strong>do</strong>. Reali<strong>da</strong>de e relativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> de5&11, de novo. 245<br />

CAP~TULO 3 - Perisanee~ztos cor~hec~n<strong>do</strong> or~trosper~sa~ner~fo~: Deri>iett e os debates<br />

em teotia <strong>da</strong> corisflê~~flo <strong>do</strong>s arios 70 aos arias 90 (de Brainstorms a<br />

Brainchildren, possall<strong>do</strong>por Consciousness Explained). 249<br />

3.1 A consciência como problema <strong>do</strong>s anos 90. A posição hetero<strong>do</strong>xa<br />

e deflacionária de D. Dennett. Os quaiiu aniquila<strong>do</strong>s, o Teatro<br />

Cartesiano desmonta<strong>do</strong>, os ~ombies declara<strong>do</strong>s inconcebíveis. Teorias<br />

empkico-especulativas <strong>da</strong> consciência. Um outro prisma: o problema<br />

metafisico <strong>da</strong> consciência Fenomenal e <strong>da</strong> sua irredutibiili<strong>da</strong>de. 249<br />

3.1.1 Alguns marcos <strong>da</strong> investigação empúico-especulativa. 252<br />

3.1.2 Quitiii'g Qi1a6a. 261<br />

3.1.3 Um outro prisma: metatisica e Fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência. 267<br />

3.2 Modelos de consciência e natureza <strong>da</strong>s experiências: Brai~rstorm<br />

(1978). 278<br />

3.2.1 Experiência, memória, apresentação, expressão: os sonhos. 286<br />

3.2.2 Imagens mentais. 296<br />

3.2.3 A <strong>do</strong>r: sentir-se ser e simulação. 308<br />

3.3 Modelos de consciência e natureza <strong>da</strong>s experiências: CO~IJ~~OI~JI~~JJ<br />

Explaiirreed (1991) e o rlose-I$ <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r.<br />

3.3.1 De novo a partu- de fora e de cima: Shakey, SHRDLU e a heterofenomenologia.<br />

3.3.2 O Modelo <strong>do</strong>s Esboços i~lúltiplos.<br />

3.3.3 O tempo e a consciência. Temporalização.<br />

3.3.4 De novo a parLir de dentro e de baixo. A evolução <strong>da</strong> consciência<br />

<strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> terceira pessoa e evitan<strong>do</strong> considerar a<br />

representação <strong>do</strong> que quer que seja. Fronteiras, razões, sensiência e<br />

futuro. Evoluçã~ no cérebro. Máquinas Virtuais instala<strong>da</strong>s.<br />

3.3.5 A ilusão <strong>do</strong> utiza<strong>do</strong>r <strong>da</strong> Máquina Virtual joyceana.<br />

3.3.5.1 Aii<strong>da</strong> assim um interior: querer-dizer, pandemónio e<br />

actos de Fala.<br />

3.3.5.2 O Eu.<br />

3.3.6 A última palavra (f<strong>do</strong>sófica) quanto ao Teatro Cartesiano.<br />

3.3.6.1 Mostrar ou dizer.<br />

3.3.6.2 Querer-dizer, reportar e exprimù..<br />

Uma Teoria Fisicalirla <strong>do</strong> Conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cotisciência<br />

3.3.6.3 Quebrar a barreira <strong>da</strong> testemunha: uma interpretação <strong>da</strong><br />

visão cega.<br />

3.3.6.4 Ver é saber?<br />

3.3.6.5 A cor, de novo (e uns certos gostos e desgostos liga<strong>do</strong>s<br />

aos q~raha).<br />

3.3.6.6 Mary e os ~o~r~bies, O Quarto Chinês. O morcego.<br />

3.3.7 Ciência cognitiva ou teoria f<strong>do</strong>sófica <strong>da</strong> consciência? O choque<br />

de intuições quanto à fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência:<br />

Dennett versus Searle, Nagel, Clialmers e Jackson. O concebível e<br />

o inconcebível.<br />

m~im~o 4 - AJ Pessoas e as JIMJ AcpFes: aj/osr$a <strong>da</strong> merite e os fu~i<strong>da</strong>nientos<br />

<strong>da</strong>jlosoja moral:<br />

4.1 Pessoa e acção como conceitos normativos: a f<strong>do</strong>sofia moral e a<br />

teoria cognitiva. Naturalismo gradualista e compatibilismo.<br />

4.2 A fragmentação <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> vontade livre e as formas que o<br />

problema <strong>da</strong> vontade livre não tem: vontade numénica, indeterrninismo<br />

fisico, capaci<strong>da</strong>des mentais não mecâncas.<br />

4.3 A liber<strong>da</strong>de num mun<strong>do</strong> determinista: aleatorie<strong>da</strong>de, controlo, espa-<br />

ço de manobra (elhoiu roo!^^) e descrição intencional.<br />

4.3.1 A rigidez, o espaço de manobra e o controlo. Condições <strong>da</strong> acção:<br />

determinismo Ksico, determinação <strong>do</strong> desigri, limitações cognitivas. A im-<br />

possibili<strong>da</strong>de fisica <strong>da</strong> vontade pura e a sua substitnição pela prudência.<br />

4.4 Da teoria <strong>do</strong> controlo ao auto-controlo meta-reflexivo e à avaliação<br />

Forte.<br />

4.4.1 Deliberação, decisão, oportuni<strong>da</strong>de. Previsibili<strong>da</strong>de e imprevi-<br />

sibili<strong>da</strong>de. A deliberação e a decisão: vantagens <strong>da</strong> insensibili<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> arbitrarie<strong>da</strong>de. Deliberação e possibiili<strong>da</strong>de epistémica.<br />

4.4.2 Razões e se6 O eu e as suas ficções. Real, virtual. Indeterrni-<br />

nação. Auto-exortação.<br />

4.4.3 Do eu à pessoali<strong>da</strong>de.<br />

4.4.4 'Quererei eu realmente ser aquilo que sou?' Os mera-proble-<br />

mas difíceis <strong>do</strong> controlo, a avaliação forte e a sorte moral.<br />

4.4.5 Sorte moral ou responsabili<strong>da</strong>de. A prudência e o desigi~ <strong>do</strong><br />

delibera<strong>do</strong>r.<br />

4.5 Manual de primeiros socorros morais e ética <strong>da</strong> virtude


Soja M@I~IIS<br />

4.6 Problemas de Fun<strong>do</strong>. 433<br />

5.1 A horizontali<strong>da</strong>de de perspectiva <strong>da</strong> TSI sobre o mental: o natural<br />

e o artificial. Ciência cognitiva, engenharia inverti<strong>da</strong> e/ou síntese.<br />

Cérebros, programas, robôs: <strong>da</strong> base para o topo e <strong>do</strong> topo para a base.<br />

A IA e as experiência de pensamento reais. Os tipos de mentes e a hpo-<br />

logia (a parar de dentro e de baixo) <strong>da</strong>s criaturas cognitivas. 437<br />

5.2 Questões aplica<strong>da</strong>s <strong>da</strong> TSI: as mentes animais e o problema <strong>da</strong><br />

interpretação, o problema <strong>do</strong> enquadramento (iro~~~epniblem) na IA e a<br />

incorporação <strong>da</strong>s mentes. 445<br />

5.2.1 Mentes animais: etologia cognitiva. 448<br />

5.2.2 Mentes artificiais: O problema <strong>do</strong> enquadrnmento na IA. 462<br />

5.2.3 A incorpora~ão <strong>da</strong>s mcntcs: perturbações <strong>do</strong> íuncionaiismo. 473<br />

6.1 Primeiro e Fun<strong>da</strong>mental ponto critico para a waliação <strong>da</strong> TSI: o fisi-<br />

calismo e a irredutibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de.<br />

6.2 A natureza e o seu interior I. Será a TSI necessariamente fisicaiista?<br />

O realismo modera<strong>do</strong>, a teoriz evolucionista <strong>da</strong> cogniçáo e o estatuto<br />

<strong>do</strong>s interlaces. A (i)justificação <strong>do</strong> fisicalismo.<br />

6.2.1 J. Haugeland e a teoria <strong>do</strong> entendimento (ou como reconciliar a<br />

Estratégia Intencional com a Intencionali<strong>da</strong>de Intrínseca de J. Se&).<br />

6.2.2 Pós-antropologismo: B. Canhvel Smith e a origem <strong>do</strong>s objectos.<br />

6.3 A natureza e o seu interior 11. Racionali<strong>da</strong>de: a impossibili<strong>da</strong>de de<br />

irracionali<strong>da</strong>de e a racionali<strong>da</strong>de mínima.<br />

6.4 A natureza e o seu interior 111. Consciência fenomenal ou iinsão <strong>do</strong><br />

utiliza<strong>do</strong>r de uma Ivláquuia Virtual. Epifenomenismo.<br />

CONCLUSÂO: Vale a pena fazer filosofia <strong>da</strong> mente? Um retorno às<br />

origens. 537<br />

Contexto histórico-sociológico <strong>da</strong> úiosofia <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong> ciência cog-<br />

nitiva. A tradição filosófica. Vale ou não vale a pena? - A nossa name-<br />

za mental. 539


«We must thinlc of mind as a phenomenon to wvhich the human case is not<br />

necessarily central, even though our minds are at the center of our xvorld.<br />

The fun<strong>da</strong>mental idea behind the ohjective impulse<br />

is that the world is not our worlòx<br />

Thomas Nagel, The Viezu From Noiuhere


Prólogo<br />

Este trabalho resulta de uma Dissertação de Doutoramento apresenta<strong>da</strong> à<br />

Facul<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>Porto</strong> em 2001. Espero que, na sua<br />

forma presente, ele sirva alguns propósitos práticos, nomea<strong>da</strong>mente que possa<br />

sei encara<strong>do</strong> como uma introdugão ao campo <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente e à história<br />

<strong>da</strong>s relagões desta com as ciências cognitivas. Espero que também possa servir<br />

como uma introdução ao pensamento <strong>do</strong> úiósofo americano D. Dennett.<br />

Um processo de reescrita é sempre complica<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> - e é esse<br />

o caso - se continua a trabalhar sobre os mesmos assiintos. Evitei portanto<br />

modificar demasia<strong>do</strong> o texto inicial.<br />

Tenlio muitos agradecimentos a fazer relativamente aos anos de preparação<br />

que conduziram à concliisão deste trabalho. Antes de mais, ao Professor Doutor<br />

Fernan<strong>do</strong> Gil, o Orienta<strong>do</strong>r <strong>da</strong> minha tese de Doutoramento, pelo seu incentivo<br />

e pelo exemplo que para mim sempre representou. Em segui<strong>da</strong>, à Professora<br />

Doutora Maria José Cantista, Co-Orienta<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> tese, por to<strong>do</strong> o apoio que sem-<br />

pre me deu em to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> profissional e pela sua amizade.<br />

Agradeço-lhe também pelo facto de, enquanto Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Gabinete de<br />

13losofia Contemporânea <strong>do</strong> Instinito de Fiiosofia <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Letras, ter<br />

apoia<strong>do</strong> e incentiva<strong>do</strong> a presente publicação, como de resto tem vin<strong>do</strong> a fazer<br />

nos últimos anos com a investigação em filosofia contemporânea na 1iLUP. Ao<br />

Professor Jo5o Braliquiiho, <strong>da</strong> Faciil<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Lisboa,<br />

que foi o arguenre <strong>da</strong> tese, qiiero agradecer os cotnetitários e siigestões, que não<br />

foram to<strong>do</strong>s aqui incorpora<strong>do</strong>s ou considera<strong>do</strong>s, mas que ficam regista<strong>do</strong>s para<br />

o meu futuro traballio. Quero agradecer ain<strong>da</strong> a duas pessoas pela leitura e co-<br />

mentários que foram fazen<strong>do</strong> de várias \~ersões <strong>do</strong> texto: o Dr. João Alberto<br />

Pinto, <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> I'orto, e o Professor Doutor<br />

António i\.lacliuco, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Lusófona de Humani<strong>da</strong>des e Tecnologias.<br />

Pelo contesto que propiciaram para um trabalho em curso, quero agradecer aos<br />

aiunos <strong>da</strong> cadeira de Filosofia <strong>do</strong> Conhecimento <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, no âmbito <strong>da</strong> qual tive a possibili<strong>da</strong>de, desde 1996 até<br />

2000, de ensinar Filosofia <strong>da</strong> Mente.<br />

Em termos institucionais, cabe-me agradecer vários apoios: <strong>do</strong> Gabinete de<br />

Filosofia hloderna e Contemporânea <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>


<strong>Porto</strong>, coordena<strong>do</strong> pela Professora Doutora Maria José Cantista, no âmbito <strong>do</strong><br />

qual foi possível uma primeira deslocação à New York University em Novem-<br />

bro/Dezembro de 1999, <strong>da</strong> Fnn<strong>da</strong>gão Luso Americana para o Desenvolvimento<br />

e <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, que em conjunto hanciaram a minha esta-<br />

dia como uisitirg scholar no Departamento de liilosofia <strong>da</strong> New York University<br />

no Semestxe de Outono de 2000 e <strong>do</strong> Departamento de Filosofia <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de<br />

de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, que propiciou as condições para a elabora-<br />

ção deste trabailio.<br />

Quero hahente dedicar este livro a duas pessoas que para ele muito contribuiram:<br />

o João, e a minha Avó, mari ia Alberta de Morais ~Miguens, que setnpre<br />

me incentivou em tu<strong>do</strong> o que quis fazer.<br />

<strong>Porto</strong>, Verão de 2002<br />

TSI -Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais<br />

MEM - Modelo <strong>do</strong>s Esboços ~Múlhplos<br />

SI - Sistema Intencional<br />

E1 - Estratégia Intencional<br />

ED -Estratégia <strong>do</strong> Design<br />

EF - Estratégia Física<br />

TRiiI -Teoria Representacional <strong>da</strong> Mente<br />

lbi - Representação Mental<br />

IS - The I~~/crrlior~alSta~~ce<br />

CE - Coriscious~~ess Exp/airrcd<br />

DDI - Danuini Dai~geruiis Idea<br />

IQ\,í - IGII~S of IWS<br />

BC - Brair~cbi/lii.eri<br />

Nota: Optou-se por considerar que formas como SI e RIVI valem para o sin<br />

guiar e para o plural.


Citações e traduções<br />

Optou-se por traduzir to<strong>da</strong>s as citações que aparecem no corpo <strong>do</strong> trabalho.<br />

As traduções são feitas diiectamente a parti <strong>da</strong> versão original <strong>do</strong>s textos. As<br />

citações que aparecem em nota são feitas na língua original. São por vezes manti<strong>do</strong>s<br />

termos e frases curtas na língua original no corpo <strong>do</strong> testo devi<strong>do</strong> i sua<br />

particular expressivi<strong>da</strong>de.<br />

Grande parte <strong>da</strong> terminologia <strong>da</strong> ciência cognitivz não está definitivamente<br />

f~ua<strong>da</strong> em porruguês. Frequentemente recorreu-se ao uso habimal de termos em<br />

áreas como a Inteligência Artificial e a Psicologia de mo<strong>do</strong> a estabelecer traduções.<br />

Assim, por exemplo, e~116edded11ess é traduzi<strong>do</strong> por embebimento,frm~eproiilef11<br />

por problema <strong>do</strong> enquadramento, iop-<strong>do</strong>1u11 e 6otio111-i@ como <strong>do</strong> topo para a<br />

base e <strong>da</strong> base para o topo. Os termos se& input e output são unliza<strong>do</strong>s na sua<br />

forma inglesa. Decidiu-se não traduzir o termo deszigir, que é corrente nessa forma<br />

por exemplo em áreas ariísticas. No entanto, traduziu-se o termo ziesig~cri por<br />

desenha<strong>do</strong> e por vezes por projecta<strong>do</strong>. Traduziu-se o termo a~uri-CIIPSS, que é frequentemente<br />

considera<strong>do</strong> como sinónimo de consciência e que é un termo<br />

chave para estabelecer dishções entre conteú<strong>do</strong> e consciência, por apercebimento.<br />

Em geral traduziu-se a palavra tokeri por espécime, a palavra lype por tipo e a<br />

palavra ki~dpor género. Os termos input c oiitput, a priori e a posteriori são considera<strong>do</strong>s<br />

como termos teóricos comuns e portanto nào sào escritos em itálico.<br />

O mesmo acontece com o termo desigl no âmbito <strong>da</strong> expressão 'Estratégia <strong>do</strong><br />

Design'.


Introdução<br />

Apresentação geral <strong>do</strong> trabalho. A jlosoja <strong>da</strong> mente.<br />

Ciência cognitiua como jlosojia redesco berta. Será a psicologia<br />

(ma;,) importante para ajlosoja (<strong>do</strong> qae as ozltras ciências)?<br />

Termos como desigrr, input e output, top-<strong>do</strong>m, bottom-up, embedded-<br />

11ess e arvareness, são amplamente utiliza<strong>do</strong>s em teoria <strong>da</strong> cognição -<br />

por exemplo na Psicologia e na Inteligência Artificial - e perrnitem-<br />

-nos falar sobre sistemas cognitivos ou agentes racionais que mani-<br />

festam inteligência ou consciência e que, como tal, presumivelmen-<br />

te utilizam representações, entre as quais auto-representações, para<br />

se comportarem no mun<strong>do</strong> físico. O estatuto de tais termos não é<br />

no entanto imediatamente claro. Este trabalho tem como objectivo<br />

avaliar as pretensões de esclarecimento desse estatuto avança<strong>da</strong>s por<br />

uma meta-teoria <strong>da</strong> copção a que se chama Teoria <strong>do</strong>s Sistemas<br />

Intencionais (TSI).<br />

De mo<strong>do</strong> geral utiliza-se o termo 'sistema' no senti<strong>do</strong> de enti-<br />

<strong>da</strong>de isola<strong>da</strong> ou isolável. Utiliza-se o termo 'racional' para nomear<br />

sistemas que 'guia<strong>do</strong>s por representações' se comportam de forma<br />

a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> ao ambiente em função de 'estruturas de finali<strong>da</strong>des'. E<br />

relativamente a esses sistemas racionais, que se analisa a natureza e<br />

conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais, a consciência e a auto-consciência,<br />

a existência de acções por oposição a meros movimentos, a identi-<br />

<strong>da</strong>de pessoal por oposição à mesrni<strong>da</strong>de de um corpo que persiste<br />

ao longo <strong>do</strong> tempo e, finalmente, a racionali<strong>da</strong>de que de acor<strong>do</strong><br />

com a TSI sustenta to<strong>da</strong>s as atribuições de características mentais.<br />

A primeira vista, este trabalho é sobre um autor, um filósofo<br />

americano contemporâneo, Daniel Dennett'. No entanto, aquilo<br />

que de facto se pretende é utilizar a obra de Dennett como fio con-<br />

I N. 1942, lvíA Harvnrd 1963, DPhii Oxford 1965.


dutor para a exposição e avaliação de determina<strong>do</strong>s problemas e<br />

teses <strong>da</strong> €<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> mente. É por essa razão que a dissertação se<br />

intitula rcnla teoria: a TSI proposta por Dennett é uma de entre as<br />

várias teorias que na filosofia <strong>da</strong> mente competem no senti<strong>do</strong> de<br />

esclarecer a natureza <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência. Assim, enibora<br />

se proponha que a TSI constitui um ponto de observação privilegia<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s principais debates que atravessaram a filosofia <strong>da</strong> mente<br />

e a ciência cognitiva nos últimos trinta e cinco anos, aproxima<strong>da</strong>mente,<br />

admite-se que tais debates possam também evidenciar alguns<br />

<strong>do</strong>s seus limites. A particular teoria analisa<strong>da</strong> neste trabalho, a<br />

TSI, é em última análise uma teoria normativa ou transcendental <strong>da</strong><br />

mente. Entende-se por teoria normativa ou rranscendental uma<br />

teoria segun<strong>do</strong> a qual objectos são inteligíveis em virtude de um<br />

compromisso prévio quanto àquilo que eles podem ser. É certo que<br />

o próprio Dennett não se refere nunca à TSI como uma teoria transcenden~al.<br />

No entanto, alguns <strong>do</strong>s intérpretes <strong>do</strong> seu pensamento<br />

não hesitam em fazê-lo2 e este trabalho a<strong>do</strong>ptará tal posição. É<br />

importante no entanto que fique claro que alguns <strong>do</strong>s tratamentos<br />

não meramente expositivos <strong>da</strong> TSI que aqui se leva a cabo não<br />

seriam facilmente aceites por Dennett. Por exemplo no que & respeito<br />

à consideração <strong>da</strong> TSI como teoria transcendental <strong>da</strong> mente,<br />

tu<strong>do</strong> o que se encontra no próprio Dennett é a ideia de que uma<br />

suposição de racionali<strong>da</strong>de é constitutiva <strong>do</strong> mental enquanto mental,<br />

sen<strong>do</strong> unicamente mediante uma Estratégia Intencional @I)<br />

que sistemas físicos são interpreta<strong>do</strong>s como mentais ou cognitivos.<br />

A TSI é uma teoria quineana <strong>da</strong> interpretação de sistemas físicos<br />

supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de. Inicialmente detini<strong>da</strong> como uma teoria fisicalista,<br />

funcionalista e instrumentalista <strong>do</strong> mental, ela abarca neste<br />

momento um conjunto de posições sofistica<strong>da</strong>s relativamente aos<br />

fenómenos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência. A TSI é assim, nomea<strong>da</strong>mente,<br />

um realismo modera<strong>do</strong> (acerca <strong>da</strong> ~zut~~re~a <strong>da</strong>s represe~~ta,cões em<br />

sistemas cognitivos), um teleofuncionalismo interpretativista (quanto<br />

ao co~zteríno dessas representações), um nülismo <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> (quanto<br />

aopoder e.@cahvo <strong>da</strong>s noções semânticas). Estas posições perante<br />

a natureza <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> são acompanha<strong>da</strong>s por uma teoria deflacionária<br />

<strong>da</strong> consciência, eliminativista relativamente aos qi/alid e por<br />

' CL por exemplo FODOR & LEPOIUI 1992 e I-LrlUGELAND 1997.<br />

' O teimo qr!eiin lin eurilira<strong>do</strong> ns filosotin <strong>da</strong> menrc para referi ns quali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> espcritiicis senU-<br />

<strong>da</strong> e o esrnniro espccial de tais quali<strong>da</strong>des no irnbiro <strong>do</strong> mcnrnl.<br />

uma teoria naturalista e normativa (e por isso gradualista) quanto à<br />

riatureza de pessoas e de acções. Globalmente considera<strong>da</strong>, a TSI<br />

representa ain<strong>da</strong> uma posição ecumémica relativamente à distribuição<br />

<strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de por enti<strong>da</strong>des naturais e artificiais.<br />

Se oj~caLsnzo é, em traços gerais, a convicção de que a natuieza <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> é fun<strong>da</strong>mentalmente física, oj~~~iodsnzo é a ideia segun<strong>do</strong> a<br />

qual a natureza <strong>da</strong> cognição é independente <strong>do</strong> substracto material<br />

desta. Esta exploração psicológica e hlosófica <strong>da</strong> diferenca entre hardwure<br />

e sofiare redun<strong>da</strong> no dualismo caracteústico de muitas <strong>da</strong>s teorias<br />

contemporâneas <strong>da</strong> cognição. Ser i~zstn/nzentu/zsta acerca de alguma<br />

coisa é udizá-la por motivos pragmáticos sem lhe conceder reali<strong>da</strong>de<br />

ou importância fun<strong>da</strong>mental. O insrrumentalismo aqui em causa é um<br />

instrumentalismo quanto à linguagem mental. Mas a TSI vem a mosrrar<br />

não ser exactamente instrumentalista: o que ela faz é ligar o<br />

reconhecimento <strong>do</strong>s padrões <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de ao ponto de vista de um<br />

intérprete, consideran<strong>do</strong> que os padrões são reconhecíveis pelo intérprete<br />

devi<strong>do</strong> i reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> desig~ que lhes subjaz.<br />

O niihsnzo <strong>do</strong> s&n$ca<strong>do</strong>4 traduz-se, por sua vez, nos termos <strong>da</strong> TSI,<br />

na ideia segun<strong>do</strong> a qual não existem 'máquinas semânticas' (senza~~hc<br />

e~gi~zes): o facto de alguma coisa significar não pode ser responsável<br />

pela causacão <strong>do</strong> que quer que seja. Sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o sistema cognitivo<br />

um sistemajsico, a linguagem mentalista (que descreve sistemas físicos<br />

em termos de razões, significa<strong>do</strong>s, pensamentos) não descreve<br />

nunca os processos causais que finalmente e realmente guiam os<br />

comportamentos. Num mun<strong>do</strong> de máquinas semânticas o mental<br />

seria causalmente eficaz e a linguagem mentalista seria explicauva.<br />

No nosso mun<strong>do</strong>, o 'mental' é apenas uma interpretação holista de<br />

sistemas físicos e um atalho heunstico. Deflacionar é, por outro<br />

la<strong>do</strong>, diminuir o valor de alguma coisa. Esta intenção traduz-se no<br />

âmbito <strong>da</strong> teoria dennetiana <strong>do</strong> mental na identificação <strong>da</strong> consciência<br />

com uma certa incorrigibili<strong>da</strong>de no auto-acesso de sistemas,<br />

característica <strong>da</strong> produção de relatos (hguísticos) acerca de si, por<br />

oposição a alguma aparição fun<strong>da</strong>mental e a-conceptual ou a uma<br />

especifici<strong>da</strong>de ontológica <strong>do</strong> sentimento de si ou <strong>da</strong> experiência de<br />

ser. O Modelo <strong>do</strong>s Esboços Múltiplos (MEhi), a teoria <strong>da</strong> consciência<br />

que a TSI enquadra, é de natureza deflacionária.<br />

A partir destas posições básicas, o funcionalismo, a deflação e<br />

um instrumentalismo que é afinal apenas interpretati~lsmo, a TSI<br />

'A orprcss6o i uurilizsds por J. Fo<strong>do</strong>r e B Jxpore. Cí. PODOR &LEl'ORCI 1992


pretende analisar a subjectivi<strong>da</strong>de a partir de vários ângulos. Um<br />

<strong>do</strong>s objectivos deste trabalho é verificar se a análise proposta é glo-<br />

balmente coerente, se ela constitui realmente uma teoria fisicalista<br />

<strong>do</strong> mental e se é legítimo fazer uso de uma suposição de racionali-<br />

<strong>da</strong>de na interpretação mentalista de sistemas físicos sem oferecer<br />

uma teofia explícita <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de.<br />

Além de abor<strong>da</strong>r problemas concretos de um <strong>do</strong>mínio (a filoso-<br />

fia <strong>da</strong> mente) através <strong>da</strong>s soluções para esses problemas explora<strong>da</strong>s<br />

na obra de um filósofo (Daniel Dennett), o presente trabalho tem<br />

como intenção situar Dennett no âmbito <strong>da</strong> história <strong>da</strong> filosofia<br />

anaiítica. Ora, a situação <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente no âmbito <strong>da</strong> filoso-<br />

fia analítica é inseparável <strong>do</strong> desenvolvimento recente <strong>da</strong> ciência<br />

cognitiva'. Assim, um outro objectivo <strong>do</strong> trabalho é investigar a<br />

relação <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente com a história <strong>da</strong> ciência cognitiva nas<br />

últimas déca<strong>da</strong>s, nomea<strong>da</strong>mente focan<strong>do</strong> debates com grande peso<br />

filosófico tais como os debates em torno <strong>da</strong> existência de uma h-<br />

guagem <strong>do</strong> pensamento, <strong>da</strong> existência de imagens mentais, <strong>da</strong> natu-<br />

reza <strong>da</strong> consciência, <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong>s<br />

conceitos, etc. Não é sequer necessário introduzir a partir de fora<br />

tais discussões <strong>da</strong> ciência cognitiva uma vez que elas aparecem<br />

namalmente no trabalho <strong>do</strong>s filósofos.<br />

No entanto, não é apenas o teor <strong>da</strong> investigação empíríca acerca<br />

de cognição que importa quan<strong>do</strong> se procura investigar a relação <strong>da</strong><br />

filosofia <strong>da</strong> mente com a ciência cognitiva: importam também as<br />

posições alternativas defendi<strong>da</strong>s por hlósofos relativamente a essa<br />

investigação. Embora nem to<strong>da</strong>s as teorias <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> cons-<br />

ciência que divergem <strong>da</strong> de D. Dennett sejam aqui considera<strong>da</strong>s,<br />

procurar-se-á tanto quanto possível, <strong>da</strong>r voz a hlósofos que, no<br />

mesmo peno<strong>do</strong>, no mesmo contexto e li<strong>da</strong>n<strong>do</strong> com idênticos <strong>da</strong><strong>do</strong>s<br />

provenientes <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s cientificos <strong>da</strong> cogmção defenderam posi-<br />

ções em tensão com as posições de Dennett? Quanto à teoria <strong>da</strong><br />

' Traduzirse-á iq,t>iiivc rie~m por ciéncin cognitiva c nío por ciências cognitiiiis. Embora n 'ciên-<br />

cia cognitivn' não seja uma disciplina mas uma consrcb~ão dc vitins disciplinas to<strong>da</strong>s dzs tem por<br />

objecto a 'cognição'.<br />

' Um caso muito especial é o D. Dwidson, quc defende uma teoiia <strong>da</strong> mcnre com inúmcros<br />

paralclirmos com a dc Dennerr (cf DAVIDSON 1980 e DAVIDSON 1984). O pensamenro de D.<br />

Davidson não sed muito explora<strong>do</strong> nesrc mbalho devi<strong>do</strong> no facto dc Davidson "no ser cenualmenre<br />

um Gi6sofo dn ciência cognitiva. No entanto, exactamente como Dennert, Davidson pensa que arco-<br />

"a <strong>da</strong> mcnte parte <strong>da</strong> siniaqão quuicani dc inreiprew~ão idical, é uma teotin (iioiisrn) dn InterpretaçZo<br />

que jpre)supÕe a raciondi<strong>da</strong>de, nega n uistência de leis psicotisicas e dcfcnde n Kredutibilidnde<br />

<strong>do</strong> aspecto normativo <strong>do</strong> pensamcnro.<br />

IJm Teoria Fi~icaiiita <strong>do</strong> Coirte~i<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~sciê~icia<br />

representação são disso exemplo autores como Jerry Fo<strong>do</strong>r, defenden<strong>do</strong><br />

o realismo intencional7, Fred Dretske investigan<strong>do</strong> o papel <strong>da</strong><br />

informação na explicação <strong>do</strong> comportamento8, Ruth MiUilian elaboran<strong>do</strong><br />

uma biossemântica teleohcionalista~u Paul Churchland<br />

propon<strong>do</strong> o materialismo eliminati~o'~. Relativamente ao problema<br />

<strong>da</strong> consciência David Chalmers", John SearleI2 e Frank Jackson13 são<br />

alguns <strong>do</strong>s filósofos que ao contrário de Dennett consideram a<br />

questão <strong>da</strong> consciência uma questão metafisica fun<strong>da</strong>mental.<br />

A filosofia <strong>da</strong> mente, e não apenas a filosofia de Dennett, vive<br />

hoje <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de que estabelece com a investigação empírica<br />

muitidisciphar acerca <strong>da</strong> cognição. Os tópicos clássicos <strong>da</strong> filosofia<br />

<strong>da</strong> mente, tais como a consciência, a representação e a causação<br />

mental, são frequentemente trata<strong>do</strong>s (tal como Quine prescreveuI4)<br />

em continui<strong>da</strong>de com o trabalho científico sobre o mental. A enorme<br />

quanti<strong>da</strong>de de investigação empírica em ciência cognitiva nas<br />

Últimas déca<strong>da</strong>s explica aliás em parte, de um ponto de vista sociológico,<br />

o protagonismo <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente dentro <strong>da</strong> filosofia<br />

analítica no perío<strong>do</strong> em causa. Como af~ma J. Ih, «nas últimas<br />

duas déca<strong>da</strong>s, aproxima<strong>da</strong>mente, a filosofia <strong>da</strong> mente tem si<strong>do</strong> uma<br />

área extraordinariamente activa e excitante. O campo cresceu enormemente,<br />

e (...) houve avanços significativos no nosso entendimento<br />

<strong>da</strong>s questões respeitantes à mente (...) Este boom foi em<br />

parte, devi<strong>do</strong> ao ímpeto forneci<strong>do</strong> pelo crescimento explosivo,<br />

desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século, <strong>da</strong> ciência cognitiva~'~. Ora, o crescimento<br />

explosivo <strong>da</strong> ciência cognitiva é importante para a filosofia.<br />

Mesmo que o estu<strong>do</strong> científico <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong> cognição possa ser<br />

considera<strong>do</strong> como a invasão de um território tradicionalmente filosófico,<br />

o que se verifica é que «a ciência cognitiva é, em grande<br />

parte, filosofia redescoberta e (...) filosofia reabilita<strong>da</strong>»'! Um primeiro<br />

aspecto dessa reabilitação é o renascimento de teorias realis-<br />

FODOR 1975. FODOR 1987. DODOR 1998<br />

"' CHURCHLAND 1981.<br />

"JACI


tas <strong>da</strong> representação, que há muito pareciam aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong>s". Einbo-<br />

ra o autor central neste trabalho pareça @elo menos ã primeira<br />

vista) defender uma posição anti-realista acerca <strong>da</strong> representação,<br />

mesmo para ele o realismo renasci<strong>do</strong> é incontornável. É por essa<br />

razão aliás, que o realismo intencional de J. Fo<strong>do</strong>r é o contraponto<br />

constante <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong> TSI. O facto de estar em causa uma<br />

investigação cieiztijica <strong>do</strong> mental é naturalmente uma <strong>da</strong>s razões para<br />

o menciona<strong>do</strong> renascimento <strong>do</strong> realismo. No entanto, <strong>da</strong><strong>do</strong> o re-<br />

torno <strong>do</strong> realismo <strong>da</strong> representação, o problema é saber se ele sus-<br />

tenta uma posição metafísica tambem ela realista. Um segun<strong>do</strong><br />

aspecto envolvi<strong>do</strong> na reabilitação <strong>da</strong> fiiosofia é o surgimento de<br />

uma clara necessi<strong>da</strong>de de fun<strong>da</strong>mentação epistemológica. O traba-<br />

lho empírico sobre o mental foi sen<strong>do</strong> naturalmente acompanha<strong>do</strong><br />

por uma reflexão que só pode ser qualifica<strong>da</strong> como fiiosófica, mes-<br />

mo que muito <strong>do</strong>s seus praticantes não sejam hlósofos profissio-<br />

nais. A reflexão epistemológica é uma vocação clássica <strong>da</strong> fiiosofia<br />

e uma vocação específica <strong>da</strong> fiiosofia modeina - pense-se em auto-<br />

res como Descartes, Leibniz, Hume, ICant - caracteriza<strong>da</strong> por<br />

acompanhar a ciência natural em desenvolvhento. É essa mesma<br />

vocação epistemológica <strong>da</strong> filosofia que é solicita<strong>da</strong> contempora-<br />

neamente pela ciência cognitiva. Simplesmente não se trata agora<br />

de fun<strong>da</strong>mentar a física clássica, a mecânica galilaica ou newtonia-<br />

na, mas a investigação científica <strong>do</strong> mental como parte <strong>da</strong> nature-<br />

za. Uma certa identi<strong>da</strong>de de intenção <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente con-<br />

temporânea e <strong>da</strong> epistemologia clássica, <strong>do</strong>s séculos XVII e XVIII,<br />

explica o facto de os problemas de ambas se assemelharem tão<br />

estranhamente, tanto que não é raro encontrar apologias de posi-<br />

ções em filosofia <strong>da</strong> mente inicia<strong>da</strong>s com o dualismo de Descartes,<br />

o paralelismo de Leibniz ou o monismo de Espinosa ou posições<br />

acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência nomea<strong>da</strong>s como harmonia<br />

pré-estabeleci<strong>da</strong> ou epifenomenismo". De certo mo<strong>do</strong>, uma nova<br />

inocência parece ter si<strong>do</strong> ganha após o divórcio entre a filosofia e<br />

as ciências naturais notório em muito <strong>do</strong> trabalho filosófico <strong>do</strong>s<br />

séculos XIX e XX.<br />

" Bsw mortc nuncn foi dchitiva, mns em vicios quarreirões dr Úlosafia o reaiismo era sim<br />

plesinenrc inadmissi\.cl. Basra pensar, rclsrivamenre à teoria anaiitica <strong>do</strong> inenrrl, na grandc influEncia<br />

dc G. Ryle e dc L.\Virrgensrcin.<br />

" Cf. DBNNRTT 1998b. Dcnnerr louva Dretske por, precisrmenre, n%o se coibii de u&eai cais<br />

termos (epifcnomenismo, Iisimonin pri-cstnbclecidx) nnas discussúcs sobre conreú<strong>da</strong> mental, uma<br />

vez quc é precisarncnre isso quc csr6 em causa.<br />

Uma Tcorm Fisicniisia <strong>do</strong> Co~~tciicio c <strong>da</strong> Coirsciêricio<br />

A questão epistemológica <strong>do</strong> fun<strong>da</strong>mento aparecerá, neste traba-<br />

lho, em primeiro lugar. Segun<strong>do</strong> Dennett, cabe à fiiosofia <strong>da</strong> mente<br />

j'i~n<strong>da</strong>mctrtar (e não competir com) teorias neurofisiológicas, psicológi-<br />

cas, computacionais <strong>da</strong> cognição, procuran<strong>do</strong> clarificar as suposiçõ-<br />

es metafísicas que estas inevitavelmente fazem. Uma teoria hlosófica<br />

<strong>da</strong> mente deverá, assim, estz prepara<strong>da</strong> para responder a questões<br />

tais como: Existem mentes? Em que senti<strong>do</strong> ex'stenz? Serão as men-<br />

tes físicas? A teoria <strong>da</strong> cognição porá em causa que a maneira básica<br />

de existir seja física? Como sabemos seja o que fôr acerca de mentes?<br />

Em que senti<strong>do</strong> são as mentes responsáveis pela constituição de<br />

mun<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>? Podem esses mun<strong>do</strong>s ser incompatíveis?<br />

Estas questões mais directamente teóricas (metafísicas, ontológicas,<br />

epistemológicas) não podem deixar de trazer consigo questões éticas<br />

ou proto-éticas. Exemplos de tais questão são: Porque é que para<br />

algumas mentes, ao contrário <strong>do</strong> que acontece com as pedras ou as<br />

estrelas, as coisas importam, sen<strong>do</strong> não apenas apercebi<strong>da</strong>s mas tam-<br />

bém senti<strong>da</strong>s? Como se relacionam o mental e o sentimento de si?<br />

Como se relacionam o eu e a consciência com o controlo <strong>do</strong> com-<br />

portamento? Em que é que uma acção voluntária de uma enti<strong>da</strong>de<br />

consciente difere de um mero movimento? O que é que isso tem a<br />

ver com a existência de 'pessoas'?<br />

Mesmo se to<strong>da</strong>s estas questão estão tacitamente presentes na<br />

investigação empkica <strong>da</strong> cognição, as respostas não aparecem sim-<br />

plesmente a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s desta. De facto, a TSI não é uma<br />

hipótese empírica acerca <strong>do</strong> mental mas sim, em grande parte, uma<br />

hipótese apriorista. Aiguns autores chamam-lhe mesmo, como foi<br />

dito, uma hipótese transcendental, entenden<strong>do</strong> por transcendental,<br />

repita-se, a ideia segun<strong>do</strong> a qual objectos teóricos apenas são inte-<br />

ligíveis em virtude de um coinpromisso prévio que marca os limi-<br />

tes <strong>da</strong>quilo que eles podem ser. Esse seria o caso <strong>do</strong> mental como<br />

objecto de pensamento. Admitin<strong>do</strong> que uma teoria hlosófica <strong>da</strong><br />

mente consiste num trabalho conceptual de fun<strong>da</strong>mentação, não<br />

duplican<strong>do</strong> o trabalho empírico, ain<strong>da</strong> assim a resposta ãs questões<br />

acima enumera<strong>da</strong>s não pode ser puramente conceptual e apriorista.<br />

Ela só poderá surgit, segun<strong>do</strong> Dennett, de um inquérito impuro.<br />

Noutras palavras, a teoria fiiosófica <strong>da</strong> mente não pode ignorar o<br />

trabalho empírico sobre cognição. A 'impureza' <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente<br />

defendi<strong>da</strong> por Dennett reflectii-se-i neste trabalho numa troca<br />

constante (e numa deambulação, sem necessi<strong>da</strong>de de delimitação<br />

estrita) enee filosofia e psicologia.


É ver<strong>da</strong>de que se auibui aqui um senti<strong>do</strong> muito lato ao termo<br />

'psicologia', de acor<strong>do</strong> com o qual a psicologia diz respeito a qualquer<br />

tipo de mente e não apenas às mentes humanas ou biologicamente<br />

realiza<strong>da</strong>s. Considera-se que este senti<strong>do</strong> de 'psicologia' foi<br />

justifica<strong>do</strong> por H. Putnam com o desenvolvimento <strong>da</strong>s ideias funcionalistas<br />

nos anos 60". Segun<strong>do</strong> o funcionalismo, como já se afirmou,<br />

a natureza <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais é de uma maneira importante<br />

independente <strong>do</strong> substracto material que os implementa. Os predica<strong>do</strong>s<br />

psicológicos são assim, de certa maneira, não físicos. Esta<br />

afirmação só obtem, obviamente, to<strong>do</strong> o seu peso se fôr entendi<strong>da</strong><br />

no âmbito de um estu<strong>do</strong> científico e materialista <strong>da</strong> cognição.<br />

J. Fo<strong>do</strong>r, em Tbe Lat'guage 4 Tbozlght (1975), uma obra central no<br />

peno<strong>do</strong> de que se ocupará este trabalho, afirma que durante muito<br />

tempo ficou mal aos Glósofos psicologizarem e aos psicólogos GiosofaremZ0.<br />

Afirma-o antes de declarar que é exactamente isso que vai<br />

fazer. Psicologia especulativa, conceptualmente disciplina<strong>da</strong>, e Giosofia<br />

empincamente informa<strong>da</strong>: é esse o teor <strong>do</strong> trabalho de Giósofos<br />

como D. Dennett e de J. Fo<strong>do</strong>r, e é isso que os torna representantes<br />

centrais <strong>da</strong> inovação meto<strong>do</strong>lógica em filosofia que a filosofia <strong>da</strong><br />

mente <strong>da</strong>s dtimas déca<strong>da</strong>s constitui. Uma tal opção meto<strong>do</strong>lógica,<br />

que não é obviamente partilha<strong>da</strong> por to<strong>do</strong>s os filósofos analíticos<br />

contemporâneos, é uma consequên<strong>da</strong> possível <strong>do</strong> imperativo quineano<br />

de naturalização <strong>da</strong> epistemologia, e de algum mo<strong>do</strong> conduz a<br />

considerar a Giosofia <strong>da</strong> mente como um ramo <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> dência.<br />

Mais especificamente a Giosofia <strong>da</strong> mente é Giosofia <strong>da</strong> psicologia<br />

num senti<strong>do</strong> generaliza<strong>do</strong>, um senti<strong>do</strong> em que o termo 'psicologia'<br />

nomeia to<strong>da</strong>s as disciplinas científicas que se ocupam <strong>do</strong> mental,<br />

desde aquelas que estão mais próximas <strong>da</strong> engenharia e <strong>da</strong> biologia,<br />

como é o caso, respectivamente, <strong>da</strong> Inteligência Artificial e <strong>da</strong>s neurociêucias,<br />

até aquelas que se ocupam com níveis mais afasta<strong>do</strong>s <strong>da</strong><br />

implementação material, como a etologia cognitiva e a linguística.<br />

O trabalho de filósofos <strong>da</strong> mente como Dennett e Fo<strong>do</strong>r pode<br />

parecer, à primeira vista, pertencer àquele a que Putnam chama o<br />

sbaIlower leueF1, um nível mais superficial <strong>da</strong> f<strong>do</strong>sofia, em que se trata<br />

'O O lugar clhssico dcstas ideias hincionnlisras sio os srtigos Atirrdr aod Moihii,ei (PUTNAM<br />

1960). Thc Alitiire o/ iMliilalSlo/c~ (PUTNAhl 1967n), Rohois: iM0~hiiier orAi/$&l& CrintedIL~ (PUT~<br />

NAhI 196% Thc Mc~itnI L> o/ Sonze ~i.r,6hi,rc~ (PUTNAM 1967b) reufi<strong>do</strong>s no 2" valuine @Iind,<br />

~zIJ~'s's's~~ md Rtnlip) <strong>do</strong>s Piiio~opiiiiiIPaporf dc H. I'umam (PUTNAh.1 1975).<br />

" FODOR 1975: vü-vui «Shce (...) psycholo@zing nnd philosophizhg arc muniaiig hcomprtibic<br />

nctivities, thesc sccusntions weie rcccivcd with grwe concernn.<br />

'' Cf. I'UTNAhI 1988.<br />

Uma Teoria liiJiniilsfa <strong>do</strong> Co~~te~i<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~~~iêr~Liin<br />

de questões 'pequenas e práticas' como 'Pode-se atribuir crenças a<br />

paramécias, ostras ou macacos?, por oposi~ão às grandes questões<br />

como 'Será que a reali<strong>da</strong>de é independente <strong>do</strong> pensamento?' ou<br />

'Será que o pensamento é independente <strong>da</strong> linguagem?'. No entanto,<br />

as explorações desse nível mais superficial, ou menos directamente<br />

metafísico, contribuem muito para a própria quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

tratamento teórico <strong>da</strong>s grandes questões metafísicas. Mas se Giósofos<br />

como Dennett e Fo<strong>do</strong>r se dedicam à investigação <strong>da</strong> cognição<br />

la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com cientistas, não é conveniente ocultar que, para muitos<br />

filósofos analíticos, o puro armchair knowl-ge, o esclarecimento<br />

conceptual em grande medi<strong>da</strong> apriorista, continua a ser o núcleo<br />

meto<strong>do</strong>lógico <strong>da</strong> filosofia. Deste ponto de vista, que se poderia<br />

considerar representa<strong>do</strong> por exemplo por Thomas Nagel ou Michael<br />

Dummett, a filosofia <strong>da</strong> mente tal como Fo<strong>do</strong>r ou Dennett a<br />

praticam representa uma concessão excessiva <strong>do</strong> fdósofo às suas<br />

próprias inchações científicas.<br />

Face a essa crítica possível e admitin<strong>do</strong> que o impacto <strong>da</strong> ciência<br />

cognitiva foi decisivo no desenvolvimento <strong>da</strong> Giosofia americana<br />

pós-quiniana, um outro aspecto <strong>da</strong> intenção de alguma maneira<br />

histórica deste trabalho, é a caracterização desse desenvolvimento.<br />

Escolhen<strong>do</strong> Dennett como referência num trajecto pela f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong><br />

mente procura-se explicitar algumas raízes <strong>da</strong> recente maneira americana<br />

de fazer Giosofia, de mo<strong>do</strong> a enfrentar directamente a cntica<br />

de certos autores (como por exemplo M. Durnmett) segun<strong>do</strong> os<br />

quais essa maneira representaria uma regressão relativamente à<br />

sofisticação consegui<strong>da</strong> pela filosofia analítica anterior. Esta, na tradição<br />

de Frege e de Wittgeustein, ao conceber a meto<strong>do</strong>logia filosófica<br />

como uma análise <strong>do</strong> pensamento feita através <strong>da</strong> análise <strong>da</strong><br />

linguagem e ao conceber portanto a filosofia como primwamente<br />

f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> linguagem, conseguiria uma 'extrusão' (na expressão de<br />

M. Dummett) <strong>do</strong> pensamento em relação à mente individual2' que<br />

evitaria o erro de conceber sem mais que os pensamentos, a vi<strong>da</strong><br />

mental, fazem parte <strong>do</strong> fluxo de consciência <strong>do</strong> indivíduo empírico.<br />

Esta orientação teria si<strong>do</strong> perdi<strong>da</strong> em grande parte <strong>da</strong> filosofia<br />

americana contemporânea, com a desastrosa opção pela filosofia<br />

<strong>da</strong> mente em detrimento <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> linguagem, trazen<strong>do</strong> consigo<br />

os perigos <strong>do</strong> cientismo, <strong>do</strong> psicologismo e <strong>da</strong> esterili<strong>da</strong>de.<br />

" Cf. DUhLhlETi 1993: 22. hl. Dummctt considcn ali& quc foi tambCm este o impcrati5.o quc<br />

presidiu i géncse <strong>da</strong> fenomcnoiogia.


No pensamento de Dennett permanecem muitas margens indefmi<strong>da</strong>s<br />

e muitas respostas incompletas, possivelmente por razões<br />

como as aponta<strong>da</strong>s por Dumrnett. Há nomea<strong>da</strong>mente um lugar vazio<br />

para a especificação de uma teoria <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de que sustente<br />

a teoria <strong>da</strong> representação proposta, bem como a necessi<strong>da</strong>de de<br />

uma ontologia mais elabora<strong>da</strong>, que explore a relação entre o ponto<br />

de vista evolucionista acerca <strong>da</strong> ontologia e <strong>da</strong> metafísica na TSI e<br />

o fisicalismo. A filosofia de Dennett é, no entanto, uma filosofia<br />

prática, no senti<strong>do</strong> em que está comprometi<strong>da</strong> com o trabaho<br />

empúico. Para além disso, pode-se sempre pensar que se a teoria <strong>da</strong><br />

mente aparece como a teoria de um híbri<strong>do</strong> deselegante, e se ela<br />

captura a natureza nas suas articulações, então é porque o mental é<br />

um híbri<strong>do</strong> deselegante. É preciso considerar essa hipótese, por<br />

mais que ela contradiga séculos de especulação filosófica em torno<br />

de uma razão 'pura', teórica e práticaz3, que permitiria enfrentar<br />

mais directamente as acima menciona<strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

ontologia. O trabalho de Dennett não é aliás uma filosofia prática<br />

apenas na medi<strong>da</strong> em que acompanha a ciência empírica mais relevante<br />

e aposta numa ontologia e epistemologia científicas statz<strong>da</strong>rd e<br />

conserva<strong>do</strong>ras. O próprio autor assume praticar «a escrita filosófica<br />

com um espírito de engenharia», consideran<strong>do</strong> que «desenha e<br />

conseói dispositivos - argumentos, bombas de intuição (ixtl/ition<br />

PIII~I~S),<br />

máquinas de metáforas - que supostamente atingírão deter-<br />

mina<strong>do</strong>s efeito^))^'. Por outro la<strong>do</strong>, e ain<strong>da</strong> num terceiro senti<strong>do</strong>, a<br />

filosofia de Dennett é uma filosofia prática na medi<strong>da</strong> em que con-<br />

sidera a teoria <strong>da</strong>s pessoas e <strong>da</strong>s acções como o ponto culminante<br />

<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente. Os conceitos de pessoa e de acção esclarecem-<br />

-se mutuamente e um tal esclarecimento apenas tem lugar, eviden-<br />

temente, após o esclarecimento <strong>da</strong>s noções de conteú<strong>do</strong> e de cons-<br />

ciência. A teoria <strong>da</strong>s pessoas e <strong>da</strong>s acções é um ponto delica<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

filosofia <strong>da</strong> psicologia, no qual está em causa a relação entre o co-<br />

nhecimento empírico e a norinativi<strong>da</strong>de. Apesar dessa dificul<strong>da</strong>de,<br />

a exploração <strong>do</strong>s fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> ética é uma constante no traba-<br />

lho de Dennett, que considera que a teoria <strong>da</strong> mente envolve inevi-<br />

x L ~videntemcntc, os acima cita<strong>da</strong>s séculos de divórcio enuc úiosoúa c citnciis natursis os accu<br />

( , . c :<br />

los S(S e XX), muito chio pclo menos na fùosoúa n que os filósofos aiisiiticos dismnriam cona~<br />

nental, corrcspondernm a úlosofins <strong>da</strong> rarão impun (pcnsc-sc nn filosofia de Nienscl>e, ou iio esistencialisrno).<br />

Simplesmente essa teoiia <strong>da</strong> nrjo impura foi sobrcru<strong>do</strong> uma rcorizaqào exisrencial e<br />

não tanto cpisiemológica, como se6 o caso aqui.<br />

" DENNBIT 1993: 203.<br />

Urna Teoria Fisicalirta <strong>do</strong> Cor~terino e <strong>da</strong> Corrsciêrl~ria<br />

tavelmente no caso humano uma teoria <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de (personhoon)<br />

e que o conceito de accão é central para a própria possibili<strong>da</strong>de de<br />

pessoas (por oposição a, ou em acrescento a, organismos humanos<br />

vivos ou outro tipo de enti<strong>da</strong>des).<br />

De acor<strong>do</strong> com o que se tem vin<strong>do</strong> a afirmar, a ciência cogniti-<br />

va não poderia deixar de constituir o pano de fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trajecto<br />

filosófico de Dennett. Ela é hoje um campo disciplinar plenamen-<br />

te constituí<strong>do</strong> (sobretu<strong>do</strong> nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s), presente em inú-<br />

meros programas universitários de ensino e investigação. A expres-<br />

são cognin've sn'etzce só começou a ser utiliza<strong>da</strong> nos anos 70, mas ages-<br />

tação <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> revolução cognitiva2' pode ser reporta<strong>da</strong> à ciber-<br />

nética <strong>do</strong>s anos 40". O nascimento de facto <strong>da</strong> ciência cognitiva é<br />

normalmente fura<strong>do</strong> em 1956, e não é uma coincidência indiferen-<br />

te que essa seja também a <strong>da</strong>ta oficial de nascimento <strong>da</strong> Inteligência<br />

Artificial. O nascimento <strong>da</strong> ciência cognitiva é fura<strong>do</strong> em 1956 por<br />

ser essa a <strong>da</strong>ta de um encontro acerca de teoria <strong>da</strong> informação no<br />

MIT, na qual estiveram presentes Allen Neweil e Herbert Simon,<br />

Noam Chomslry e George Miller, apresentan<strong>do</strong> respectivamente os<br />

artigos The Logic Theoly Machine, Three Models for the Desnipn'on o?<br />

Lang~/age, The Magid Number Seuen, Phs or Minus TwoZ7. Foi aí que,<br />

na conheci<strong>da</strong> descrição <strong>do</strong> psicólogo George Miller, a convicção de<br />

que várias disciplinas eram pecas de um to<strong>do</strong> mais vasto se impôszx.<br />

Esse to<strong>do</strong> mais vasto visa<strong>do</strong> por várias disciphas pode ser chama-<br />

<strong>do</strong> a cognição, o mental, a agência (agetzcy) inteligente, e as maneiras<br />

de o estu<strong>da</strong>r são muito varia<strong>da</strong>s2'.<br />

I' Cf. GARDNER 1984 para um crru<strong>da</strong> llistóiico <strong>da</strong> revolução cognitiva, cm várias disciplinas<br />

@sicologia, Çiosofia, Inteligência Artificial, neurocitncis, antropologia)<br />

" Cf DUPUY 1994. J.P. Dupuy pnrre <strong>da</strong> hipótese de que n ciéncia cognitivn rem a sua origem<br />

no movimento cibernética, no quai teria si<strong>do</strong> pela primein vei erplon<strong>da</strong> í ideV segun<strong>do</strong> a qual o<br />

que C únportantc para n cxisttncia <strong>do</strong> incntrl não C a orgnnizs~ão cancrcta ou os materiais de um<br />

determina<strong>do</strong> sistcms mas uma organização causal ~bstrncis quc sc mantém hvariantc dc sistcma para<br />

sistema. Na obra cita<strong>da</strong> J.P.Dupuy malisa n cibern6ticn nasci<strong>da</strong> nos anos 40, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,<br />

numa pequena comuni<strong>da</strong>de de neucobiólogos, matemáticos, engenheiros e economistas, entre os<br />

qud5, numa primcim fase se encontram por excmpla Jolin T'on Ncumann c Norbcrt \Viener e numa<br />

segun<strong>da</strong> fasc Hchz von Poctstcr, \Villiam Ross Ashby, \Vsrrcn bIcCuUocli c \Valrcr I'ittí. A rcsc gcrul<br />

de Dupuy é que a cibernética não estevc altura <strong>da</strong>s suns próprias intenções e que em parte por isso<br />

as ciências cognitivas (que hoje frequentemente desconliecem as suis oiigens cibernéticas ou mesmo<br />

as rcnceami " , teriam faiha<strong>da</strong> o cncantro coin uma trndicão úiosófica ouc Uics teriu si<strong>do</strong> bem mais útil<br />

<strong>do</strong> que a úiosoGa analítica, cenua<strong>da</strong> na linguagem, nomea<strong>da</strong>mente a urdiçãa fcnomenoiógica.<br />

" GARDNER 1985: 28-29.<br />

" BECI-ITEL, ABRAI-IAMSEN Sr GRAI-IAh11998: 37.<br />

"Apenas n ideia de pqas dc um ro<strong>do</strong> mVs vasto cxpliplicn o fscro dc ao In<strong>do</strong> dc Gguras mVs óbvias<br />

tais como Noam Chomsky, Nlen NeweU, Herbert Sino", Marvin blinsk~ John hlcCnrthy e George


Suja M&II~IIS<br />

Assume-se neste trabalho que a TSI só pode ser compreendi<strong>da</strong>,<br />

em primeiro lugar, como uma resposta à necessi<strong>da</strong>de de esclareci-<br />

mento conceptual que a convergência de áreas de estu<strong>do</strong> tão díspares<br />

gera. Em segun<strong>do</strong> lugar, propõe-se que a TSI deve ser comprendi<strong>da</strong><br />

como o desenvolvimento de uma <strong>da</strong>s posições possíveis na resposta<br />

à seguinte questão: 'A psicologia é ou não importante para a hlosofia?'<br />

Para Dennett a psicologia, no senti<strong>do</strong> geral de ciência cognitiva, é<br />

importante para a hlosofia, mas considerar que não também constitui<br />

uma posição defensável. O facto de considerar que a psicologia é<br />

importante para a hlosofia explica por um la<strong>do</strong> o interesse de Dennett<br />

pela psicologia como engenharia inverti<strong>da</strong> (i.e. pela psicologia como<br />

compreensão <strong>do</strong>s mecanismos <strong>da</strong> cognição enquanto 'condições de<br />

possibili<strong>da</strong>de' <strong>da</strong> própria cognição) e, por outro la<strong>do</strong>, a sua concepção<br />

<strong>da</strong> hlosofia <strong>da</strong> mente como consistin<strong>do</strong> em grande parte numa teoria<br />

<strong>da</strong> linguagem psicológica (i.e. numa teoria <strong>da</strong> linguagem mentalista e<br />

hnalista usa<strong>da</strong> na descrição de sistemas fisicos com design complexo).<br />

Ain<strong>da</strong> assim, e mesmo se, devi<strong>do</strong> à importância concedi<strong>da</strong> à psicolo-<br />

gia, a linguagem introspectiva e teleológica está por to<strong>da</strong> a parte nos<br />

trabalhos de Dennett, trata-se de uma situação ambígua. Essa lingua-<br />

gem é toma<strong>da</strong> pelo seu valor facial, mas não é, em útima análise, con-<br />

sidera<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental. No que respeita ao estatuto <strong>do</strong> vocabulário<br />

mentalista, Dennett é um quineano, i.e. um fisicalista e um niilista <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong>, alguém que considera a linguagem intencional como<br />

sen<strong>do</strong> apenas uma 'estratégia' de descrição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de fisica, sen<strong>do</strong><br />

esta aquilo que realmente e fun<strong>da</strong>mentalmente existe.<br />

hlUier, aparecerem usunimente, como fontes de grandcr conuibums para a ciència ~ognitiua (cf por<br />

exemplo a Esta de cuttns biognfins <strong>do</strong>s autores <strong>do</strong>s mais rclevíntcs contciburos par2 a ciência cognitiva<br />

que aprrcce em BECHTEL & G W M 1998: 750-776), Glósofos como H. Puuinm, J. Scarlc,<br />

D. Dcnnett, J. Po<strong>da</strong>r, Paul Cliurchland e Patticia Cliutchland e rcóricos como G Boole, C. Babbag~,<br />

A. Church e A. Tuiing, estes últimos dcvi<strong>do</strong> no seu 'miialho piepatatório' em Lógica e reoria dn computqão<br />

Uma noção <strong>da</strong> convergència (c divergèncin) tcmiticn que se podc hoje espenr encontrar em<br />

torno <strong>do</strong> estu<strong>da</strong> <strong>da</strong> cognição pode sei <strong>da</strong><strong>da</strong> pela iVI7 Ey~dipcde fhr C@iiitiii S&res (IVILSON<br />

&KEIL 1999) quuc, sob os seis tinilos gerais dc 'Inteiigència Computaciona?, 'Cuinirn, Cognição c<br />

Evolução', 'Lingdstica: Weurociencins', 'Filosoúa' c 'Psicologis' congicga cnmdns que vão desde<br />

Algo"mos, Autómatos, Redes, Proprie<strong>da</strong>des de Sistcmsr Focmais, Aquisiçio de Linguagem,<br />

I'iocessnmento de Lingungcm, h.íemó"a, Bi~iBrx ProWo,i, Visão cega, Fisiologia <strong>da</strong> Cor, Fisiologia <strong>da</strong><br />

Doi, Bmoç6es, Afasins, Sonhos, Sono, Imagcns híennis, Sistemn Limbico, Etologia, Psicologia<br />

Evolucionista ou Ntruismo, até cnua<strong>da</strong>i zelauvas a temas gcnis dn Pilosoùa como Lógica, Etica,<br />

Fisic9sm0, Causíção mcntal, Eu, Significação, Inrrospccção, Intcnciondi<strong>da</strong>de, Su~>ervenii.~~i~,<br />

IVh'hnriti-Lho, Qi,11", SemSntica <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s possíuds, Descartes, Hume e Kant.<br />

Uma Teoria Fisicaiista <strong>do</strong> Corrteií<strong>do</strong> c <strong>do</strong> C011siB11ilnn<br />

EstrLltz~ra eJpeaj'ica <strong>do</strong> trabalho.<br />

Na Primeira Parte deste trabalho, intitula<strong>da</strong> As Origens, procurar-<br />

-se-á esclarecer a genealogia <strong>do</strong> pensamento de Dennett dentro <strong>da</strong><br />

filosofia analítica e ao mesmo tempo expor a teoria <strong>da</strong> mente avança<strong>da</strong><br />

em Content and Cormionsness, o seu primeiro livro. O Capítulo 1<br />

(Dennett e a teoria <strong>da</strong> mente em 1965') é um capítulo histórico. Na origens<br />

<strong>da</strong> TSI encontram-se W! V. Quine e a indeterminação <strong>da</strong> tradução,<br />

H. Putnam e o funcionalismo, E. Anscombe e a análise <strong>da</strong>s<br />

acções intencionais, C. Taylor e a critica à explicação behaviorista<br />

<strong>do</strong> comportamento, bem como a Teoria <strong>da</strong> Identi<strong>da</strong>de psicofísica,<br />

um fisicalismo reducionista que era o principal adversário contra o<br />

qual foram feitas, na época, as propostas <strong>da</strong> TSI. Aliás, a teoria <strong>da</strong><br />

mente apresenta<strong>da</strong> em Cotrtent arrd Conscioz~srress é o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

conjugação de influências ain<strong>da</strong> mais alarga<strong>da</strong>s, entre as quais estão<br />

Gilbert Ryle, o mestre de Dennett em Oxford, e Wittgenstein, o<br />

seu 'herói Wosófico'. Na influência de ambos os autores em<br />

Dennett está em causa a defuiição de uma posição acerca <strong>da</strong> rela-<br />

$20 entre desrições conceptnais e e$licações causais na teoria <strong>da</strong> mente.<br />

E no entanto <strong>da</strong> Wosofia americana, e nomea<strong>da</strong>mente de Quine e<br />

Putnam, que Dennett recebe o núcleo <strong>da</strong> sua posição quanto ao<br />

mental: a intenção naturalista em epistemologia, a sofisticação <strong>do</strong><br />

materialismo requeri<strong>da</strong> pelo desenvolvimento <strong>do</strong> estn<strong>do</strong> <strong>da</strong> cognição<br />

e uma posição geral quanto ao estatuto <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>. De<br />

to<strong>da</strong>s estas influências resulta um primeiro esboço <strong>da</strong> TSI, uma teoria<br />

<strong>da</strong> mente fisicalista e anti-reducionista.<br />

Na Segun<strong>da</strong> Parte <strong>do</strong> trabalho, intitula<strong>da</strong> O Modelo, procurar-se-á<br />

analisar as propostas teóricas específicas de Dennett quanto à<br />

Intencionali<strong>da</strong>de (Capítulo 2 - Aposteri<strong>da</strong>de <strong>do</strong>fnnciorralismo de Pzthranl:<br />

dzzren<strong>do</strong>s acerca <strong>do</strong> natcrrera <strong>da</strong> psicologia), quanto à Consciência<br />

(Capítulo 3 - Perrsametztos cotrbecerr<strong>do</strong> ozíh.os pensa~newtos) e quanto a<br />

Pessoas e Acções (Capítulo 4 -As Pessoas e as suas Acções: aJilosofia <strong>da</strong><br />

nzente e osfun<strong>da</strong>anle~ztos <strong>da</strong>Jilosoj5a moru4. Embora se considere frequentemente<br />

que o funcionalismo cogmtivista elimina a subjectivi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio mental - ou pelo menos aspectos essenciais <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de<br />

como os qnaha - assisàr-se-á nestes três capítulos a uma<br />

reinstauração <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de. Esta reinstauração far-se-á no<br />

entanto a partir de uma distinção de dimensões e nomea<strong>da</strong>mente de<br />

uma distinção entre três grupos de questões: questões relativas à interpretação,<br />

à intencionali<strong>da</strong>de e à racionali<strong>da</strong>de, questões relativas à


Os modelos funcionalistas permitem um posicionamento face a<br />

questões empíricas <strong>da</strong> ciência cognitiva (como as imagens mentais,<br />

os sonhos, a produção de linguagem e a visão cega) e a exposição<br />

deste posicionamento é o segun<strong>do</strong> fio condutor <strong>do</strong> capítulo. Para<br />

além disso, os modelos permitem também a estruturação de m a<br />

posição face às típicas abor<strong>da</strong>gens <strong>da</strong> consciência pelos filósofos<br />

(usualmente apresenta<strong>da</strong>s em torno de casos como o morcego de<br />

T. Nage13', Mary-a-neurocientista de F. Jackson", o xombie de D.<br />

Chaltner~'~ ou as situações de inversão <strong>do</strong>s q~lalia'~). A exploração<br />

<strong>da</strong>s implicações <strong>do</strong>s modelos funcionalistas relativamente a qziaba e<br />

xombies, ao Argumento <strong>do</strong> Conhecimento, ao what-iti-Lke distingui<strong>do</strong><br />

por Nagel como marca <strong>da</strong> experiência consciente ou mesmo à<br />

experiência mental <strong>do</strong> Quarto Chinês de J. Searle", constitui o terceiro<br />

fio condutor <strong>do</strong> capítulo. To<strong>do</strong> o Capituio 3 assenta na suposição<br />

de que o MEM só pode ser compreendi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> contrasta<strong>do</strong><br />

ao mesmo tempo com o estatuto e os objectivos de outras teorias<br />

a que se chama teorias empírico-especulativas <strong>da</strong> consciência<br />

(como as de E Cri& e C. I


Soja M@I~I~J<br />

esclarecimento sugere-se ain<strong>da</strong> que a TSI não pode abdicar total-<br />

mente <strong>da</strong> distinção entre intencionali<strong>da</strong>de inuínseca e intencionali-<br />

<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> se pretende explicar a sua noção fun<strong>da</strong>mental, a<br />

noção de intérprete. É o intérprete que assegura, através <strong>da</strong> sua uni-<br />

<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s estratégias de abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de previstas<br />

na filosofia de Dennett (a Estratégia Física, a Estratégia <strong>do</strong> Design<br />

e a Estratégia Intencional). A uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> intérprete é essencial para<br />

compreender a natureza <strong>da</strong> representação, não se identifican<strong>do</strong><br />

disectamente com a instituição de uma representação de uni<strong>da</strong>de (o<br />

Eu) num sistema cognitivo de agentes múltiplos. Corrige-se assim<br />

um defeito de perspectiva <strong>da</strong> TSI, a ideia segun<strong>do</strong> a qual o intér-<br />

prete visa sempre outros sistemas cognitivos, sempre a partir de<br />

fora. A única maneira de não deixar um intérprete como resto na<br />

TSI é conceber o estatuto <strong>da</strong> interpretação de si próprio como<br />

mental realiza<strong>da</strong> por um sistema cognitivo físico. Ora, é isso que<br />

constitui o entendimento genuíno. Feitos estes esclarecimentos e<br />

porque a questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de está sempre subjacente à teoria<br />

<strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de, retoma-se a questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de.<br />

Concede-se que a TSI, embora sen<strong>do</strong> uma teoria quineana <strong>da</strong> inter-<br />

pretação supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de, não é obriga<strong>da</strong> a definir 'racio-<br />

nali<strong>da</strong>de'. São retoma<strong>da</strong>s e justifica<strong>da</strong>s as ideias de Dennett segun-<br />

<strong>do</strong> a quais (1) a racionali<strong>da</strong>de é um conceito sistematicamente pré-<br />

teórico e (2) a racionali<strong>da</strong>de não pode ser comprova<strong>da</strong> ou infisma-<br />

<strong>da</strong> empiricamente. Sublinha-se que a TSI pode ser considera<strong>da</strong><br />

como apresentan<strong>do</strong> um argumento duplo, um argumento a priori e<br />

um argumento empkico, a favor <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de irracionali-<br />

<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais. De acor<strong>do</strong> com os próprios prin-<br />

cípios <strong>da</strong> TSI conclui-se que não é legítimo supor que existe algo<br />

que seria uma ver<strong>da</strong>deisa natureza ou um valor intrínseco <strong>da</strong> racio-<br />

nali<strong>da</strong>de e que a estipulação de condições necessárias e suficientes<br />

para a racionali<strong>da</strong>de, ou a abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>-<br />

de através de análise conceptual, fechariam a porta ao inquérito<br />

empísico de uma forma incompatível com os princípios meto<strong>do</strong>ló-<br />

gicos assumi<strong>do</strong>s. Não é possível no entanto deixar de notar insufi-<br />

ciências na explicitação <strong>da</strong> 'suposição de racionali<strong>da</strong>de'. Procura-se<br />

nomear essas insuficiências e encontrar aquilo que a TSI deveria<br />

afiimar explicitamente acerca <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. O capítulo é con-<br />

cluí<strong>do</strong> com um retomar <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong> consciência. A teoria<br />

dennetiana <strong>da</strong> consciência é 'intencionalista', i.e. é uma teoria <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong>. Para extrair as vantagens <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência a par-<br />

Uma Teoria Fi~icuLsta <strong>do</strong> Cor~feú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisnê~rria<br />

tir <strong>do</strong>s seus defeitos (ou mesmo contradições) distingue-se antes de<br />

mais a teoria <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de latente na Estratégia Intencional <strong>do</strong><br />

'absolutismo <strong>da</strong> terceira pessoa' que rege a teoria <strong>da</strong> consciência.<br />

Defende-se que a noção de subjectivi<strong>da</strong>de presente na TSI como<br />

teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> constitui base suficiente para discernir e corri-<br />

gir os defeitos cientistas <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong> consciência no &EM.<br />

Na Conclusão <strong>do</strong> trabaiho, intitula<strong>da</strong> Vale apenaJa~erJiloosgq5a <strong>da</strong><br />

mente?, procede-se a um retorno às origens. Esse retorno tem vários<br />

senti<strong>do</strong>s. Num psimeiro senti<strong>do</strong> trata-se de um retorno ao início <strong>do</strong><br />

trabalho e às questões históricas e sociológicas que se colocam a<br />

propósito <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong> ciência cognitiva como <strong>do</strong>&-<br />

nios teóricos. Num segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> trata-se de um retorno às ori-<br />

gens <strong>da</strong> TSI na tradição íílosófica amplamente considera<strong>da</strong>, embo-<br />

ra partin<strong>do</strong> de Quine e de Putnam, os <strong>do</strong>is filósofos que mais mar-<br />

caram a TSI em termos ontológicos e epistemológicos. Num ter-<br />

ceiro senti<strong>do</strong> trata-se de um retorno à vi<strong>da</strong> mental individual.<br />

O presente trabalho guiou-se pela seguinte convicção: a perti-<br />

nência de uma teoria íílosófica é avaliável pelo esclarecimento que<br />

ela é capaz de produzir em relação ao conhecimento e compreen-<br />

são previamente operantes, nomea<strong>da</strong>mente em áreas científicas.<br />

Quan<strong>do</strong> se trata <strong>da</strong> ciência cognitiva o desafio é grande: são muitas<br />

as disciplinas e muitos os <strong>da</strong><strong>do</strong>s aos quais se reporta uma meta-teo-<br />

ria ou filosofia <strong>da</strong> cognição. No entanto, aquilo que ao longo deste<br />

trabalho se joga é um esclarecimento desse género, possibilita<strong>do</strong><br />

pela Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais proposta por D. Dennett.


Primeira Parte: As Origens


Dennett e a teoria <strong>da</strong> mente em 1965. Oprimeir0 esboço <strong>da</strong><br />

Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais: brindbios orienta<strong>do</strong>res de<br />

L 1<br />

Content and Consciousness.<br />

O objectivo <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente é resuini<strong>do</strong> <strong>da</strong> seguinte maneira<br />

por Dennett em Conterrt and Conscioz~s~~ess~': a teoria deve ir <strong>da</strong> matéria<br />

e movimento ao conteú<strong>do</strong> e propósito e depois 'voltar'. Este<br />

objectivo seria alcança<strong>do</strong> em C&C através <strong>da</strong> defesa de umjsicalirmo<br />

não rednn'onista, reporta<strong>do</strong> à interpretaçüo holista de sistemas. De<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, estas duas posições básicas explicam a natureza<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência - os <strong>do</strong>is tracos básicos <strong>do</strong> mental<br />

- evitan<strong>do</strong> a situação clássica <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente, caracteriza<strong>da</strong><br />

como 'uma oscilação pendular <strong>do</strong> dualismo cartesiano para o materialismo<br />

de Hobbes, para o idealismo de Berkeley'. A teoria <strong>da</strong><br />

mente apresenta<strong>da</strong> em C&C não considera a consciência, o conteú<strong>do</strong><br />

e a finali<strong>da</strong>de como caracteristicas não físicas. Não os identifica<br />

no entanto também - apesar de partir <strong>do</strong> pressuposto de que<br />

aquilo que basicamente existe é físico - com enti<strong>da</strong>des ou proprie<strong>da</strong>des<br />

espaço-temporais. As características mentais dependem<br />

segun<strong>do</strong> Dennett de uma determina<strong>da</strong> postura perante sistemas<br />

físicos a que Dennett então chama abor<strong>da</strong>gem centralista e no futuro<br />

chamará Estratégia Intencional.<br />

A dependência <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de em relação a uma abor<strong>da</strong>gem<br />

revela, em C&C, a característica postura interpretativista e deflacionária<br />

de Dennett já a postos, com tu<strong>do</strong> aquilo que ela envolve:<br />

uma oposição à reificacão de significa<strong>do</strong>s e esta<strong>do</strong>s de consciência<br />

" C~~~ttt~i


Sofia Mlguerir<br />

e uma inimizade em relação aos qdz'u, à inefabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiên-<br />

cia subjectiva e à suposta uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência.<br />

Apesar de Dennett pretender apresentar uma teoria não reducio-<br />

nista <strong>do</strong> mental, Thomas Nagel não hesitará em classificarC&C co-<br />

mo mais um exemplo <strong>da</strong> "recente on<strong>da</strong> de euforia reducionista", na<br />

qual inclui por exemplo as teorias defendi<strong>da</strong>s por Jack J.C.Smart,<br />

David Lewis, David Armstrong e Hilary Putnam". Em consequên-<br />

cia <strong>da</strong> clareza <strong>da</strong> posição defendi<strong>da</strong>, os adversários deste tipo de<br />

abor<strong>da</strong>gem (por exemplo o próprio Nagel) estão já defini<strong>do</strong>s. Na<br />

linguagem que Dennett virá a usar futuramente em Conscioz~sness<br />

Expluitzed, está inicia<strong>do</strong> o "desmantelamento <strong>do</strong> programa de pro-<br />

tecção de testemunhas". Mais exactamente, está inicia<strong>do</strong> o des-<br />

mantelamento <strong>da</strong> particular testemunha que seria em ca<strong>da</strong> mente o<br />

'observa<strong>do</strong>r <strong>da</strong>quilo que acontece', uma figura que, mais ou menos<br />

subrepticiamente mas com enorme persistência, se introduz na teo-<br />

na cientifica ou fuosófica <strong>do</strong> mental, assim como nas descrições<br />

introspectivas comuns. Eliminar o observa<strong>do</strong>r ou a testemunha<br />

equivale, na prática, a mostrar a ilegitimi<strong>da</strong>de de postular na teoria<br />

<strong>da</strong> mente em geral - na teoria <strong>da</strong> linguagem, <strong>da</strong> percepção, <strong>da</strong><br />

acção, <strong>do</strong> raciocínio, <strong>da</strong> imaginação, etc - elementos explicativos<br />

não analisáveis que possuam capaci<strong>da</strong>des idênticas às <strong>do</strong>s sistemas<br />

globais a explicar. Este movimento redun<strong>da</strong> evidentemente na<br />

ausência de explicação. O primeira constação <strong>do</strong> teórico <strong>da</strong> mente<br />

deve então ser que uma vez deixa<strong>da</strong> para trás a pessoa, o agente<br />

cognitivo global, não há mais ninguém.<br />

Mas se a testemunha fôr elimina<strong>da</strong> ou dispensa<strong>da</strong>, como<br />

Dennett pretende, o teórico <strong>da</strong> mente ficará a braços com "o pro-<br />

blema de Hume": se não existe um sujeito-agente que faz com que<br />

o pensamento pense, aparentemente o pensamento acontece por<br />

si, sem supervisão, agenciamento ou intenção. Resta saber se na<br />

'' NAGEL 1974: 165. Cf. JJ. C. SbfART 1963, PMioipip o,id Sierinir RenIim,, Dnvid LEWS<br />

1966, Ar, Argo>iertffór fiic Idetiti' Theog, H.PUTNAlví 1967, Pgchol@iinl Prediroocr, D.M. ARbiS-<br />

TRONG 1968,A Mofcidi~f Thcog ol liic~Mi!id. Note-se que as posiçõcs que T. Nagcl <strong>da</strong>rsiGca coma<br />

reduciouistss iiducm não apcnar aí vcisòcs <strong>da</strong> tcoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>dc dcfcndi<strong>da</strong>s por J. Smart, D.<br />

Armsuong e D Lnvis como também o iuncionalismo proposto por H.Pumrm como alternativa 3<br />

teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de. J.J.C. Smart foi o primeiro 6l6sofo n defender uma teodí <strong>da</strong> identidnde. Esta é<br />

uma teoria mntciinlista segun<strong>do</strong> a qual to<strong>do</strong> o esm<strong>do</strong> mental é idiiltim a dpm csta<strong>do</strong> Ssisico, mcsmo<br />

se os esta<strong>do</strong>s mentlis c os csta<strong>do</strong>s flsicos são idenhi;i;i;<strong>do</strong>r de maneiras diferentes (por exemplo, rcspectivnmente,<br />

como <strong>do</strong>i e como disparo <strong>da</strong>s Gbras-C). D. Armsuong e D. Lewis mantém a ideia de<br />

j1.C. Smnrt scgun<strong>do</strong> n qualípesar de aparenremente serem ou mcntais ou fisicns as proprie<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s sZo 'neutras' (fopic-,i,ci,fr~~ c cspccificnm-na defenden<strong>do</strong> que para um esta<strong>do</strong> mental scr um<br />

esm<strong>do</strong> mental ele deve ter uma reiagão causal cnr~cteristica com outras acorr&ncias.<br />

Uma Teoria Fisicaliria <strong>do</strong> Conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~~siêi~ia<br />

ausência de algo como um "motor primeiro" o pensamento se<br />

"movena". O problema de Hume consiste precisamente em saber<br />

como é possível que existam movimentos de pensamento (transicões<br />

cognitivas, inferências, associações) se os movimentos de<br />

pensamento não são acções de um autor. Hume, obriga<strong>do</strong> pela<br />

sua teoria <strong>da</strong> mente a explicar a maneira como as ideias pensam<br />

sozinhas, escolheu como solução o associacionismo, que é, para -<br />

Dennett, uma não-solução. Mas embora o associacionismo não<br />

seja a boa solução, Hume viu seguramente o bom problema,<br />

ten<strong>do</strong> além <strong>do</strong> mais, escolhi<strong>do</strong> o rumo meto<strong>do</strong>lógico acerta<strong>do</strong> para<br />

o seu tratamento, o rumo naturalista, justifica<strong>do</strong> pelo princípio<br />

segun<strong>do</strong> o qual não temos mais acesso à essência <strong>do</strong>s fenómenos<br />

mentais <strong>do</strong> que à essência <strong>do</strong>s fenómenos físico^'^. Felizmente,<br />

entre Hume e Dennett, algo de novo aconteceu no estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> cognição.<br />

A vantagem <strong>do</strong> teórico contemporâneo em relação ao empirista<br />

clássico é o facto de o primeiro dispor de uma teoria científica<br />

<strong>da</strong> cognição, a teoria computacional, que permite conceber<br />

a forma como as ideias 'pensam sozinhas', sem sentirem a falta <strong>da</strong><br />

testemunha cartesiana e ao mesmo tempo evitan<strong>do</strong> as armadilhas<br />

<strong>do</strong> associacionismo. Anteriormente à teoria computacional <strong>da</strong><br />

cognição, «ninguém fazia a mínima ideia de como podiam processos<br />

meramente materiais implementar as leis (...) que governam<br />

uma mente semánticamente coerente (...) e ali estava o problema<br />

até Alan Turing ter ti<strong>do</strong> o (...) melhor pensamento acerca de como<br />

a mente funciona que alguém teve até agora4'». De facto, a exploração<br />

concreta, no estu<strong>do</strong> cientifico <strong>da</strong> cognição e <strong>da</strong> agência inteligente,<br />

<strong>da</strong> ideia de sistema simbólico jsico - uma ideia surgi<strong>da</strong> na<br />

sequência <strong>do</strong> pensamento de Alan Turing sobre autómatos abstracto~~~<br />

- constitui em grande medi<strong>da</strong> para Dennett, quan<strong>do</strong><br />

escreve C&C4', o pano de fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s problemas relevantes <strong>da</strong><br />

"


mente e <strong>do</strong> conhecimento. O tratamento científico <strong>da</strong> cognição<br />

como informação e computação começa a indiciar que o discurso<br />

mentalista acerca de sistemas físicos não está necessariamente<br />

liga<strong>do</strong> a descrições introspectivas autoritárias de substâncias ima-<br />

teriais. Por exemplo os computa<strong>do</strong>res mostram a possibili<strong>da</strong>de de<br />

sistemas físicos inteligentes (ou pelo menos susceptíveis de des-<br />

crições mentalistas) sem o envolvimento de uma regressão infui-<br />

ta de observa<strong>do</strong>res ou testemunhas. É essa a lição que deve ser<br />

aplica<strong>da</strong> ao caso humano.<br />

É claro que a ilegíáma testemunha <strong>do</strong> que se passa na mente (o<br />

"fantasma na máquina" na expressão de Gilbert Ryle) não tem por<br />

hábito aparecer claramente na teoria cognitiva, que não prevê<br />

usualmente uma alma cartesiana placi<strong>da</strong>mente introduzi<strong>da</strong>. A tes-<br />

temunha aparece subrepticiamente em expressões como "interpre-<br />

tações de estúnulos", "reconhecimentos", "coman<strong>do</strong>s", "analisa-<br />

<strong>do</strong>res" de vários tipos. Basta percorrer os textos <strong>da</strong> psicologia cog-<br />

nitiva ou <strong>da</strong> neurofisiologia para encontrar o fantasma na máquina<br />

nesta sua varie<strong>da</strong>de de disfarces. O problema é que alguém que pro-<br />

cura acabar com a "protecção <strong>da</strong>s testemunhas," como Dennett se<br />

propõe fazer, acaba certamente com uma dúvi<strong>da</strong> em relação a si<br />

próprio. Dennett virá a enfrentar claramente esse problema: «Sou<br />

um behaviorista? Searle e Nagel sempre insistiram que sim, agora<br />

(Patricia) Churchland vem dizer o mesmo»". Caracterizan<strong>do</strong> Den-<br />

nett, B. Dahlbom afirma: (Dennett é um behaviorista e no seu be-<br />

haviorismo conjuga ideias de Wittgenstein, Ryle e Quine, bem co-<br />

mo <strong>da</strong> psicologia experimental. O behaviorismo é o funcionalismo<br />

aplica<strong>do</strong> a organismos, a ideia segun<strong>do</strong> a qual um organismo é uma<br />

máquina, produzin<strong>do</strong> comportamento com uma mente-cérebro<br />

como sistema de controlo. E uma versão <strong>do</strong> naturalismo, tratan<strong>do</strong><br />

os seres humanos como organismos biológicos e in<strong>do</strong> buscar as<br />

contribuições <strong>do</strong> evolucionismo para a nossa auto-compreensão<br />

(...) O behaviorismo e o funcionalismo de Dennett estão liga<strong>do</strong>s ao<br />

verificacionismo, a ideia segun<strong>do</strong> a qual onde não existe evidência<br />

que permita decidir uma questão, não existe questão (...) Mas o<br />

behaviorismo também é a mais particular aplicação <strong>do</strong> verificacio-<br />

nismo à linguagem psicológica, aquilo a que os filósofos em Ox-<br />

Emborn n Iiipótesc <strong>do</strong>s sistemas simbólicos úsicos só tenlia si<strong>do</strong> formula<strong>da</strong> com este nome tardiamcntc<br />

(cf NHWE1.L 1980, P~iiniQn~A-oli QJIC~EEE), o praccsso quc Uic di origem comqa várins<br />

décndns mais cc<strong>do</strong>.<br />

'' DENNETI 1993s: 210.<br />

ford costumavam chamar "behaviorismo A eliminação<br />

de testemunhas conduz portanto ao behaviorismo. Mas a teoria<br />

proposta em C&C define-se exactamente por oposição ao behaviorismo<br />

psicológico. Saber em que senti<strong>do</strong> é Dennett um behaviorista<br />

é, assim, complica<strong>do</strong>. Ele sempre se opôs por exemplo ao behaviorismo<br />

periferista skinneriano, que não leva em conta os resulta<strong>do</strong>s<br />

<strong>da</strong>s teorias computacionais <strong>da</strong> cognição, mas de facto a sua<br />

primeira inspiração são as ideias de behavioristas lógicos como L.<br />

Wittgenstein e G. Ryle, e a ideia chave <strong>do</strong> behaviorismo lógico,<br />

segun<strong>do</strong> a qual as enti<strong>da</strong>des mentais são construcões lógicas a par-<br />

Ur de eventos comportamentais, nunca an<strong>da</strong> longe.<br />

Existe portanto algo no behaviorismo que não deve ser aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>.<br />

O problema é que a pedra de toque <strong>do</strong> behaviorismo psicológico<br />

é o afastamento de to<strong>da</strong> a contaminação de teleologia e intencionali<strong>da</strong>de<br />

na descrição de comportamentos e a causa de Dennett<br />

como filósofo <strong>da</strong> psicologia é precisamente a clfesa <strong>da</strong>s descn@es itlteir-<br />

&anais e teleológcas (é nisso se traduz o centralismo de C&C e posteriormente<br />

a Estratégia Intencional). Mas a causa intencional e teleológica<br />

apenas obscurece provisoriamente o compromisso behaviorista:<br />

a úlàma palavra de Dennett é que a lei <strong>do</strong> efeito - de acor<strong>do</strong><br />

com a qual as associações estimulo-resposta recompensa<strong>da</strong>s serão<br />

repeti<strong>da</strong>s - não desaparecerá5' na teoria <strong>da</strong> cognição. A lei não desaparecerá<br />

mas terá que ser re-instala<strong>da</strong>: o âmbito <strong>do</strong> behaviorismo<br />

defendi<strong>do</strong> por Dennett é o iírter.ior <strong>do</strong>s sistemas cogt~itiuasj%sicos, no qual<br />

se encontram por exemplo cérebros, e não os comportamentos globaisde<br />

sistemas como animais ou humanos.<br />

E conveniente sublinhar desde já um limite <strong>da</strong> teoria dennettiana<br />

<strong>do</strong> mental: ela não permite, segun<strong>do</strong> a maioria <strong>do</strong>s críticos, diferenciar<br />

um ~o~zbie, um ser desprovi<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong> mental em primeira<br />

pessoa que se comporta de mo<strong>do</strong> previsível intencional e teleologicamente<br />

(o que inclui obviamente a possibili<strong>da</strong>de de afirmar "eu<br />

sou um ser consciente" e de descrever os conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> consciência),<br />

de um ser consciente. Esta sempre foi a principal critica &igi<strong>da</strong><br />

a Dennett. Segun<strong>do</strong> Nagel, Dennett elabora uma teoria <strong>da</strong><br />

mente em terceira pessoa e depois pergunta: ((Poderia um sistema<br />

físico que satisfizesse esta descrição realmente não ser consciente?.<br />

Alguma coisa necessária para a consciência estaria a faltar? E a res-<br />

io DiWlLBOhl 19938: 4-5.<br />

" i\ exi>resr8o i. o titulo de um artigo . de Dcnncrt (DIENNBI1r 1978c, IFF/g liir Lm ol<br />

i<strong>do</strong>1 Go AN~J). A Lci <strong>do</strong> Efciro foi assiin charnadzi por E. Thorndikc, psicologo behaviorism<br />

iii//


Sofia M~~IPIIS<br />

posta dele é: Não - isto é tu<strong>do</strong> o que a consciência é»'. Como se<br />

vê, a situação faz temer o pior: e se Dennett é ele próprio um Tombe?<br />

Afinal aquilo que "sabemos" sobre a consciência experienciamo-10<br />

em primeira pessoa e pode <strong>da</strong>r-se o caso de tal experiência<br />

não existir em Dennett. Se assim fosse, nunca o saberíamos. Como<br />

nota D.Chalmers, isso não aju<strong>da</strong> na<strong>da</strong>5'.<br />

Além deste possível "limite", to<strong>do</strong>s os temas futuros de Dennett<br />

estão presentes em C&C, nomea<strong>da</strong>mente a dependência <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

consciência relativamente à teoria <strong>do</strong> "conteú<strong>do</strong>", a relação entre significa<strong>do</strong>,<br />

função e evolução, a desconstrucção <strong>do</strong>s equívocos no tratamento<br />

<strong>da</strong> consciência, a não uni<strong>da</strong>de desta e a teoria <strong>da</strong>s pessoas e<br />

suas acções intencionais. Alguns erros embaracosos estão ain<strong>da</strong> presentes,<br />

nomea<strong>da</strong>mente a suposição de uma linha divisória entre consciência<br />

e não consciência (uma awareness he), além de admiti<strong>do</strong>s exageros<br />

na negação <strong>da</strong> existência de imagens mentais. C&C contem em<br />

gérmen a futura obra de Dennett e por isso partirei <strong>da</strong> análise <strong>da</strong>s<br />

teses que aí se encontram, procuran<strong>do</strong> pôr em relevo a orientação<br />

particular que elas representam em filosofia <strong>da</strong> mente, com ocasionais<br />

referências a textos posteriores. É o próprio Dennett que autoriza<br />

este tratamento, na medi<strong>da</strong> em que considera que os principais<br />

livros que posteriormente escreveu constituiram sucessivas retomas<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is tópicos centrais <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente, o conteú<strong>do</strong> e a consciênciai"<br />

Assim, a primeira parte de Brainstoms (1978) retoma a questão<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, a segun<strong>da</strong> parte a questão <strong>da</strong> consciência. I~/tentionaL<br />

Starrce (1987) tem por objecto a questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e Conscioz/s~zess<br />

Expluined (1991) a questão <strong>da</strong> consciência. Os livros posteriores,<br />

Danvini Darge~'oz/s Ideu - Evoh~tion and the meatzi~gs I# hjie (1995), Kindr<br />

I# Minds - Tozuards an U~rdersta~rding I# Corisrionsi~es~ (1996) e Braimhildrer~<br />

- Essqs on Des&r?ing Minds (1998) são concretizações, aplicações<br />

e esclarecimentos, nomea<strong>da</strong>mente em termos de biologia e IA, <strong>da</strong>s<br />

grandes teses acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência delinea<strong>da</strong>s nos<br />

piimeiros livros. Elbow Roonl (1983) é totalmente dedica<strong>do</strong> às questões<br />

<strong>da</strong> acção e <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de, que pressupõem as teoiias <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

e <strong>da</strong> consciência.<br />

O trajecto teórico de Dennett está bastante próximo <strong>do</strong> trabalho<br />

einpírico sobre cognição. No entanto, uma tal proximi<strong>da</strong>de não<br />

"Nl\GBL 1995b: 88.<br />

" C t CT-It\LA~lIS 1996:190 c PINTO 1999: 123, para coincntiiios ir conscqufncins <strong>da</strong> poli-<br />

5% dde Dcnncrt scyn<strong>do</strong> ;i qusl to<strong>do</strong>s somos ~o~,iii;c~,<br />

'' DBNNETT 1998y, Jrf Por1ro;i.<br />

é necessariamente acompanha<strong>da</strong> por um materialismo como o<br />

defendi<strong>do</strong> por DennettS5, apenas torna mais premente o esclareci-<br />

mento <strong>da</strong>s implicações metafísicas <strong>do</strong> trabalho científico sobre cog-<br />

nição. Aliás, o próprio Dennett começará a tornar-se no filósofo-<br />

cientista cognitivo que é hoje apenas após C&C. Apesar disso,<br />

como ahma numa narração <strong>do</strong> seu itinerário teórico, o fascínio<br />

por mecanismos e pelo funcionamento destes, conjuntamente com<br />

a convicção de que o dualismo representa um beco sem saí<strong>da</strong> na<br />

teoria <strong>da</strong> mente, fizeram com que Dennett desde sempre se deci-<br />

disse a trabalhar a partit <strong>do</strong> ponto de vista de terceira pessoa, i.e. a<br />

partir <strong>da</strong>s ciências naturais. Um tal gosto e uma tal estratégia, a que<br />

se juntou a influência de Quine e de Ryle-que eram, nas suas pala-<br />

vras e «embora (se) sentisse movi<strong>do</strong> pelo (...) desacor<strong>do</strong> com eles)),<br />

a «fonte <strong>da</strong> segurança intelectual que (...) tinha em virtude <strong>da</strong> (...)<br />

profun<strong>da</strong> concordância quanto ao que eles pensavam ser a filoso-<br />

fia5')» - definem a figura de Dennett como filósofo.<br />

Passar-se-á em segui<strong>da</strong> à descrição <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente apresen-<br />

ta<strong>da</strong> em C&C, seguin<strong>do</strong> aquele que será um posi<strong>do</strong>namento geral<br />

deste trabalho: tentar fazer aparecer a parti <strong>da</strong> obra de D. Dennett<br />

os problemas <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente, sem que as suas soluções<br />

sejam considera<strong>da</strong>s centrais ou prioritárias, embora se procure<br />

defendê-las.<br />

1.1 Aparhr de Wit&e~lsteitz e Ryle, Qz~ine e Pz~tna?~~.<br />

A dissertação de <strong>do</strong>utoramento que virá a tornar-se o primeiro<br />

Livro de Dennett foi escrita em Oxford, em 1965, com a supervisão<br />

de Giibert Ryle. A agen<strong>da</strong> teórica <strong>do</strong>s filósofos em Oxford era então<br />

ain<strong>da</strong> em grande medi<strong>da</strong> marca<strong>da</strong> pelo programa de psicologia filo-<br />

" Uin "hlntcrialismo de tipo h" ou defesa dn supervcniincia lógica <strong>da</strong> coi>rciincia ao mun<strong>do</strong> Gsi~<br />

c", por ~azòes hincionaiisras ou eliminntiwr, dc zcot<strong>do</strong> com a classiúcii~ão quc David Ch~hets faz<br />

<strong>da</strong>s posi~ões possiaeis quanto i cxpciiincia consciente (CHiiLhíEIIS 1996: 165). D. Chnhers ciossifica<br />

como inateiiaiisras dc tipo A, alim de D Dennett, D. Aimsrrong, D. Lewis, G. Rylc, F. Dretske,<br />

D. Rorcntlid, J.J.C.Smait c outros. '\li&, Cli%lmers considcia quc a aitcrnntiro quc sc colocn hojc o<br />

qunlquct teórico ds consci2ncin é lundnineiirahcntc uma cscoihn entre o materi;ùismo de tipo A,<br />

coiiio o defendi<strong>do</strong> por Dennert, c posi~ào a que chama tipo C e que inclui r5iios tipos de dualismo<br />

de propiic<strong>da</strong>dcs. Dc acot<strong>da</strong> com as posi~ões de õpo C, o matcriaiismo É suposto sci fdso c as<br />

~>rnpfi~d~d~~ fenomenais ou proro-fenomcnnis r50 tomndns como iircdutivcis.<br />

'WENNBTr 1998~: 356.357 Rcsta snbcr se É de facto possivcl tomar conjunnmente n mnneiia<br />

como Ryle c Quinc eiircndcin a flosofia, pois irfiin-se de enteiidimentor devcns difcrcntcs.


sófica estabeleci<strong>do</strong> por Ryle5' em The Concept 4 MznP, bem como<br />

pela hlosofci linp'sticai9. Em The Conccpt 4 144it1d Ryle propunha<br />

como méto<strong>do</strong> filosófico a determinacão <strong>da</strong> geografia lógica de con-<br />

ceitos. A obra é aliás uma aplicacão <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> aos conceitos men-<br />

tais, argumentan<strong>do</strong> Ryle que certas utilizacões de conceitos mentais<br />

violam regras lógicas. É a esta violacão que corresponde a ideia de<br />

erro categoria1 que Ryle ilustra com a célebre lustória <strong>do</strong> estrangeiro<br />

a quem são mostra<strong>do</strong>s os co//ges, bibliotecas e museus de Oxford ou<br />

de Cambridge e que no hm pergunta "E onde é a Uni~ersi<strong>da</strong>de?"'~.<br />

Erros categoriais resultam <strong>da</strong> transgressão <strong>do</strong> âmbito legího <strong>da</strong><br />

aplicação de conceitos. Na teoria <strong>da</strong> mente eles são muito frequentes<br />

e têm consequências teóricas perversas.<br />

A psicologia filosófica de Ryle visava delimitar a natureza <strong>do</strong><br />

mental sem presumir qualquer separacão entre eventos mentais,<br />

por um la<strong>do</strong>, e eventos físicos, por outro. Ryle afastava assim não<br />

apenas o dualismo mas também a necessi<strong>da</strong>de de escolha entre<br />

monismo materialista e monismo idealista. Idealismo e materialis-<br />

mo eram, para Ryle, respostas a uma má questão sobre a natureza<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. A questão era má pois pressupunha a disjunção "ou<br />

existem mentes, ou existem corpos", restan<strong>do</strong> depois saber em que<br />

senti<strong>do</strong> iria a reducão. A necessi<strong>da</strong>de de escolha entre mente e<br />

matéria aparecia na sequência de um mito comum de acor<strong>do</strong> com<br />

o qual haveria <strong>do</strong>is tipos de existência rigorosamente separáveis,<br />

uma existência física (no espaco e no tempo, que consiste em maté-<br />

ria ou é funcão de matéria) e uma existência mental (no tempo e<br />

não no espaço, que consiste em consciência ou é função <strong>da</strong> cons-<br />

" Cf. IIYLB 1949, csl>ccinlmcnrc o Capitulo I [Pgihoioyi). Psia um;! avslisgào d:i impoit2nci:i ds<br />

psicologia fùosóúcn rylen:i, cf. GUTTDNI'Li\N 1994b. Cf. rnmbCm BYRNI? 1994: 135, ncercn <strong>da</strong>s<br />

estrnnlins intengòes de G. Ryle, que estnrin, ao cscreuer Thc biien it came our, made iiir biisis for discussion for rr long time: it<br />

was qiiilc dificulr to ger nwii). fmm ib> (DUhliiIDTr 1993: 168). hl. Dummett (n. 1925) relerc-se<br />

nesta passagem, C certo, a um icmpo anterioi i cliegndn de Dcnnctt a Oxfoid.<br />

" l'an iirnri carrcrcrizíigão "dg gcragso <strong>da</strong> linyugcm comiim" ou <strong>da</strong> iiiosofia linbniisticíi dc<br />

Osford [titulo sob o qual podem ser considcrs<strong>do</strong>s nutoies como G. Ryle, J. Austiii, A. J. i\yer) . cf.<br />

DUhIi\.IE'lT 1978: 341. Dummett ai., aliás, muito pouco dc comum no pcnramcnto <strong>do</strong>s nutoies<br />

menciona<strong>do</strong>s, i parte o facto dc tcrcm csn<strong>do</strong> a ccrro a ccito rnoincnro (anrcs ds 2' Guctrn hlundinl)<br />

uni<strong>do</strong>s contra o ifiit,uqtto <strong>da</strong> iiiosoiin oxfoidians repiçsenmdn por Fl. Josepl, e H. Prirchnrd e tercrn<br />

si<strong>do</strong> mais ou menos influencia<strong>do</strong>s ou por G. hloore, ou poiL. \Vittgcnstcin aupclos positir.istsr Iógicos.<br />

Dummctr íiponn sindri como rarão pam a dcrogão ao culto ds linguagem comum, coiisidcra<strong>da</strong><br />

como o cnininho para n análise de conceiros, um desgosto ou falta de rocnglo <strong>do</strong>s fùósofos cm rcln~<br />

$50 i lógicn mstcmátic..<br />

'* RYLD 1949:17.<br />

ciência). Este mito subjaz à "<strong>do</strong>utrina oficial"" segun<strong>do</strong> a qual to<strong>do</strong><br />

o humano tem uma mente e um corpo, os corpos estão situa<strong>do</strong>s no<br />

espaço, as mentes não, os corpos estão sujeitos a leis mecânicas, as<br />

mentes não, o funcionamento <strong>do</strong> corpo é ou pode ser público<br />

enquanto o funcionamento <strong>da</strong> mente é ptiva<strong>do</strong> e só conheci<strong>do</strong><br />

directamente pelo seu possui<strong>do</strong>r. Por tu<strong>do</strong> isto, qualquer pessoa<br />

teria duas histórias, uma história pública e uma lustória priva<strong>da</strong>, que<br />

só ela pode contar. Para Ryle, a "<strong>do</strong>utrina oficial" é um gigantesco<br />

erro categorial.<br />

Defenden<strong>do</strong> que mente e matéria estâo em diferentes categorias<br />

mas não são tipos ou espécies de existência separáveis, Ryle<br />

pretendia tornar ociosa a identificacão ou não identificacão <strong>do</strong><br />

mental e <strong>do</strong> físico. Apenas quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>is termos pertencem à<br />

mesma categoria é apropria<strong>do</strong> construir conjungões que os incorporam.<br />

Assim, «"she carne hon~e in aflood 4 tearir an<strong>da</strong> se<strong>da</strong>n chai?' é<br />

uma pia<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong>, que vive <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> <strong>da</strong> conjugacão de termos<br />

de tipos diferentes))", cuja disjunção seria igualmente absur<strong>da</strong>.<br />

O mesmo se passa com a disjuncão "ou existem mentes ou existem<br />

corpos". Ryle considera perfeitamente possível afirmar num<br />

tom de voz lógico que existem mentes e noutro tom de voz lógico<br />

que existem corpos, sem qualquer compromisso com diferentes<br />

eqéies de existência, apontan<strong>do</strong> apenas <strong>do</strong>is senii<strong>do</strong>.r diferentes<br />

de "existir". Os erros categoriais envolvi<strong>do</strong>s no mito <strong>do</strong> fantasma<br />

na máquina resultam <strong>da</strong> suposicão de espécies de existência diferentes<br />

e <strong>da</strong> transposicão de modelos de uma espécie para a outra,<br />

geran<strong>do</strong> por exemplo as teoria para-mecânicas <strong>do</strong> mental. Estas<br />

consideram a psicologia como a contraparte mental <strong>da</strong> mecânica e<br />

li<strong>da</strong>m com questões psicológicas por meio de categorias idênticas<br />

às categorias <strong>do</strong> "outro mun<strong>do</strong>" (como coisa, atributo, esta<strong>do</strong>,<br />

processo, mu<strong>da</strong>nga, causa). Exemplos dessa teoria para-mecânica<br />

em The Coiicept 4 iVind são a ideia de volicões como "empurrões<br />

internos ocultos" (occnlt inner thr~ísts) ou questões de fios e rol<strong>da</strong>nas<br />

(wires andpi/llys qzíeslions) acerca <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental como "Quan<strong>do</strong><br />

uma pessoa imagina uma montanha ou ouve uma melodia mentalmente,<br />

onde está a montanha que está a ser imagina<strong>da</strong> e a música<br />

que está a ser ouvi<strong>da</strong>?".<br />

'' A q~1~1 R~Ic cllilma tambéin O Dogmn <strong>do</strong> Fznmsmp na hiiquiiia (RYLB 1949:17). Alenres<br />

seriam. de acor<strong>do</strong> com essa ~ers~ectiva. . . . 'Lr~ccl~si . ~iiuchi>ic?'. "bi1s iiot~iloihi~orh", "ahoiti B~~r,iii.icd to<br />

r,,ochit,ei', "ottolher e,~i,>t itui,Ic I h h~~~~~~~~~ h04)'.<br />

" RYLB 1949:23.


Da<strong>da</strong> a centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crenças na vi<strong>da</strong> mental, um objectivo<br />

importante de Ryle é mostrar que quan<strong>do</strong> pessoas são descritas por<br />

meio de termos mentais como "acreditar" ou "saber", não estão a<br />

ser descritas ocorrências mentais interiores que seriam as causas <strong>do</strong><br />

comportamefito observável, mas sim habili<strong>da</strong>des, tendências, disposições<br />

comportamentais. As crenças são tendências para dizer ou<br />

fazer coisas, coisas que incluem declarar essas crenças, sen<strong>do</strong> portanto<br />

caracteriza<strong>da</strong>s por referência ao comportamento. Esta ligação<br />

entre comportamento e crenças é conceptual e não causal. Ryle<br />

defende que não existem processos mentais ocultos por trás <strong>da</strong>s<br />

acções públicas <strong>da</strong>s pessoas, que explicariam a sua "inteligência".<br />

Características como inteligência e carácter estão patentes, não<br />

actuam por trás <strong>do</strong> pano. Esse é o princípio que guia as análises <strong>da</strong><br />

vontade, <strong>da</strong>s emoções, <strong>da</strong> sensação, <strong>da</strong> imaginação, <strong>do</strong> pensamento<br />

e <strong>do</strong> auto-conhecimento em Tbe Corrcp! q'" Mit~d. A suposição oposta<br />

constitui o Mito <strong>do</strong> Intelectualismo, alvo <strong>do</strong> ataque de Ryle. O<br />

intelectualismo é a inversão que consiste em tomar fenómenos<br />

como pensamentos priva<strong>do</strong>s e consulta de regras como modelo <strong>do</strong><br />

comportamento inteligente. Ora Ryle considera que existem competências<br />

anteriores a esses fenómenos, mais fun<strong>da</strong>mentais <strong>do</strong> que<br />

eles, e que pensar que tais competências são elas próprias processos<br />

intelectuais conduziria a uma regressão infinita. De acor<strong>do</strong> com<br />

Ryle, o que está primeiro é knoru-bo~v tácito, não expressões intelectuais<br />

explícitas. Uma <strong>da</strong>s consequências deste anti-intelectualismo é<br />

a ideia segun<strong>do</strong> a qual quan<strong>do</strong> dizemos que uma pessoa está consciente<br />

de alguma coisa parte <strong>do</strong> que queremos dizer é que ela está<br />

"pronta a relatar ou reportar algo" sem investigação especial. Esta<br />

ideia passará directamente para Dennett.<br />

Embora Dennett tenha acaba<strong>do</strong> por se instalar em Oxford,<br />

onde Ryle, com o acima esboça<strong>do</strong> programa de psicologia filosófica,<br />

era, ou tinha si<strong>do</strong>, "rei""', ele partira para Inglaterra ten<strong>do</strong> um<br />

outro "herói filosófico", Wittgensteinb'. No entanto, a prática <strong>da</strong><br />

flosofia tal como era entendi<strong>da</strong> pelos (muitos) auto-declara<strong>do</strong>s<br />

wittgensteinianos que vem a encontrar em Oxford não o satisfaz.<br />

Por isso, Dennett desiste de tentar ser um wittgensteiniano, limi-<br />

'' Cf. DUbílIEiT 1997: 34.<br />


Soja IU&~I~IIS<br />

mecânicas" sobre o funcionamento de sistemas cognitivos na pró-<br />

pria filosofia, o que não se enquadra nem na ideia wittgensteiniana<br />

nem na ideia ryleana de filosofia. A influência de Ryle, o suposto<br />

behaviorista, em Dennett deve-se assim antes ao facto de Ryle ser,<br />

«num importante senti<strong>do</strong>, um fenomenólogo introspeccionistm'".<br />

E o mesmo poderia ser afirma<strong>do</strong> <strong>do</strong> Wittgenstein <strong>da</strong>s inveshigaões,<br />

o outro suposto behaviorista.<br />

Em C&C é já visível o afastamento não apenas <strong>da</strong> análise con-<br />

ceptual como também <strong>da</strong> ideia segun<strong>do</strong> a qual a linguagem vulgar<br />

delimita o âmbito <strong>do</strong> pensamento filosófico. Para Dennett, «a<br />

ordem só poderá ser trazi<strong>da</strong> para este caos (a teoria <strong>da</strong> mente) se<br />

aban<strong>do</strong>narmos a convicção de que o uso vulgar <strong>da</strong> linguagem é<br />

conceptualmente são (...) logo que aban<strong>do</strong>narmos esta convicção,<br />

não poderemos mais apoiarmo-nos na totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> uso para sa-<br />

bermos o que está por trás <strong>da</strong>s noções de apercebimento (a~uareness)<br />

e consciência (conscioz/sness), pois na<strong>da</strong> de consistente está por trás <strong>da</strong><br />

totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> uso. Quan<strong>do</strong> procuramos disiincões que servem para<br />

marcar senti<strong>do</strong>s consistentes e separáveis destas palavras, tu<strong>do</strong> o<br />

que podemos encontrar são distinções de função e para capturar<br />

estas distinções de função precisamos de um quadro mecanicista<br />

plausíveh6'. O problema de Wittgenstein e de Ryle enquanto fdó-<br />

sofos é que eles foram de certa forma hostis à ideia de investigação<br />

científica <strong>da</strong> mente, e de acor<strong>do</strong> com a sabe<strong>do</strong>ria stan<strong>da</strong>rd saí<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

revolução cognitiva ter-se-ia ultrapassa<strong>do</strong> as suas análises "grossei-<br />

ramente a-científicas" <strong>do</strong> mental.Mas para Dennett, isto não é ver-<br />

<strong>da</strong>deiro: «Devemos tolerar a sua frequentemente frustrante incom-<br />

preensão <strong>da</strong>quilo que são boas questões científicas, a sua quase<br />

total ignorância de biologia e ciência <strong>do</strong> cérebro pois eles conse-<br />

guiram fazer observacões profun<strong>da</strong>s e importantes que só agora<br />

comeqamos a ser capazes de aprecian)". As observações profun<strong>da</strong>s<br />

de Wittgenstein e Ryle, não são decerto observacões de filósofos<br />

naturalistas, ou fisicalistas. Para além <strong>da</strong> hostili<strong>da</strong>de em relação à<br />

investigação científica <strong>do</strong> mental, Ryle considerava a própria ques-<br />

tão 'Será o mun<strong>do</strong> em última análise físico?" conceptualmente<br />

confusa e Wittgenstein nunca se mostrou particularmente interes-<br />

sa<strong>do</strong> na exploração filosófica <strong>do</strong> fisicalismo. Wittgenstein e Ryle<br />

são <strong>do</strong>is anti-interioristas muito especiais, muito diferentes <strong>do</strong>s fdósofos<br />

<strong>da</strong> mente materialistas que se lhes seguiram, muitos <strong>do</strong>s quais<br />

vieram a apontá-los como precursores. O que há de especialmente<br />

importante (e comum) no pensamento de Wittgenstein e de Ryle é<br />

o facto de ambos procurarem estabelecer o estatuto <strong>da</strong>quilo que se<br />

pode dizer ao "nível pessoal" - o nível em que "nós" descrevemos<br />

a nossa vi<strong>da</strong> mental - relativamente ao nível sub-pessoal, <strong>do</strong> discurso<br />

científico-natural, legitimamente mecânico, sobre cognição.<br />

6 o facto de o nível pessoal ser por princípio insusceptível de descrições<br />

mecânicas que justifica o desinteresse de Wittgenstein e de<br />

Ryle pelas investigações empíricas sobre o mental.<br />

Uma vez que a teoria naturalista <strong>da</strong> cognição não é o território<br />

de Wittgenstein ou de Ryle, as preciosas observações que os <strong>do</strong>is<br />

autores facultam ao teórico naturalista <strong>da</strong> mente só podem dizer<br />

respeito às descrições de nível pessoal. Wittgenstein, nas inveshgações<br />

FiLosóJias, traça imagens esclarece<strong>do</strong>res <strong>da</strong> descrição de nível pessoal:<br />

as iizvcshgaçõcs consistem afmal em verificações e descrições<br />

atentas <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s de consciência nas mais varia<strong>da</strong>s circunstâncias<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental, sem presunção de se possuir assim alguma autori<strong>da</strong>de<br />

epistémica ou acesso directo à estrutura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Pelo contsário,<br />

aquilo que Wittgenstein persegue continuamente é o ponto<br />

em que aquilo que se pode dizer numa descrição mentalista pára e<br />

não há mais na<strong>da</strong> a dizer, acentuan<strong>do</strong> o quanto as condições de<br />

aplicação <strong>do</strong>s conceitos para experiências interiores se afastam de<br />

uma hipotética situação de auto-observação com intencões epistémicas,<br />

cujos resulta<strong>do</strong>s seriam expressos em linguagem referencial.<br />

Por exemplo, se eu digo "Eu tenho uma <strong>do</strong>r", essa expressão, na<br />

célebre formulação de Wittgenstein, substitui o grito, não o descreve<br />

nem explica (Inveshgações FiIosojicas $244). As asserções de<br />

experiência interior são exteriorizações (Ár/sser~in~ec) e não expres-<br />

sões de um conhecimento directo <strong>do</strong> interior. Traduzi<strong>do</strong> para a ter-<br />

minologia de Dennett, na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que está a passar-se a nível sub-pes-<br />

soa1 é cogmtivamente acessível ao sujeito que é capaz de descrever<br />

os acontecimentos mentais a nível pessoal.<br />

Ryle, por seu la<strong>do</strong>, faz, ao longo de The Concept oJ1' Miid uma cari-<br />

catura <strong>do</strong> uso de metáforas para-mecânicas em teoria <strong>da</strong> mente. Iro-<br />

niza acerca <strong>da</strong> maneira de falar <strong>do</strong>s teóricos <strong>da</strong> mente que parecem<br />

envolvi<strong>do</strong>s em anatomia mental especulativa, e dá como exemplos<br />

<strong>da</strong>s absur<strong>da</strong>s "adtres a71d p;/llys qnesbons" assim gera<strong>da</strong>s, questões<br />

como "Onde estão armazena<strong>da</strong>s as experiências passa<strong>da</strong>s?", "Como


é que uma mente captura kraqs) a reali<strong>da</strong>de física exterior?",<br />

C'<br />

Como é que uma pessoa pode ouW música dentro <strong>da</strong> sua cabeça,<br />

só para si, se não há música lá dentro para ouvir?", etc. Ryle compara<br />

o estatuto destas questões, sem dúvi<strong>da</strong> dgares em contextos<br />

psicológicos e epistemológicosí", com questões mais evidentemente<br />

absur<strong>da</strong>s como: «Quantos actos cognitivos cumpriu John Doe antes<br />

<strong>do</strong> pequeno almoço e como foi cumpri-los? Foram cansativos? Ele<br />

apreciou a passagem <strong>da</strong>s premissas à conclusão?»". Perguntas como<br />

estas são esquisitas e infrutíferas. John Doe não sabe responder às<br />

perguntas <strong>do</strong>s epistemólogos acerca <strong>do</strong>s seus próprios juizos e<br />

raciocúlios. Mas, com to<strong>da</strong> a certeza, só ele mesmo poderia dizer<br />

como foi passar por essas experiências. Infelizmente, como nota<br />

Ryle, ele não costuma contar essas coisas. É importante compreender<br />

porque é que estas questões estão mal formula<strong>da</strong>s e propiciar tal<br />

compreensão é o objectivo de Ryle, que basicamente considera as<br />

questões mal formula<strong>da</strong>s devi<strong>do</strong> ao compromisso tácito com o<br />

"fantasma na máquina" e à transposição de modelos gera<strong>da</strong> pelo<br />

(pressuposto e ilegítimo) dualismo.<br />

O que pode então fazer o teórico <strong>da</strong> mente que não assuma tais<br />

compromissos? E neste ponto que entra o behaviorismo de Ryle,<br />

que aiirma: «a tendência geral deste livro será sem dúvi<strong>da</strong> e sem que<br />

isso seja um mal, estigmatiza<strong>da</strong> como behaviorista. Por isso é pertinente<br />

dizer alguma coisa acerca <strong>do</strong> behavionsmo. O beha~5orismo<br />

foi inicialmente uma teoria <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s correctos para a psicologia<br />

científica (que sustentava que) (...) as teorias <strong>do</strong>s psicólogos deveriam<br />

ser basea<strong>da</strong>s em observações publicamente comprováveis e<br />

repetiveis e em experiências. Mas as supostas conuibuições <strong>da</strong> consciência<br />

e <strong>da</strong> introspecção não são publicamente comprováveis. [fio<br />

enta?zto] Romancistas, dramaturgos e biógrafos sempre se satisfneram<br />

com a exibição <strong>do</strong>s motivos, pensamentos, perturbações e hábitos<br />

<strong>da</strong>s pessoas através <strong>da</strong> descrição <strong>da</strong>s suas palavras, actos, imaginações,<br />

<strong>da</strong>s suas expressões, gestos e tons de voz. Concentran<strong>do</strong>se<br />

naquilo em que Jane Austen se concentrou, os psicólogos começaram<br />

a ver que esta era a própria matéria <strong>do</strong>s seus assuntos, e não<br />

uma mera prisão e~tenon)~'. Em suma, Ryle pensa que se o mito cartesiano<br />

não gerou o melhor tratamento <strong>da</strong> mente, também os psi-<br />

'E quc no, pelo mcnos a primeiia e s tcrcein, mais legihns <strong>do</strong> quc Ryle pensam<br />

" RYLE 1749: 275.<br />

Urza Teoria Firicalista <strong>do</strong> Coriteií<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coirsciêr~cia<br />

cólogos behavioristas sucumbiram às motivações erra<strong>da</strong>s. O erro<br />

comum a cartesianos e behavioristas é, segun<strong>do</strong> Ryle, a crença na<br />

especifici<strong>da</strong>de isolável <strong>do</strong>s fenómenos mentais (depois considera<strong>do</strong>s<br />

como um mito pelos behavioristas, e como insusceptiveis de investigação<br />

cientifica pelos cartesianos). O problema <strong>da</strong> psicologia científica<br />

behavionsta é, assim, o facto de na própria palavra "psicologia"<br />

ter fica<strong>do</strong> incrustra<strong>do</strong> o mito <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s. Uma vez afasta<strong>do</strong><br />

o mito <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s fica a conclusão de que os comportamentos<br />

humanos não são meros sintomas ou expressões de algo de<br />

muito importante que se passa "lá dentro" e que seria a ver<strong>da</strong>deira<br />

matéria <strong>do</strong> estudiosos <strong>da</strong> mente: (Dizer alguma coisa com significa<strong>do</strong><br />

não é (...) fazer duas coisas, nomea<strong>da</strong>mente dizer alguma coisa<br />

em voz alta ou na nossa cabeça e ao mesmo tempo, ou pouco tempo<br />

antes, passar por algum outro processo sombrio»". De forma muito<br />

semelhante, Wittgenstein defenderá nas íf~veshgaçôes que verbos mentalistas<br />

como "significar" e "compreender" não devem ser pensa<strong>do</strong>s<br />

como referin<strong>do</strong> processos e esta<strong>do</strong>s interiores. Quan<strong>do</strong> se decidiu<br />

falar assim já se decidiu tu<strong>do</strong> e decidiu-se mal "'.<br />

Em suma, na medi<strong>da</strong> em que atacam o interiorismo imateiialista<br />

Wittgenstein e Ryle "apoiam" o naturalismo. Não é no entanto<br />

de to<strong>do</strong> esclarece<strong>do</strong>r classificá-los simplesmente como behavioristas.<br />

Por um la<strong>do</strong>, porque o "behaviorismo" foi originalmente (ou<br />

pelo menos foi melhor delimita<strong>do</strong> como) um termo para uma recomen<strong>da</strong>~ão<br />

meto<strong>do</strong>lógica em psicologia empírica e nem Witgenstein<br />

nem Ryle se interessaram particularmente por inquéritos empíricos<br />

acerca <strong>do</strong> mental7? Por outro la<strong>do</strong>, o behaviorismo psicológico está<br />

ele próprio muito mais comprometi<strong>do</strong> com o mito <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> que se poderia supor: os behavionstas consideram, como os<br />

cartesianos, que há <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, apenas escolhem de forma diferente<br />

qual deles eliminar. Ora, ao contrário <strong>do</strong> que se passa com o<br />

" RYLE 1747: 277.<br />

" Cf WITTGENSMIN 1953, $308.<br />

" Ct por exemplo WVITTGENSTEIN 1753 $109: «Corrccro foi náo deinnr % norra hveitignçso<br />

ser um% invcstigaqão cicnáficn. (...) B nlo dcvcmos prod~zit nenliuma espi.cic de teoria. Na nossa<br />

invcstigqão não deve haver mds dc 1iipoti.tico. To<strong>da</strong> n esplicngáo icm que ncabnr e ser substiniidn<br />

apenas pels descngão. E esrs dcsctiqio recebe a sua luz, isto i., a sua fmalidnde, <strong>do</strong>s prablcmss F<strong>do</strong>sóúcos.<br />

6 claro quc cstcs não são problemas cmpiricas, s sua solugXo escnri anrcs no conhechenco<br />

<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como 2 iinguzgem funciona, dc mmeiiri a que de bcto essc mo<strong>do</strong> seis reconheci<strong>do</strong> (.)<br />

Estcs p~oblemns seráo iesolvi<strong>do</strong>s nio pela ndug" dùe nows cxpcriincias inns pela compilaqio <strong>do</strong> que<br />

é Iiá muito conheci<strong>do</strong>. A Filosofin C um combare contra o embrusnmento <strong>do</strong> iitclccto pelos meios<br />

<strong>da</strong> nossa iinyngern».


ehaviorismo, as teorias <strong>do</strong> mental de Ryle e de Wittgenstein não<br />

redun<strong>da</strong>m na exclusão ou eliminação <strong>do</strong> mental nem em desaten-<br />

$50 à linguagem psicológica. Assim, aquilo que Ryle e a Wittgenstein<br />

exemplificam aos olhos de Dennett é um mo<strong>do</strong> de descrever o<br />

nível pessoal que não é, como diria Ryle, nem cartesiano nem hobbesiano,<br />

nem imaterialista nem materialista. Essas maneiras de tratar<br />

a mente são igualmente - e erra<strong>da</strong>mente - mecânicas; ao nível<br />

pessoal apenas é possível constatar a vi<strong>da</strong> mental tal como esta se<br />

dá, não se pode pretender ter a iluminação na posse que corresponderia<br />

à posição <strong>do</strong> "autor" <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental. É esse estilo de<br />

constatação <strong>do</strong> mental como acontecimento que Dennett aprecia<br />

em Wittgenstein e Ryle, é essencialmente por essa razão que Dennett<br />

os considera como "fenomenólogos". No entanto, a vi<strong>da</strong> mental<br />

modesta e atentamente descrita deverá, segun<strong>do</strong> Dennett e ao<br />

contrário <strong>do</strong> que Wittgenstein e Ryle defenderam, ser posteriormente<br />

relaciona<strong>da</strong> c,om o tliuel sz~b-pessoal e portanto com ~ilodelos<br />

í~~ecâ~zicos <strong>da</strong> cog~ligão. E com o nível sub-pessoal que li<strong>da</strong>m os inquéritos<br />

empíricos e a atenção aos inquéritos empíricos é a diferença<br />

resultante <strong>da</strong> intenção naturalista em f<strong>do</strong>sofia. Dennett pietende<br />

portanto seguir as intuições de Wittgenstein e Ryle quanto ao nível<br />

pessoal mas sem hostili<strong>da</strong>de em relação às investigacões empíricas<br />

sobre a mente, antes começan<strong>do</strong> precisamente por elas.<br />

Para o auxiliar a contornar o défice de naturalismo que era, em<br />

ultima análise, aquilo que Dennett criticava em Ryle e em Wittgenstein,<br />

o jovem americano trouxera <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s a marcante<br />

influência <strong>da</strong> leitura de Quine. No seu auto-retrato teórico, Dennett<br />

coloca a questão desta maneira: «O que se obtem quan<strong>do</strong> se cruza<br />

um Ryle com um Quine? Um Dennett, aparentementemente»'".<br />

Dennett partia portanto para a teoria <strong>da</strong> mente com uma atençi e o ao<br />

que as ciências têm para dizer acerca <strong>da</strong> cognição (além de uma mais<br />

idiossincrática inclinação tecnóf<strong>da</strong>73 que embora se tenha difundi<strong>do</strong><br />

bastante com a ascenção <strong>da</strong>s ciências cognitivas de então para<br />

."DENNETT 1998y: 365.<br />

"


Não é exagero afumar que, para Dennett, to<strong>da</strong> a fiiosofia <strong>da</strong> mente<br />

posterior a 1960 consiste de certo mo<strong>do</strong> em notas de pé de página<br />

ao parágrafo de Quine.<br />

As afirmacões de Quine na passagem cita<strong>da</strong> relacionam-se com<br />

uma conheci<strong>da</strong> posição sua: Quine não aceita que os "significa<strong>do</strong>s"<br />

sejain enti<strong>da</strong>des. Esta decisão ontológica tem raízes profun<strong>da</strong>s e re-<br />

percussões em to<strong>da</strong> a filosofia quineana. Uma <strong>da</strong>s razões apresenta-<br />

<strong>da</strong>s por Quine é a economia ontológica, o princípio segun<strong>do</strong> qual<br />

não há necessi<strong>da</strong>de de admiár mais enti<strong>da</strong>des <strong>do</strong> que as essenciais<br />

para o fim visa<strong>do</strong> bode-se considerar que o fun visa<strong>do</strong> por Quine<br />

em fiiosofia é a explicação <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de to<strong>do</strong> o conhecimen-<br />

to sério possuí<strong>do</strong> pelo indivíduo e pela espécie, desde a matemática,<br />

a física e a lógica até ao conhecimento envolvi<strong>do</strong> no uso de línguas<br />

naturaiss3). Outra razão é o facto de a sinonímia, que seria uin crité-<br />

rio de identificação de enti<strong>da</strong>des intensionais, ter si<strong>do</strong> posta em<br />

causa por Quine8', fican<strong>do</strong> assim as supostas enti<strong>da</strong>des intensionais<br />

"sem identi<strong>da</strong>de". A ideia de sinonúnia envolveria segun<strong>do</strong> Quine a<br />

ficção de um conteú<strong>do</strong> que permanece futa<strong>do</strong> enquanto palavras e<br />

sintaxe variam. Sen<strong>do</strong> a ftuação de conteú<strong>do</strong> uma ficção, não exis-<br />

tem critérios para a identificação de significa<strong>do</strong>s. Ora, segun<strong>do</strong><br />

Quine, sem identi<strong>da</strong>de não poderá haver enti<strong>da</strong>des. Não existem<br />

portantos enti<strong>da</strong>des que seriam "significa<strong>do</strong>s". Mas a posição de<br />

Quine deve ser compreendi<strong>da</strong> sobretu<strong>do</strong> no âmbito <strong>da</strong> indetermi-<br />

nação <strong>da</strong> tradução. Esta é a principal razão pela qual Quine toma a<br />

decisão ontológica de não aceitar significa<strong>do</strong>s como enti<strong>da</strong>des. A in-<br />

determinação <strong>da</strong> tradução é introduzi<strong>da</strong> e analisa<strong>da</strong> em Word aird<br />

Object nos capítulos anteriores ao capítulo onde se inclui o cita<strong>do</strong><br />

$45, nomea<strong>da</strong>inente no Capítulo 2 (Mearritg atrd TratzsLatio~r). No en-<br />

tanto, os temas envolvi<strong>do</strong>s na questão vêm de longe no pensamen-<br />

to de Quine, e relacionam-se com a defesa <strong>da</strong> separacão <strong>do</strong>s desti-<br />

"' Em h.ooiii Sli,i,iilili lo Snriiii (QUINE 1995: 16), Quine dehc a episiemologia nmiralizndn<br />

como a reconseucgào racional <strong>da</strong> nquisigào efectiva por paire de um individuo ou <strong>da</strong> espécie de uma<br />

teoria sécií <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ertctior Nn formulrglo de I'iir~,


Soja h1ig~1eiir<br />

ses de observação a tradução radical não é feita por estrita identi<strong>da</strong>de<br />

de estimulo-senti<strong>do</strong>s. Segun<strong>do</strong> Quine, a segmentação ou tentativa<br />

de segmentação destas frases para a sua tradu~ão envolve já<br />

"hipóteses analíticas", que não são para Quine ver<strong>da</strong>deiras hipóteses,<br />

i.e. hipóteses no senti<strong>do</strong> científico, hipóteses testáveis, já que<br />

não existe matéria de facto que as conhme ou refute. As hipóteses<br />

analíticas constituirão manuais de tradução e o ponto <strong>da</strong> indeterminação<br />

<strong>da</strong> tradução é que os manuais de tradução podem ser ao<br />

mesmo tempo incompatíveis entre si e ca<strong>da</strong> um deles adequa<strong>do</strong> a<br />

to<strong>da</strong> a evidência relevante: «Não pode haver dúvi<strong>da</strong> de que sistemas<br />

rivais de hipóteses analíticas podem adequar-se perfeitamente à totali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> comportamento verbal assim como à totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

disposições ao comportamento verbal e ain<strong>da</strong> assim especificar traduções<br />

mutuamente incompatíveis de inúmeras frases não susceptíveis<br />

de controlo independente))".<br />

Se esta é a situação mesmo <strong>da</strong>s frases de observação, para além<br />

destas tu<strong>do</strong> o resto na tradução de linguagens - nomea<strong>da</strong>mente as<br />

C'<br />

frases permanentes"" - é, para Quine, indetermina<strong>do</strong>. A situação<br />

de tradução radical é exemplar <strong>do</strong> uso <strong>da</strong> linguagem em geral'e particularmente<br />

<strong>do</strong> uso <strong>da</strong> linguagem com propósitos epistemológicos:<br />

« No mesmo grau em que a tradução radical de frases é subdetermina<strong>da</strong><br />

pela totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s disposições para o comportamento verbal,<br />

as nossas próprias teorias e crenças são em geral subdetermina<strong>da</strong>s<br />

pela totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> evidência sensorial possível para to<strong>do</strong> o semprmHA.<br />

A posição eliminativista acerca de significa<strong>do</strong>sRg está, como é<br />

sabi<strong>do</strong>, liga<strong>da</strong> ao naturalismo: o pressuposto <strong>da</strong> análise quiniana <strong>da</strong><br />

linguagem é que esta deve ser trata<strong>da</strong> como um fenómeno natural<br />

(Quine afasta-se aqui de Wittgenstein e Ryle). Transpon<strong>do</strong> as ideias<br />

de Quine acerca de significa<strong>do</strong>s para a teoria <strong>da</strong> mente, não é difícil<br />

QUIN!? 1960: 72.<br />

' Fmses peimanenres (por oposição à frnscs ocosionnis, corno as frases de obsernç8o quc tem<br />

vin<strong>do</strong> n ser menciozin<strong>da</strong>s) são por crcmplo ris Únses cientificns.<br />

' QUINR 1960: 78.<br />

" Sublinliç-se desde i6 porque o facto é imporrante para a propósito <strong>do</strong> presente inbdio, que<br />

guine defende uma posição eliminntii.ista ou niilisn nccica <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> e não uma posiçiio climinativista<br />

acerca dn canscii.n<strong>da</strong>. A csisti.ncin dcsn úitima não 6 considern<strong>da</strong> problcrniticn. Bsn difcrciiçs<br />

i. únpormnrc pam r ;i\dirgão <strong>da</strong>s rescs de Dennetc - que se afirma um scgui<strong>do</strong>i de Quine - *cerca <strong>do</strong>s<br />

p8ii2. i\ expressão "niiiismo <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>" é utiliradn para analisar a teosia quinennn <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

ein FODOR 1'187 e em PODOR &LEI'ORII 1992. I'o<strong>do</strong>i faz muita qucrõo cin dir8npir o lioiismo<br />

<strong>do</strong> aignificn<strong>do</strong> - R posição occrcs dc significs<strong>do</strong>s suposramentc defendi<strong>da</strong> por QuMe mas que é segnn<strong>do</strong><br />

I'o<strong>do</strong>r snres um niüismo - rio liolismo <strong>da</strong> confirm;iç<strong>do</strong>, quc 6 umn rese episiemológic~.<br />

constatar que as frases <strong>da</strong> linguagem mentalista são intensionai~~~. E<br />

Quine ensina a fugir <strong>da</strong>s intensões, uma vez que as regras <strong>da</strong> lógica<br />

cuja base é verofuncionai'" não se lhes aplicam. A lógica necessária<br />

e suficiente para o discurso científico, a partir de cujo esta<strong>do</strong> se responderá<br />

à questão ontológica (a questão acerca <strong>do</strong> que há), é a lógica<br />

extensional. Esta supõe a regimentação na notação lógica <strong>da</strong><br />

quantificação. Antes <strong>da</strong> regimentação nenhuma noção séria e cientificamente<br />

pertinente de r+rElrcia se aplica. Quine pretende portanto<br />

tratar as questões <strong>da</strong> referência e <strong>da</strong> existência em conjunto e de<br />

uma forma que deixa de fora to<strong>do</strong> o âmbito <strong>do</strong> mental. E claro que<br />

Quine admite que em termos de linguagem e de ligação <strong>do</strong> uso<br />

desta à reifica~ão, se começa i?? 77zedia res, sen<strong>do</strong> as primeiras coisas<br />

fala<strong>da</strong>s e referi<strong>da</strong>s coisas físicas, médias e públicas. Essa é no entanto<br />

apenas uma limitação quanto ao ponto de parti<strong>da</strong> e não quanto<br />

ao ponto de chega<strong>da</strong>. O ponto de chega<strong>da</strong> (as questões lógico-ontológicas<br />

acerca <strong>da</strong>quilo que há) será decidi<strong>do</strong> na ciência.<br />

A interpretação quiniana <strong>da</strong> tese de Brentano é um <strong>do</strong>s fun<strong>da</strong>mentos<br />

epistemológicos e ontológicos <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente apresenta<strong>da</strong><br />

em C&C. É importante por isso não esquecer que um filósofo <strong>da</strong><br />

mente pode encontrar em Quine a ideia segun<strong>do</strong> a qual a linguagem<br />

mentalista é pura e simplesmente excêntrica ao ponto de chega<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

ontologia. De acor<strong>do</strong> com a interpretação quineana <strong>da</strong> tese de<br />

Brentano falar de intencionali<strong>da</strong>de, usar a "linguagem <strong>da</strong> mente", é<br />

apenas uma nlaneira defalar. Na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que é dito em linguagem <strong>da</strong><br />

mente é determina<strong>do</strong> ou refere. A tese de Brentano combina-se<br />

assim, como «Quine famosamente com a indeterminação<br />

<strong>da</strong> tradução". A teoria <strong>da</strong> mente só pode ser, a partk <strong>da</strong>qui, uma teoria<br />

<strong>da</strong> interpretação. Recapitulan<strong>do</strong>, para um quineano os significa<strong>do</strong>s<br />

não são enti<strong>da</strong>des mas apenas maneiras (interpretativas) de descrever<br />

comportamentos. É com base na declaracão de Quine segun<strong>do</strong> a qual<br />

a semintica (<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>) não é "séria", que Dennett considera que a<br />

linguagem <strong>da</strong> mente é puramente instrumental. To<strong>da</strong> a teoria se devotará<br />

então a mostrar que os cérebros não podem ser máquinas semânticas<br />

(sen~ufztic eígiizes), por mais que pareçam muito sê-10: na<strong>da</strong> pody<br />

ser movi<strong>do</strong> ou causa<strong>do</strong> por enti<strong>da</strong>des inexistentes, os significa<strong>do</strong>s. E<br />

DENNDTT 1969: 29.<br />

a Com n cxprcssio "lógica cuia base é verofuncionai" pretende-sc englobar a lógica interpioposicional<br />

e o


também por razões quineanas que Dennett considerará to<strong>da</strong> a pretendi<strong>da</strong><br />

precisão em caracterizações intencionais como um objectivo ilusório<br />

(é esta nomea<strong>da</strong>mente a raiz <strong>da</strong> sua rejeição <strong>do</strong> realismo intencional<br />

e <strong>da</strong> Hipótese <strong>da</strong> Liagem <strong>do</strong> Pensamento de Jerry Fo<strong>do</strong>r).<br />

O naturalismo e o interpretativismo situam Denea numa iinhagem<br />

hlosófica liga<strong>da</strong> a Quine, possivelmente a mais influente figura<br />

na Giosofia americana (e não só) <strong>do</strong>s últimos cinquenta anos. No<br />

entanto, para além de Quine, uma outra forte influência pessoal<br />

marca a Giosofia americana neste perío<strong>do</strong>. É durante a déca<strong>da</strong> de 60<br />

e no contexto <strong>do</strong> debate <strong>do</strong> problema mente-corpo, que Hilary<br />

Putnam escreve célebres textos nos quais propõe e defende uma<br />

nova teoria materialista <strong>da</strong> mente, o funcionalismo, que se opõe à<br />

teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de. Textos como iMii~ds ard Machifzes (1960), Robots:<br />

Machhes orArtzicia& Created L$? (1964), The Arature oJ Mental States<br />

(1967) The Me~rialLife of Some Machi~les (1967), alguns <strong>do</strong>s quais vieram<br />

a tornar-se manifestos <strong>do</strong> funcionalismo, são exemplares <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> mente então desenrrolvi<strong>da</strong> por Putnam. Nesses textos, Putnam<br />

declara que o problema mente-corpo é um problema lógico e linguístico<br />

e não um problema empúico. O problema não se relaciona<br />

sequer directamente com o cáracter único <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de humana,<br />

poden<strong>do</strong> surgir em relação a qualquer sistema capaz de responder a<br />

questões sobre a sua estrutura: «os aspectos lógicos <strong>do</strong> problema<br />

mente-corpo são aspectos de utn problema que deve surgir para<br />

qualquer sisteina computacional que satisfaça as condições (1) usa<br />

linguagem e constrói teorias (2) não conliece iniciaimente a sua pirópria<br />

constituição física, excepto superficialmente (3) está equipa<strong>do</strong><br />

com orgãos sensoriais e é capaz de levar a cabo experiências e (4)<br />

vem a conhecer a sua constituição através de investigação empírica e<br />

construção de teorias»". Aliás, e embora o propósito de Putnam seja<br />

compreender como devemos falar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental de humanos e não<br />

como devemos falar de máquinas, várias apresentações <strong>da</strong> teoria<br />

envolvem sistemas não humanos que satisfazem essas condições, por<br />

exemplo uma Máquina de Turing ein Milids aad Macbi~zes e robôs<br />

(além de robôs feitos por robôs) em Robots: Machir~es or Arhzia4<br />

"r\ iiidctermùia$2o quincrina "20 é uma tese ponniol dc fùosorin dn iiiiyagcm, isolivcl <strong>do</strong> rcsto<br />

d:i f<strong>do</strong>soús de Quine. Como o própiio Quine faz notar, 1x6 três iiidereimLi;q"e~ hind;imentqis no<br />

seu peiisameiiro e que 9 i s relncioiinm I fùosoún dn cièncin, n úloso6a <strong>da</strong> linguagem e a ólosofia <strong>da</strong><br />

mcntc: n indctcrminaeo <strong>da</strong> indu$ão, a inescrunbilidsdc <strong>da</strong> mfcri.ncia c a subdctcrmin


ia a sério o problema <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de ou náo-identi<strong>da</strong>de entre esta<strong>do</strong>s<br />

estruturais e esta<strong>do</strong>s lógicos, uma vez que a resposta não tem<br />

qualquer importância. Após explicar o conceito de Máquina de<br />

Turing, Putnam faz notar o seguinte em relagão a uma particular<br />

operação a ser executa<strong>da</strong> por uma particular Máquina de Turing (no<br />

caso, o cálculo <strong>da</strong> 3000" casa <strong>da</strong> expansão decimal de ?'C). Faz to<strong>do</strong><br />

o senti<strong>do</strong> perguntar como é que a máquina calcula a 3000" casa <strong>da</strong><br />

expansão decimal de ?'C (a resposta terá que incluir a sequência de<br />

esta<strong>do</strong>s por que a máquina passa no processo de cálculo, a descrição<br />

<strong>da</strong>s regras <strong>da</strong> tabela <strong>da</strong> máquina). No entanto, não faz nenhum<br />

senti<strong>do</strong> objectar que a máquina, para realizar a tarefa deve passar<br />

pelos esta<strong>do</strong>s A, B e C e que é um problema saber como é que ela<br />

pode assegurar que está nesses esta<strong>do</strong>s. Putnam mostra o absur<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> objecção notan<strong>do</strong> que a descrição lógica (a tabela <strong>da</strong> máquina)<br />

descreve os esta<strong>do</strong>s apenas em termos <strong>da</strong>s suas relações uns com<br />

os outros. Desde que existam esta<strong>do</strong>s distintos A,B,C e que eles se<br />

suce<strong>da</strong>m uns aos outros tal como é especifica<strong>do</strong> na tabela <strong>da</strong><br />

máquina a realização física é irrelevante. Se para estar no esta<strong>do</strong> A<br />

a máquina tivesse que assegurar-se de que estava no esta<strong>do</strong> A haveria<br />

um círculo vicioso. A máquina passa pelos esta<strong>do</strong>s sem ter que<br />

se assegurar de que está neles.<br />

Putnam considera ain<strong>da</strong> o caso em que a máquina imprime a<br />

frase "Eu estou no esta<strong>do</strong> A". Esse facto não supõe que ela tenha<br />

ti<strong>do</strong> que assegurar-se de que estam no esta<strong>do</strong> A? Putnam considera<br />

esta situação análoga i situação wittgensteiniana em que alguém diz:<br />

"Sinto <strong>do</strong>r". A pessoa, pai-a dizer "sinto <strong>do</strong>r", não tem que reflectir<br />

para se assegurar. Ela não está a descrever coisa alguma. Quer o<br />

indivíduo wittgensteiniano quer a máquina putnamiana não passaram<br />

por qualquer processo de recolha de evidência e de realização<br />

de inferências para chegarem às respectivas "aúrmações". O individuo<br />

"sabe" que sente <strong>do</strong>r e a máquina "sabe" que está no esta<strong>do</strong> A<br />

respectivamente sejzti~~<strong>do</strong> <strong>do</strong>r e estair<strong>do</strong> i20 esta<strong>do</strong> A. O relato verbal sai<br />

directamente <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> que é relata<strong>do</strong>, sem qualquer recolha de<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s, sem qualquer cálculo ou raciocínio.<br />

Putnam explora ein segui<strong>da</strong> a analogia entre esta<strong>do</strong>s mentais e<br />

esta<strong>do</strong>s lógicos <strong>da</strong> máquina e entre esta<strong>do</strong>s Íisicos de humanos e<br />

esta<strong>do</strong>s estruturais <strong>da</strong> máquina. Uma Máquina de Turing abstracta,<br />

uma vez realiza<strong>da</strong>, passa a "ter" esta<strong>do</strong>s físicos e problemas com<br />

eles. A máquina tem algum acesso a csses esta<strong>do</strong>s físicos ou esrruturais:<br />

ela é capaz de alguma monitorização que lhe permite por<br />

Ull,a Teoria Fisicalisto <strong>do</strong> Contei<strong>do</strong> e dd Coirsciêmiiri<br />

exemplo detectar utn mau funcionamento. Nisso ela é semelhante a<br />

um humano, que de uma forma mais ou menos confiável pode<br />

detectar um mau funcionamento <strong>do</strong> seu corpo. A máquina pode até<br />

imprimir "o tubo de vácuo 312 falhou" e é razoável perguntar como<br />

é que ela se assegurou disso. Se o impsime erra<strong>da</strong>mente, pode ter<br />

havi<strong>do</strong> um mau cálculo ou um sinal <strong>do</strong>s mecanismos de auto-ins-<br />

pecção interpreta<strong>do</strong> erra<strong>da</strong>mente. Mas nenhum desses casos se põe<br />

quan<strong>do</strong> ela imprime. "Estou no esta<strong>do</strong> A". Em suma, Putnam defen-<br />

de que pode haver uma descrição de humanos análoga não ao ponto<br />

de vista <strong>do</strong> engenheiro que descreve uma máquina física mas ao<br />

ponto de vista <strong>do</strong> matemático que especifica a tabela <strong>da</strong> Máquina de<br />

Turing. Esta descrição é feita em termos de esta<strong>do</strong>s lógicos e não de<br />

esta<strong>do</strong>s físicos e, para Putnam, é esse o estatuto <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais,<br />

cuja descrição pode sei efectua<strong>da</strong> sem referência à realização física.<br />

A analogia entre um homem e uma Máquina de Turing resulta<br />

assim na aproximagão entre esta<strong>do</strong>s mentais e esta<strong>do</strong>s funcionais e<br />

é a esta luz que Pumam vai considerar o estatuto <strong>da</strong>s identificaçõ-<br />

es teóricas em teoria <strong>da</strong> mente. Este era o objecto central de dis-<br />

cussão <strong>do</strong>s teóricos <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, na medi<strong>da</strong> em que as identifica-<br />

ções teóricas permitiriam compreender a natureza e a possibili<strong>da</strong>de<br />

de leis psicofísicas, de previsão e de explicação causal. As ide~ztijca-<br />

çôes feóricas em causa são alcança<strong>da</strong>s através de investigação eezpzrica, e<br />

portanto embora possam ser aparentemente definições (por exem-<br />

plo "A <strong>do</strong>r é estirnulação <strong>da</strong>s fibras-c") elas não são afialiticas.<br />

Putnam afirmava nestes textos - como é sabi<strong>do</strong> Putnam veio a<br />

renegar o seu passa<strong>do</strong> funcionalista - que se <strong>da</strong>na no futuro uma<br />

identificação teóiica entre esta<strong>do</strong>s psicológicos humanos e os esta-<br />

<strong>do</strong>s cerebrais correspondentes (análoga is identificações teóricas<br />

entre luz e radiagão electromagnética ou entre água e H,O, nos<br />

exemplos de Miizds andMachi~zes). No entanto os esta<strong>do</strong>s psicológi-<br />

cos em causa nas identificações deveriam ser concebi<strong>do</strong>s não como<br />

análogos aos esta<strong>do</strong>s físicos, estruturais, defini<strong>do</strong>s ao nível <strong>do</strong> hard-<br />

ivare (como pretendiam os teóricos <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de) e sim como aná-<br />

logos aos esta<strong>do</strong>s lógicos de máquinas, defini<strong>do</strong>s ao nível <strong>da</strong> pro-<br />

gramagão. Esta tese, segun<strong>do</strong> a qual os esta<strong>do</strong>s psicológicos viriam<br />

a ser empiricamente idênticos a esta<strong>do</strong>s funcionais, é considera<strong>da</strong><br />

por Putnam como sen<strong>do</strong> ela própria uma hipótese empísica, menos<br />

vaga <strong>do</strong> que a hipótese <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s mentais com esta-<br />

<strong>do</strong>s físico-químicos de sistemas e mais susceptivel de investigagão<br />

matemática e empírica. Para Putnam, na medi<strong>da</strong> em que a questão


Soja M&ueiiis<br />

<strong>da</strong> natureza <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s psicológicos era uma questão factual, a<br />

investigação consisikia em produzir modelos mecânicos. Para o<br />

Putnam "cientista" de então, isso e apenas isso era a psicologia.<br />

No centro <strong>da</strong> ideia funcionalista está assim o facto de sistemas<br />

"psicologicamente isomorfos" não terem necessariamente de estar<br />

no mesmo esta<strong>do</strong> físico para estar no mesmo esta<strong>do</strong> lógico, e por-<br />

tanto não terem que estar no mesmo esta<strong>do</strong> físico para serem des-<br />

critos por um mesmo predica<strong>do</strong> psicológico. A teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>-<br />

de revelava-se a esta nova luz uma concepção paroquial (demasia-<br />

<strong>do</strong> humana) <strong>do</strong> mental. Aos olhos de um jovem fdósofo como<br />

Dennett, Putnam argumentava persuasivamente que não há razão<br />

para afumar que to<strong>do</strong>s os seres, humanos ou outros, que podem<br />

pensar o mesmo pensamento devam necessariamente instanciar<br />

uma mesma descricão física (por exemplo, não há necessi<strong>da</strong>de algu-<br />

ma de considerar que, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>is homens pensam por exemplo<br />

em "Espanha", eles partilham algum esta<strong>do</strong> fisicamente descritivel<br />

específico). Mostrar que é assim e porquê foi a grande contribuição<br />

de Putnam para a iiiosofia <strong>da</strong> mente nos anos 60.<br />

1.1.1 Breue r@rênaa a E. A~lsconibe, C. T<strong>do</strong>r e a 'Ú&IIIIS uzsionários <strong>da</strong><br />

ciência e <strong>da</strong> er~genbaria'"~.<br />

Até aqu foi visto o mo<strong>do</strong> como, em termos epistemológicos e<br />

ontológicos, Dennett é guia<strong>do</strong> na teoria <strong>da</strong> mente pelas obras de G.<br />

Ryle, W V Quine, L. Wittgenstein e H. Putnam. Ryle mostra que a<br />

alternativa entre monismo materialista e monismo idealista não é<br />

uma alternativa a não ser que o problema <strong>da</strong> mente seja mal pen-<br />

sa<strong>do</strong>. Wittgenstein e Ryle em conjunto constituem bons exemplos<br />

meto<strong>do</strong>lógicos <strong>do</strong> que deve ser a descricão <strong>da</strong> mente ao nível pes-<br />

soal. A Quine, Dennett vai buscar por um la<strong>do</strong> o naturalismo, que<br />

não se encontra em Wittgenstein nem em l


Soja M&~~eri,<br />

muito específica o insucesso <strong>da</strong>s tentativas de utilização de uma pura<br />

linguagem de <strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos behavioristas. Em The Explanation<br />

Behauior Taylor mostra que tais tentativas redun<strong>da</strong>m em ((futili<strong>da</strong>de<br />

(...) deselegantes adereços ad hoc e cláusulas de salvaguar<strong>da</strong> (ixelega~~t<br />

ad hoc props azd prouisos), que tornam as teorias estím<strong>do</strong>-resposta<br />

espantosamente comple~as»'~'. Taylor conclui que «A Teoria E-R é<br />

rica em hipóteses que são já petições de princípio, soluções meramente<br />

verbais que deixam o problema intoca<strong>do</strong> - pistas condicionais,<br />

estímulos relativos, integração sensorial, d?ives adquiri<strong>do</strong>s de<br />

to<strong>do</strong>s os tipos -que (...) são um sinal confiável <strong>da</strong> má saúde de uma<br />

teoria»'".<br />

A Il~tetztion, de Elizabeth Anscoinbe, Dennett vai por seu la<strong>do</strong><br />

buscar uma caracterização sofistica<strong>da</strong> <strong>da</strong> intenção e <strong>da</strong> voluntarie<strong>da</strong>de<br />

na acção humana, admiran<strong>do</strong> nomea<strong>da</strong>mente a ideia segun<strong>do</strong><br />

a qual a descrição intencional de comportamentos é uma espécie de<br />

abstracção e não um relato de eventos actuais.<br />

Além destas influências determinantes de @ósofos no pensamento<br />

de Dennett, é necessário considerar outras influências, alheias ao<br />

campo disciplinar <strong>da</strong> @osofia. Segun<strong>do</strong> Dennett «nesse tempo - em<br />

mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 60 -mais ninguém na hlosofia estava a tentar cons-<br />

&uir essa estrutura [De?z~~ett rejrc-se a z~ma esh/ltz/ajsica qríepl~desse ser<br />

pezrsa<strong>da</strong> conzo czí?~pI.i~~<strong>do</strong> o tmbaího <strong>da</strong> n/e&] por isso tratava-se de uma<br />

tarefa bastante solitária, e a maior parte <strong>da</strong> iluminação e <strong>do</strong> encorajamento<br />

que eu podia encontrar vinham <strong>do</strong> trabalho de alguns visionáiios<br />

na ciência e na engenharia: Warren McCuiloch, Donald McI


Soja 1Migileilr<br />

<strong>da</strong> cognição que Dennett define aquela que tem si<strong>do</strong> de então para<br />

cá a sua posição básica em teoria <strong>da</strong> mente, à qual chama na altura<br />

"centralista", por oposição à teoria periferista por excelência, o be-<br />

haviorismo. Ao cen~alismo Dennett chama hoje Estratégia In-<br />

tencional (itrteiztionalstafzce) e à sua teoria <strong>da</strong> mente chamar-se-á em<br />

geral, <strong>da</strong>qui em diante Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais (TSI). No-<br />

te-se que a Estratégia Intencional, polémica e muito ataca<strong>da</strong> sobre-<br />

tu<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> aos pressupostos instrumentalistas e implicações anti-<br />

realistas, é avança<strong>da</strong> por Dennett como um passo além <strong>do</strong> veredic-<br />

to ryleano de erro categorial. Dennett pensa que é preciso escolher,<br />

i.e. que é preciso <strong>da</strong>r priori<strong>da</strong>de ontológica, quan<strong>do</strong> se trata de falar<br />

<strong>da</strong> mente, ou à linguagem <strong>da</strong>s ciências naturais ou à linguagem <strong>da</strong><br />

mente e é precisamente isso que faz. A escolha de Dennett sempre<br />

foi clara: só a linguagem <strong>da</strong>s ciências naturais rlfere. Entre a lingua-<br />

getn <strong>da</strong>s ciências naturais e a linguagem mentalista situa-se uma<br />

"barreira <strong>da</strong> fusão", o que significa que as descrições de sistemas<br />

em linguagem mentalista devem ser considera<strong>da</strong>s de forma holista,<br />

como descrições aproximativas. To<strong>do</strong>s os problemas relativos ao<br />

carácter provisório e ao estatuto interpretativo <strong>da</strong>s atribuições<br />

intencionais e teleológicas decorrerão desta opção.<br />

1.2 O problei~a <strong>do</strong> coztczi<strong>do</strong> enz Content and Consciousness:<br />

inilzo de zma teoria teleológca <strong>do</strong> sigzzjica<strong>do</strong>.<br />

Logo no inicio de C&C, Dennett declara que a teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

é implausível e que apenas a ausência de alternativas conduz<br />

a aceitá-la. T. Nagel fará notarin5 que Dennett assume, com<br />

esta rejeição sumária, que to<strong>do</strong>s os teóricos <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de defendem<br />

identi<strong>da</strong>des gerais entre tipos mentais e tipos neuronais, o<br />

que não corresponde à ver<strong>da</strong>de. Nagel admite no entanto que<br />

Dennett está certo quan<strong>do</strong> vê uma motiva@o negativa para a teoria<br />

<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de. Para Dennett, o problema com a teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

é supor que identificações teóricas entre o mental e o físico<br />

são sequer possíveis. Ora, identificações são possíveis apenas<br />

quan<strong>do</strong> existem enti<strong>da</strong>des distintas para identificar, e de acor<strong>do</strong><br />

com Dennett, não existem enti<strong>da</strong>des mentais. Os Fenómenos<br />

mentais não podem ser (ou não ser) identifica<strong>do</strong>s com eventos<br />

neuronais, já que a linguagem mental na qual esses fenómenos são<br />

descritos não é referencial.<br />

A única Forma de evitar supor que termos mentalistas nomeiam<br />

enti<strong>da</strong>des é "fundi-los" nos seus contextos. O passo seguinte consiste<br />

em constatar que é incoerente pensar que to<strong>da</strong>s as coisas ditas<br />

acerca de um sistema físico em linguagem mentalista são falsas:<br />

devem existir ver<strong>da</strong>des em linguagem <strong>da</strong> mente, que é preciso relacionar<br />

com a linguagem por meio <strong>da</strong> qual as ciências físicas tratarão<br />

o mesmo sistema. Na recensão que faz <strong>do</strong> livro de Dennett,<br />

Nagel nota que «como este novo méto<strong>do</strong> de análise é a espinha<br />

<strong>do</strong>rsal <strong>do</strong> livro, uma maior discussão <strong>do</strong> seu carácter lógico teria<br />

si<strong>do</strong> apr~pria<strong>da</strong>))'"~. Qual é afinal o teor <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de análise proposto?<br />

Para Dennett o problema ontológico <strong>da</strong> mente é um problema<br />

de relacionamento de linguagens, nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> linguagem<br />

<strong>da</strong> mente, cujos termos não referem, com a linguagem <strong>da</strong>s<br />

ciências físicas. Embora os termos <strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong> mente não<br />

retiram, a linguagem <strong>da</strong> mente cumpre alguma função: ela adscreve<br />

cotztczi<strong>do</strong> a sistemsjLsicos globalínente co~zsideraclos. Ora se a linguagem<br />

<strong>da</strong> mente na qual se adscreve conteú<strong>do</strong> não é referencial, põe-se a<br />

questão de saber de onde provém o conteú<strong>do</strong> com o qual ela li<strong>da</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> Dennett, o conteú<strong>do</strong> resulta <strong>da</strong> interpretação de sistemas<br />

físicos como Sistemas Intencionais. Em C&C, Dennett não uàliza<br />

ain<strong>da</strong> a noção de Sistema Intencional (SI) no senti<strong>do</strong> especifico<br />

que lhe atribuirá posteriormente, a partir de Itztentiorral Jjstems<br />

(1971), o artigo no qual especificará a Estratégia Intencional (itztentional<br />

stancc) através <strong>da</strong> relação com a Estratégia Física e a<br />

Estratégia <strong>do</strong> Design, aqui aglomera<strong>da</strong>s sob o titulo de linguagem<br />

<strong>da</strong>s ciências físicas. No entanto, a noção de conteú<strong>do</strong> é já trata<strong>da</strong><br />

como relativa a sistemas intencionais abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s globalmente, a<br />

partir de fora.<br />

1.2.1 Apartir defora e de cha. Da r$erêrrcia segz~fz<strong>do</strong>Qz~ine à distitzçino<br />

dennetiana errtre 'hjêrenrial'' e "I~ão-IZfereízriaP. Existência e Identi<strong>da</strong>de. O<br />

holirno e ajisão e.zpeiimerrtal <strong>da</strong>sfiase,.r nzeiztabstas nos se#s corrtextos.<br />

Em C&C, um Sistema Intencional é dehni<strong>do</strong> como um sistema<br />

capaz de discriminar traços complexos <strong>do</strong> seu ambiente e de reagir a<br />

esses traços, algo que nenhum sistema pode fazer sem interpretação<br />

"I NAGEL 1995;i: 83


<strong>da</strong> eshmulagão periférica. O sistema tem portanto não apenas que<br />

(produzir em si esta<strong>do</strong>s que co-ocorram normalmente com condições<br />

generaliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> objecto no campo perceptual <strong>do</strong><br />

como também que ligar esses esta<strong>do</strong>s a estruturas eferentes. Um SI<br />

é um sistema físico teleológico, envolvi<strong>do</strong> em afazeres no mun<strong>do</strong>: o<br />

teor intencional <strong>da</strong> descrigão que dele é feita estará liga<strong>do</strong> ao carácter<br />

intencional (aqui entendi<strong>do</strong> como "com propósito") <strong>do</strong>s sistemas,<br />

e este será liga<strong>do</strong> i evolução por selecção natural. Estabelece-se<br />

assim a continui<strong>da</strong>de entre a noção biológica de "fungão" e a noção<br />

de "conteú<strong>do</strong>".<br />

Como foi dito, Dennett coloca o problema <strong>do</strong> mental de uma<br />

forma peculiar, identifican<strong>do</strong>-o como uma questão acerca <strong>do</strong> estatuto<br />

ontológico <strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong> mente. Na origem deste tratamento<br />

está o pensamento de Quine acerca de ontologia e de iinguagem,<br />

nomea<strong>da</strong>mente as teses acerca <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> e <strong>da</strong> referência. No 1"<br />

Capitulo de C&C (Tbe OritologicaL Problen~ oi Mim), o exemplo central<br />

é, neste ponto, o exemplo <strong>da</strong>s vozes. Dennett pretende mostrar<br />

as semelhanças entre a existência de mentes e de vozes. Vozes não<br />

são enti<strong>da</strong>des identificáveis e no entanto a sua existência não é problemática.<br />

O exemplo <strong>da</strong>s vozes é introduzi<strong>do</strong> por analogia com os<br />

exenlplos de Quine, rio 6" Capitulo de Vord and O&t, exemplos<br />

como "salte", "miles" e "Fahrenheit degrees". Neste último capítulo<br />

de Wor<strong>da</strong>rd Oúject, Quine procurava responder não apenas à questão<br />

ontológica geral "O que é que há?" como também à meta-questão<br />

"Em que é que consiste o compromisso de uma teoria com<br />

objectos?". Entre os objectos abstractos e concretos com cuja existência<br />

as teorias podem estar comprometi<strong>da</strong>s - como se7zse <strong>da</strong>ta,<br />

objectos físicos, números, classes, proposições - Quine considera<br />

pseu<strong>do</strong>-objectos como "sakes" e "miles", para exemplificar o ponto<br />

segun<strong>do</strong> o qual o facto de um termo ser um termo na linguagem<br />

natural não é prova alguma de que ele tenha "carácter de termo"<br />

(nas palavras de Quine, < ma ocorrência superficial sob a forma de<br />

termo não é prova <strong>do</strong> carácter de termo» (a sz,pe$cialter~izdke occ//rence<br />

is r1oprooi r$ termbo~d)'~~).<br />

O projecto explícito <strong>do</strong> 6" Capítulo de lF?ol-d and Object é "restaurar<br />

a lei e a ordem na ontologia", nomea<strong>da</strong>mente por oposição<br />

i linguagem ambígua de filósofos que distinguem um senti<strong>do</strong> de<br />

'" DENNETT 1969: 71.<br />

"'VUINE 1960: 236.<br />

Ufi~a Teoria Fi~ira/isio rio Coi~ieii<strong>do</strong> e cio Corisci$i~&<br />

existir para objectos concietos e outro senti<strong>do</strong> de existir para objectos<br />

abstractos (se Quine não pensava em Ryle poderia ter pensa<strong>do</strong>).<br />

Para Quine, o âmbito <strong>da</strong> resposta à questão ontológica deve ser<br />

limita<strong>do</strong> à referência e aos objectos que serão admiti<strong>do</strong>s como valores<br />

de variáveis. Por isso ((Parafrasear uma frase na notação canónica<br />

é antes de mais tornar o seu conteú<strong>do</strong> Ôntico explícito»'o? E a<br />

esta teoria que Dennett vai buscar o modelo para o tratamento de<br />

'C vozes", que por sua vez exemplificará o bom tratamento <strong>do</strong> problema<br />

ontológico <strong>da</strong> mente. Os exemplos acima referi<strong>do</strong>s (sakes,<br />

milees, Fabre~ibeit degrees) são considera<strong>do</strong>s por Quine como nomes<br />

defeituosos (defectiue), de mo<strong>do</strong> que questões sobre a sua identi<strong>da</strong>de<br />

são absur<strong>da</strong>s. Com as vozes passar-se-á algo de análogo.<br />

A situação é a seguinte: nós ouvimos vozes, temos vozes boas ou<br />

más, vozes de tenor, de soprano, podemos ficar sem voz, etc. Impõese<br />

saber se uma voz é uma enti<strong>da</strong>de, e no caso de o ser, que tipo de<br />

enti<strong>da</strong>de é. Será uma parte física <strong>do</strong> corpo de uma pessoa? Mas nesse<br />

caso como seria possível que, uma vez grava<strong>da</strong>, ela fosse por exemplo<br />

aprecia<strong>da</strong> por outros, após a morte <strong>da</strong> pessoa? Em alternativa,<br />

uma voz poderá ser identifica<strong>da</strong> com movimentos vibratórios de partículas.<br />

Mas nesse caso como pode alguém dizer que perdeu ou<br />

esforçou a voz? Olhan<strong>do</strong> para os exemplos de Quine, que mostram<br />

que palavras que são aparentemente termos podem não ter "carácter<br />

de termo" -nomea<strong>da</strong>mente as palavras "sake" e "behalf" - o que se<br />

verifica é que a significação desses termos não é separável <strong>do</strong>s contextos.<br />

No caso particular em causa, "sake" e "behalf" não são separáveis<br />

de expressões como "for the salce of" e "on someone's behalf".<br />

As expressões marcam o âmbito <strong>da</strong> significativi<strong>da</strong>de. Termos<br />

assim são "nomes degenera<strong>do</strong>s", "encerra<strong>do</strong>s" dentro de "idiomas",<br />

e apenas os idiomas na sua totali<strong>da</strong>de significam. O facto de termos<br />

como ''sd


tas perguntas sobre a sua identi<strong>da</strong>de. O que é importante notar é que<br />

esse facto não é suficiente para perturbar as descrições de distâncias<br />

em milhas e de temperaturas em graus Fahrenheit.<br />

Dennett sugere em C&C que o funcionamento <strong>do</strong>s "nomes degenera<strong>do</strong>s"<br />

de Quine é comparável com o funcionamento <strong>do</strong>s termos<br />

em linguagem <strong>da</strong> mente, como "pensamentos", "<strong>do</strong>res" e "desejos".<br />

Fixan<strong>do</strong>-se no exemplo <strong>da</strong> "voz", Dennett constata que a "voz" resiste<br />

à identificação (com uma parte <strong>do</strong> corpo, com vibrações <strong>do</strong> ar,<br />

etc) e se o mun<strong>do</strong> não é ele próprio ambíguo, como os senti<strong>do</strong>s de<br />

"voz" aparentemente são, deve haver algo de vão na tentativa de<br />

identificar a porção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> físico que,constitui uma "voz". E<br />

exactamente esse o caso segun<strong>do</strong> Dennett. E vão tentar apontar uma<br />

porção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> £ísico que constitui uma voz, mas isso não acontece<br />

pelo facto de a voz ter uma forma insatisfatória de existência (pois<br />

to<strong>da</strong>s as coisas que podemos dizer acerca de vozes têm explicações<br />

físicas) ou por "voz" ser uma palavra insatisfatória (pois sabemos<br />

perfeitamente utilizar a palavra "voz" de forma significativa). O que<br />

o exemplo mostra é que é possível falar significativamente de "vozes"<br />

sem necessi<strong>da</strong>de de as identificar com uma parte especfica <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> físico. Podemos (e devemos) ser fisicalistas acerca de vozes<br />

sem presumir identificações. Assim como afirmar que fazermos<br />

alguma coisa "jr sonieo~iei sakd' não nos obriga a dizer que existem<br />

"sakes", também não estamos comprometi<strong>do</strong>s com a existência de<br />

vozes, pelo facto de reconhecermos vozes, disfrutarmos de vozes,<br />

etc. O interesse de Dennett não são evidentemente as vozes mas o<br />

mental, e é ao mental que deve ser aplica<strong>da</strong> esta mesma conclusão.<br />

Enfrentar uina questão ontológica só tem interesse quan<strong>do</strong><br />

((conceder existência a alguma coisa nos permite perguntar (e esperar<br />

respostas para) coisas muito gerais acerca dela como, por exemplo,<br />

que tipo de coisa é?, existe no tempo? e especialmente, essa<br />

coisa é idêntica a x?»"o. Se existem de facto duas coisas, não poderia<br />

ser evita<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de ou não identi<strong>da</strong>de, mas<br />

se se negar ayxistência de uma delas, já não seremos obriga<strong>do</strong>s a<br />

identificá-la. E esse o caso <strong>da</strong> descrição de vozes e também de enti<strong>da</strong>des<br />

mentais. Apenas se enti<strong>da</strong>des mentais exirtiseín egec$ca e distirltamertte<br />

conto mentais é que a qt~estão <strong>da</strong> ide~rtificação cont evei~tosjisicos se colocaria.<br />

E se assim fosse, voltar-se-ia a to<strong>do</strong> o quadro cartesiano e<br />

pós-cartesiano, aos debates em torno de interaccionismo, paralelis-<br />

"O DENNETT 1767: 11<br />

mo, identificação ou não identifica~ão, em suma, a uma re-encenação<br />

<strong>da</strong> fiiosofia moderna. A Glosofia ryleana aparecera como um<br />

primeiro mo<strong>do</strong> de evitar este destino. No entanto para Dennett a<br />

teoria <strong>da</strong> mente não pode contentar-se com o veredicto de erro<br />

categoria1 quanto a certos usos <strong>da</strong> linguagem. Se não for <strong>da</strong><strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de<br />

ontológica a una categoiia nunca será evita<strong>do</strong> algum resquicio<br />

de dualismo. A virtude <strong>do</strong> naturalismo quineano é tornar clara<br />

a obrigação de escolher o que é mais fun<strong>da</strong>mental na reali<strong>da</strong>de. E<br />

então, para estabelecer as consequências <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de ontológica,<br />

que Dennett introduz o contraste entre linguagem rq'keenial (caso<br />

de nomes ou norninalizações que denotam ou nomeiam ou se referem<br />

a coisas existentes no senti<strong>do</strong> forte defini<strong>do</strong> acima, objectos<br />

com os quais a teoria se compromete e que serão valores <strong>da</strong>s variáveis<br />

na notação canónica) e r120 referenial (caso de "sake", "de",<br />

"voz", e de to<strong>do</strong>s os termos mentais). Esta distinção entre referencial<br />

e não refencial é reporta<strong>da</strong> a Wor<strong>da</strong>nd Object (embora o senti<strong>do</strong><br />

de "referencial" não seja idêntico ao proposto por Quine). Dennett<br />

considera como não referenciais to<strong>da</strong>s as expressões dependentes<br />

<strong>do</strong> contexto, que devem ser considera<strong>da</strong>s como fundi<strong>da</strong>s nesse<br />

contexto. A ocorrência de tais expressões, mesmo que aparentemente<br />

nominais, não refere nem compromete o enuncia<strong>do</strong>r com a<br />

existência <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des nomea<strong>da</strong>s. De facto, não é sequer possível<br />

analisar essas expressões para além <strong>do</strong> "fecliamento holista" no<br />

contexto, sem incorrer na situação que Dennett exemplifica pela<br />

análise de "potable" em "pon-"table". Ora, é este o estatuto <strong>da</strong> linguagem<br />

<strong>da</strong> mente, é por isso que frases em linguagem <strong>da</strong> mente<br />

devem ser trata<strong>da</strong>s como to<strong>do</strong>s. Posteriormente, &atar-se-á de<br />

saber se os "to<strong>do</strong>s mentais" podem ser de alguma maneira correlaciona<strong>do</strong>s<br />

de mo<strong>do</strong> explicativo com o <strong>do</strong>minio referencial <strong>da</strong>s ciências<br />

físicas. Mas assim como a explicação de vozes pode não fazer<br />

referência a vozes, a teoria <strong>do</strong> mental poderá não fazer referência a<br />

enti<strong>da</strong>des mentais.<br />

1.2.2 A partir de dc~~iro c de baixo. Itforrnação e Teleologia.<br />

Airnaxerzaniento intehkte de it$r/tiação e coniportanteilto. O conteti<strong>do</strong> e O~UIIio~lamerzto<br />

de estrt~ti~ras @qb,ria<strong>da</strong>s. Euohção no cérebro.<br />

A linguagem mentalista envolve crenças e desejos. Estes inter-<br />

penetrain-se na descrição <strong>do</strong> mental e não podem ser caracteriza-<br />

<strong>do</strong>s independentemente. Um comportamento só é interpretável


como indician<strong>do</strong> uma determina<strong>da</strong> crença se fôr atribuí<strong>do</strong> um de-<br />

sejo ou propósito i enti<strong>da</strong>de que supostamente possui essa crenca:<br />

o facto de a pessoa A se pôr debaixo de um telha<strong>do</strong> só constitui<br />

evidência <strong>da</strong> sua crença de que "está a chover" se ela tiver a inten-<br />

ção de não se molhar. E esta interdependência que justifica a abrup-<br />

ta caracterização, usual na fuosofia <strong>da</strong> mente, <strong>do</strong> mental em termos<br />

de belief. and desim, como se não houvesse outros esta<strong>do</strong>s mentais.<br />

A interpenetclção de crenças e desejos (i.e. de significação e teleo-<br />

logia), é muito importante para Dennett e sugere, antes de mais,<br />

uma particular teoria <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> crença. Da<strong>da</strong> a interpenetração<br />

de significa<strong>do</strong> e função, não seria muito surpreendente se a capaci-<br />

<strong>da</strong>de que a teoria <strong>da</strong> selecção natural tem de <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s lÚnções<br />

de orgãos e comportamentos de sistemas vivos fosse acompanha-<br />

<strong>da</strong> por uma capaci<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r conta <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s de esta<strong>do</strong>s<br />

desses sistemas. Dito isto, compreende-se que Dennett inicie em<br />

C&C o desenvolvimento <strong>da</strong> sua teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> com um capí-<br />

tulo sobre a evolução no cérebro"'.<br />

O pressuposto geral <strong>da</strong>quela que vai ser uma teoria evolucionis-<br />

ta <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> é que o sig~$ca<strong>do</strong> ?não é zm traço a mais qrte se descubra<br />

nztm nstema //ias sim ztma ilrterpretaçâo. Não sen<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> um<br />

traço a mais, presume-se que deve ser possível uma descrição exten-<br />

sional <strong>do</strong> sistema físico que não lhe faça alusão, mesmo que esta seja<br />

difícil ou impossível de alcançar. Ora, o importante para Dennett é<br />

fazer notar que mesmo que tal descrição fosse feita, ela não inclui-<br />

ria a descrição <strong>do</strong> que o sistema está a fazer (estan<strong>do</strong> incluí<strong>do</strong> em<br />

"fazer" o "pensar", ter esta<strong>do</strong>s mentais). E aqui que se instala o cen-<br />

tralismo proposto. A vantagem deste é antes de mais heurística.<br />

Uma descrição centralista permite descrever rapi<strong>da</strong>mente o que o<br />

sistema está a fazer, sem necessi<strong>da</strong>de de esperar pela descrição<br />

extensional. Evidentemente, o valor heurístico <strong>do</strong> centralismo é<br />

directamente proporcional i complexi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sistema: quanto mais<br />

complexo fôr um sistema, maior vantagem e utili<strong>da</strong>de terão as des-<br />

"' Poder-se-ia utilbnr n expressio "<strong>da</strong>n&~ismo neuronii'> (dc G. Edclmnn, cf EDiDELhiAN<br />

1987) psra caructcrhar a cvolu$io no cérebro. DENNEiT 1986: ri, I'rçface to Second Edition of<br />

DENNETT 1969 «Clinpter 111, on E~,oli


Soja M&i~enj<br />

comportamento apropria<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema global. O sistema é uma enti-<br />

<strong>da</strong>de separa<strong>da</strong>, delimita<strong>da</strong> no ambiente e a apropriacão ao ambiente<br />

de uma enti<strong>da</strong>de assim individua<strong>da</strong> não acontece casualmente num<br />

ambiente complexo. Para que exista adequacão <strong>do</strong> comportamento<br />

<strong>do</strong> sistema, o cérebro (ou outra estrutura de controlo) deve ter a ca-<br />

paci<strong>da</strong>de de discriminar o que, no ambiente, é significativo para o sis-<br />

tema. Ora, o problema é saber como é que a discriminacão <strong>da</strong>quilo<br />

que é significativo pode ser cumpri<strong>da</strong> por um dispositivo isola<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

ambiente. Não é razoável supor que a discriminacão <strong>do</strong> que é signi-<br />

ficativo seja feita por leitura ou decifracão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s eventos<br />

físico-químicos internos causa<strong>do</strong>s pelos esnmulos ambientes (einbo-<br />

ra evidentemente essas metáfora sejam continuamente utiliza<strong>da</strong>s):<br />

eventos fisicos não têm significa<strong>do</strong> intrínseco e não existe um "leitor<br />

interno". Logo, a capaci<strong>da</strong>de de discriminar pela significacão não<br />

pode ser simplesmente uma capaci<strong>da</strong>de de analisar o input. O cére-<br />

bro é em si "cego" às condições externas (dito de outra maneira, II.<br />

Putnam tem, de certa maneira, razão acerca de to<strong>do</strong>s os seres com<br />

cérebro com a ideia de "cérebro nuina re<strong>do</strong>ma").<br />

O exemplo que Dennett dá <strong>da</strong> "cegueira interior" <strong>do</strong> sistema físi-<br />

co que produz comportamento adequa<strong>do</strong> é o facto de «os critérios<br />

pelos quais o grupo <strong>do</strong> MIT @I. Maturana, W nilcCulloch, J. Lettvin<br />

e WPittsl") determina que certos sinais aferentes <strong>da</strong> retina <strong>da</strong> rã sig-<br />

nificam contraste ou bor<strong>do</strong>s que se movem ou convexi<strong>da</strong>de não<br />

pode(re)m ser usa<strong>do</strong>s pelo cérebro <strong>da</strong> rã para disctiminar estes sinais,<br />

pois o cérebro <strong>da</strong> rã não pode observar a retina <strong>da</strong> rã, não pode dizer<br />

de onde vêm esses sinais»"! 0 significa<strong>do</strong> de coisas no ambiente não<br />

pode ser discrimina<strong>do</strong> por testes físicos. A única possibili<strong>da</strong>de de<br />

explicar a significacão na relacão sistema/ambiente é através <strong>da</strong> co-<br />

nexão entre os eventos aferentes e os eventos eferentes que contro-<br />

lam o comportamento apropria<strong>do</strong>. Utn sistema capaz de gerar e pre-<br />

servar esse tipo de conexões será capaz de comportamento apro-<br />

pria<strong>do</strong> em relacão ao seu ambiente. Para explorar esta via, Dennett<br />

introduz a nocão de "Estrutura funcionai". Uma estrutura hcional<br />

é aquela <strong>da</strong> qual se pode esperar que opere de uma certa maneira,<br />

ten<strong>do</strong> um mo<strong>do</strong> de funcionamento normal e outro desviante. Então,<br />

«<strong>da</strong><strong>do</strong> uin cérebro com plastici<strong>da</strong>de inicial ou capaci<strong>da</strong>de de produ-<br />

zir diferentes estruturas funcionais como resulta<strong>do</strong> de input, a chave<br />

Uma Teoria Fisicn/ista <strong>do</strong> Coi~teií<strong>do</strong> e du Co~~sciêt~rirr<br />

para a uáli<strong>da</strong>de no cérebro deve estar na capaci<strong>da</strong>de de seleccionar<br />

por entre estas estruturas funcionais»"', i.e. na capaci<strong>da</strong>de de manter<br />

aquelas que são úteis e de eliminar as que são prejudiciais. O problema<br />

é evidentemente caracter?zar o princípio de selec~ão <strong>da</strong>s estruturas<br />

funcionais no cérebro. Dennett considera que esse princípio deve<br />

ser anilogo à seleccão natural. A selecção <strong>da</strong>s estruturas não acontece<br />

em Wtude <strong>da</strong> "aptidão física" destas, pois não é isso que as torna<br />

úteis ou prejudiciais: o processo de seleccão tem que ser exteiiormente<br />

fun<strong>da</strong>menta<strong>do</strong>.<br />

Consideran<strong>do</strong> a história evolutiva <strong>do</strong>s sistemas nervosos, constata-se<br />

que to<strong>da</strong>s as respostas desencadea<strong>da</strong>s num sistema nervoso<br />

e que controlam, por exemplo, comportamentos primitivos alternativos,<br />

são respostas cegas. No entanto, respostas cegas que controlam<br />

comportamentos que por acaso resultam apropria<strong>do</strong>s serão<br />

manti<strong>da</strong>s, pela própria sobrevivência <strong>do</strong> sistema que as tem instala<strong>da</strong>s<br />

(btdt-ifi), enquanto que as respostas inapropria<strong>da</strong>s se extinguirão<br />

com os organismos nos quais existem: «As espécies que sobrevivem<br />

são as espécies que por acaso têm impulsos eferentes (...)<br />

liga<strong>do</strong>s a impulsos aferentes (...) de maneiras que as aju<strong>da</strong>m a sobrevive~>"<<br />

Uma vez estabeleci<strong>da</strong>s geneticamente as conexões entre<br />

eventos aferentes e eventos eferentes que controlam um <strong>da</strong><strong>do</strong> comportamento,<br />

poder-se-á aFirmar dizer que os estímulos que despoletam<br />

os eventos aferentes "têm significa<strong>do</strong>": eles têm significa<strong>do</strong><br />

em Wtude <strong>do</strong>s efeitos que lbes estão "liga<strong>do</strong>s".<br />

O controlo de comportamentos apropria<strong>do</strong>s começa por ser<br />

controlo de comportamentos rígi<strong>do</strong>s e instintivos, e portanto controlo<br />

Gxa<strong>do</strong> geneticamente em sistemas. To<strong>do</strong> o comportamento<br />

de que uin sistema é capaz poderia (e pode, em muitos sistemas) ser<br />

assim rigi<strong>da</strong>mente ftua<strong>do</strong>. Nesses casos, poder-se-ia ahmar que o<br />

organismo "sabe" desde logo tu<strong>do</strong> o que tem que "saber", desde o<br />

nascimento até i morte, pelo facto de ser como é. Padrões rígi<strong>do</strong>s<br />

de comportamento semehantes existem em muitos organismos<br />

vivos e constituem to<strong>do</strong> o leque <strong>do</strong> seu comportamento. Em alternativa,<br />

pode existir plastici<strong>da</strong>de no sistema de controlo <strong>do</strong> organismo,<br />

nomea<strong>da</strong>mente no sistema nervoso. Essa situacão alterará as<br />

condições <strong>do</strong> contxolo <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> sistema. Para <strong>da</strong>r um<br />

exemplo <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> circunstância "nova" de plastici<strong>da</strong>de, basta<br />

"' DBNNBTT 1767: 48.<br />

"WENNEl~i' 1769: 47.


notar que tropismos, i.e. sequências comportamentais rígi<strong>da</strong>s, fixa<strong>da</strong>s,<br />

mostram ser incapazes de li<strong>da</strong>r com a transposição <strong>do</strong> organismo<br />

para longe <strong>do</strong> ambiente ao qual são apropria<strong>do</strong>s.<br />

Alguma instalação (pre-zviri~~d de ligacões entre eventos aferentes<br />

e eventos eferentes existe sempre que exista um organismo que se<br />

"comporta", mesmo que exista plastici<strong>da</strong>de: não são possíveis organismos<br />

"tábua rasa". O problema interessante é imaginar coino é<br />

que uma prê-instalação poderá vk a possibilitar, em sistemas capazes<br />

de aprendizagem, um comportamento apropria<strong>do</strong> em relação<br />

àquilo que não é geneticamente <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de significação. Noutras<br />

palavras, é preciso conceber como poderá acontecer um re-wiritg<br />

(uma re-instalação de conttolos) a partir <strong>do</strong>pre-zviring. Uma má concepção<br />

parfiiia <strong>da</strong> ideia de um sistema de controlo (um cérebro)<br />

com <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s naturalmente separa<strong>do</strong>s de forma absoluta, que<br />

seriam o la<strong>do</strong> aferente e o la<strong>do</strong> eferente, em alguns casos existin<strong>do</strong><br />

estruhxas liga<strong>da</strong>s de forma pré-estabeleci<strong>da</strong> e noutros estruturas à<br />

espera de serem correctamente liga<strong>da</strong>s. Dennett sugere, em alternativa,<br />

que estruturas aferentes e eferentes estão desde logo interconecta<strong>da</strong>s,<br />

em parte aleatoriamente. Existe portanto uma abundância<br />

inicial, <strong>da</strong> qual serão selecciona<strong>do</strong>s os bons candi<strong>da</strong>tos, por um processo<br />

de evolução selectiva. O problema é saber como é que as<br />

conexões apropria<strong>da</strong>s, de entre as muitas que há, são selecciona<strong>da</strong>s<br />

e portanto "sobrevivein", e não saber como é que são estabeleci<strong>da</strong>s<br />

as conexões. Assim, aquilo que importa conceber é um processo de<br />

extúlção <strong>do</strong> inapropria<strong>do</strong> e de propagação <strong>do</strong> apropria<strong>do</strong>. Dennett<br />

sugere que o factor decisivo é o fenómeno neurofisiológico <strong>do</strong><br />

limiar (thresholn) variável para o disparo <strong>do</strong>s neurónios: este limiar<br />

baixa com a maior frequência <strong>do</strong>s disparos <strong>do</strong> neurónio e sobe com<br />

a inactivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> neurónio. Segun<strong>do</strong> Dennett, para além <strong>do</strong>s detalhes<br />

neurofisiológicos, o que interessa em termos de modelo abstracto<br />

de iuna enti<strong>da</strong>de capaz de cognição, é apenas isso: ((tu<strong>do</strong> o<br />

que precisamos é de uma multidão de interruptores (...) e de uma<br />

regra geral segun<strong>do</strong> a qual o disparar de um elemento interruptor<br />

aumenta a probabili<strong>da</strong>de de que esse disparo se repit~)'~~. É esta<br />

condição que fornece o princípio <strong>da</strong> propagação <strong>da</strong>s espécies (i.e.<br />

<strong>do</strong>s padrões neuronais que se estabelecem e propagam) no cérebro.<br />

Dennett considera ain<strong>da</strong> exemplar outra característica <strong>da</strong> neurofisiologia<br />

humana, necessária aliás em qualquer sistema confiável de<br />

Ufno Teoria Fisiroíistri <strong>do</strong> Coirteií<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Coiisiêncio<br />

processamento de informação: o cérebro humano "udiza" a redun-<br />

dância num contexto de "sinais" neuronais "ambíguos". Se os im-<br />

pulsos neusonais constituem sinais com "conteú<strong>do</strong> ou significa<strong>do</strong>"<br />

e se um particular neurónio dispara se e só se um padrão de esti-<br />

mulação determina<strong>do</strong> está presente no ambiente, esse output não é<br />

de to<strong>do</strong> ambíguo. Mas se um padre?o ambiente A (mas também um<br />

padrão B e também um padrão C, etc) têm o mesmo resulta<strong>do</strong>, exis-<br />

te ambigui<strong>da</strong>de. Acontece que, excepcão feita aos níveis mais peri-<br />

féricos, essa parece ser a situação mais geral no sistema nervoso<br />

humano. E a ambigui<strong>da</strong>de é, sugere Dennett, essencial para o fun-<br />

cionamento confiável de um orgão como o cérebro. Se ela não exis-<br />

tisse, se houvesse neurónios com funcões exclusivas, não duplica<strong>da</strong>s<br />

por outros neurónios, a lesão ou morte de neusónios específicos<br />

seria o Em absoluto <strong>da</strong> função. Mas, se assim fosse, as lesões e dege-<br />

nerescências não apresentariam as caractensticas que apresentam. O<br />

que acontece é que o funcionamento globalmente considera<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

cérebro é muito mais confiável <strong>do</strong> que o funcionamento <strong>da</strong>s partes<br />

e que uma <strong>da</strong><strong>da</strong> percentagem de "mau funcionamento" <strong>da</strong>s partes é<br />

simplesmente normal. A fiabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão por elementos<br />

não fiáveis em isolamento é então consegui<strong>da</strong> através de uma dupli-<br />

cação de sinais. A redundância, num sistema de neurónios em "dedi-<br />

caçâo exclusiva" a uma função, resultaria em multiplicação ineficien-<br />

te. No entanto, <strong>da</strong><strong>da</strong> a ambigui<strong>da</strong>de, a redundância pode ser conse-<br />

gui<strong>da</strong> com menos elementos: «São portanto as mais ou menos si-<br />

multâneas concatenacões de vários outputs neuronais e não os out-<br />

puts de neurónios isola<strong>do</strong>s que são não ambígua^))"^. De tu<strong>do</strong> isto,<br />

o essencial para a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é a ideia de composição <strong>do</strong>s<br />

"veículos de conteú<strong>do</strong>" (as estruturas funcionais de conexões even-<br />

tos aferentes/ eventos eferentes têm partes, e podem ser decom-<br />

postas e reconstitui<strong>da</strong>s) e a ideia de desambiguação global.<br />

Os elementos referi<strong>do</strong>s (limiares variáveis, sinais "compostos",<br />

abundância de conexões aferentes/eferentes) permitem conceber<br />

um processo de evolução no cérebro que explica a capaci<strong>da</strong>de de dis-<br />

c~iminação pelo significa<strong>do</strong>. Não se espera que as conexões abun-<br />

<strong>da</strong>ntes iniciais sejam desde logo apropria<strong>da</strong>s, <strong>da</strong><strong>do</strong> o carácter com-<br />

posto <strong>do</strong>s sinais. Existitia antes, como na errolução <strong>da</strong>s espécies,<br />

algum confito entre candi<strong>da</strong>tos e características <strong>do</strong> ambiente (neste<br />

caso, as condições de parti<strong>da</strong> são as conexões pré-instala<strong>da</strong>s). As


conexões geneticamente estabeleci<strong>da</strong>s devem ter a capaci<strong>da</strong>de de<br />

inibir a concorrência, i.e. a programação genética deve poder pre-<br />

<strong>do</strong>minar sobre as propostas possíveis devi<strong>do</strong> à plastici<strong>da</strong>de (ou pode-<br />

ria ser desfeito no indivíduo o eabalho <strong>da</strong> evolução na espécie, o qual<br />

tornou o organismo capaz de responder adequa<strong>da</strong>mente ao ambien-<br />

te de várias <strong>da</strong>neiras). Como acontece com as espécies, não é a<br />

morte que conta definitivamente como "inibição" mas a incapaci<strong>da</strong>-<br />

de de se reproduzir. Pela acção de um mecanismo como este, repro-<br />

duz-se não apenas tu<strong>do</strong> o que for compatível com as conexões já<br />

ka<strong>da</strong>s como também o que não fór inapropria<strong>do</strong>, mesmo traços que<br />

exce<strong>da</strong>m o imediatamente funcional. O efeito gradual serão novas<br />

estruturas funcionais, capazes elas próprias de se sobreporem à con-<br />

corrência. O processo resulta, segun<strong>do</strong> Dennett, numa repeti<strong>da</strong> auto-<br />

purificação <strong>da</strong> função, ganhan<strong>do</strong> em eficácia à medi<strong>da</strong> que mais<br />

estruturas não inapropria<strong>da</strong>s se estabelecem. Quanto mais inteligen-<br />

te estiver o sistema destina<strong>do</strong> a ser, mais softprograrimlzillg deverá ser<br />

possível, i.e. mais programa@o não inicialmente instala<strong>da</strong> deverá<br />

poder ter lugar, a qual é naturalmente mais apropria<strong>da</strong> para li<strong>da</strong>r com<br />

novos estímulos. Biologicamente, essa possibili<strong>da</strong>de corresponde aos<br />

longos perío<strong>do</strong>s de infância <strong>do</strong>s animais mais inteligentes. A veloci-<br />

<strong>da</strong>de <strong>da</strong> evolução no cérebro é incomparável com a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

evolução <strong>da</strong>s espécies: nela, as gerações podem durar milésimos de<br />

segun<strong>do</strong>s, em vez de meses ou déca<strong>da</strong>s. No entanto, o processo é<br />

idêntico. Assim, é relativamente pouco importante discuài se uma<br />

particular instalação, uma implantação material <strong>do</strong> uso inteligente de<br />

informação, é geneticamente programa<strong>da</strong> ou resulta de s$$rogram-<br />

nling e aprendizagem (nomea<strong>da</strong>mente porque um comportamento<br />

geneticamente controla<strong>do</strong> e um comportamento dependente de um<br />

controlo que se estabelece <strong>da</strong><strong>da</strong>s regulari<strong>da</strong>des presentes no ambien-<br />

te de aprendizagem <strong>da</strong> espécie têm o mesmo valor de sobrevivência).<br />

Em termos de cognição é aqui que se situa a ver<strong>da</strong>de <strong>do</strong> behavioris-<br />

mo: um processo de ensaio e erro é necessário para explicar a insta-<br />

lação destes "controlos de comportamento".<br />

1.2.3 A cstr~~tztra <strong>do</strong> comportamento. O con@ortamento dirki<strong>do</strong> a jns<br />

(goal directed beliavior) e a adscrição de coutezi<strong>do</strong>. Prinnpios <strong>da</strong> teleossen~ânhca.<br />

1Vente e lingz~agem.<br />

As estruturas apropria<strong>da</strong>s produzi<strong>da</strong>s pela evolução têm não<br />

apenas causas mas também ra7Õe.r. Convém no entanto fazer uma<br />

Uma Teoria FisiraLsto <strong>do</strong> Co~rtericio e ria Corisciêi,cio<br />

distinção entre razões instala<strong>da</strong>s no sistema e razõespara o sistema. As<br />

razões <strong>da</strong>s estruturas apropria<strong>da</strong>s não têm que ser apercebi<strong>da</strong>s para<br />

funcionarem como tal (este é o motivo <strong>do</strong>sfreefloati~g rationaLes ou<br />

razões não apercebi<strong>da</strong>s pelas enti<strong>da</strong>des que as têm "instala<strong>da</strong>s").<br />

No entanto, razões-apercebi<strong>da</strong>s não são por natureza distintas de<br />

meras razões no sistema.<br />

Ten<strong>do</strong> como objectivo defender que o comportamento estímulo-reposta<br />

não é a principio distinto <strong>do</strong> comportamento "com razões"<br />

ou dùigi<strong>do</strong> a fms, Dennett comeca por analisar estruturas<br />

aferentes-eferentes simples, que controlam comportamento elementar<br />

de discriminação, por estímulo-resposta. Para estabelecer a<br />

natureza <strong>do</strong> comportamento dirigi<strong>do</strong> por fins, Dennett analisa o<br />

mo<strong>do</strong> como a ideia de fm koal) aparece em programação. O exemplo<br />

é o programa General Problem Solverl'"GPS) de A. Newell e<br />

H. Simon. Este é descrito pelos seus autores como operan<strong>do</strong> de<br />

forma dirigi<strong>da</strong> por úns (por oposição a simplesmente se* os passos<br />

programa<strong>do</strong>s, i.e. <strong>da</strong><strong>do</strong>s pelo programa<strong>do</strong>r, que teria, nesse<br />

caso, apenas ele próprio um fm para o programa): o fm koal) esti<br />

incorpora<strong>do</strong> na especificação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> únal. Para o esta<strong>do</strong> final ser<br />

atingi<strong>do</strong> são recruta<strong>do</strong>s meios, i.e. sub-rotinas. O problema é compreender<br />

em que senti<strong>do</strong> se pode dizer que o GPS tem fins e selecciona<br />

meios para os atingir. A alternativa a esta análise comparativa<br />

seria, obviamente, distingus em absoluto e por p~incipio o genuíno<br />

comportamento dirigi<strong>do</strong> por fms (por exemplo o humano, em<br />

que fms são intenciona<strong>do</strong>s por agentes conscientes) <strong>do</strong> comportamento<br />

que apenas termina em fms (o que seria o caso <strong>do</strong> GPS).<br />

O comportamento dirigi<strong>do</strong> por fms <strong>do</strong> GPS envolve um esta<strong>do</strong><br />

final especifica<strong>do</strong>, que vai sen<strong>do</strong> procura<strong>do</strong>. Curiosamente, sublinha<br />

Dennett, Newell e Sirnon afumam que o programa é dirigi<strong>do</strong><br />

por fins apesar de ele não ser capaz de mu<strong>da</strong>r a ordem <strong>da</strong>s sub-rotinas<br />

pelas quais procura nem de excluir sub-rotinas inaplicáveis. O<br />

programa não tem insiglrt para reconhecer progressos na tarefa:<br />

simplesmente tenta to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des. Poder-se-ia objectar<br />

que, exactamente por isso, não se trata de um germino comportamento<br />

disigi<strong>do</strong> por fms. No caso humano, por exemplo, um fun<br />

dirige-nos durante a tarefa, no caso <strong>do</strong> GPS o fun é a terminação<br />

<strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de. Dennett pensa no entanto que não é possível estabelecer<br />

semelhante distinção. Se fosse possível estabelecê-la, apenas<br />

""Cf GARDNBR 1985: 148~151 c BODEN 1q77: 354-357 e 359


os humanos seriam dirigi<strong>do</strong>s por fins. No entanto o comportamento<br />

animal parece ser também dirigi<strong>do</strong> por fins. Aliás, pensamos<br />

que o comportamento animal é dirigi<strong>do</strong> por fins precisamente porque<br />

os animais ensaiam padrões motores alternativos até conseguiretn<br />

atingir um determina<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> final. Ser dirigi<strong>do</strong> por fms não<br />

pode então excluir por princípio a repetição de tentativas, mesmo<br />

que estas sejam aleatórias ou vãs. Assim, segun<strong>do</strong> Dennett, mais <strong>do</strong><br />

que a inteligência óbvia <strong>da</strong> execução (incluin<strong>do</strong> o reconhecimento<br />

<strong>do</strong> progresso e a exclusão automática <strong>da</strong>s tentativas que seriam<br />

vãs), as marcas distintivas <strong>do</strong> comportamento dirigi<strong>do</strong> por fins são<br />

as próprias tentativas e o reconhecimento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> final. A capaci<strong>da</strong>de<br />

de raciocinar não acompanha necessariamente o comportamento<br />

dirigi<strong>do</strong> por fins. A posse cognitiva prévia <strong>do</strong> h não poderia<br />

ser o critério <strong>do</strong> genuíno comportamento dirigi<strong>do</strong> por fins, até<br />

porque não dispomos de critérios para assegurar essa posse: não<br />

seria certamente critério a declaração <strong>do</strong> fim, pois foi admiti<strong>do</strong> que<br />

animais podem ser dirigi<strong>do</strong>s por fms, e estes certamente não os<br />

declaram. O único critério seguro <strong>do</strong> comportamento dirigi<strong>do</strong> por<br />

fms é a verificação <strong>da</strong>s tentativas para atingir o fim e a verificação<br />

<strong>do</strong> reconhecimento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> final, uma vez atingi<strong>do</strong>. Ora, esse critério<br />

admite o comportamento <strong>do</strong> GPS como comportamento dirigi<strong>do</strong><br />

por fins. O programa seria então um bom modelo abstracto<br />

pelo menos <strong>do</strong> comportamento animal. Resta saber se, aceitan<strong>do</strong> o<br />

GPS como um modelo simples e adequa<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento<br />

dirigi<strong>do</strong> por fins, a evolução por selecção natural no cérebro pode<br />

produzir sistemas semelhantes. Ora de acor<strong>do</strong> com Dennett, o<br />

modelo <strong>da</strong> evolução atrás apresenta<strong>do</strong> pode de facto <strong>da</strong>r conta <strong>do</strong><br />

surgimento de tais sistemas dirgi<strong>do</strong>s por fins.<br />

Um problema imediato neste ponto é que os esta<strong>do</strong>s finais especifica<strong>do</strong>s<br />

de comportamentos animais complexos @or exemplo:<br />

'Z<br />

voltar a casa" ou "encontrar um parceiro sexual") não são caracterizáveis<br />

em termos de esta<strong>do</strong>s neuronais periféricos. A activi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> sistema de controlo deve portanto poder ser determina<strong>da</strong> por<br />

descrições bastante gerais <strong>da</strong>s condições externas e o esta<strong>do</strong> final<br />

<strong>do</strong> comportamento dirigi<strong>do</strong> por fins deve ser activi<strong>da</strong>de neuronal<br />

de nível muito mais alto <strong>do</strong> que o nível periférico. De forma muito<br />

geral, o propósito <strong>do</strong> comportamento de humanos e outros animais<br />

é divisível em hierarquias de fins, a partir <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

básicas (como sobrevivência, nutrição, procriação). O exemplo que<br />

Dennett dá de uma hierarquia de fins é o seguinte: ((serra-se a tábua<br />

para construir a porta para pôr na casa para a manter segura para<br />

proteger a nossa saúde para nos mantermos vivos»'20. A ideia sugeri<strong>da</strong><br />

é que estes padrões hierarquka<strong>do</strong>s poderiam ser gera<strong>do</strong>s a partir<br />

de uma única "semente", um conjunto pré-instala<strong>do</strong> de contro-<br />

10s para padrões simples de comportamento dirigi<strong>do</strong> a fins, posteriormente<br />

"talha<strong>do</strong>" e especifica<strong>do</strong> pelos processos de evolução no<br />

cérebro acima descritos. Diferentes sub-rotinas e sub-fins seriam<br />

instala<strong>do</strong>s, diversifican<strong>do</strong> os controlos para o comportamento dirigi<strong>do</strong><br />

por fins com que o sistema enfrentaria o ambiente. Assim,<br />

descreven<strong>do</strong> metaforicamente o resulta<strong>do</strong>, «a iniciação aferente <strong>do</strong><br />

comportamento produz uma pressão de activi<strong>da</strong>de eferente que<br />

procura libertar-se por várias vias, as quais controlam várias tentativas<br />

de atingir o fim»"'.<br />

Noções como informação, ambigui<strong>da</strong>de, redundância, controlo, e<br />

evolução de conexões aferentes/eferentes no cérebro são essenciais<br />

na parte <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> que é feita a partir de dentro e de<br />

baixo. Ligan<strong>do</strong>-a com a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> feita a partir de fora e de<br />

cima, é fácil ver que a pertinência <strong>da</strong>s desc~ições intencionais ou centralistas<br />

<strong>do</strong> sistema aumenta na razão directa <strong>da</strong> distância <strong>do</strong>s eventos<br />

neuronais descritos relativamente à periferia <strong>do</strong> sistema. Por<br />

exemplo, não se ganharia na<strong>da</strong> atribuin<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> "Contrai<br />

agora, músculo!" a impulsos motores, enquanto que, quan<strong>do</strong> se trata<br />

<strong>do</strong> cérebro e <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s funções cognitivas superiores, descrições<br />

intencionais são frequentemente a única maneú-a de fazer senti<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

activi<strong>da</strong>de neuronal que controla o comportamento <strong>do</strong> sistema. Como<br />

se viu, a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> envolve considerações acerca de funções<br />

e hipóteses acerca <strong>da</strong> evolução de estruturas funcionais no cérebro.<br />

É portanto <strong>da</strong> biologia e nomea<strong>da</strong>mente <strong>do</strong> evolucionismo que<br />

está suspensa a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de Dennett, à qual se chamará a<br />

partir de agora "teleossemântica". E o próprio Dennett que considera<br />

ter apresenta<strong>do</strong> a teotia teleossemântica original, abrin<strong>do</strong> um<br />

caminho hoje explora<strong>do</strong> por hlósofos como R. MiiMlran e F. Dretske.<br />

Os piincípio gerais <strong>da</strong> teleossemântica proposta em C&C são os<br />

seguintes:<br />

(1) A discriminação de estímulos aferentes de acor<strong>do</strong> com a sua<br />

signtficação (o seu "conteú<strong>do</strong>") épz/ru e si~qles~zerzte iclenf$cáuel co~l u<br />

pmdz~füo de @+tos q'ére~ztes. Não faz senti<strong>do</strong> pensar que antes <strong>da</strong> produ-


ção de efeitos eferentes em resposta a eventos aferentes o cérebro<br />

descriminou-como-alguma-coisa o que quer que seja.<br />

(2) Deve-se ass~~~zirpsinc$ios behaviosistas e771 relação a cérebros. Isto s&nifica<br />

qne os cérebros (ou outros sistemas de controlo de comportamento<br />

inteligente) são máqz/inas de estzíi~/lo-resposta e não n~áqninas sen~ânticas.<br />

Poder-se-ia dizer que os cérebros, além de serem cegos, não pensam:<br />

apenas respondem e reagem. Para Dennett este não é um ponto epistemológico<br />

ou meto<strong>do</strong>lógico e sim um ponto lógico ou conceptual.<br />

Não faz senti<strong>do</strong> supor que a discriminação de um estímulo pela sua<br />

significação se faz unicamente <strong>do</strong> "la<strong>do</strong> aferente" <strong>do</strong> cérebro: aquilo<br />

que um evento neuronal "significa" para um organismo depende<br />

necessasiamente <strong>do</strong> que o organismo faz com ele.<br />

(3) O contei<strong>do</strong> a adscrever a esta<strong>do</strong>s, eventos ou estruturas neuronais<br />

de sistemas físicos (se é que algum conteú<strong>do</strong> é adscrito) clepende<br />

cle <strong>do</strong>isJactoo>.es: a. Afonte rror~i~al<strong>do</strong>s eventos/estruturas em termos<br />

de estimulação, b. Os efeitos eferentes apropria<strong>do</strong>s que os eventos/estruturas<br />

têm. Evidentemente, estes factores não são determináveis<br />

exclusivamente a partir <strong>da</strong> estimulação e <strong>da</strong> resposta motora,<br />

consideran<strong>do</strong> o sistema em isolamento. Se a níveis suficientemente<br />

baixos <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de aferente a questão <strong>da</strong> "referência" de<br />

esta<strong>do</strong>s neuronais é facilmente resolvi<strong>da</strong> - os eventos neuronais<br />

referetn-se ãs condições que causam a sua ocorrência (é o caso <strong>do</strong>s<br />

neurónios <strong>da</strong> rã no caso atrás referi<strong>do</strong>) - a situação é tanto mais<br />

complica<strong>da</strong> quanto mais centrais forem os eventos em causa.<br />

De acor<strong>do</strong> com a teleossemântica, a abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> processamento<br />

inteligente de informação através <strong>da</strong> adscrição de conteú<strong>do</strong><br />

só pode ser feita ten<strong>do</strong> como referência a Igação cotzportanzer~tal, por<br />

mais media<strong>da</strong> que esta seja: o carácter a<strong>da</strong>ptativo <strong>do</strong> comportamento<br />

é uma condição necessária <strong>da</strong> inteligência. Evidentemente<br />

aparece assim um limite para a adscrição de conteú<strong>do</strong>: quan<strong>do</strong> a<br />

ligação comportamental é de alguma forma inadequa<strong>da</strong>, pode tornar-se<br />

impossível adscrever conteú<strong>do</strong> a eventos neuronais, mesmo<br />

que estes tenham efeitos comportamentais. O exemplo de Dennett<br />

é o caso de Fi<strong>do</strong>, o cão, que não foi alimenta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o dia e que,<br />

quan<strong>do</strong> se lhe dá um bife, reúne uma pilha de palha, põe o bife no<br />

centro e se senta em cima deleiz2. Da<strong>do</strong> que Fi<strong>do</strong> não se comporta<br />

apropria<strong>da</strong>mente, não é possível adscrever aos seus esta<strong>do</strong>s neuronais<br />

o conteú<strong>do</strong> "isto é comi<strong>da</strong>", mesmo que os <strong>da</strong><strong>do</strong>s sobre os<br />

esta<strong>do</strong>s neuronais aferentes o parecessem indicar. No entanto, não<br />

é simples auibuir um conteú<strong>do</strong> alternativo. O comportamento<br />

parece poder corresponder aos conteú<strong>do</strong>s "Eu sou uma galinlia e<br />

isto é um ovo", mas igualmente aos conteú<strong>do</strong>s "Se eu fmgir que<br />

sou uma galinha, amanhã dão-me o <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> bife" ou 'Vale a pena<br />

morrer de fome para <strong>da</strong>r cabo <strong>da</strong> cabeça aos psi~ólogos"'~~. Como<br />

qualquer comportamento de uma enti<strong>da</strong>de complexa como Fi<strong>do</strong> é<br />

adequa<strong>do</strong> a uma varie<strong>da</strong>de de crenças e desejos, o único traco que<br />

pode suportar a hipótese correcta de atribuição de conteú<strong>do</strong> é a<br />

fonte aferente <strong>da</strong> estrutura que governa o comportamento. Mas<br />

esta favorecerá uma <strong>da</strong>s hipóteses apenas no caso de o comportamento<br />

ser adequa<strong>do</strong> b condições <strong>da</strong> fonte: noutras palavras, quan<strong>do</strong><br />

não existem ligações apropria<strong>da</strong>s, o comportamento não faz<br />

senti<strong>do</strong>. Nos casos de comportamento apropiia<strong>do</strong>, a adscrição de<br />

conteú<strong>do</strong> traduz-se no uso de linguagem mentalista. Esta é uma<br />

forma de li<strong>da</strong>r com sistemas cognitivos que não envolve qualquer<br />

"fantasma na máquina" mas faculta o acesso ao que os sistemas<br />

estão a fazer, por contraste com aquilo que (neles) acontece.<br />

Expostos os princípios básicos de uma teoria teleoJógica <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

Dennett tem pela frente muitos problemas. E possível por<br />

exemplo objectar desde logo que a teoria envolve uma insustentável<br />

circulasi<strong>da</strong>de entre a noção de Sistema Intencional e a adscricão de<br />

conteú<strong>do</strong>: afirma-se por um la<strong>do</strong> que Sistemas Intencionais são sistemas<br />

físicos aos quais convém adscrever conteú<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> a prever<br />

o seu comportamento, por outro que o conteú<strong>do</strong> é uma interpretação<br />

ou descrição intencional de determina<strong>do</strong>s sistemas físicos.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> cruza-se com a questão <strong>da</strong><br />

informação e armazenamento físico desta, uma questão que não é<br />

propriamente psicológica, sen<strong>do</strong> duvi<strong>do</strong>so que a informação possa<br />

ser trata<strong>da</strong> de maneira exclusivamente interpretativa. Outro problema<br />

<strong>da</strong> teoria diz respeito i individuacão de conteú<strong>do</strong>s. A adscrição<br />

de conteú<strong>do</strong> não é, para Dennett, local mas global: apenas se pode<br />

atribuir esta<strong>do</strong>s com conteú<strong>do</strong> a sistemas considera<strong>do</strong>s como totali<strong>da</strong>des,<br />

uma vez ten<strong>do</strong> retrata<strong>do</strong> (no caso de sistemas físicos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

de sistemas nervosos) as causas normais <strong>do</strong>s eventos neuronais<br />

na periferia aferente e os seus efeitos eferentes. Ora, esta regra aparentemente<br />

impossibilita a adscricão de conteú<strong>do</strong> a eventos esta<strong>do</strong>s<br />

e estruturas que relativamente centrais num sistema nervoso de


soja lv&/lei~s<br />

grandes dimensões, o que é exactamente o caso <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s<br />

"crenças" humanas. No entanto e apesar destas dificul<strong>da</strong>des que<br />

são, aliás, localiza<strong>da</strong>s por Dennett, algo se torna desde logo óbvio:<br />

Dennett pensa que a "informação" visa<strong>da</strong> com a adscrição de con-<br />

teú<strong>do</strong> (adscrição que é feita usualmente, pelo menos por nós, huma-<br />

nos, de forma linguística) não é fisicamente armazena<strong>da</strong> sob forma<br />

linguística. É essencial para Dennett acentuar que a forma linguisti-<br />

ca não é a quintessência <strong>do</strong>s veiculos de significação. Assim, embo-<br />

ra seja incontornável no nosso tipo de descrição interpretativa <strong>do</strong><br />

mental, a linguagem não é um traço profun<strong>do</strong> <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong> men-<br />

tal. Apesar dessa decisão, não há forma de escapas a problemas<br />

específicos que surgem quan<strong>do</strong> se trata de atribuir significação a<br />

eventos neuronais por meio <strong>da</strong> linguagem, nomea<strong>da</strong>mente: (1) o<br />

problema de saber quan<strong>do</strong> passar a exprimir o conteú<strong>do</strong> em termos<br />

de objectos e esta<strong>do</strong>s no mun<strong>do</strong> exterior, por oposição a aconteci-<br />

mentos nos trajectos sensoriais, (2) o problema <strong>do</strong> grau de especifi-<br />

cação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> (as linguagens naturais humanas facul-<br />

tam um "grão demasia<strong>do</strong> fino" para a expressão de inúmeros fenó-<br />

menos mentais, nomea<strong>da</strong>mente não humano~'~3.<br />

Outro grande problema que a linguagem traz ao filósofo <strong>da</strong> psi-<br />

cologia é o facto de ela provocar interferências entre o tratamento<br />

psicológico e o tratamento epistemológico <strong>do</strong> mental. Se ao filóso-<br />

fo <strong>da</strong> psicologia cabe explicitar a não fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lingua-<br />

gem nos fenómenos mentais e evitar conscientemente o risco <strong>da</strong><br />

especifici<strong>da</strong>de excessiva nas atribuições de conteú<strong>do</strong> mental feitas<br />

por meio <strong>da</strong> linguagem, na medi<strong>da</strong> em que se assume que expres-<br />

sões verbais não são os veículos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> significação, pois<br />

só têm significação enquanto utiliza<strong>da</strong>s em afazeres (que não são<br />

em última análise linguísticos) de sistemas, de um ponto de vista<br />

epistemológico não é possível ignorar que qualquer explicação teó-<br />

rica depende <strong>do</strong> uso de linguagem. A relação entre as duas pers-<br />

pectivas, psicológica e epistemológica, é ain<strong>da</strong> complica<strong>da</strong> pelo<br />

facto de as descricões intencionais não possibilitarem previsões es-<br />

tritas, embora sejam usa<strong>da</strong>s precisamente para fazer previsões. Isso<br />

acontece porque previsões <strong>do</strong> comportamento feitas ao nível inten-<br />

cional, supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de, não são previsões de eventos nos<br />

sistemas nervosos nem são de mo<strong>do</strong> algum previsões seguras. A<br />

"' Seci que, por exemplo no caso de Fi<strong>do</strong>, sc podcria afirmar que cle tem o conceico de "bife",<br />

poi oposi+io a dga dc muiro mais gcral, corno "comi<strong>da</strong>"?<br />

coerêtlna raciot~al rzão é ILI~ regilisito <strong>do</strong>ji~icioilanlento nez~ronal, no entanto<br />

inferências feitas a partir de descrições intencionais pressupõein<br />

uma racionali<strong>da</strong>de ideal, algo <strong>do</strong> qual não existe qualquer garantia.<br />

Este elemento de pressuposição não é psicológico no senti<strong>do</strong><br />

empírico, descritivo, fican<strong>do</strong> em aberto a sua natureza. Quanto a<br />

uma possível e mais profun<strong>da</strong> "natureza de linguagem" <strong>do</strong>s fenómenos<br />

mentais - que será postula<strong>da</strong> na futura e influente hipótese,<br />

de J. Fo<strong>do</strong>r, de uma Linguagem <strong>do</strong> Pensamento - Dennett considera<br />

em C&C que a hipótese implicaria uma regressão infinita,<br />

embora admita não estar fora de questão que a analogia com a<br />

escrita cerebral tenha utili<strong>da</strong>de. No entanto ela parece ((meramente<br />

substituir o homúnculo no cérebro por um comité»'z5. A regressão<br />

só pode parar com sistemas que armazenam, transmitem e processam<br />

informação cuja forma não é sintáctica. Resumin<strong>do</strong> a sua posição<br />

acerca <strong>da</strong>s relações entre mental e linguagem, Dennett afirmará<br />

no artigo Brain IVrih~g and Milrd Reacling'2"ue não existe linguagem<br />

mais profun<strong>da</strong> <strong>do</strong> que aquela que utilizamos "cá fora".<br />

1.2.4 Os i~iueispessoal e s~~b-pessoal de descrição e eqlicação. Como tratar<br />

o i~zúelpessoal: A <strong>da</strong>r conzo exeqbio.<br />

A teoria <strong>da</strong> adscrição de conteú<strong>do</strong> é ilustra<strong>da</strong> em C&C com um<br />

curioso exemplo: a <strong>do</strong>r (o exemplo é curioso pois parece envolver a<br />

consciência, uma questão adia<strong>da</strong> para a segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

mente). A <strong>do</strong>r ilustra a diferença entre o nível pessoal de descrição e<br />

o nível sub-pessoal de explicacão. Apenas existe <strong>do</strong>r (como apenas<br />

existem pensamentos) ao nível pessoal, o nível descrito em "lingua-<br />

gem <strong>da</strong> mente". No entanto, os termos <strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong> mente não<br />

referem e portanto na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que é descrito em linguagem <strong>da</strong> mente<br />

(<strong>do</strong>res, pensamentos) existe individua<strong>da</strong>inente. Na prática isto signi-<br />

fica que a resposta à pergunta "será a <strong>do</strong>r alguma coisa a mais para<br />

além <strong>da</strong>quilo que deve ser referi<strong>do</strong> numa descrição sub-pessoal neu-<br />

rofisiológica?' deve ser negativa. Num fluxograma como os utiliza-<br />

"' DENNETr 1967: 87. Dennetr virá a reneenr esm critica, iiào porque riccitc a Hipótcsc ds<br />

Linguagem <strong>do</strong> Pensnmeiito mas porque a critica ao comité deixa de parecer pertinente, com a importincia<br />

quc os ";igcntcr" foram assiimiii<strong>do</strong> no suo tcoriin$ão. Como será dito em Br~in~lor,~,,i<br />

«I-lomuncuii are Iioecermen onli- if dicv du~licate entlic tlie talcntr thev src ruiie in to crnlain. If


Soja Migueris<br />

<strong>do</strong>s habitualmente em psicologia cognitiva e neurofisiologia para exibir<br />

a decomposição funcional <strong>do</strong>s circuitos nervosos, existiião " c~xas"<br />

para, por exemplo, nociceptores, estruturas <strong>do</strong> sistema lúnbico,<br />

estruturas <strong>do</strong> córtex somatossensorid, centros de controlo, coman<strong>do</strong>s<br />

efectores, etc. No entanto, 71ão exi>hrá 71rn1a cak rzais (situa<strong>da</strong> por<br />

exemplo entre a análise perceptual de alto nível e os centros de controlo)<br />

para a <strong>do</strong>r. A <strong>do</strong>r senti<strong>da</strong> ela própiia não pode aparecer num<br />

diagrama que pretende ser um diagrama de causas e efeitos. A relação<br />

entre as caixas é causal e não é em linguagem causal que podemos<br />

f<strong>da</strong>r de <strong>do</strong>r.<br />

Considerar que a <strong>do</strong>r "existe" apenas ao nível pessoal é, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, uma aplicação <strong>da</strong>s licões de Wittgenstein e Ryle. Descreven<strong>do</strong><br />

a situação à maneira <strong>do</strong> Wittgenstein <strong>da</strong>s I71ueshgacões, temos a<br />

situação seguinte. O sistema A, descrito pelo diagrama, produz a<br />

elocução "Sinto <strong>do</strong>r". Qual será o estatuto desse pronunciamento?<br />

Se alguém perguntar a A "Porque tiras a mão <strong>do</strong> fogo?" A responderá<br />

"porque dói". E apenas isso: não se trata de relatar um controlo,<br />

um controlo <strong>do</strong> comportamento inicia<strong>do</strong> ex t~ilri/o por A . "Sinto<br />

<strong>do</strong>r", "dói" são Az~sser~~t~erz, partes <strong>do</strong> comportamento de A e não<br />

relatos de observação de factos internos. A não é o seu própiio neurofisiologista,<br />

não sabe responder causalmente, em termos de eventos<br />

nervosos, não sabe, a partii <strong>da</strong> experiência pessoal, dizer o que<br />

está no diagrama <strong>da</strong>s relações causais. Perante mais perguntas feitas<br />

à maneira de Wittgenstein, como por exemplo "Como é que distingues<br />

uma sensação <strong>do</strong>lorosa de uma outra que não o é?', A só poderia<br />

responder dizen<strong>do</strong> "Distinguin<strong>do</strong>". A não sabe explicar como<br />

distingue ou porque distingue uma sensação <strong>do</strong>lorosa duma que não<br />

o é: ele não sabe o que faz, apenas sabe fazer. Uma pessoa não vive<br />

ao nível de si própria que ihe permiària produzir descrições com<br />

conteú<strong>do</strong> epistémico <strong>do</strong>s processos causais responsáveis pela sua<br />

fenomenologia. Para quem diz "Sinto <strong>do</strong>r", a explicação pára ce<strong>do</strong><br />

e não é possível perguntar mais na<strong>da</strong> na linguagem <strong>do</strong>s processos<br />

mentais acedi<strong>do</strong>s em primeira pessoa. Não obstante, quan<strong>do</strong> a descrição<br />

pessoal pára, inicia-se a explicação sub-pessoal, a qual apenas<br />

pode ser mecânica. O nível pessoal é defini<strong>do</strong> por contraste como<br />

aquele cuja descricão não é mecânica, científico-natural. Ao nível<br />

pessoal não podem ser postula<strong>do</strong>s legitimamente episódios inecânicos<br />

(de facto, as próprias expressões "esta<strong>do</strong>s" e "processos" mentais,<br />

difundi<strong>da</strong>s na filosofia <strong>da</strong> mente, seriam incómo<strong>da</strong>s para<br />

Wittgenstein e Ryle).<br />

U,>JO Teoria Fi~icniisIa <strong>do</strong> Conie~in'o e r10 Coirs~iêi,cio<br />

Em suma, as <strong>do</strong>res existem para pessoas e não para cérebros.<br />

No entanto, distinguir <strong>do</strong>res como <strong>do</strong>res não é uma achvi<strong>da</strong>de de<br />

pessoas. Seja o que fôr que se passa no sistema nervoso para que<br />

uma <strong>do</strong>r apareça e seja descrita a nível pessoal, não é a pessoa que<br />

faz isso ou que sabe disso: «O poder <strong>da</strong> pessoa de discriminar <strong>do</strong>res<br />

é um facto bruto, não sujeito a mais perguntas e respostas))"'. A<br />

assercão "Sinto <strong>do</strong>r" exemplifica o estatuto <strong>da</strong>s assercões feitas em<br />

linguagem <strong>da</strong> mente. Ao nível pessoal, o tratamento <strong>da</strong>quilo que é<br />

dito só pode ser holista e não-referencial. Da<strong>do</strong> o holismo não po-<br />

derão ser legitimamente supostas indiriduações como "o pensa-<br />

mento p <strong>da</strong> pessoa A no instante t" nem poderá ser coloca<strong>da</strong> a<br />

questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de ou não identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mental com o fisico<br />

individua<strong>da</strong>mente. Não fazem portanto senti<strong>do</strong> perguntas como<br />

"O que é que há no cérebro que é esta <strong>do</strong>r?" ou "O que é que há<br />

no cérebro que é este pensamento?"" pois pensamentos e <strong>do</strong>res<br />

não existem ao nível sub-pessoal. Feita a distincão entre níveis,<br />

importa sublinhar que o nível pessoal não é o único nível que inte-<br />

ressa ao filósofo <strong>da</strong> mente, embora essa posição possa ter si<strong>do</strong><br />

defendi<strong>da</strong> a partir de interpretações de Wittgenstein e Ryle. Parte<br />

<strong>da</strong> tarefa <strong>do</strong> filósofo <strong>da</strong> mente é precisamente relacionar os níveis'".<br />

1.3 0 tratamer7to <strong>do</strong> problerra <strong>da</strong> corzsn'êrzcid ei?~ Content and<br />

Consciousness: irgn'os de uma teoria defacio~7ária <strong>da</strong> corzsciêr~cia.<br />

Na medi<strong>da</strong> em que o programa de Dennett consiste na elimina-<br />

cão <strong>do</strong> fantasma na máquina e respectivas observacões, um primei-<br />

ro passo que se impõe é saber em que redun<strong>da</strong> a nossa prática de<br />

introspeccão, já que a introspecção parece ser uma situação que<br />

alguém se observa como ser mental e se "relata". Em C&C a aná-<br />

lise <strong>da</strong> introspecção mostra que pela atenção ao nível sub-pessoal<br />

se torna claro que a "consciência" não é um traco <strong>da</strong> mente mas<br />

vários. O problema <strong>da</strong> introspecção consiste em saber o que é que<br />

esta pode ser se não for uma "observação <strong>do</strong> interior". Para Des-<br />

cartes, por exemplo, seja o que fôr o mun<strong>do</strong>, eu tenho autori<strong>da</strong>de e<br />

certeza quanto àquilo que penso que ele é (i.e. quan<strong>do</strong> "viso" den-<br />

" DENNETI 1969: 93.<br />

''" di'lie recognilion thar rliere are rwo levcls gires birtli to dic buidcn of rclariiig tlicin ond ihis<br />

is a rask tlint ia nor outsidc &c pliilosopliei's provii>co> (DENNETI 1969: 95).


tro de mim o mun<strong>do</strong> enquanto mun<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong> tenho autori<strong>da</strong>de<br />

na descrição <strong>da</strong>quilo que encontro). Mesmo que eu pense uma ine-<br />

xistente quimera, estou numa situação de certeza acerca <strong>do</strong> seu ser<br />

pensa<strong>do</strong>'z9. Esta situação cartesiana de certeza quanto aos conteú-<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s nossos pensamentos conduz à defesa <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de e inco-<br />

rrigibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r ou medita<strong>do</strong>r. Estas características apare-<br />

cem, aliás, naturalmente numa descrição intuitiva <strong>da</strong>quilo que pen-<br />

samos ser enquanto pensantes; a teoria científica <strong>da</strong> mente instala-<br />

se sempre num possível interregno de ca<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de consciente e<br />

pensante de si a si, admitin<strong>do</strong> que afinal não é a própria pessoa que<br />

pode descrever melhor, ou mais completamente, aquilo que é o<br />

caso quan<strong>do</strong> pensa.<br />

1.3.1 Ojincionalzsn~o sgzin<strong>do</strong> I-I. Pz/t~lav?n. A certexa ilitro.pectiua de z~rnr<br />

potzto de vistaj~ncio~zaLsta.<br />

Em C&C o esclarecimento <strong>do</strong> acesso in&ospectivo baseia-se nas<br />

ideias funcionalistas de H. Putnam, o que significa desde logo que<br />

o problema <strong>da</strong> consciência é interpreta<strong>do</strong> como dizen<strong>do</strong> respeito<br />

ao acesso a si de um sistema, nomea<strong>da</strong>mente o az~to-acesso que é ocasião<br />

de relàtos Ltg~~zSSticos. Os relatos introspectivos são para Dennett<br />

- que exclui, assim, à parti<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de o ver<strong>da</strong>deiro problema<br />

consistir no facto de «que 6 introspecta<strong>do</strong> seja fenomenal»""<br />

- a matéria prima <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência. O auto-acesso é analisa<strong>do</strong><br />

mediante a distinção entre <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s de apercebimento<br />

(atainreness). O primeiro nomeia a possibili<strong>da</strong>de de eqressão btg~~istica<br />

de zlma itzteriori<strong>da</strong>de, o segun<strong>do</strong> nomeia o controlopor zoa sistenza <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des<br />

próprias. A estes senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> apercebimento chama-se em<br />

C&C apercebimento-l e apercebimento-2. A intenção de Dennett<br />

é mostrar que não existe um terceiro apercebimento, que seria a<br />

consciência, a qual teria si<strong>do</strong> deixa<strong>da</strong> de fora nas explicações <strong>do</strong><br />

auto-acesso.<br />

'"> Cf DESCARTES [1641j: 136


Soja Migue118<br />

experiência interior. Para Dennett, embora os relatos <strong>do</strong> auto-acesso<br />

não possam ser toma<strong>do</strong>s como uma expressão <strong>da</strong> "intuição-clara-e-distinta-<strong>da</strong>quilo-que-é",<br />

eles devem ter alguma utili<strong>da</strong>de epistemológica<br />

e as posições de Wittgenstein, Ryle e Anscombe têm<br />

algo de implausível devi<strong>do</strong> à rejeição de tal possibili<strong>da</strong>de. A implausibili<strong>da</strong>de<br />

torna-se mais clara quan<strong>do</strong> se passa de relatos de <strong>do</strong>r para<br />

relatos introspectivos mais elabora<strong>do</strong>s, dificilmente considera<strong>do</strong>s<br />

como A;/sser/~t~e~~ e avoruals. Se é certo que não é possível considerar<br />

que um eu qualquer, na introspecção, observa ou conhece a sua<br />

experiência interior, esta consideração não deve conduzir-nos a<br />

negar o óbvio, por exemplo que relatos de <strong>do</strong>r são relatos de <strong>do</strong>r,<br />

que podem como qualquer relato ser ver<strong>da</strong>deiros ou falsos: quan<strong>do</strong><br />

eu digo a um médico que me dói ali não estou apenas a gemer<br />

sofistica<strong>da</strong>mente, quero informá-lo. As exteriorizações, confissões<br />

e habili<strong>da</strong>des, de Wittgenstein, Ryle e Anscombe devem por isso<br />

poder ser vistas, de alguma outra maneira como susceptíveis de ver<strong>da</strong>de<br />

e falsi<strong>da</strong>de. A diferenca <strong>da</strong> posição de Dennett em relação às<br />

posições <strong>do</strong>s três autores referi<strong>do</strong>s é determina<strong>da</strong> pela atenção <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> mente ao nível sub-pessoal. De facto, e como os três autores<br />

defendem, ao nível pessoal as explicações páram. Eles estão no<br />

entanto engana<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> pensam que o problema <strong>da</strong> incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> introspecção tem solução ao nível pessoal. Dennett sugere<br />

que é ao nível sub-pessoal que a incorrigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> introspecção<br />

deve ser investiga<strong>da</strong>. Para isso utiiiza a distinção putnamiana<br />

entre esta<strong>do</strong>s físicos e esta<strong>do</strong>s lógicos.<br />

Um esta<strong>do</strong> lógico de um sistema é, por definição, aquilo que é em<br />

virtude <strong>da</strong>s suas relações com inputs e outputs e com outros esta<strong>do</strong>s,<br />

e não em virtude de quaisquer características fisicas específicas. Assim<br />

sen<strong>do</strong>, a situação na qual um sistema se assegura que está num esta<strong>do</strong><br />

lógico só pode ser concebi<strong>da</strong> como a situacão em que o sistema se<br />

coinporta coitzo se estivesse nesse esta<strong>do</strong> lógico. E se o sistema se comporta<br />

como se estivesse nesse esta<strong>do</strong> lógico é porque o sistema está<br />

nesse esta<strong>do</strong> lógico, já que estar num esta<strong>do</strong> lógico consiste exactamente<br />

em "comportar-se" de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> maneira. Então, quan<strong>do</strong> um<br />

sistema relata que está num esta<strong>do</strong> lógico, esse relato sai directamente<br />

<strong>do</strong> estar nesse esta<strong>do</strong> lógico, não implica computação ou inspecção<br />

de indícios para chegar à conclusão de que está nesse esta<strong>do</strong> lógico.<br />

Se alguém perguntar como é que o sistema sabe que está num esta<strong>do</strong><br />

lógico, a única resposta possível é, como diz: Dennett na sequência <strong>da</strong><br />

exposição de Putnatn em Miilds arrd Machhtcs, "degenera<strong>da</strong>": o sistema<br />

Limo Teoria I"iiicalisIu <strong>do</strong> Conted<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cot~sciêircia<br />

sabe que está num esta<strong>do</strong> lógico determina<strong>do</strong> estan<strong>do</strong> nesse esta<strong>do</strong><br />

lógico. O contraste que Dennett quer realçar é o seguinte: os humanos,<br />

e também as máquinas, são capazes de alguma monitorização <strong>do</strong>s<br />

seus esta<strong>do</strong>s internos, nomea<strong>da</strong>mente <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>sjsicosinternos.<br />

Quan<strong>do</strong> um humano monitoriza ou son<strong>da</strong> os seus esta<strong>do</strong>s físicos<br />

internos e relata as condições a que acede, faz senti<strong>do</strong> querer saber<br />

como é que ele se assegura <strong>da</strong>quilo que reporta. O l~umano poderá<br />

responder a uma questão com esse teor dizen<strong>do</strong> qual foi a sucessão<br />

de esta<strong>do</strong>s por que passou. No entanto quan<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> relata<strong>do</strong> pelo<br />

sistema é um esta<strong>do</strong> lógico, i.e. funcionalmente individua<strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />

Putnam, a mesma questão não faz qualquer senti<strong>do</strong>. Nos exemplos<br />

originais de Minds amiMachilres, Putnam compara, para mostrar a diferença<br />

nos erros possíveis, a máquina que relata "Estou no esta<strong>do</strong> A"<br />

com a pessoa que diz "Sinto <strong>do</strong>r" e contrasta esses casos com os<br />

casos em que a máquina relata "O tubo de vácuo 312 falhou" e a pessoa<br />

diz "Tenho febre".<br />

De entre os relatos de esta<strong>do</strong>s sub-pessoais feitos por uma pessoa,<br />

são os relatos de esta<strong>do</strong>s lógicos de um sistema ,que são h l -<br />

neráveis a erros, não os relatos de esta<strong>do</strong>s físicos. E exactamente<br />

esse o caso <strong>do</strong>s relatos introspectivos humanos. A incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

deve portanto ser explica<strong>da</strong> pelo estatuto <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s lógicos.<br />

Como Putnam viu, certos relatos são incorrigíveis precisamente<br />

porque são relatos de esta<strong>do</strong>s lógicos. Os esta<strong>do</strong>s lógicos não podem<br />

ser erra<strong>da</strong>mente identifica<strong>do</strong>s, simplesmente porque não têm<br />

que ser (nem podem ser) idetitijica<strong>do</strong>s. De mo<strong>do</strong> a estabelecer este<br />

ponto putnamiano, Dennett imagina, como Putnam, uma máquina<br />

capaz de fazerprillts de relatos <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s internos'32. Dennett<br />

quer mostrar que essa máquina, mesmo que fosse uma máquina<br />

"quase-skinneriana" (i.e. uma máquina que produzisse por hipótese<br />

respostas verbais sldnnerianas a esamulos visuais, deixan<strong>do</strong> sair<br />

com to<strong>da</strong> a simplici<strong>da</strong>de - sem mentitas, sem decisões, sem perguntas<br />

-relatos verbais <strong>da</strong>quilo que "vê") partilharia com os huma-<br />

'" DDNNT?TI 196% 104. Ar espçculaçõcs nccrca ds máquina que percepcionn e faz rclatos<br />

úitrospectiaos sjo as primeiras dc muirns ouuns desciigões de dispositivos cognirivor imíigúiirios na<br />

obn dc Dcniicti As cspcciiiações acerca <strong>da</strong> produç<strong>do</strong> de liiigusgcm scião coniinua<strong>da</strong>s em DDN-<br />

NETT 1991, lloiu IVordi <strong>do</strong> Thiigi >'$/h Vi. As inruiçõcr sio basicamenre as mesmas: poi exemplo a<br />

máquina de peiceber ai proposta teiia câmnias de T\' como orgios sensonnis mas nela nio tcrin quc<br />

Iisvei écians. Dcnncu r;iivagu;ir<strong>da</strong> que, ao consideirr esre exemplo, é preciso ciii<strong>do</strong><strong>do</strong> pnrn nio pen-<br />

sar rluc rcintos sncm directarnenre de ests<strong>do</strong>s lógicos intcrcsrantcs dc liumanos, corno os esta<strong>do</strong>s lá@-<br />

cos estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s poi linguistas como Cliomsky, por escmplo.


nos uma característica muito importante: ela não poderia estar engana<strong>da</strong><br />

acerca <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s mentais (i.e. <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s lógicos).<br />

Poderia no entanto falhar a relacão input-relato de duas maneiras<br />

diferentes (além de, evidentemente, como qualquer máquina, poder<br />

funcionar mal em qualquer uma <strong>da</strong>s suas partes). Por um la<strong>do</strong>,<br />

poderia haver falhas devi<strong>da</strong>s a um mau funcionamento anterior ao<br />

input <strong>do</strong> centro <strong>da</strong> fala13?, fazen<strong>do</strong> com que o output <strong>do</strong> centro <strong>da</strong><br />

fala fosse enganoso relativamente ao mun<strong>do</strong> externo. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, poderia haver erros posteriores à análise no centro de fala, aos<br />

quais Dennett chama erros de expressão. O que é importante no<br />

exemplo é notar que, porque a máquina não tem outro interior que<br />

não seja o seu próprio funcionamento (exactamente como o nosso<br />

cérebro), ela não pode enganar-se acerca <strong>da</strong>quilo que heparece ser.<br />

Ela pode "estar erra<strong>da</strong>" acerca <strong>do</strong> que é o mun<strong>do</strong>, pode cometer<br />

erros "verbais", mas não pode identificar erroneamente o output<br />

<strong>do</strong>s processamentos internos, pois o output <strong>do</strong>s processamentos<br />

internos simplesmente é o mesmo esta<strong>do</strong> lógico que o input <strong>do</strong><br />

centro de fala. Logo, ela não pode ser "responsabiliza<strong>da</strong>" por input<br />

fraudulento ou por erros de anilise de input.<br />

A identi<strong>da</strong>de entre o output <strong>do</strong>s processamentos internos e o<br />

input <strong>do</strong> centro <strong>da</strong> fala. é aqui obviamente postula<strong>da</strong>, assumin<strong>do</strong> já<br />

um ponto de vista funcionalista. É no entanto essa identi<strong>da</strong>de que<br />

traz a imuni<strong>da</strong>de ao erro <strong>do</strong> medita<strong>do</strong>r que pratica introspecção. A<br />

incorrigibili<strong>da</strong>de não resulta portanto <strong>da</strong> pondera<strong>da</strong> apreciacão <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s mentais próprios num retiro interior mas <strong>do</strong> que se passa<br />

no cérebro. A situacão <strong>do</strong> auto-acesso de um humano que produz<br />

um relato introspecti~ro não é uma apreciação pondera<strong>da</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

interiores, não é uma descrição de eventos nervosos, é uma expressão<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> desses evcntos. Isto é assim porque «o conteú<strong>do</strong><br />

de um evento, ou de um esta<strong>do</strong> lógico <strong>do</strong> qual um esta<strong>do</strong> físico<br />

é a realizasão, não é uma questão de quali<strong>da</strong>des físicas intrínsecas<br />

que possam ser relata<strong>da</strong>s ou descritas, mas de capaci<strong>da</strong>des funcionais,<br />

incluin<strong>do</strong> a capaci<strong>da</strong>de funcional de iniciar (excluí<strong>do</strong> o mau<br />

funcionamento) a enunciacão <strong>da</strong> qual se dirá que exprime o conteú<strong>do</strong><br />

em alguma linguagem"! Se se chamar pensamentos àquilo<br />

'" O ceiitro <strong>da</strong> fala é n esrrunirn ~ ~~niti~sa que pcrmire o ielro Iinguirtico. O posniis<strong>do</strong> dcrtc<br />

centro dc f<strong>da</strong> hincionnlmenrc caiactcriza<strong>do</strong> e não Gsiologicarnentc lacsbs<strong>do</strong> C essencid na tcoria dn<br />

conscisncia de C&C. Blc é no entanto cornpicrsmente poiçmico.<br />

DBNNBTT 1969: 112.<br />

que é relata<strong>do</strong> por um humano (enten<strong>da</strong>-se: mesmo relata<strong>do</strong> para<br />

si próprio) a partir <strong>do</strong> auto-acesso, esses pensamentos não poderão<br />

ser identifica<strong>do</strong>s com o que quer que seja ao nível sub-pessoal. Não<br />

existem enti<strong>da</strong>des determina<strong>da</strong>s (os pensamentos) que estariam a<br />

ser relata<strong>da</strong>s ("expressas" no senti<strong>do</strong> de estarem anteriormente no<br />

interior sen<strong>do</strong> depois exterioriza<strong>da</strong>s). O facto de as pessoas serem<br />

capazes de dizer o que estão a pensar não obriga a teoria <strong>da</strong> mente<br />

a um comproinisso com a existência de pensamentos. De outro<br />

mo<strong>do</strong>, diz Dennett, se atribuíssemos pensamentos a pessoas, tena-<br />

mos que os atribuir também à máquina de perceber atrás referi<strong>da</strong> e<br />

não pedimos aos engenheiros que os pusessem lá.<br />

O facto de as pessoas serem capazes de dizer o que estão a pen-<br />

sar é assim explica<strong>do</strong> através <strong>do</strong> estatuto de esta<strong>do</strong>s lógicos no nível<br />

sub-pessoal, nivel no qual não existem nem pessoas nem pensa-<br />

mentos. É isto que por exemplo R. Rorty'" considera um defeito <strong>da</strong><br />

teoria de Dennett. De acor<strong>do</strong> com a teoria apresenta<strong>da</strong>, a capaci<strong>da</strong>-<br />

de de apercebimento humano sofistica<strong>do</strong> é liga<strong>da</strong> à capaci<strong>da</strong>de de<br />

fazer relatos introspectivos. Ora, Rorty simplesmente duvi<strong>da</strong> que a<br />

introspeccão possua tal estatuto exemplar no pensamento humano.<br />

O conhecimento não inferencial, i.e. incorrigível, não é necessaria-<br />

mente introspecção. Rorty considera mesmo que Dennett amalga-<br />

ma em C&C o apercebimento humano (que é ou pode ser linguís-<br />

tico) com a capaci<strong>da</strong>de de falar acerca <strong>da</strong> mente própria (i.e. de<br />

levar a cabo introspecção linguística). E esta última que é identifi-<br />

ca<strong>da</strong> por Dennett com a capaci<strong>da</strong>de de fazer relatos não inferen-<br />

ciais. No entanto, segun<strong>do</strong> Rorty, a incoriigibili<strong>da</strong>de não tem na<strong>da</strong><br />

a ver com o nível sub-pessoal: o apelo de Dennett à conexão direc-<br />

ta para explicar a incorrigibii<strong>da</strong>de é um cartesianismo infeliz. Esta<br />

diferen<strong>do</strong> entre R. Rorty e D. Dennett acerca <strong>da</strong> importância ou de<br />

algo exterior ou de algo intenor para explicar a incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

não terá mais desenvolvimentos em C&C, onde o modelo desciito<br />

é a Úlha palavra.<br />

1.3.2 Os sc~lh~los de apercebi~iiento. Ape~cebimeizto e co~ztrolo (apercebi-<br />

~ize~~to-Z), apercelimetrto e eybressão verbaL (aperccbiinerito- I).<br />

As relacões entre acesso introspectivo e controlo <strong>do</strong> comporta-<br />

mento são complexas. Nem seinpre aquilo que pode ser objecto de


elato por um sistema num momento <strong>da</strong><strong>do</strong> é aquilo que está a ser<br />

relevante para o controlo <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> sistema nesse<br />

momento. Há aliás ocasiões em que uma interferência intxospectiva<br />

perturba o controlo <strong>do</strong> comportamento (como poderia acontecer<br />

com um pianista que, durante a execução de uma peça bem conheci<strong>da</strong>,<br />

começasse a ficar fascina<strong>do</strong> com a independência <strong>do</strong>s movimentos<br />

<strong>do</strong>s seus próprios de<strong>do</strong>s). Para Dennett, a correcta concepção<br />

destas relações envolve uma decisão teórica. Embora apercebimento<br />

(n~varenesr) e consciência (co?~sciozdsness) sejam usualmente considera<strong>do</strong>s<br />

termos sinónimos, esse é um mau uso: a teoria <strong>da</strong> mente<br />

não deve ater-se à linguagem comum, poden<strong>do</strong> e deven<strong>do</strong> servir-se<br />

de reformas e precisões artificiais. Dennett retem o termo apercebimento<br />

para o explorar teoricamente, nomea<strong>da</strong>mente pelas relacões<br />

<strong>do</strong> apercebimento com o contxolo <strong>do</strong> comportamento e com a<br />

expressão linguística. Um primeiro senti<strong>do</strong> de apercebimento diz<br />

respeito à percepção ou registo por um sistema <strong>da</strong>quilo que há no<br />

seu entorno, de mo<strong>do</strong> a poder mover-se e comportar-se apropria<strong>da</strong>mente<br />

(é isso que nos faz dizer que uma abelha tem que ter aper:<br />

cebi<strong>do</strong> a árvore para a contornar, um pássaro tem que ter apercebi<strong>do</strong> o<br />

gato que salta para fugir). Mas isto não deve comprometer-nos a<br />

afirmar que a abelha apercebe conscientemente a arvore como<br />

"árvore" ou que o pássaro apercebe conscientemente o gato como<br />

"gato". Por outro la<strong>do</strong>, os humanos produzem frequentemente relatos<br />

introspectivos em que expressam controlos comportamentais<br />

(nomea<strong>da</strong>mente como resposta à questão "O que estás a fazer?").<br />

Mas não existe certamente uma relacão necessária entre o facto de<br />

um apercebimento ser objecto de relato introspectivo e o facto de<br />

ele ser responsável pelo contxolo comportamental. Aliás, o apercebimento<br />

introspectivo tanto parece ser uma condição necessária<br />

para o controlo comportamental como perfeitamente separável<br />

deste (ou mesmo impediti~~o <strong>do</strong> controlo). Dennett pretende fazer<br />

ver antes de mais que o controlo comportamental não está necessariamente<br />

liga<strong>do</strong> a qualquer apercebimento explícito, clarifican<strong>do</strong> em<br />

segui<strong>da</strong> o que se entende por apercebimento explícito. O exemplo<br />

para esta separação é o homem que pensa "devo ter apercebi<strong>do</strong> o<br />

copo a chegar aos meus lábios ou não teria beberica<strong>do</strong>". Ele não<br />

está a fazer introspecção mas a especular, pois não tem mais provas<br />

dessa afrmação <strong>do</strong> que um observa<strong>do</strong>r exterior teria. Um certo<br />

apercebimento é condição necessária <strong>do</strong> controlo bem sucedi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

comportamento, no entanto, o controlo <strong>do</strong> comportamento que<br />

está a efectuar-se pode não estar disponível para introspecção e rela-<br />

to. Observações como estas constituem razão para a seguinte dis-<br />

tinção entre apercebimento-l e apercebimento-2.<br />

Anercebimento-l O sistema A apercebe-l que p no instante t<br />

SSE p é o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de iiiput <strong>do</strong> centro de fala de A no<br />

instante t<br />

Anercebimento-2 O sistema A apercebe-2 que p no instante t<br />

SSE p é o conteú<strong>do</strong> de um evento interno em A no instante t que<br />

guia efectivamente o comportamento actual de A""<br />

Em C&C, o termo apercebimento (uware~~ess) tal como é usa<strong>do</strong><br />

comummente (ao nível pessoal, como sinónimo de consciência) é<br />

substituí<strong>do</strong> por estes <strong>do</strong>is termos artificiais que tomam o sistema<br />

global como referência mas para os quais existem critérios sub-pessoais.<br />

As duas definições apresenta<strong>da</strong>s são fun<strong>da</strong>mentais para distinguir<br />

a consciência que um humano tem de um objecto <strong>da</strong> consciência<br />

que um animal tem <strong>do</strong> mesmo objecto. Nomea<strong>da</strong>mente,<br />

estipula-se que um animal só tem apercebimento-2, tican<strong>do</strong> o apercebimento-l<br />

liga<strong>do</strong>, por def~ção, à posse de linguagem. As máquinas<br />

cibernéticas podem ter apercebimento-2 (ou mesmo apercebimento-1).<br />

Além destes <strong>do</strong>is tipos de apercebimento, não existe um<br />

terceiro que seria distintivamente humano. Isto significa que a fenomenologia<br />

de um sistema é supostamente captura<strong>da</strong> pela noção de<br />

apercebimento-1. Sem apercebimento-1, haveria, num sistema que<br />

se comporta, apenas controlo e muito menos (ou na<strong>da</strong> de) interior.<br />

Aplican<strong>do</strong> a distinção entre apercebimento-l e apercebimento-<br />

2, Dennett propõe-se analisar de novo o sistema-que-apercebe<br />

atrás referi<strong>do</strong>. Este será dividi<strong>do</strong> por uma linha imaginária em duas<br />

partes funcionais, um analisa<strong>do</strong>r aferente e um centro de fala. Esta<br />

linha imaginária, a iinha <strong>do</strong> apercebimento (a~va~e~~ess &e), é obviamente<br />

muito pouco clara no cérebro de uma pessoa. No futuro,<br />

"' DDENNEí'i 1969: 118. Dennctr iid a aban<strong>do</strong>nar a distin$ão estira entre rpercebrncnro-1 e<br />

;ipcrcebirnenio-2 aqui praposra, sugcin<strong>do</strong> r cxistfncis de um concúiuo (cf DENNEiT 1994f, Cel<br />

Rcsporta a D Roscnrhai) ou indistinqio ou mesmo "conundi~ão", apoia<strong>do</strong> nomcs<strong>da</strong>mcnte em<br />

erpeitncias psicolópcas ile A. Marcel nas quair rio pcdidss zos sujdras respostas redundnnres a um<br />

mesmo esiúliulo, por exemplo dizci "Sim", prcmir iim botio, assinalar de forma convenciona<strong>da</strong> signiócar<br />

quc "sún". Erras respostas não são sempre coincidecires (cf inmbém DENNEIT 1991: 248).<br />

O prablcmn i nldentemenre o exiuio de i,ii$ci


Dennett virá aliás a afiimar que é um erro sequer postular uma ama-<br />

reness (ine (este seria aliás o principal erro <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência<br />

proposta em C&C). A ideia <strong>da</strong> linha <strong>do</strong> apercebimento surge <strong>da</strong><br />

constatação de que os anéis dejed back - que supostamente corri-<br />

gem por exemplo maus funcionamentos nos vários níveis de pro-<br />

dução de asserções linguísticas e que estariam presentes no centro<br />

de fala - não poderiam estender-se ao analisa<strong>do</strong>r aferente.<br />

I<br />

Conteú<strong>do</strong>s apercebi<strong>do</strong>s (Nível Pessoal)<br />

I Analisa<strong>do</strong>res aferentes (IVível Sub-pessoal) I<br />

I I<br />

FIG. 1 O modelo de aperccbmento de Coirteilt a~id Co~~scio~~si~ess<br />

O bor<strong>do</strong> ou Fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> centro de fala assim defini<strong>do</strong> seria a linha<br />

<strong>do</strong> apercebimento. Há apercebimento-l de alguma coisa quan<strong>do</strong> a<br />

linha é cruza<strong>da</strong>. Se um sinal não cruza a linha, o seu conteú<strong>do</strong> não<br />

pode ser expresso. Não haverá então apercehimento-1, mesmo que<br />

o evento esteja presente no controlo comportamental. Quanto à<br />

vantagem <strong>do</strong> apercebimento-1, consideran<strong>do</strong> a hipótese de ele não<br />

ser unicamente um produto lateral <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> sistema,<br />

Dennett começa por notar que o apercebimento-l é importante<br />

para o controlo de alto nível <strong>do</strong> comportamento, que envolve a<br />

correlação de informacão de diversas fontes, correlação esta que é<br />

uma condição essencial <strong>da</strong> acção complexa, e que é muito impor-<br />

tante por exemplo em termos éticos, como se verá no Capitulo 4.<br />

Se é ver<strong>da</strong>de que sem centro de fala, não haveria apercebimento-l<br />

nem introspecção relatante, nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s de aperce-<br />

bimento é, apesar disso, o mais importante ou o único no modelo<br />

de C&C. Como ideia central <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência fica o seguin-<br />

te: um sistema não tem que aperceber-1 um objecto para o recon-<br />

hecer e li<strong>da</strong>r apropria<strong>da</strong>mente com ele, mas tem certamente que<br />

Uniu Teoria Fisicalisto <strong>do</strong> Contei?rio e !/a Co~i~ciêt,B(i<br />

apercebê-10-1 para dizer que o reconhece e para <strong>da</strong>r a razão <strong>do</strong> seu<br />

comportamento. É certo que to<strong>da</strong> a teoria está suspensa <strong>da</strong> noção<br />

(imprecisa) de centso <strong>da</strong> fala, <strong>da</strong> qual depende o apercebimento-1.<br />

Dir-se-ia que com a apresentação <strong>da</strong> teoria funcionalista <strong>da</strong> cer-<br />

teza intropectiva e com a proposta de distinção de <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s<br />

diferentes de apercebimento, não se iniciou ain<strong>da</strong> sequer o trata-<br />

mento <strong>da</strong> consciência como esta<strong>do</strong> de alerta, esta<strong>do</strong> de vigília (awa-<br />

keueness), aquele esta<strong>do</strong> que falta quan<strong>do</strong> um organismo está em co-<br />

ma, ou a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>, ou inconsciente. A objecção intuitiva usual à<br />

teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência é precisamente que nela falta algu-<br />

ma coisa e exactamente o mais importante. Esse é o primeiro sinto-<br />

ma de que se está perante uma teoria deflacionána. De certo mo<strong>do</strong>,<br />

Dennett parece levar ao limite a pertusba<strong>do</strong>ra e influente afirmação<br />

de ICarl Lashley segun<strong>do</strong> a qual (Nenhuma activi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mente é<br />

alguma vez consciente)) ("No actiuig oj'" mind is euer consciozls'~". Com<br />

as noções de apercebimento Dennett explica processos vulgarmen-<br />

te considera<strong>do</strong>s como característicos <strong>da</strong> consciência ou acompanha-<br />

<strong>do</strong>s sempre de consciência e no entanto esses processos parecem<br />

poder acontecer na ausência de consciência fenomenal. No entanto,<br />

com a sua proposta Dennett pretende precisamente negar a especi-<br />

fici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência fenomenal, considera<strong>da</strong> como algo que não<br />

seja meramente a especifici<strong>da</strong>de de um certo tipo (certamente hu-<br />

mano, mas não necessariamente apenas humano) de processo liga-<br />

<strong>do</strong> ao apercebimento-l e por ele esgota<strong>do</strong>. O tratamento <strong>da</strong> cons-<br />

ciência proposto produz vários tipos de desilusão, mais ou menos<br />

justifica<strong>da</strong>. Por um la<strong>do</strong>, Dennett não respeita o privilégio <strong>da</strong> lin-<br />

guagem comum, antes estipula. Por outro la<strong>do</strong>, não respeita o man-<br />

<strong>da</strong>mento ryleano que ordena que não se façam especulações mecâ-<br />

nicas, defenden<strong>do</strong> precisamente uma teoria cognitiva sub-pessoal<br />

mecânica. Dennett defende no entanto que a transgressão destas<br />

duas regras tácitas de uma certa meto<strong>do</strong>logia filosófica é essencial<br />

para o desenvolkento <strong>da</strong> Wosofia <strong>da</strong> mente. Finalmente, em ter-<br />

mos <strong>da</strong> própria teoria, aquilo que se ganha com a transgressão <strong>da</strong>s<br />

regras é um conceito de apercebimento-l absolutamente austero.<br />

To<strong>da</strong> a teoria <strong>da</strong> consciência redun<strong>da</strong> numa afirmação única e rnini-<br />

malista: tu<strong>do</strong> o que podemos fazer quanto aos eventos resultantes<br />

<strong>do</strong> processamento sub-pessoal de informação que cruzam a linha<br />

<strong>do</strong> apercebimento é expressá-los ou não os expressar. De acor<strong>do</strong><br />

'> Ciin<strong>do</strong> em DENNEiT 1969: 128


com a teoria, a distinção entre a consciência de humanos e a consciência<br />

de animais como cães ou gatos depende <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />

humana de produzir relatos linguísticos introspectivos, nomea<strong>da</strong>mente<br />

relatos <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s internos responsáveis pelo controlo, por<br />

oposição ao caso em que o controlo simplesmente acontece.<br />

Resta saber se Dennett não estará a confunundir coisas diferentes<br />

na noção de consciência como apercebimento-1. De facto, na<br />

nocão de apercebimento-l juntam-se duas coisas: (a) ofacto de os<br />

hz~it~at~os serem cqaxes de falar e @) o facto de os hz~n~arzos sereiz cqaxes de<br />

falar de z17i1a certa inarreira sobre os esta<strong>do</strong>s mentaispróprios. No quadro de<br />

C&C, a diferença entre o apercebimento de que são capazes por<br />

um la<strong>do</strong> os humanos e, por outro la<strong>do</strong>, os anúnais fica, como se<br />

viu, a cargo <strong>da</strong> diferença entre a capaci<strong>da</strong>de humana de produzir<br />

relatos linguísticos inuospectivos directos acerca de si e o simples<br />

controlo comportamental. O carácter especial <strong>do</strong> apercebimento<br />

humano advém portanto <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de fazer relatos ifltroSpectivos.<br />

Mas talvez não haja razão para essa ligacão: a introspeccão não<br />

está por to<strong>da</strong> a parte na maneira humana de pensar, ao contrário <strong>do</strong><br />

que Dennett propõe. Quan<strong>do</strong> alguém relata o que faz, mesmo que<br />

essa pessoa esteja envolvi<strong>da</strong> numa tarefa intelectual sofistica<strong>da</strong>, não<br />

se descreverá necessariamente o relato <strong>da</strong> sua tarefa intelectual<br />

como uma prática de introspecção. Dennett é leva<strong>do</strong> a essa tese por<br />

identificar sob o titulo "linguagem" a capaci<strong>da</strong>de de falar e a capaci<strong>da</strong>de<br />

de falar de uma certa maneira sobre os esta<strong>do</strong>s mentais próprios.<br />

Tem aliás que o fazer para considerar que é possível explicar<br />

a incorrigibili<strong>da</strong>de humana através de uma teoria funcionalista <strong>da</strong><br />

produção de linguagem e de uma teoria mecânica (i.e. sub-pessoal)<br />

<strong>da</strong> introspecção, apoia<strong>da</strong> na nocão putmaniana de esta<strong>do</strong>s funcionais.<br />

Por exemplo R.Rorty"' contrapropõe que a incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

associa<strong>da</strong> ao facto de os humanos falarem é uma questão de prática<br />

social e não <strong>do</strong> estatuto de esta<strong>do</strong>s sub-pessoais. Repare-se que<br />

se a razão <strong>da</strong> incorrigili<strong>da</strong>de fôr assim exterioriza<strong>da</strong>, já não será legi-<br />

&o apelar à incorrigibili<strong>da</strong>de consideran<strong>do</strong> que se oferece uma<br />

teoria <strong>da</strong> consciência.<br />

Basicamente, a noção dennettiana de incorrigibili<strong>da</strong>de como conexão<br />

directa é, como o próprio Dennett virá a admitir, ain<strong>da</strong> cartesiana.<br />

A noção depende de outras duas noções - "centro <strong>da</strong> fala"<br />

e "linha <strong>do</strong> apercebimento" - que não são evidentemente mais <strong>do</strong><br />

que metáforas. Neste quadro, note-se, a consciência acaba por<br />

depender <strong>do</strong> que conta como fala e o único critério de fala que<br />

Dennett oferece é o facto de alguma coisa ser produzi<strong>da</strong> pelo cen-<br />

tro <strong>da</strong> fala. Apesar desta circulari<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong> a noção de apercebi-<br />

mento-1 depende <strong>da</strong> noção de centro <strong>da</strong> fala. É o centro <strong>da</strong> fala na<br />

sua ligação com a linha <strong>do</strong> apercebimento (que sustenta a noção de<br />

apercebimento-1), que separa a análise cognitiva sub-pessoal <strong>da</strong> ex-<br />

pressão pessoal. E no entanto completamente arbitrário no interior<br />

<strong>da</strong> própria teoria decidir o que conta como fala, sen<strong>do</strong> por exem-<br />

plo bastante duvi<strong>do</strong>so que seja necessário e suficente que um acon-<br />

tecimento seja linguístico para que ele conte como acto de fala pro-<br />

duzi<strong>do</strong> por um humano. Além <strong>do</strong> mais, <strong>da</strong><strong>da</strong> a não restricão, de<br />

acor<strong>do</strong> com a teoria, <strong>do</strong> mental ao linguístico não foi considera<strong>do</strong><br />

o que numa mente não humana poderia ser análogo à fala. O<br />

caminho que fica aberto, e que será explora<strong>do</strong> em CE, passa por<br />

supor que o papel <strong>da</strong> linguagem na consciência é muito mais inte-<br />

ressante e indicecto.<br />

1.3.3 Imagens, qztalia, preenchin~e~~to.r e cores. Percxpçôes de a~lsê~zia ozc<br />

aztsêr~cia depercq3ção.<br />

C&C foi escrito antes <strong>do</strong>s revolucionários estu<strong>do</strong>s acerca de<br />

imagens mentaisti9 associa<strong>do</strong>s especialmente aos nomes <strong>do</strong>s psicólogos<br />

R. Shepard e S. I


Soja Mig11e11s<br />

uma teoria <strong>da</strong> consciência cognitivista e intelectualista"' como a de<br />

Dennett na medi<strong>da</strong> em que a existência de imagens, trazen<strong>do</strong> consigo<br />

as questões <strong>do</strong> espaço fenomenal e <strong>do</strong>s qualia, aparentemente<br />

se ergue contra uma defnição de consciência estritamente comprometi<strong>da</strong><br />

com a linguagem. A questão é aliás também importante<br />

para o destino <strong>do</strong> cognitivismo simbólico em geral, i.e. para a ideia<br />

segun<strong>do</strong> a qual a possibili<strong>da</strong>de de mente seria suporta<strong>da</strong> por esta<strong>do</strong>s<br />

e processos com características de linguagem: a controvérsia<br />

entre os psicólogos 2. Pylyshyn e S. ICosslyn acerca <strong>da</strong> existência<br />

ou não existência de um ~nedzzr~a específico para a representação<br />

mental de imagens, analisa<strong>da</strong> no Capítulo 3 deste trabalho, Wá a ser<br />

nesse senti<strong>do</strong> revela<strong>do</strong>ra.<br />

No capítulo de C&C em que se trata de imagens mentais<br />

Dennett abor<strong>da</strong> as questões <strong>do</strong>s qnalia (nomea<strong>da</strong>mente a questão<br />

<strong>da</strong>s cores, exemplos usuais de proprie<strong>da</strong>des reais e emergentes que<br />

exigem um espaço mental fenomenal) e <strong>do</strong> preenchimento @/li7g-i11)<br />

de detalhes em falta naquilo que é imagina<strong>do</strong> e percebi<strong>do</strong>. O ponto<br />

geral <strong>do</strong> capítulo é a crítica <strong>da</strong> identificação, na teoria <strong>da</strong> percepção<br />

em geral (quer se trate de percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior ou de imagens<br />

interiores oera<strong>da</strong>s), <strong>da</strong> ausência de percepção com a percepção<br />

P<br />

de urna ausênaa. Dennett abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong>s iniagens mentais<br />

com a intenção de pura e simplesmente aban<strong>do</strong>nar a noção de imagem,<br />

que seria tão hoinuncular como a ideia de escrita cerebral (tanto<br />

para "inzage-watchi~g" como para "brailr j~,riti~g"e "brain reading" deveiia<br />

haver alguém a observar). Esta decisão vem a revelar-se exagera<strong>da</strong><br />

e o recuo de Dennett é um caso interessante para verificar<br />

até que ponto <strong>da</strong><strong>do</strong>s empísicos podem refutar princípios gerais em<br />

filosofia <strong>da</strong> mente.<br />

Dennett defme in~agerw como a representação de a&~/i~ia coisa em uilo<br />

tltde <strong>da</strong> posse @ela imagem) de zcnla q~~ali<strong>da</strong>de o21 caracter-isha ein cornzmz<br />

co~n aquiLo qzre é éepéesenta<strong>do</strong> @or exemplo forma ou cor, no caso de<br />

imagens visuais). Uma imagem é o tipo de representação que deve<br />

por definição assemelhar-se àquilo que representa, por oposição à<br />

representação que representa o representa<strong>do</strong> pelo facto de, meramente,<br />

deter um papel em algum sistema. A questão <strong>da</strong>s imagens<br />

redun<strong>da</strong> então em investigar se exis&ão elementos na percepção<br />

actnal (exterior ou internamente gera<strong>da</strong>) que representam em Wtude<br />

de se assemelharem àquilo que representam. Ora, Dennett defen-<br />

"' Os rerrnos, certekos, s;io us:i<strong>do</strong>s por Drecskc cin rclaqjo r Denneri em DREISI(E 1994.<br />

de que não há lugar para imagens nesse senti<strong>do</strong> na explicação cog-<br />

nitiva sub-pessoal <strong>da</strong>s experiências imagéticas <strong>do</strong> sujeito.<br />

Nomea<strong>da</strong>mente na percepção visual a última imagem é a imagem<br />

retiniana. Os exemplos com os quais Dennett pretende apoiar a sua<br />

conclusão quanto ao nível sub-pessoal são os seguintes:<br />

Exeizp/o I'": Para que uma imagem funcione como imagem deve<br />

exisár "alguém" que a reconheça como tal. Daí o absur<strong>do</strong> de uma<br />

situação em que alguém colocaria uma câmara de televisão no seu<br />

automóvel, liga<strong>da</strong> a um receptor sob o c@ot de mo<strong>do</strong> a que o motor<br />

"possa ver para onde vai". O ponto deste exemplo é evidenciar que<br />

embora uma imagem tenha si<strong>do</strong> disponibilka<strong>da</strong>, nenhuma coisa aná-<br />

loga a um "perceptor" existe, logo na<strong>da</strong> "funciona como imagem". A<br />

conclusão é que para uma imagem funcionar como imagem na per-<br />

cepcão ela teria que ser a matéria prima e não o produto final <strong>da</strong> per-<br />

cepção, caso conhário teriam que ser supostos sucessivos "percepto-<br />

res" até ao inhnito. Se se considera que "debaixo <strong>do</strong> c@ot" é o análo-<br />

go <strong>do</strong> interior de um cérebro humano compreende-se porque pensa<br />

Dennett que é erra<strong>do</strong> considerar as imagens como produto hnal. Só<br />

uma testemunha permitiria a existência de imagens sub-pessoais. A<br />

ideia de imagem é portanto homuncular, deven<strong>do</strong> ser aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong>.<br />

Exemplo 2'": Assim como não é razoável considerar que a diferença<br />

entre as palavras "ox" e "bz~ttefi' consiste no facto de uma<br />

ser mais pesa<strong>da</strong> e mais feia <strong>do</strong> que a outra também não é razoável<br />

considerar que a diferença entre uma representação neuronal de<br />

um quadra<strong>do</strong> e a representação neuronal de um circulo seja uma<br />

diferença na forma geométrica de eventos neuronais que seriam<br />

imagens. Após o último lugar onde é legítimo falar de semelhança<br />

imagética no processo físico <strong>da</strong> percepção (a retina, no caso <strong>da</strong> percepção<br />

visual) a análise aferente continua, e haverá elementos que<br />

são representações, i.e. que devem ser teoricamente trata<strong>do</strong>s como<br />

representações, mas em Wtude <strong>do</strong> seu papel num sistema arbitrário,<br />

e não em viitude de qualquer característica de forma.<br />

Da situacão exemplifica<strong>da</strong> pelos casos 1 e 2 Dennett conclui que<br />

não há Izgarpara o apelo a inlagn~ na explicação sz~brpessoal. Em relação<br />

ao nível pessoal, a conclusão geral é também eliminativista. O<br />

"'DENNETT 1969: 134.<br />

'"DENNETí' 1969: 135.


exemplo 3 pretende evidenciar as condições não apenas <strong>da</strong> imagi-<br />

nacão como também <strong>da</strong> percepção visual.<br />

Exeqblo 3: Imagina-se um liomem alto com uma perna de pau.<br />

Ele terá cabelo loiro ou não?'", De acor<strong>do</strong> com Dennett, não exis-<br />

te nem pode por princípio existir, uma resposta para esta pergunta.<br />

O cabelo <strong>do</strong> homem simplesmente não é menciona<strong>do</strong> na "imagi-<br />

nacão de homem". Ora, a não-mencão de uma característica x <strong>do</strong><br />

objecto imagina<strong>do</strong> não é identificável com a percepcão <strong>da</strong> ausência<br />

dessa característica. Não há justificacão para supor que qualquer<br />

preenchimento é necessário se não há ninguém a ver ou a questio-<br />

nar. A suposicão de saturacão exaustiva é de acor<strong>do</strong> com Dennett<br />

hoinuncular e intelectualista. O principio geral é o seguinte: se não<br />

há ninguém (ou na<strong>da</strong>) a pedir uma resposta (se não há "apetite epis-<br />

témico"), a resposta não tem que estar disponível e a sua ausência<br />

não será nota<strong>da</strong>. Aliás, não se trata propriamente de uma ausência:<br />

só se trataria de uma ausência se um determina<strong>do</strong> elemento tivesse<br />

que estar presente, o que não é o caso. O mesmo princípio deve ser<br />

observa<strong>do</strong> na própria concepcão <strong>da</strong> percepcão visual que não é in-<br />

ternamente gera<strong>da</strong>. Retome-se uin exemplo de Dennett.<br />

Exenqlo 4'"': Alguém está num quarto a tarde to<strong>da</strong>, sem se aper-<br />

ceber <strong>da</strong> cor <strong>da</strong>s paredes. Não é capaz de dizer de que cor eram as<br />

paredes, quan<strong>do</strong> iho perguntam. No entanto, se elas fossem ver-<br />

melhas, a pessoa tê-las-ia concerteza apercebi<strong>do</strong> conscientemente<br />

como vermelhas. Mesmo consideran<strong>do</strong> o contrafactual ver<strong>da</strong>deiro,<br />

na<strong>da</strong> nos obriga a aceitar que a pessoa tenha necessaiiamente ti<strong>do</strong><br />

que "aperceber-se sem se aperceber de que apercebe" de que as pa-<br />

redes eram beige, como de facto eram.<br />

Em C&C, como futuramente em CE, Dennett coloca estas con-<br />

clusões eliminativistas sob a égide de Wittgenstein. A situação que<br />

se pretende coriigu é a seguinte: quan<strong>do</strong> se pensa na percepcão, há<br />

uma tendência para supor que um lugar disponível tem que ser ocu-<br />

pa<strong>do</strong> de qualquer mo<strong>do</strong>. No entanto a ausência de percepcão não é<br />

uina percepção <strong>da</strong> ausência mas mais propriamente uina não-n~ejzção,<br />

"' O exemplo smndsrd dc Dennetr para esta qucstào <strong>do</strong> preenchimento ou mençSo 6 o crernplo<br />

<strong>do</strong> quc ncoiirccc qiirin<strong>do</strong> nl~uém r.è u m pspcl de parede coberto com hl;irglins (Cf DENNBTI'<br />

1991: 354 -355).<br />

"' DBNNEl?' 1969: 140.<br />

o que aparenta as supostas imagens mentais mais a descrições linguísticas<br />

<strong>do</strong> que a figuragões. Para o tratamento <strong>da</strong>s questões <strong>do</strong>s<br />

qz<strong>da</strong> e <strong>do</strong>s xomhies na teoria <strong>da</strong> consciência impedir a identificacão<br />

<strong>da</strong> ausência de percepcão com a percepcão de uma ausência é crucial.<br />

No entanto, o preencliimento é um principio explicativo <strong>do</strong><br />

qual os cientistas cognitivos não desejam abdicar. Embora Dennett<br />

não venha a aban<strong>do</strong>nar esta sua posicão quanto ao preenchimento,<br />

ela tem si<strong>do</strong> ataca<strong>da</strong> com base em análises p~icoúsicas'~~ o que pressupõe<br />

que a questão é empíi-ica e não conceptual. Os exemplos em<br />

torno <strong>da</strong> ausência de percepção e percepção de ausência reaparecerão<br />

em força em CE onde o tratamento <strong>do</strong> problema Eilosófico <strong>da</strong><br />

consciência, nos termos preferi<strong>do</strong>s pelos filósofos (o quadro <strong>do</strong>s<br />

qz~aalia e <strong>do</strong>s yonlbies) é precisamente inicia<strong>do</strong> por uma concessão is<br />

descoberta <strong>da</strong> psicologia cognitiva acerca de imagens mentais.<br />

Em C&C a eliminacão <strong>da</strong>s supostas caractensticas imagéticas de<br />

representações é continua<strong>da</strong> com um argumento acerca de cores.<br />

Deixar de admitir representacões imagéticas é deixar de poder considerar<br />

as quali<strong>da</strong>des destas, entre as quais cores. Mas as cores parecem<br />

exemplos inamovíveis de quali<strong>da</strong>des fenomenais reais, emergentes<br />

a partir <strong>da</strong>s "quali<strong>da</strong>des primárias". Mesmo se as cores não<br />

são quali<strong>da</strong>des priva<strong>da</strong>s, inefáveis e incomunicáveis (admitin<strong>do</strong> que<br />

é isso que Wittgenstein prova com a sua análise <strong>do</strong> uso de termos<br />

para cores), nem se encontram entre as "quali<strong>da</strong>des primárias" permiti<strong>da</strong>s<br />

pela física, não sen<strong>do</strong> à parti<strong>da</strong> portanto nem priva<strong>da</strong>s nem<br />

objectivas, um longo passo separa a admissão destes factos <strong>da</strong> afirmacão<br />

de que a experiência de cor não existe. A discussão inicia-se<br />

com a consideracão <strong>da</strong>s cores como proprie<strong>da</strong>des de objectos<br />

externos (capaci<strong>da</strong>des reflexivas de superfícies), surgin<strong>do</strong> o problema<br />

<strong>do</strong> facto de não se conseguu: encontxar correspondências z~nivocas<br />

entre comprimentos de on<strong>da</strong> e experiências de cor. O problema<br />

<strong>da</strong>s cores é que elas não se comportam como géneros naturais (natcval<br />

kir~ds)'l'. Segun<strong>do</strong> Dennett as cores não são, obviamente, proprie<strong>da</strong>des<br />

físicas primárias, mas também não são quali<strong>da</strong>des priva<strong>da</strong>s,<br />

fenomenais e emergentes: «as cores são (...) proprie<strong>da</strong>des funcionais.<br />

Uma coisa é vertnelha se e só se quan<strong>do</strong> é vista em condicões<br />

normais por humanos normais ihes parece vermelha. Isto significa<br />

que há utentes <strong>do</strong>s termos para cores que são demonstravel-<br />

'" C6 CHURCHLAND & lIiL\lACHANDIIi\N 1993, Filhq I,,: iW/g Dwi,irll is iVroi8<br />

1,. i c di<br />

. . sunçõcs quc existiiam na própria namera.


Soja I&!~&IICIIS<br />

mente não excêntricos e que eles afirmam sinceramente que algu-<br />

ma coisa parece vermelha. Que eles digam isso não depende de<br />

alguma quali<strong>da</strong>de interna, mas <strong>da</strong> sua percepção <strong>do</strong> objecto, <strong>do</strong><br />

facto de aperceberem-1 que a coisa é vermelhm'". Porque o trata-<br />

mento <strong>da</strong> cor faz parte <strong>da</strong> exposição <strong>do</strong> modelo de consciência de<br />

Dennett que será neste trabalho considera<strong>do</strong> exemplar (o modelo<br />

de CE), será adia<strong>da</strong> até ao Capitulo 3 uma análise mais completa <strong>do</strong><br />

tratamento <strong>da</strong> cor na teoria <strong>da</strong> consciência, desde já adiantan<strong>do</strong> que<br />

esse tratamento faz apelo a considerações evolucionistas acerca <strong>da</strong><br />

utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> visão de cor.<br />

1.4 A I?~te?zção:pexsar e agir volzlr2tufiait1e?2te.<br />

A decisão austera de identificar consciência com "apercebimento-<br />

-1" e de investigar as condições deste a nível sub-pessoal parece eliminar<br />

<strong>da</strong> noção de consciência não apenas q2~aLu e imagens como<br />

também a ideia de um espaço de trabalho e de iniciação de pensamentos<br />

e acções. O problema para Dennett é saber quão voluntários<br />

e controla<strong>do</strong>s são os aparentemente criativos movimentos de pensamento,<br />

i.e. até que ponto devem raciochios teóricos (envolvi<strong>do</strong>s por<br />

exemplo na resolução de problemas lógicos) e práticos (conducentes<br />

por exemplo a decisões morais) ser considera<strong>do</strong>s como aqões pessoais.<br />

Se raciocinar - entenden<strong>do</strong> o termo como a aplicação <strong>do</strong> espirito<br />

a um problema especifico, que pode demorar muito tempo, ser<br />

cansativa, dificil - é alguma coisa que fa~emos por contraste com<br />

experiências que subitamente apercebemos em nós (como quan<strong>do</strong><br />

nos apercebemos de que cheira a fumo), significará isso que somos<br />

os controla<strong>do</strong>res directos <strong>do</strong> nosso raciocínio, e que este consiste<br />

em actos proposita<strong>do</strong>s de pensamento? A .iroluntarie<strong>da</strong>de ou activi<strong>da</strong>de<br />

aqui em causa não é comparável por exemplo com a crença<br />

na existência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior. O senti<strong>do</strong> que interessa aqui é a<br />

voluntarie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> trabalho mental de resolução de problemas, o<br />

trabalho de ajuízar, ponderas, deliberar, calcular para chegar a algum<br />

fim ou solução ou con~lusão"~. Alguma coisa se passa quan-<br />

"WBNNETT 1969: 146.<br />

,'> «Intelligent crpression-using (..) <strong>do</strong>ne as warb é n cnncte"zagZo de Rylle em RYLE 1949:<br />

267. R)~lle trem cm mcnte o pcnsamenro como trabalho no qual uma pcssoa esti einpenhadn num<br />

cçrm monicnto, que ocorre pai episódios, por oposi58o nos penramcntos irer<strong>da</strong>dckos ou illror dí resdtanrcs. h esse tarnbim, aqui, o objecto de Dcnncrt.<br />

<strong>do</strong> raciocinamos. No entanto o que acontece não é caracterizável<br />

através <strong>da</strong> imagem de uma "arena debaixo <strong>do</strong> olhar mental para a<br />

qual vão proposições sobre as quais se age em segui<strong>da</strong> por meio de<br />

opera<strong>do</strong>res lógicos". Existem certamente, passagens, quan<strong>do</strong> são<br />

resolvi<strong>do</strong>s problemas teóricos e práticos, mas não passagens directamente<br />

agencia<strong>da</strong>s. Procurar saber o que e como serão essas passagens,<br />

saber se elas são involuntárias e inconscientes, é afinal procurar<br />

saber se pensamos sem pensar "O.<br />

A solução ryleana para o problema em The Concept of Mitrld, segun<strong>do</strong><br />

a qual pensar é uma activi<strong>da</strong>de social, é demasia<strong>do</strong> pouco internalista<br />

para Dennett já que desconsidera totalmente o papel causal<br />

de cérebros ou outros sistemas fisicos. Há no entanto algo de ver<strong>da</strong>deiro<br />

na análise ryleana: a ideia de que pensas é uma activi<strong>da</strong>de pessoal<br />

e não um conjunto de acontecimentos neuronais. Isto significa<br />

que o pensa<strong>do</strong>r não acede às transições e esta<strong>do</strong>s sub-pessoais pelos<br />

quais pensa: o trabalho de pensamento aparece ao pensa<strong>do</strong>r que é o<br />

seu autor mais próximo, não surge porjat <strong>do</strong> autor quan<strong>do</strong> este deduz,<br />

induz, julga, abstrai ou conclui. Como diz Ryle, termos como<br />

"deduzir" e "concluir" pertencem (mão ao vocabulário <strong>da</strong>s biografias<br />

mas ao vocabulário <strong>da</strong>s recensões de livros»'5'. Enquanto "biógrafos<br />

fenomenólogos" sabemos suficientemente bem que os verbos quase-<br />

-lógicos <strong>da</strong>s auto-descrições de resolução de problemas (como deduzir,<br />

induzir, concluis) não referem actos nossos. Isto quer dizer que<br />

aiirmar que as pessoas "chegan~ a conclusões" é aiirmas que elas dão<br />

por si ten<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> a conclusões, não que estão envolvi<strong>da</strong>s directamente<br />

nelas. Assim, não tem senti<strong>do</strong> perguntar-lhes como fizeram<br />

para lá chegar. Já Ryle, em The Concept 4 Mit~d,<br />

pretendera mostrar o<br />

quanto a ideia de operações priva<strong>da</strong>s de pensamento discursivo, de<br />

preparação agencia<strong>da</strong> por trás <strong>do</strong> cenário para que o trabalho intelec-<br />

tual aparecesse na sua forma publica<strong>da</strong>, fazia parte <strong>do</strong> mito cartesia-<br />

no e intelectualista <strong>do</strong> palco priva<strong>do</strong>. Chegar a uma conclusão num ra-<br />

ciocínio é portanto, de alguina maneira, uma coisa que (nos) aconte-<br />

ce, perante a qual nos vimos a encontrar. Nas palavras de Ryle, as con-<br />

clusões de um trabalho de pensamento «pertencem ao estádio de<br />

depois de chega<strong>da</strong> e não a algum <strong>do</strong>s estádios <strong>da</strong> viagem para lá»'j2.<br />

" Bnsicameiirc 1 icsposta tcrb que sei sim (é o único cnrninlio náo Iiomunculir) c cssc i o intc~<br />

resse <strong>do</strong> oroblcma.<br />

"' RYLE 1947: 269.<br />

"' R'iZII 1949: 280.


Soja M&:~eizs<br />

i\/Ias Ryle, em Tbe Coiicpt oJ Miilrd, termina a sua teorizacão <strong>do</strong> trabal-<br />

ho de pensamento reportan<strong>do</strong>-o ao discurso didáctico, para si próptio<br />

ou para outros (i.e. elimina o suposto palco priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> acontecer<br />

agencia<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento mas não quer saber <strong>do</strong> cérebro). Dennea,<br />

no entanto, pretende esclarecer as condições <strong>da</strong> situação caracteriza-<br />

<strong>da</strong> por Ryle (o facto de as pessoas não saberem o que fazem quan<strong>do</strong><br />

pensam, e de certo mo<strong>do</strong> chegarem atrasa<strong>da</strong>s às conclusões <strong>do</strong> seu<br />

próprio trabalho intelectual) e para isso utiliza de novo a disàncão<br />

entre níveis pessoal e sub-pessoal. A pheira constatacão que se im-<br />

põe é que a noção de pensamento enquanto aplicação <strong>do</strong> espírito a<br />

um problema, exactamente como a noção de accão, só tem senti<strong>do</strong> a<br />

nível pessoal. As pessoas pensam e raciocinam mas <strong>do</strong>s seus cérebros<br />

não se pode aiirmar o mesmo. Os cérebros devem evidentemente<br />

funcionar para que o pensamento aconteça. O problema é que nem<br />

esse funcionamento é o pensamento que aqui se procura explicar nem<br />

a alternativa reside ein considerar que os cérebros são voluntáiiamen-<br />

te coman<strong>da</strong><strong>do</strong>s pelas pessoas que pensam. O pensamento de uma<br />

pessoa não começa com a ordein "pense-se" ou "que seja pensa<strong>do</strong>"<br />

envia<strong>da</strong> ao cérebro.<br />

Para compreender melhor a situacão, Dennett procura conceber<br />

as pessoas enquanto agentes racionais sob o prisma <strong>do</strong>s agentes<br />

racionais artificiais. Toina essa decisão porque, por um la<strong>do</strong>, pro-<br />

cessos análogos aos que se passam num computa<strong>do</strong>r devem oco-<br />

rrer numa pessoa quan<strong>do</strong> ela pensa. Claro que quan<strong>do</strong> uma pessoa<br />

pretende contar coino fez para chegar a uma <strong>da</strong><strong>da</strong> conclusão, veri-<br />

fica que é incapaz de analisar o que se passa ou passou para além<br />

de um certo nível de simplici<strong>da</strong>de. Por exemplo, eu pergunto a mim<br />

própria: "Como resolvi a tarefa de raciocínio a?". E respon<strong>do</strong>:<br />

"Somei A+B, dividi..., somei de novo, etc" Mas se continuo a ques-<br />

tionar-me "E como somei?" não saberei responder: somei porque<br />

sei somar. É um caso clássico de "barragem" wittgensteiniana. Em<br />

suina, não temos acesso intiospectivo a to<strong>do</strong>s os processos que<br />

devem estar a constituir as conclusões que serão objecto de aper-<br />

cebimento-1, embora tenhamos acesso a algumas operacões. Há<br />

um limite à profundi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> acesso às tarefas cognitivas próprias<br />

nos humanos, o que aliás também acontece nos programas de com-<br />

puta<strong>do</strong>r. Isso não significa que ao atingir o limite se isolem proces-<br />

sos atómicos <strong>do</strong> acto de pensar, mas apenas que a partir <strong>da</strong>í a acti-<br />

vi<strong>da</strong>de em curso é não-analisável para o (seu) "sujeito", o que não<br />

quer dizer que seja não-analisável por princípio.<br />

Dennett propõe que esta situacão seja compara<strong>da</strong> com algo que<br />

se passa na simula~ão artificial <strong>da</strong> cognição. Certos programas<br />

incluem instruções para imprimii uma a uma as operações cumpri<strong>da</strong>s<br />

na resolução de problemas, com o propósito de comparar<br />

esta publicitacão <strong>da</strong>s operacões efectua<strong>da</strong>s, os rastros <strong>da</strong> máquina<br />

(?zacbiire traces), com os protocolos de sujeitos humanos'j3. O problema<br />

é evidentemente saber quais são os pressupostos dessa<br />

comparação e que razões se teria para falar <strong>da</strong> confirmação de uma<br />

simulacão comparan<strong>do</strong> protocolos humanos com rastros <strong>da</strong><br />

máquina envolvi<strong>da</strong> na simulaçã~'~'. 1magman<strong>do</strong> que a tarefa é a<br />

"mesma", é frequente nos rastros <strong>da</strong> máquina aparecerem muitos<br />

passos (especialmente passos liga<strong>do</strong>s a processos de tentativa e<br />

erro explícitos e exaustivos) que não aparecem nos protocolos <strong>do</strong>s<br />

sujeitos humanos, e que estes podem até negar ter cumpri<strong>do</strong>. Para<br />

Dennett, estas dissemelhanças entre os rastros <strong>da</strong> máquina e os<br />

protocolos <strong>do</strong>s humanos não permitem concluir que os computa<strong>do</strong>res<br />

e os humanos usem méto<strong>do</strong>s cognitivos muito diferentes -<br />

ao contrário <strong>do</strong> que um crítico <strong>da</strong> IA como H.Dreyfus pretende'"<br />

- nem provam por si só a não vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> modelo. Quer no caso<br />

<strong>do</strong>s protocolos liumanos quer no caso <strong>do</strong>s rastos <strong>da</strong> máquina há<br />

limites à forma e à profundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que é reporta<strong>do</strong>, e esses<br />

limites à profundi<strong>da</strong>de podem ser diferentes. É possível que a<br />

capaci<strong>da</strong>de de um humano de publicitar aquilo que apercebe-l<br />

tome como atómicas operacões a cujo decurso a máquina tem um<br />

"' Este ponto gcra o artigo, DENNETT 1968, ~ll~,ciiiiiiri ?iriiri iiiidP~nioiolJiiiie,,iiiii~, cscrito crn<br />

piirte conaa ss criticas de H. Dreyhis 8 IA, feins no relnrório (MND memo) %lcliemy nnd Artificifll<br />

Iiitciigçnce", quc esteve na arigçm <strong>do</strong> célcbrc iivto dc H. Drcyfus, ItOirii Conipi~tcri Cniil Do. Cf.<br />

DDNNDTT 1995j, em B~\U~\IGI\R'ITIER & PAYR 19U. oiidc Dcnnctt relata n história dn sua<br />

npioximaçlo 1 IA c a "ciicoincn<strong>da</strong>" <strong>do</strong> artigo de oposipao a H. Dreyhis. Dcnnert pcnsou quc<br />

Drephis esmva eira<strong>do</strong> e respondeu a A.Ncweil e no próprlo Dreghis com ersc artigo, procuran<strong>do</strong><br />

cxnminnr as prcssuposiçõcs subjacenrcs 8s intcrpret;içõcs <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> suiiulaçio computacionsl<br />

de processos cognitiws, como os <strong>do</strong> GPS de NeweU e Sirnon;


acesso mais especifica<strong>do</strong>. No entanto, na máquina também existe<br />

um !.imite, determina<strong>do</strong> pela linguagem em que ela exterioriza<br />

(phts-ot~ij, e que não é sequer a linguagem-máquina, mas uma linguagem<br />

de alto nível. Do facto de um humano não aperceber-I<br />

determina<strong>do</strong>s processos, i.e. não os poder relatar, não se pode<br />

concluir que os processos que ele apercebe-1 sejam os processos<br />

atómicos <strong>da</strong> sua tarefa cognitiva. Aliás, a "intuição", a experiência<br />

de AI-LA!, pode ser pensa<strong>da</strong> neste contexto. A possibili<strong>da</strong>de de<br />

experiências de i?~s%bt abrupto nos humanos é usualmente contraposta<br />

pelos críticos <strong>da</strong> IA aos méto<strong>do</strong>s exaustivos, brutos, de computação.<br />

No entanto é possível que o apercebimento de uma intuição<br />

ao nível pessoal se deva meramente ao facto de ter fica<strong>do</strong> disponível<br />

para publicitação o resulta<strong>do</strong> de um processo com características<br />

inacessíveis ao sujeito, o qual poderia até ser um méto<strong>do</strong><br />

de busca exaustiva. A intuição corresponderia por hipótese a uma<br />

circunstância em que a publicitacão é feita numa linguagem muito<br />

afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s operações básicas (seria como o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> funcionamento<br />

de um prograina sem rastros <strong>da</strong> máquina, cuja única<br />

publicitação fosse um comentário à solução <strong>do</strong> problema com a<br />

forma "Veio-me à mente, é tu<strong>do</strong>").<br />

Em suma, uma pessoa não tem acesso integral ao processamento<br />

de informação que lhe permite pensar. Além <strong>do</strong> mais, num<br />

humano a especulação e a racionalização interferem constantemente<br />

com o acesso introspectivo (circunstância que os psicólogos<br />

introspeccionistas <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XX muito lamentaram<br />

e que constitui uma diferença importante entre os humanos e as<br />

máquinas até agora existentes). Assim sen<strong>do</strong>, uma comparacão<br />

entre protocolos humanos e rastros <strong>da</strong> máquina não pode rasurar<br />

o facto de a relação entre a intxospecção e o processamento interno<br />

de informação num humano ser muito mais complica<strong>da</strong> <strong>do</strong> que<br />

a relacão entre um programa e os "rastros <strong>da</strong> máquina". Antes de<br />

mais, isso acontece porque os protocolos humanos estão muito<br />

mais afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processamento de informação <strong>do</strong> que os rastros<br />

<strong>da</strong> máquina. Se por vezes um humano pode dizer quase exactamente<br />

porque está a fazer o que está a fazer, por vezes esse acesso<br />

não existe de to<strong>do</strong>, e a accão é exactamente a mesma (o exemplo<br />

de Dennett é a accão de descer à cozinha, de noite, e mordiscar<br />

uma maçã; a pessoa que faz isso pode ou não ser capaz de<br />

apresentar um relato elabora<strong>do</strong> acerca de razões e a acção e a<br />

informação processa<strong>da</strong> terão si<strong>do</strong> aproxima<strong>da</strong>mente as mesmas).<br />

O processamento de informação que deve existir - caso contrário<br />

o controlo <strong>do</strong> comportamento seria inexplicável - não acontece ao<br />

nível pessoal e não tem de mo<strong>do</strong> algum que ser consciente.<br />

Mesmo o controlo de rotinas rígi<strong>da</strong>s (por exemplo de comporta-<br />

mentos animais) envolve processamento de informação. O exem-<br />

plo <strong>da</strong><strong>do</strong> por D. Dennett é o de um pássaro que "fmge" ter uma<br />

asa parti<strong>da</strong> para afastar pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> ninho onde estão os m o-<br />

tes. Um tal comportamento de logro (aparentemente inteligente<br />

mas de facto instintivo) é descntivel de forma mentalista fazen<strong>do</strong><br />

apelo a uma razão para o comportamento em causa. Isso não sig-<br />

nifica no entanto que existam processos mentais conscientes no<br />

pássaro que tenham como conteú<strong>do</strong> explícito essa razão, tal como<br />

ela é iinguísticamente e humanamente formulável. Aquilo que<br />

pode vir a ser descrito de forma mentalista como razão - contro-<br />

10s de comportamentos com fmali<strong>da</strong>de - pode existir a nível sub-<br />

pessoal sem qualquer apercebimento consciente <strong>do</strong> agente. Do<br />

inesmo mo<strong>do</strong> e no que respeita a contxolos <strong>do</strong> comportamento de<br />

resolução de problemas, os protocolos humanos não fornecem<br />

necessariamente pistas váli<strong>da</strong>s acerca <strong>do</strong> processamento de infor-<br />

mação sub-pessoal. Não é portanto razoável supor que se prova<br />

ou desmente modelos de processamento de informação <strong>da</strong> cogni-<br />

ção humana comparan<strong>do</strong> esuitamente os protocolos humanos<br />

com os rastros <strong>da</strong> máquina.<br />

Além disso, Dennett defende que as operações cognitivas que<br />

controlam comportamento de sistemas como os humanos não são<br />

as operações lógicas <strong>do</strong>s lógicos, ao contrário <strong>do</strong> que pode passar-<br />

se com a programação de máquinas, em que o designerpode e deve<br />

assegurar-se ã parti<strong>da</strong> de quais operações farão parte <strong>do</strong> programa.<br />

É notório que os humanos podem pensar mal e ilogicamente, e<br />

qualquer teoria adequa<strong>da</strong> <strong>do</strong> raciocínio deve enquadrar esse facto.<br />

As simulações artificiais <strong>da</strong> cognição humana visam portanto um<br />

nível alto, o nível <strong>da</strong> resolução de problemas, não existin<strong>do</strong> uma<br />

correspondência entre as operações lógicas <strong>da</strong> máquina nas quais<br />

a simulação se baseia e os acontecimentos no cérebro. A capaci-<br />

<strong>da</strong>de que os humanos têm de seguir aproxima<strong>da</strong>mente as leis lógi-<br />

cas em raciocínios não tem a ver com o facto de os cérebros serem<br />

máquinas lógicas que executam sem falha operações (os cérebros<br />

não são máquinas lógicas semelhantes, ao contrário <strong>do</strong>s computa-<br />

<strong>do</strong>res) mas sim com o facto de que «parte <strong>da</strong> maneira como as coi-<br />

sas são é a maneira como as coisas logicamente são, e se o nosso


Soja Mk~~erir<br />

comportamento deve ser apropria<strong>do</strong> ã maneira como as coisas<br />

são, ele tem que ser produzi<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com linhas logicamente<br />

sóli<strong>da</strong>^^^'^^.<br />

O objectiqo final <strong>da</strong>s análises <strong>do</strong> comportamento de resolução<br />

de problemas é mostrar que a explicitação <strong>do</strong>s raciocínios <strong>da</strong>s pes-<br />

soas, feita a partir de fora e com linguagem, pelo teórico, não tem<br />

por que corresponder a operações e eventos no cérebro e não tem<br />

evidentemente também que corresponder a um percurso de opera-<br />

ções conscientes. A explicitacão <strong>do</strong>s passos <strong>do</strong> pensamento, de<br />

qualquer pensamento, não é uma biografia de eventos mentais<br />

conscientes nem uma descrição de eventos cerebrais e sim uma<br />

caracterização intencional. A conclusão é ryleana em espírito mas é<br />

também guia<strong>da</strong> pela teoria <strong>da</strong> intenção apresenta<strong>da</strong> por Elizabeth<br />

Anscombe em Infei~fioi~'~'.<br />

1.4.1 O niuelpessoal e a teoria <strong>da</strong> ac@o: as raxões na acçüo. A ixtençüo<br />

segln<strong>do</strong> Atlscombe e a sxa a<strong>da</strong>ptação àpsicologiaJilosÓjca de Defznett.<br />

O raciocínio não é apenas necessário para resolver equações,<br />

resolver problemas ou construir argumentações jurídicas. Ele é<br />

também essencial para guiar e determinar outro tipo de acções,<br />

mais directamente liga<strong>da</strong>s aos movimentos <strong>do</strong>s corpos no mun<strong>do</strong>.<br />

Assim, «ao relatarmos o nosso raciocínio, nem sempre estamos a<br />

dizer como chegamos a uma certa solução ou conclusão, (...)<br />

frequentemente estamos a dizer porque é que decidimos fazer o<br />

que quer que estejamos a fazer»'j8. Podemos precisamente afirmar<br />

que existe uma acção intencional quan<strong>do</strong> alguém é capaz de dizer<br />

porque fez aquilo que fez, i.e. quan<strong>do</strong> alguém é capaz de <strong>da</strong>r a<br />

"' DENNNFIT 1969: 155. Aqui Dcnnerr rcporm-se n TURING 1950. Rurh hUllikan (cf hüLLI-<br />

1WN 1984) rctoms cstn sugcrtão<br />

"Em Ii>te,ilim (ANSCOAíBE 1953, E. Anscombc invcstig% os crirtzios que prcsidcm 3 classifi-<br />

~%gão dc ncgões como intencionais. Umn nqão é inrcnciond de acor<strong>do</strong> com Anscombe se i qucstão<br />

"Porquê?" o ngcnte responde com uma mão paras rcgão. "Eu "30 mmc npcrccbi de que fazia isso"<br />

constinii uma releqao <strong>da</strong> qucstão "PorquP?. Dennerr discor<strong>da</strong> <strong>da</strong> conclusão geral dn teoiia <strong>da</strong> nqão<br />

de E. Anscombe, segun<strong>do</strong> s quzl, não sen<strong>do</strong> fisicamcnre deccrminávds quaisquer camctdsticas cm<br />

virrude dns quais um pnrricuiar movimento sciia uma scgão intcncionsl, esisriria um abismo inrransponivel<br />

entrc n inrencionnli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ncgõcs e r causali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fisico Dcnnert coniidcrn esta<br />

conclusão seyn<strong>do</strong> n qual ss ncçõer csnrirm dirorcindrs <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s causas fisicas dunlisu e n3o<br />

hn<strong>da</strong>menm<strong>da</strong> (cf DENNNFLT 1968: 238). No cntrnto, ciê que E. rlnscombe oferccc precisamenrc<br />

uma uxiiiiosa ùcsczicão <strong>do</strong>s nacos ou critérios oue ~. oermitem chnmsi a uma sçcão intencional, n qual.<br />

como i frente se verá, sc ~dequn n modelos de proccrsomcnto de informagão <strong>do</strong> cércbra<br />

"' DENNE'IT 1969: 156.<br />

UIII~ Teoria Fi~icuLrttcr <strong>do</strong> Coi~teii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coiisciêi~cio<br />

razão de determina<strong>do</strong>s movimentos, por oposição ao caso em que<br />

algo simplesmente acontece. Supostamente é pelo facto de a razão<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo agente ser a razão para a acção que a acção deve ser considera<strong>da</strong><br />

intencional. A questão <strong>da</strong> acção não é de mo<strong>do</strong> algum<br />

uma curiosi<strong>da</strong>de marginal <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente. De acor<strong>do</strong> com<br />

Dennett, «A prática de pedir e <strong>da</strong>r as razões <strong>da</strong>s acções é central<br />

nas nossas noções de acção e responsabili<strong>da</strong>de e, de facto, na<br />

nossa noção de pessoa»''? E<strong>da</strong>recer a natureza <strong>do</strong> raciocínio prático<br />

e a existência de acções ao nível pessoal é, assim, esclarecer a<br />

própria existência de "pessoas". Só a existência de acções por contraste<br />

com meros movimentos assegura o vértice <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

mente, ergui<strong>do</strong> sobre a intencionali<strong>da</strong>de e a consciência, que é a<br />

pessoali<strong>da</strong>de.<br />

A existência de acção supõe aparentemente a existência de razões<br />

para movimentos de enti<strong>da</strong>de Eísicas e a intenção de executá-<br />

10s. Quan<strong>do</strong> alguém faz alguma coisa por alguma razão esse agente<br />

tem, utilizan<strong>do</strong> a terminologia de D. Davidson, uma atitudepró'"<br />

em relação a acções de um certo tipo e acredita que a sua<br />

acção é desse tipo. Caracterizas a autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong> agente relativamente<br />

às razões para a acção é no entanto uma tarefa complica<strong>da</strong>.<br />

Em primeiro lugar, pedir a um agente que dê as razões <strong>da</strong> sua acção<br />

não é pedir-lhe que reporte os seus pensamentos. Frequentemente<br />

as razões para um comportamento - entenden<strong>do</strong> aqui por comportamento<br />

movimentos aparentemente voluntários de um corpo<br />

-não estarão sequer entre esses pensamentos @ara não mencionar<br />

o facto de esse reportar ser confiável apenas supon<strong>do</strong> que a memória<br />

está a ser confiável e que não está a existis racionalização). O<br />

reportar normal que por exemnplo as pessoas fazem <strong>da</strong>s suas ixzões<br />

para a acção é duplamente inferencial, envolven<strong>do</strong> não apenas a<br />

interpretação <strong>do</strong> recor<strong>da</strong><strong>do</strong> como a também racionalização, i.e. atribuição<br />

a posteriori de razões que não guiaram de facto a acção. Para<br />

além disso, uma pessoa pode ter conhecimento <strong>da</strong>s cansas <strong>do</strong> seu<br />

próprio comportamento, sem que a este comportamento se possa<br />

chamar com proprie<strong>da</strong>de uma acção <strong>da</strong> pessoa. Em Intefztiofz,<br />

Anscombe dá um exemplo de conhecimento de um comportamento<br />

próprio cujos motivos são <strong>da</strong><strong>do</strong>s pela pessoa mas que não<br />

"' DENNE'IT 1969: 156.<br />

"' Esm é uma expressão geral que se aplica z dcscjos, principiar estéticos c inornis, fmrilids


Soja M~~IICIIS<br />

constitui uma acção dessa pessoa: é o caso em que alguém repenúnamente<br />

salta para trás, e quan<strong>do</strong> se lhe pergunta porque o fez, responde<br />

que foi o grito e a sacudidela de um crocodilo que o fizeram<br />

fazer is~o'~'. É certo que nenhuma outra pessoa dispõe <strong>do</strong> acesso<br />

privilegia<strong>do</strong> que permite a essa pessoa fazer o relato. No entanto<br />

não é esse o tipo de conhecimento - o conhecimento <strong>da</strong>s causas de<br />

movimentos que partem <strong>da</strong> própria pessoa mas que não são intenciona<strong>do</strong>s<br />

por ela - que interessa o teórico <strong>da</strong> acção. Esse conhecimento<br />

não interessa por um la<strong>do</strong> porque não é o conhecimento de<br />

um acto guia<strong>do</strong> por uma razão, por outro la<strong>do</strong> porque é duvi<strong>do</strong>so<br />

que não exista inferência na observação emiti<strong>da</strong> pela pessoa. A pessoa<br />

possivelmente não apenas recor<strong>da</strong> os conteú<strong>do</strong>s apercebi<strong>do</strong>s<br />

como também interpreta. O problema <strong>da</strong> acção propriamente dito<br />

diz respeito 21s condições em que aget~tes stâo capaxes de ter a@in conhecimento<br />

não inj'êlznrial e não obseruacional <strong>da</strong>s sna raxõespara a acção, ra~ões<br />

essas qne cleuetn Tegera accão '%i11 acto", e não ser reconstruí<strong>da</strong>s a posteriori.<br />

O que o caso de Anscombe mostra, segun<strong>do</strong> Dennett, é que<br />

«Não tenho acesso, priva<strong>do</strong> ou outro, aos meus processos cerebrais,<br />

mas apenas ao meu apercebimento e à sucessão de mensagens<br />

que lá chegam; não ten<strong>do</strong> outra explicação <strong>do</strong> salto, e ten<strong>do</strong><br />

visto outros saltarem quan<strong>do</strong> se encontraram perante visões súbitas<br />

e estranhas, eu infiro (consciente ou subconscientemente) que a<br />

visão espantosa causou o salto»'GZ. No entanto, num caso como<br />

este, embora o agente conheça sem observação o seu próprio<br />

movitnento (e este é o traço que, como se verá, caracteriza aquilo<br />

que é voluntário) um neurologista poderia vir a dizer melhor <strong>do</strong><br />

que a própria pessoa o que causou o seu comportamento. Assim,<br />

para que algo constitua uma razão para a acção nâo basta que seja<br />

causa de um comportamento próprio <strong>do</strong> agente.<br />

O problema <strong>da</strong> acção não envolve apenas o problema geral<br />

que consiste em especificar o que distingue acções de meros<br />

acontecimentos e mesmo de movimentos próprios, envolve também<br />

o problema de saber se razões e causas se excluem mutuamente<br />

ou não. Numa primeira alternativa a existência de razões<br />

para as acções está de algum mo<strong>do</strong> separa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de<br />

(é possível aliás alegar que parte <strong>do</strong> que se quer dizer<br />

quan<strong>do</strong> se diz que uma acção foi intencional é que ela não foi cau-<br />

sa<strong>da</strong>, que na<strong>da</strong> ou ninguém manipulou o agente). Numa segun<strong>da</strong><br />

alternativa as razões podem ser causas e servir assim para explicar<br />

acçõe~"~.<br />

Como ~vittgensteiniana, Anscombe defende em Intention que ao<br />

falar de razões como causas <strong>da</strong>s acções intencionais se incorre nu-<br />

ma falácia naturalista. A relação entre razões e acções é uma rela-<br />

ção interna, conceptual, descritiva. A intencionali<strong>da</strong>de de uma ac-<br />

ção está segun<strong>do</strong> Anscombe liga<strong>da</strong> a uma descrição intencional e<br />

'" O lugar cl5ssico <strong>do</strong> eatxmciito <strong>do</strong> proMemn <strong>da</strong>s rmões e <strong>da</strong>s cnusas nn acgão em, quan<strong>do</strong><br />

Dcniictr escreve C&C, o rrrigo Arlio,~, RE~IOI~J oitd Can~es (DAVIDSON 1963). É iinporrsnre pnn o<br />

esclnrecimeiiro <strong>da</strong> posig" dcfendids em DBNNETT 1969 compreender a oposigio dc Davidson<br />

POS wittgensteinianos que nesse nrtigo se descnlin. Os wittgensreinianos, coma Anscornbc, defendem<br />

que tomar razõcs como causas de acgões consrirui uma fdicio naniiniisrs (as nlegadns fsliciss nrniralisrrs<br />

consistem em ideiitificai conccitas éticos com conceitos namais). Ao conccíl-io, cones<br />

nomcadsmcnte E. iliscombc e mmliém coner G. Rylc, D Davidson defende no artigo quc as razões<br />

podem ser causas. Aquclcs quc dcfcndern que é um erro cnrcgarial c uma fslicin nanicdiam considcnr<br />

que razões podem ser causas alegam quc os rocabulirios <strong>da</strong>s rnrõcs c <strong>da</strong>s criusas são totaimenre<br />

difcrenres e que cxistc um abismo inrransponi~cl enec as crpUcagõ"e~ causais nnniraiisrss e ris dcscti(.òer<br />

inrerprerruxzns arravés dc iazõcs. l'odc-se chnmnr ro nrgumcnto <strong>do</strong>s witrgensteinianos um<br />

argumento <strong>da</strong> concrso lógica (ct ENGHL 1998: 32). Esse argumento é o scguinrc: sc os rrzõcs fossem<br />

cnusns de ;icgões, entio a causa suposta (a razao) deveria ser íepnrivcl <strong>do</strong> seu efeiro (a nq5o ou<br />

coinporrnmento) que seria esuinseco e contingcnre. Ora, não é possivel descrcvcr R rwzão de umn<br />

acgão independcnrcmcnrc <strong>da</strong> própria scgao e <strong>do</strong> seu rcsuln<strong>do</strong> (a inrcngso de fazer 11 menciona A )<br />

Logo cxiste uma rclagão inuinseca e neccssiria cnue n razão e n aqão, que n5o tcm 2s caracreisticas<br />

de urna relngio causal. Em Aitiei>r, Xrxrion$ ai,,/ Cnnniii, Daiidson arnca este argumenta Do facto<br />

de as descrigões <strong>da</strong>s rnzões esmrcm conccpnialmcnre liga<strong>da</strong>s às descrigõcs <strong>da</strong> nc~" o20 ose segue que<br />

os eventos quc as dcscriçõcs descrevem não cncrem numa rcl~ç50 causal esrinseca. O wvirtgcnstci~<br />

niano susrenra que, sen<strong>do</strong> rodn a expliwg5o causal por princípio, nomológicn, se as razões fossem<br />

causas dcvcrin haver leis sue . lirrsssem - rs descricõcs mcntais <strong>da</strong>s rszões às descriciics <strong>da</strong>s oóozias . .<br />

aqões. Ora, não existem essas Icis psicofisicas. D;iisidson concor<strong>da</strong> que não cxistem leis psicofisicas.<br />

Cansidcrs iio cnmnto que <strong>da</strong> inexisréncia de Icis psicafisicns mio se seye que as explicnçõcs psico-<br />

Iópjcns . comuns não sciam cuusnis. i1 poiiçso . . de Dnvidson rcsulra <strong>do</strong> fscro de ele defender rambi.m<br />

que as únicas 16s csuitils (i.". sem excepgio) sio rs Icis fisicas e que poirrnro ns gcncralizsções cmsnis<br />

que sustentam os Ingor enuc razões e ncgões dependem <strong>da</strong>s camcrcristicrs não inrencioniis <strong>da</strong>s<br />

cuciitos. Os erentos desciros como mciitlis (como as razões) são iambém eventos, c como cai submeu<strong>do</strong>s<br />

a leis causais. Como diz D. D;i\idson (Di1i'IDSON 1963: 19): aLVhy on earth sliould a causc<br />

curti an action into r mere Iinl>pening and a pcrson into a l>elpless victim? 1s ir bccause \vc rend io<br />

assume, ar lcísr iii tlic niciia of action, tlini a wuse dcmmds n cauicr, ngency nn agent? So wc prcss<br />

the q~csho: if my action is caused, wiint causcd it? If I did, rhen tlierc is &c absuidiiy of inónir<br />

rcgress; if I &d not, I nm victim. But of coursc &c nlrcrnritivcs are not erliausrive. Some causcs Iiavc<br />

no :igents. Among rhese ngcntlcss cnuscs arc thç stares 2nd cliangcs of starc in persons which, becnurc<br />

diey arc rcasonr ns wcli as cnuses, constinire ccrtaiti cvcnts frce snd inrentionnl nctionsn. A razão<br />

pnia considerar como causais as cxplicqões amvés de rnrõer esii dnds. Hvidentemence rodn a dificuldridc<br />

icsidc cm conceber qual é exictamciitc o poder causal dns erplicngãcs psicológicns rua1-iii.s<br />

dc rarões e a quesGo "50 fica rcrolvidr por rqui. Wro um confronto mais recente enue a cearia<br />

<strong>da</strong>vidsoniana <strong>da</strong>s rmões e <strong>da</strong>s causar c a psicolo@! de senso comum (/i/k-i>g~)'bolqg>) ct ZILHAO<br />

1998/1999. O autor caiiclui que uma enpiicaç5o f<strong>da</strong>sóficr como s que Davidson ofcrccc <strong>da</strong> crplicn-<br />

60 comum de nqões nrravés dc causas constinii uma reoiin inapropriadn <strong>da</strong> l~iurnnna.


Soja i\iligi


a fonte eferente <strong>do</strong>s eventos descritos: o conhecimento sem observação<br />

de Anscombe é, na linguagem de Dennett, apercebi~~erlto-I de<br />

corztrolos @rerttes. Se eu ajo intencionalmente, não será por vias aferentes<br />

-por exemplo ven<strong>do</strong> o meu corpo fazer movllnentos - que<br />

eu me apercebo de que estou a tentar abrir a porta.<br />

Anscombe chama também a este conhecimento não observacional<br />

conhecimento prático'". O conhecimento prático é compara<strong>do</strong><br />

com o conhecimento que um homem com uma imaginação<br />

perfeita tem <strong>do</strong> projecto de consuução de um edifício, projecto esse<br />

que dirige <strong>da</strong>n<strong>do</strong> ordens concebi<strong>da</strong>s até ao Último pormenor<br />

mas sem poder ver o edificio. Poder-se-á objectar que esse conhecimento<br />

será correcto se e só se as ordens forem leva<strong>da</strong>s a cabo.<br />

Caso contrário, existirá erro no conhecimento. No entanto segun<strong>do</strong><br />

Anscombe, neste caso «o erro [estará] na performance e não no<br />

j~ízo»"~. Sen<strong>do</strong> este conhecimento não observacional prático um<br />

conhecimento de ordens (coman<strong>do</strong>s eferentes na linguagem de<br />

Dennett) existe a possibili<strong>da</strong>de de movimentos idênticos poderem<br />

ser controla<strong>do</strong>s por coman<strong>do</strong>s eferentes diversos. Nesse caso,<br />

como Anscombe viu, a pessoa, e só ela, poderá perceber a diferença.<br />

O caso que Anscombe apresenta é o seguinte «digo a mim<br />

próprio "gora pressiona o botão A"- enquanto pressiono o<br />

botão B - isto é algo que pode certamente acontecer (...) e aí o<br />

erro é de performance e não de juízo»"'. De novo Anscomhe pretende<br />

fazer ver que o erro não está no que foi dito e sim no que<br />

foi feito, e que a partir de dentro e sem observação o agente apercebe<br />

esse erro. Ele seria capaz de fazê-lo, diz Dennett, não por<br />

reconhecer diferenças qualitativas nos coman<strong>do</strong>s eferentes subpessoais,<br />

mas pela sua disposição para afirmar coisas diferentes.<br />

Evidentemente, to<strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> auto-análise <strong>do</strong> conhecimento<br />

prático não observacional deriva <strong>do</strong> facto de este nunca<br />

existir isola<strong>do</strong> no comportamento próprio. O conhecimento prático<br />

não observacional <strong>do</strong> comportamento próprio está sempre intimamente<br />

liga<strong>do</strong> à propriocepção e mesmo à percepcão visual <strong>do</strong><br />

'" Olijcct~r n urna conccp~.o inielecni;ilisra <strong>do</strong> conhcciinenro pdtico C aliás uma dnr fiiirili<strong>da</strong>dcr<br />

de Iiile,~liori. Cf. ANSCOhlDE 1957: 82 e seguintes. Scpn<strong>do</strong> Anscornlic íis suas análises confirmam<br />

n ieoiia <strong>do</strong> coiihccirncnto prático de Tomás de hquùio:


tor" (e não a objectos a mais chama<strong>do</strong>s vol&ões, outro <strong>do</strong>s disfarces<br />

<strong>do</strong> homúnculo). É este apercebimento que corresponde à ideia<br />

geral de Anscombe sobre descrições intencionais. O silogismo prático<br />

aristotélico é o exemplo <strong>do</strong> estatuto destas descrições: «Se a<br />

descrição aristotélica <strong>do</strong> siíogismo prático fosse suposta reportar<br />

processos mentais actuais, ela seria em geral bastante absur<strong>da</strong>. O<br />

interesse <strong>da</strong> descrição é que ela relata uma ordem que está lá quan<strong>do</strong><br />

quer que as acções sejam feitas com intenção~"~.<br />

A descrição <strong>da</strong> ordem intencional feita por Anscombe e a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong><br />

à teoria <strong>do</strong> apercebimento-I não permite, é claro, considerar a<br />

acção regi<strong>da</strong> por razões como algo que começa ex nihilo num centro<br />

irradiante. Mesmo admitin<strong>do</strong> em C&C, a linha <strong>do</strong> apercebimento<br />

e falan<strong>do</strong> de coman<strong>do</strong>s eferentes, Dennett af~ma que essa<br />

linha não dá passagem para nenhum centro de controlo pessoal. A<br />

iniciação de activi<strong>da</strong>des pelo cérebro, que determinará o comportamento,<br />

não tem que ser acompanha<strong>da</strong> necessariamente por um<br />

pensar para si próprio <strong>do</strong> agente. Os fenómenos <strong>do</strong> querer intencional<br />

e racional estão liga<strong>do</strong>s portanto por um la<strong>do</strong> a coman<strong>do</strong>s<br />

eferentes que são causas de movimentos próprios voluntários e por<br />

outro -ou melhor, ao tnesmo tempo -a descrições mentalistas <strong>do</strong>s<br />

movimentos próprios voluntários envolven<strong>do</strong> razões. O que faz a<br />

diferenca <strong>da</strong>s acções intencionais é o apercebimento-l <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s coman<strong>do</strong>s. O apercebimento-1 não é a origem <strong>da</strong>s intenções<br />

ou <strong>da</strong> iniciação <strong>do</strong> controlo: accões intencionais são apenas<br />

movimentos sob particulares descricões <strong>do</strong>s quais o agente tem<br />

conhecimento prático e <strong>do</strong>s quais ele esti prepara<strong>do</strong> para <strong>da</strong>r razões.<br />

Em suma, quan<strong>do</strong> se fala de razões para a acção e de razões na<br />

acção trata-se mais propriamente de assunção e integração linguística<br />

- possível através <strong>da</strong> auto-estimulagão e <strong>da</strong> recuperação de<br />

informacão - <strong>do</strong> que de iniciação ex flihlo. O apercebiinento-l não<br />

é a origem <strong>da</strong>s intenções ou <strong>da</strong> iniciação <strong>do</strong> controlo.<br />

O problema é que parece, assim, que o que acontece nas acções<br />

intencionais é que o agente vai "atrás" <strong>do</strong> que já está "decidi<strong>do</strong>",<br />

'r< Cf ANSCOhlBE 1957: 80. hnscombc faz nora1 como seria íibsur<strong>do</strong> coiisiderni quc uma pes-<br />

soa pensa pata si própria, enquanto age, de forma totaimenie cxplicita (no exemplo de Allstóteles)<br />

"Os dimenros sccas conrèm aos seres liumanos/ Bsic alimcnto é seco/ Eu sou um ser burnnno/<br />

Esta i uma poiyHo dersc alimento/ Este nlimcnro conicm-me" (ANSCOAIUE 1957: 58). Pcnanr<br />

assim é fvrer como sc o silogirmo pr6tico fosrc uma dcinonstragio, dndnr as premissss, de uma con-<br />

ciuszo, conclusio cssa quc setia uma acgào. De rcsto, como nota Anscomúc, no excmpio dc<br />

i\ristóteles nem sequer paiece derci seguir-se aiguma aqio de ro<strong>do</strong> o piocenso.<br />

UIIJU Teoria Fisiialista <strong>do</strong> Coniezí<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~iscipirrili<br />

i.e. inicia<strong>do</strong> no seu cérebro ao nível sub-pessoal. Embora Dennett<br />

não considere esta a melhor descgção <strong>da</strong> situação, o que é certo é<br />

que sein volições nem centro de controlo não existe uma distinção<br />

absoluta entre movimentos (descritos como) intencionais e movi-<br />

mentos (descritos como) não intencionais. Aliás Dennett não acei-<br />

ta que o caso elabora<strong>do</strong> por Anscotnbe em Ixter2tion prove que a<br />

noção de acção deve ser divorcia<strong>da</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s causas físicas:<br />

se fosse assim «o meu braço levantar-se-ia e o meu de<strong>do</strong> premiria<br />

o gatilho como parte de um universo determinista mas eu reteria<br />

a livre escolha de esta ser uma acção minha (...) ou meramente algo<br />

que me acontece^)"^. Não existin<strong>do</strong> distinção entre o intencional<br />

e o não intencional <strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> determinação causal, resta<br />

apenas uma distinção de graus de apercebimento. Na prática isso<br />

fará com que a distinção ver<strong>da</strong>deiramente importante para a ética<br />

seja uma distin:ão quanto ao tipo e à sofisticação <strong>do</strong> apercebi-<br />

inento, sofisticação essa relaciona<strong>da</strong> por Dennett com a importân-<br />

cia que a estimulação verbal tem no controlo <strong>do</strong> comportamento<br />

próprio.<br />

A linguagem tem então, pelo menos no caso humano, um papel<br />

central no contxolo fino e sofistica<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento próprio.<br />

Evidentemente, o que se procura controlar verbalmente deve ser<br />

controlá.ire1 (um comportamento como tremer, por exemplo, não<br />

o é). Para decidir perante que caso se está, vale o critério que precisamente<br />

Anscombe propõe em I>lte>ztio~~: alguma coisa fica estabeleci<strong>da</strong><br />

como razão susceptível de contxolar o comportamento se<br />

se pode objectar contra ela. Objectar contra as razões que controlam<br />

o comportamento de uma pessoa é argumentar com ela. Nos<br />

termos de Dennett, argumentar com uma enti<strong>da</strong>de será predsamente<br />

tratá-la como utna pessoa, um agente racional e auto-consciente,<br />

o qual é, por definição, uma enti<strong>da</strong>de que de algum mo<strong>do</strong><br />

é movi<strong>da</strong> a razões. A responsabili<strong>da</strong>de por uma acção é assim,<br />

como as razões para a acção intencional, uma questão de nível pessoal<br />

e não uma questão sub-pessoal relativa a antecedentes causais.<br />

As questões éticas <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e responsabili<strong>da</strong>de na acção estarão<br />

relaciona<strong>da</strong> com a possibili<strong>da</strong>de de controlo <strong>do</strong> comportamento<br />

por meios racionais, pelo próprio ou por outrém. A aplicação<br />

à ética destes pontos de teoria <strong>da</strong> mente será explora<strong>da</strong> no<br />

Capítulo 4.


1.5 A lioguage~z, o ef~tendinlento e o o~i'velpessoal. O qztejca estabeleci<strong>do</strong><br />

ent Content and Consciousness.<br />

Uma vez que o mental tal como é caracteriza<strong>do</strong> em C&C não se<br />

restringe aos humanos, resta neste momento clarificar o estatuto de<br />

um tipo especial de fenómeno, o conhecimento linguísticamente<br />

enuncia<strong>do</strong>, que é, esse sim, restrito a um tipo especial de mentes. E<br />

esse o teor <strong>do</strong> último capitulo de C&C, Lafrgz~age arzd U~iderstatrding.<br />

A TSI tem como princípios que (1) a adscrição interpretativa de<br />

conteú<strong>do</strong> a sistemas físicos é neutra em relação ã linguagem e que<br />

(2) a adscrição interpretativa, linguística, de conteú<strong>do</strong> a sistemas<br />

cognitivos não tem, nem deve pretender ter, precisão. A impossibili<strong>da</strong>de<br />

de individuar conteú<strong>do</strong>s de forma precisa transpõe-se inclusivamente<br />

para o nível <strong>da</strong>s crenças e conhecimentos explicitáveis h-<br />

guisticamente pelo própiio sistema intencional. O conhecimento de<br />

uma pessoa não consiste em (1) uma lista <strong>do</strong>s factos conheci<strong>do</strong>s por<br />

essa pessoa, especifica<strong>do</strong>s com to<strong>da</strong> a precisão, nem em (2) crenças<br />

necessariamente ver<strong>da</strong>deiras, explicitamente justifica<strong>da</strong>s por essa<br />

pessoa para si própria. Aliás, <strong>da</strong><strong>do</strong> o que foi dito anteriormente, é<br />

claro que uma pessoa não tem acesso introspectivo i diferença entre<br />

"crença" e "conhecimento" (considera<strong>do</strong> como crença ver<strong>da</strong>deira<br />

jusáfica<strong>da</strong>). Quan<strong>do</strong> alguém akma taxativamente que conhece algo<br />

que é (a parúr de fora e reconheci<strong>da</strong>mente) falso, isso não poderia<br />

dever-se a uma má identificação <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> interior, que é impossível.<br />

É neste ponto que se revela a diferença de interesses entre o<br />

Glósofo <strong>da</strong> psicologia e o epistemólogo. O centso <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong><br />

epistemólogo são as crenças ver<strong>da</strong>deiras justifica<strong>da</strong>s <strong>da</strong> melhor<br />

maneira possível (na comuni<strong>da</strong>de de investigação e na espécie em<br />

geral e ao longo <strong>do</strong> tempo, poder-se-ia dizer). Pelo contrário para o<br />

psicólogo e o filosófo <strong>da</strong> psicologia, é óbwio que "ser toma<strong>do</strong> por<br />

ver<strong>da</strong>deiro" não significa, ao nível <strong>da</strong>s crenças de animais ou de indivíduos<br />

humanos, "não ser sustenta<strong>do</strong> senão após justificacão explícita<br />

ou testes rigorosos". De facto, num indivíduo, qualquer crença<br />

pode constitwr-se em razão para a acção, não apenas as "crenças<br />

ver<strong>da</strong>deiras". Estabeleci<strong>da</strong> a diferenqa, e excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> âmbito <strong>da</strong> filosofia<br />

<strong>da</strong>.psicologia o estu<strong>do</strong> normativo <strong>da</strong>s crenças, o problema para<br />

o filósofo <strong>da</strong> psicologia consistirá em saber se num indivíduo a<br />

informação armazena<strong>da</strong> e a sua uàlização inteligente pode ou não<br />

ser objecto de uma caracterização precisa. Para Dennett, o conhecimento<br />

distingue-se <strong>do</strong> mero armazenamento de informação na me-<br />

Uma Teoria FisicaLsta <strong>do</strong> Co~i/eiic/o e <strong>da</strong> Co~isciê~~cia<br />

di<strong>da</strong> em que envolve entendimento, i.e. capaci<strong>da</strong>de de ut&ação inteligente<br />

<strong>da</strong> informação para controlar e guiar a acção. Este entendimento<br />

é na terminologia ryleana mais um know ho~v <strong>do</strong> que um<br />

k110w that, envolve seres activos no mun<strong>do</strong>, com capaci<strong>da</strong>des comportamentais<br />

para além <strong>do</strong> facto de serem depósitos de informação.<br />

O entendimento assim caracteriza<strong>do</strong> estaria, segun<strong>do</strong> Dennett, de<br />

momento ausente em máquinas. Um teste <strong>da</strong> posse de entendimento<br />

por um sistema não pode, assim, visar apenas informação armazena<strong>da</strong>.<br />

Deve visar ain<strong>da</strong> aquilo que "cerca" essa informação e aqw-<br />

10 que cerca o sistema. Saber o que está envolvi<strong>do</strong> no entendimento<br />

para além de recuperação de informação, saber se o entendimento<br />

é discretizável exaustivamente em parcelas, se admite ou não<br />

graus, é parte <strong>da</strong> tarefa de to<strong>do</strong>s os teóricos <strong>da</strong> cognição.<br />

Dennett avança algumas propostas de análise nessa linhas,<br />

nomea<strong>da</strong>mente: (1) não pode haver um sistema que tenha apenas o<br />

entendimento isola<strong>do</strong> de um facto, tal como 'yones está aqui". Um<br />

facto que não pode ser usa<strong>do</strong> não pode ser compreendi<strong>do</strong>. Crenças<br />

são algo que não pode existir singularmente, isola<strong>da</strong>mente. Mas se,<br />

por exemplo no caso humano, não pode existir uma pessoa que<br />

enten<strong>da</strong> apenas uma frase, não é também possível mascar o limite<br />

exacto entre o esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> pessoa que não sabe alemão e que foi<br />

coloca<strong>da</strong> numa esquina a responder "Der Banhof ist iinks um die<br />

Ecke" quan<strong>do</strong> ouve "Wo ist der Banhof? e a pessoa que sabe alemão.<br />

Se grande parte <strong>do</strong> conhecimento de uma pessoa é habili<strong>da</strong>de,<br />

kfzow how, é no entanto impossível estabelecer a priori limites<br />

quanto â informação que tem necessariamente que estar envolvi<strong>da</strong><br />

na compreensão de uma simples frase em língua natural. O entendimento<br />

de informação particular depende <strong>do</strong> que o sistema pode<br />

fazer com esta, o que por sua vez depende de outra informação de<br />

que o sistema dispõe. De qualquer mo<strong>do</strong>, a conclusão geral é que a<br />

informação não é contabilizável de forma discreta. Não é também<br />

possível considerar a informação como uma quanti<strong>da</strong>de abstracta<br />

em relação directa com esta<strong>do</strong>s de coisas no mun<strong>do</strong>, pois esse posicionamento<br />

esquece o media<strong>do</strong>r, o entende<strong>do</strong>r, assim como a sua<br />

limitacão (esta<strong>do</strong>s de coisas são capta<strong>do</strong>s, capta<strong>do</strong>s como importantes,<br />

relevantes, salientes, para particulares entende<strong>do</strong>res que são<br />

entende<strong>do</strong>res de um <strong>da</strong><strong>do</strong> tipo). Alguma coisa só constitui informação,<br />

quan<strong>do</strong> temj~71çães de ordenação num contexto, e esse contexto<br />

é determina<strong>do</strong>, num sistema intencional, pelo seu comportamento.<br />

Mesmo na teoria <strong>da</strong> informação, quan<strong>do</strong> se mede a quanti-


<strong>da</strong>de de informação, esta é determina<strong>da</strong> pela diminuição <strong>do</strong> grau de<br />

incerteza no receptor. Sobretu<strong>do</strong>, previsivelmente na TSI, se há<br />

informação num sistema A, que procura transmiti-la a B, de mo<strong>do</strong><br />

a fazê-lo armazenar a informação, não se pode <strong>da</strong>í concluir a exis-<br />

tência de veículos de informação com um conteú<strong>do</strong> idêntico - um<br />

particular fragmento de informação - em A e em B, e passan<strong>do</strong><br />

de A para B, nomea<strong>da</strong>mente porque o que exactamente é transmi-<br />

ti<strong>do</strong> depende <strong>do</strong> contexto em que é recebi<strong>do</strong>.<br />

To<strong>da</strong>s estas considerações se combinam com a ideia central <strong>da</strong><br />

TSI, segun<strong>do</strong> a qual o conteú<strong>do</strong> é função <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de contro-<br />

lar activi<strong>da</strong>de eferente. Dennett conclui que «o facto de que a capa-<br />

ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> iinguagem de ser porta<strong>do</strong>ra de informação depende <strong>do</strong>s<br />

efeitos <strong>da</strong> linguagem numa pessoa, no que eu chamei um sistema<br />

intencional, é o mesmo facto, ao nível pessoal, que o facto, ao nível<br />

sub-pessoal, de o centralista não ser capaz de adscrever conteú<strong>do</strong><br />

preciso aos eventos e esta<strong>do</strong>s de um tal sistema»"5. Não pode haver<br />

precisão e individuacão na adscrição de conteú<strong>do</strong> a sistemas devi-<br />

<strong>do</strong> ao holismo <strong>da</strong> adscrição e ao carácter teleológico <strong>do</strong>s sistemas<br />

aos quais é atiibuí<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, o qual se traduz no facto de estes<br />

usarem informação para fins, sen<strong>do</strong> a "identi<strong>da</strong>de" desta determi-<br />

na<strong>da</strong> em função desse uso.<br />

É com estas observações sintomáticas <strong>do</strong> interpretativismo fun-<br />

<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> teoria que Dennett termina C&C. Como se verá, o<br />

interpretativismo é a razão pela qual Dennett não apenas não acei-<br />

ta a teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, como também não aceita o funcionalismo<br />

puro, que identifica esta<strong>do</strong>s mentais com esta<strong>do</strong>s lógicos ou iiin-<br />

cionais salientes e individuáveis. Esse realismo intencional será a<br />

opção de J. Fo<strong>do</strong>r, na linha directa de H. Putnam. A TSI é de Den-<br />

nett é pelo contrário, em relação ao funcionalismo simbólico orto-<br />

<strong>do</strong>xo proposto programaticamente por Putnam e desenvolvi<strong>do</strong> por<br />

Fo<strong>do</strong>r, um fimcionalismo enfraqueci<strong>do</strong>. No próximo capíh<strong>do</strong> far-<br />

se-á uma análise comparativa <strong>da</strong>s duas grandes alternativas quanto<br />

à natureza <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de que são o interpretativismo e o rea-<br />

lisino intencional, exponencia<strong>do</strong> pela obra de Jerry Fo<strong>do</strong>r, de mo<strong>do</strong><br />

a avaliar a sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente proposta por<br />

Dennett. Esta, como se viu, consiste num centralismo que aparen-<br />

temente é anti-behaviorista mas que de facto se mantém behavio-<br />

rista em duas frentes: numa frente interna (cerebral) e numa frente<br />

Uma Teoria FiiicaL~ta <strong>do</strong> Conte~í<strong>do</strong> i <strong>da</strong> Co!isriê~!ria<br />

fenomenológica (entenden<strong>do</strong> por fenomenologia descrições como<br />

as de Ryle e Wittgenstein).<br />

J. Fo<strong>do</strong>r ahrma frequentemente que um behaviorista lógico não<br />

pode oferecer uma teoria <strong>do</strong>s processos <strong>da</strong> inteligência: é de supor<br />

que a teoria "relacional" <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de proposta por Dennett sofra<br />

de idêntica deficiência. Por seu la<strong>do</strong> T.Nage1, perante a teoria <strong>da</strong><br />

mente apresenta<strong>da</strong> em C&C, afirmou que este livro mostra que «É<br />

possível dizer muita coisa ver<strong>da</strong>de& sobre a mente e a sua relação<br />

com o corpo, ao mesmo tempo que se deixa o problema mentecorpo<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente into~a<strong>do</strong>»"~. Saben<strong>do</strong> que para Nagel é a<br />

consciência fenomenal que torna o problema mente-corpo ver<strong>da</strong>deiramente<br />

importante, (&tratável e interessante)>"' é compreensível<br />

que a teoria <strong>da</strong> mente apresenta<strong>da</strong> em C&C lhe pareça insatisfatória:<br />

nenhuma <strong>da</strong>s duas noções em que a teoria <strong>da</strong> mente culmina, o apercebimento-l<br />

e o apercebimento-2 é uma noção fenomenal. Nagel<br />

comentará aliás, numa futura recensão ao livro maior de Dennett<br />

sobre a consciência, Conscioz~st~ess Explained que «é notável como a<br />

visão de Dennett mu<strong>do</strong>u pouco», continuan<strong>do</strong> os seus livros a apresentar<br />

teorias empiiicamente ricas e estimulantes sobre a mente mas<br />

que deixam o problema mente-corpo intoca<strong>do</strong>. Nagel prevê então<br />

que «o desacor<strong>do</strong> entre nós acabará no túmulo, se acabar a&>.'"<br />

"NAGBL I995Li: 85.<br />

" Cf. NAGEL [1974]: 165, pon a célebre nbcrmia <strong>da</strong> othgo If'iialirii likc 10 Úc n Úot? (NAGBL<br />

1974) ,<br />

'~WAGBL 1995b: 87. De facto, como nota Ilorr). (RORTI' 1993:188) «Nngel nnd Dcnnçtt bcg<br />

aU tlic qucshons ageinsr encli othcn). Dc resto, a disputa C cin si própria esclarcce<strong>do</strong>n, uma vez que<br />

gira cm torno <strong>da</strong> nosno de "iiiczinscco" na leoria <strong>da</strong> mente. Para Dennett n6o cxisre "intnnsecaincnte"<br />

mentsii<strong>da</strong>de @.c. to<strong>da</strong> a mennlidndc é iclaciond) enquanto quc pata Nagci o mental "é intrúisccamentc"<br />

(conscicnrc).


Segun<strong>da</strong> Parte: O Modelo


Aposteri<strong>da</strong>de <strong>do</strong>jinionaho de Putnam: dzjêren<strong>do</strong>s acer-<br />

ca <strong>da</strong> natirexa <strong>da</strong> psicologia.<br />

~Tliese properties -- cali them stance properties - cxist only by grace of<br />

our talhg about them. Shades oE Berkeley! In the intenbonai stance we play<br />

God to objects in the quad!», Fred Dretske""<br />

2.1 Dos anos 70 aos arzos 90: A teoria teleológicu <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, as<br />

suas i@Lcações e os seus apositores - Brainstorms (1978), She Inten-<br />

tional Stance (1987), Brainchildren (1998).<br />

De acor<strong>do</strong> com a ordenacão defendi<strong>da</strong> pelo próprio Dennett<br />

tratar-se-á neste capítulo <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> desenvolvi<strong>da</strong> ao<br />

longo <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>s deixan<strong>do</strong> para o próximo capítulo a teo-<br />

iia <strong>da</strong> consciência. Assume-se portanto a independência <strong>da</strong> primei-<br />

ra relativamente à segun<strong>da</strong>.<br />

2.1 .I Linhas de af~ikse <strong>da</strong> teona <strong>do</strong> coi~tezí<strong>do</strong>: ajr7n~~l'ação <strong>da</strong> Teoria <strong>do</strong>s<br />

Sistemas Iiztencionais (rSr), a qosição à TSI, ecspecialn~efzte <strong>da</strong> Teoria<br />

Representacional <strong>da</strong> Mente (TIW), osprinn3ios behauioristas <strong>da</strong> TSI, a SULI<br />

ligação ao evoli~cio~risnzo e a zwia teona geral <strong>do</strong> des&f~.<br />

Procurar-se-á esclarecer a particular teona <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> defen-<br />

di<strong>da</strong> por Dennett a partix de três linhas de análise: (1) as formula-<br />

ções sucessivas <strong>da</strong> Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais (SSI), (2) a


oposição à TSI, exemplifica<strong>da</strong> especialmente pela Teoria Representacional<br />

<strong>da</strong> Mente (Tw de Jerry Fo<strong>do</strong>r e (3) a enunciação <strong>do</strong>s<br />

princípios behavioristas <strong>da</strong> TSI, intimamente liga<strong>do</strong>s com o evolucionismo<br />

biológico.<br />

Relativamente à piimeira linha de análise, ao longo <strong>da</strong> sua obra<br />

Dennett especifica pontos particulares sem alterar a posição básica<br />

apresenta<strong>da</strong> em C&C, de acor<strong>do</strong> com a qual o conteú<strong>do</strong> é uma atribuição<br />

interpretativa global a sistemas físicos que manifestam comportamento<br />

a<strong>da</strong>pta<strong>do</strong> ao ambiente. Dos anos 70 aos anos 90 três<br />

artigos constituem, sucessivamente, a referência canónica <strong>da</strong> teoria:<br />

Intentiomd Sjstenzs (1 971'84, Trxe Believers (1981)18' e Real Patterns<br />

(1991))"'. Os três artigos coristituein o núcleo <strong>da</strong> exposição <strong>da</strong> TSI<br />

neste capítulo.<br />

A segun<strong>da</strong> linha de análise <strong>da</strong> teoria dennetiana <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> - o<br />

contraste com a TRM proposta por Jerry Fod~r'~~ - pode parecer<br />

relativamente arbitrária. Porquê escolher Jerry Fo<strong>do</strong>r, de entre to<strong>do</strong>s<br />

os hlósofos <strong>da</strong> mente contemporâneos, como aquele perante quem<br />

qualquer posição relativa a inten<strong>do</strong>nali<strong>da</strong>de se estabelece? E no entanto<br />

o próprio Dennett quem considera que compreender os atractivos<br />

<strong>da</strong> posição de Fo<strong>do</strong>r quanto à intencionali<strong>da</strong>de e quanto às<br />

explicações psicológicas constitui uma espécie de iniciação1*? A posição<br />

de Fo<strong>do</strong>r será aqui considera<strong>da</strong> a posição cognitivista exemplar<br />

e, de resto, a oposição implícita ou explícita a Fo<strong>do</strong>r e à TRbI encontra-se<br />

em praticamente to<strong>do</strong>s os escritos de Dennett sobre teoria <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong>. Em Bruinstor/zs, o artigo A C m For The Common CUB%'~~ visa<br />

essencialmente a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento, enquanto<br />

no artigo Brain Wntig andMind Reudinp se defende que não é razoá-<br />

'W Inicinlmciirc publica<strong>do</strong> no]oioria/$ Phifmplg, LX\'III, 4, 1971, o artigo IiiIciilro,i~~/S,.ilc~~i~vem<br />

n inscrlr-ac ciii Bmn>rior,i,r (1978).<br />

"' O artigo T>r,a Bc/ie~,e~~rcm a sei inclui<strong>do</strong> cm 771, I~~ieiitioiiofSilililili (1987). ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> originalmenre<br />

uma confcrênci~ em Osford (1979) c cten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> em Fleídi (cd), Sn'e~!f$íi<br />

Exp/a,ieiii>i, 1981. Tomo, com alguma arbimriedsde, n <strong>da</strong>m dcsra publicaçio como referEncia.<br />

'"A tcifo vem n apnrcccr un Brliiiiriiid?cit (1998), inss foi originnlmcnrc pubUw<strong>do</strong> no]aid, cdira<strong>do</strong> por Uarry LO\VEII e Gcorges REY em 1991.<br />

'"' DENNBIT 1987: 130.<br />

"" DENNEIT 1978f O artigo foi inicialmcnrc uma recensão n FOD011 1975.<br />

'" DBNNfiTT 1978~.<br />

Uii~a Teoiia Fisica/ista <strong>do</strong> Co~ite~i<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corrsciêrcia<br />

vel esperar que alguma coisa que se vá encontrar dentro <strong>da</strong> cabeça (as<br />

representações mentais de Fo<strong>do</strong>r) torne preciso aquilo que Quine<br />

deixou indeteirmina<strong>do</strong> (o significa<strong>do</strong>, o mental). Também F~ie Believers18',<br />

o texto canónico de exposição <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> nos<br />

anos 80, termina com a avaliacão (e afastamento) <strong>da</strong> Hipótese <strong>da</strong><br />

Linguagem <strong>do</strong> Pensamento. Em ReaL Pattern~'~> a posiçâo de Fo<strong>do</strong>r,<br />

aí chama<strong>da</strong> um realismo intencional fortissimo, é aponta<strong>da</strong> como o<br />

extremo <strong>da</strong> escala na discussão <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de entre teóricos<br />

que paralham a mesma evidência empírica e que aceitam o naturalismo.<br />

No extremo oposto <strong>da</strong> escala encontra-se, naturalmente, o materialismo<br />

eliminativo de Paul Chur~hland'~'. A TSI sitna-se portanto<br />

entre ambos. Também em The I?ztettn'oitalStance, a obra que Dennett<br />

dedica, na sua totali<strong>da</strong>de, à teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, a hipótese extrema de<br />

Fo<strong>do</strong>r estará sempre em cau~a"~.<br />

Relativamente à terceira linha de análise, imputar princípios<br />

behavioristas à TSI pode parecer estranho, já que a filosofia de<br />

Dennett nasce <strong>da</strong> revolução cognitiva. Dennett crê no entanto que<br />

a vitória <strong>do</strong> cognitivismo sobre o behaviorismo é em muitos aspectos<br />

ilusória. A crítica cognitivista foi essencial para libertar linguagens<br />

e procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos de constragimentos artifi-<br />

"' DENNETT 1987s<br />

'* DENNBTT 1998d.<br />

'" Cf CI-IURCI-ILAND 1981, Elirii~iitiia niIiI~nn/i$,,, ,ind lhe Proporilio,,~rl Atiiiidei, Paul<br />

Churclilnnd c Illuicin Churchland (cf Pnrricin CI-IURCHLAND 1986) são os mais conlieci<strong>do</strong>s<br />

defensores <strong>do</strong> materialismo ciim"ativo. O mstciialismo climinativo é i Iiipótcrc scgim<strong>do</strong> a qual as<br />

enri<strong>da</strong>des posnilr<strong>da</strong>s pela fo/kpgihofoi,olog ou ppsicologis <strong>do</strong> senso comum (as crensns, descjos, ctc) seno<br />

climina<strong>da</strong>a <strong>da</strong>s enplica~ões psicológicas e não "reduzi<strong>da</strong>s", nomen<strong>da</strong>menre reduzi<strong>da</strong>s s enti<strong>da</strong>des<br />

ridiniti<strong>da</strong>s nas rcorins iieurofisiológicas. Na prática isto significa que uma psicologia cienáfica seri<br />

neurociência e quc nào scrá possivcl identificar corrclqõc~ cnuc crm<strong>do</strong>s mentais ç csta<strong>da</strong>s ncuronais.<br />

O mrrerialisrno eiim"iuvo é a rszào dn srlvaguardn admiti<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> se afwins quc crcnsas c<br />

dcscjai são q~~a~eg~~iirabfo<strong>do</strong>,,,t,,/e evow<strong>do</strong>s par* explicar o comporramenro dr agcnres uircligcores:<br />

de facro, o mntcrialista eliinarivo não evoca crensas e desejos para enpiiwr cal comportamento. 6<br />

necessário sublinlinr quc o marcrialisino clúnúiotivo C uma posisão acerca dn exp/ici@ cm psicologia<br />

(uma posisão uirernaiisra, i.c. umn pusisão qiic defende que nas cxpiicrgões psicolágicas apenas dcvc<br />

sci utüira<strong>da</strong> informasão acerca <strong>do</strong> indiriduo e não informas" orcelc <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>) e não uinn posição<br />

acerca <strong>do</strong> contcú<strong>do</strong> dc esta<strong>do</strong>s mentais. A 'I'&\[ de Fo<strong>do</strong>r é aliás também eia uma posisào internalisra.<br />

No entanto a tcorirasão dc Fo<strong>do</strong>r não sc rcstringc i cxplica~ão psicológigicn, nlnrgen<strong>do</strong>-sc no<br />

conteú<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentsis, como se \,erj nr segun<strong>da</strong> psrte <strong>do</strong> piesenic capirulo.<br />

'" Nomea<strong>da</strong>menre em nragos como Thrtc Kiiids o/ Iiile!!lioiinl Pgthofos). (DENNETT 1987h),<br />

li,r,ki, Seme o/ O,tr~eh/i.u (DENNEiT 1987i), Bgoiid He/i( (DBNNI3iT 1987j), Stt/e, o/ A4e,i/n/<br />

Ropr~~~i~izztioo~ (DENNETT 1987"). Ncstes aitigos, como i frcnrc sc crplicita, Dcnncrt procura<br />

enqundcir no Imbiro <strong>da</strong> TSI n resposta n questões como as dn reln~ão enue a psicologia <strong>do</strong> scnso<br />

comum Vo/kpg<strong>do</strong>B,] c s psicologin científica, <strong>da</strong> mcionsli<strong>da</strong>de e <strong>do</strong> contmsrc entre iepiesenmç6er<br />

esplicitns e implíciiss. A TSI opòe-sc i TI'& ~iclsti~~amcntc ri to<strong>da</strong>s cstas qucstõcs.


Soja A4ig11eiis<br />

ciais, mas o behavorismo tem forças insuspeita<strong>da</strong>s. Antes de mais,<br />

os princípios behavioristas são perfeitamente sãos, apenas foram<br />

mal compreendi<strong>do</strong>s e perniciosamente difundi<strong>do</strong>s por alguns behavioristas<br />

e particularmente por B.ESkinner'". Unl <strong>do</strong>s propósitos<br />

<strong>da</strong> TSI é <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de às boas intuições behavioristas - que não<br />

são senão os princípios <strong>do</strong> evolucionismo biológico aplica<strong>do</strong>s à<br />

cognição - afastan<strong>do</strong> as simplificações abusivas <strong>do</strong> behaviorismo<br />

skinneriano. O princípio behaviorista segun<strong>do</strong> o qual acções segui<strong>da</strong>s<br />

de recompensa se repetirão enquanto outras, não recompensa<strong>da</strong>s,<br />

desaparecerão - a "lei <strong>do</strong> efeito", na terminologia de E.<br />

Thorndike, o "Princípio <strong>do</strong> Condicionamento Operante" na terrninologia<br />

de B.ESkinner, ou a "Lei <strong>do</strong> Reforço Primário" na terminologia<br />

de C. Hull'" - é uma forma <strong>do</strong> princípio biológico segun<strong>do</strong><br />

o qual os,mais aptos se propagarão, enquanto os não aptos se<br />

extinguirão. E certo que as populações de organismos são substituí<strong>da</strong>s,<br />

na teoria <strong>da</strong> cognição, por "populações" de conexões em sistemas<br />

de controlo de enti<strong>da</strong>des físicas inteligentes. No entanto, em<br />

ambos os casos se trata de evolução por selecção natural a partir de<br />

um processo de geração e teste, a única via para a explicação sem<br />

petição de princípio de conformações teleológicas, sejam elas organismos,<br />

comportamentos ou estruturas cognitivds.<br />

Em Braiv~stoms, os artigos Wly the Law of Effect Won 't Disapear e<br />

Skit~ner Skirzne8" encarregam-se <strong>do</strong> reajustamento <strong>do</strong> behaviorismo<br />

e de mostrar que o erro central de B. E Skinner na sua meta-teoria<br />

<strong>do</strong> comportamento foi o facto de se ter íludi<strong>do</strong> quanto ao âmbito<br />

de aplicação <strong>do</strong> seu próprio méto<strong>do</strong>, ao tomar o organismo como<br />

ponto de referência. A solução para esta situação encontra-se no<br />

próprio Skumei, numa afirmação de cuja importância este, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, não se apercebe, a afirmação segun<strong>do</strong> a qual («a pele<br />

não é uma fronteira assim tão importante))'": De facto, os princípios<br />

behavioristas aplicam-se igualmente ao comportamento interior<br />

de um sistema físico. Em Danvin's Darzgerozís Idea @DI)19j<br />

'01 Cf pair exemplos dcrse beh;ixDENNBTi 1978c e DENNKIT 1978d.<br />

" SKINNEIt 1974, Beheiili~iorim ~,,li/g, cita<strong>do</strong> em DENNETi 1978:78.<br />

'" DENNiTl' 1B5.<br />

Uma Teoria liisiralista cio Coirteri<strong>do</strong> e rin Corr~ciê~rcia<br />

Dennett virá a abor<strong>da</strong>r extensamente os problemas levanta<strong>do</strong>s pela<br />

relação entre cognicão e evolução. O princípio geral a que a reavaliação<br />

<strong>do</strong> behaviorismo conduz está, no entanto, há muito definitivamente<br />

instaura<strong>do</strong>: sob a teoria interpretativa <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, "fwi<strong>da</strong>mentan<strong>do</strong>-a"<br />

a partir <strong>do</strong> interior <strong>do</strong>s sistemas cogmtivos, encontra-se<br />

uma teoria evolucionista <strong>do</strong> des&t~.<br />

Ain<strong>da</strong> relativamente à terceira linha de análise, se, como se verá,<br />

o realismo intencional exponencia<strong>do</strong> por J. Fo<strong>do</strong>r é um <strong>do</strong>s adversários<br />

maiores <strong>da</strong> TSI, o outro adversário maior é a ideia de intencionali<strong>da</strong>de<br />

intrín~eca"~. Ora, é em grande parte devi<strong>do</strong> aos seus<br />

princípios evolucionistas e behavioristas que a TSI se oporá por<br />

princípio à distinção entre intencionali<strong>da</strong>de original ou intrínseca<br />

de sistemas e intencionali<strong>da</strong>de meramente atribuí<strong>da</strong>. Esta distinção<br />

é fulcral na discussão <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de: a aceitação ou não aceitação<br />

<strong>da</strong> nocão de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca divide claramente as<br />

posições em fuosofia <strong>da</strong> mente, e uma <strong>da</strong>s razões para tal é o facto<br />

de a ligação <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de intrínseca com a consciência impedir<br />

a independência <strong>da</strong> questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> relativamente à questão<br />

<strong>da</strong> cons~iência'~'. No entanto, nem to<strong>do</strong>s os defensores <strong>da</strong><br />

intencionali<strong>da</strong>de intrínseca consideram as questões <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e<br />

<strong>da</strong> consciência inseparáveis: por exemplo Fo<strong>do</strong>r e Dretslte não as<br />

consideram inseparáveis e no entanto defendem que existe uma<br />

diferença importante entre intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e intencionali<strong>da</strong>de<br />

meramente atribuí<strong>da</strong>. Na medi<strong>da</strong> em que a ideia de intencionali<strong>da</strong>de<br />

intrínseca interfere com a continui<strong>da</strong>de entre princípios<br />

evolucionistas aplica<strong>do</strong>s a organismos e princípios behavioristas<br />

aplica<strong>do</strong>s à cognicão, a questão <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de intruiseca será<br />

inseri<strong>da</strong> na terceira linha de análise. As três linhas de análise <strong>da</strong> TSI<br />

aponta<strong>da</strong>s serão a partir de agora explora<strong>da</strong>s de forma entrecruza<strong>da</strong>,<br />

sen<strong>do</strong> evidentemente aponta<strong>da</strong>s de forma explícita.<br />

'"A disrinçllo entrc intencionali<strong>da</strong>de gcnuha c irtcncion9<strong>da</strong>dc atciliuidn é nn;iiisn<strong>da</strong> em FIAUGR~<br />

LAND 1981 e ilii tomar-se muiro imporcante poi exemplo nas discuss6es dn experiência mcntal <strong>do</strong><br />

Quarto Chirts dc J. Sede (SEARLI? 1980). A erpcnència mcntal <strong>do</strong> Q~ivio Chinês, aprescnmds no cé-<br />

Iclirc mtigo de J. Senrlc, i\Iiiih Broi~u niin'P~ngr~,~,i é uma <strong>da</strong>s ptincipais apologias <strong>da</strong> intcncionaiidsde iruinscca<br />

nn lirei~nua <strong>da</strong> 6ioiofir dr mcntc e Dennctt dedicn-lhe ainos omenpiúios Em TheI,,/c,~rio,,~,/<br />

Siii~m, é no ;irrigo Fa?fThii>ikq (DENNETr 19871) que sâo resumi<strong>da</strong>s ns criricas no aiymenro dc Sesrle.<br />

Dcnnetr cansidcm no enmnto que os rruqucs qiic fxrem o mgumenio funcionar recim si<strong>do</strong> jP nnrcrioi<br />

incntc cxposros por si c por D. Flofstadtcr O prolilcma é que unbon Denneri pcnsc que uma rehitr-<br />

Mo definirim foi hri miiiro aprescnt~<strong>da</strong>, a expipc~ienci? <strong>do</strong> Quarto Cliinis "no d


Soja 114&uerzs<br />

2.1.1.1 Jery Fo<strong>do</strong>r, a Teoria Represetzta&o~~aL <strong>da</strong> Mente e a Hipótese <strong>da</strong><br />

Li?"gzzageeill <strong>do</strong> Peí1sa7nento.<br />

Na medi<strong>da</strong> em que a TSI se define por oposicão ao realismo<br />

intencional defendi<strong>do</strong> por Jerry Fo<strong>do</strong>r, começar-se-á por caractenzar<br />

este último. A primeira <strong>da</strong>s muitas virtudes de Fo<strong>do</strong>r, discípulo<br />

de H. Pumam, colega e interlocutor de N. Chomslry no MIT nos<br />

anos 60, em plena revolução ~ognitiva'~~, e detentor, como Dennett<br />

sublinha, de credenciais únicas para se lançar numa empresa como<br />

a filosofia <strong>da</strong> ciência cognitiva'", é pôr a nu o cerne <strong>do</strong> problema<br />

filosófico <strong>da</strong> ciência cognitiva. Em 1975 Fo<strong>do</strong>r publica um livro,<br />

The Langz~age oj Thozght, onde afirma aquilo que ninguém ousara explicitar,<br />

mais especificamente que os muitos e bem sucedi<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s<br />

empíricos <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong> cognição, que consideram os processos<br />

mentais como computacionais, pressupõem um certo tipo<br />

de realismo - um realismo intencional - bem como a possibili<strong>da</strong>de<br />

metafísica de leis intencionais. Qualquer teórico <strong>da</strong> cognição que<br />

admita explicações psicológicas computacionais, deve assim admitit<br />

um ~ileditt~iz <strong>da</strong>s computacões, um sistema interno de representações<br />

simbólicas, i.e. uma "linguagem <strong>do</strong> pensamento". Como Fo<strong>do</strong>r<br />

Wá a dizer posteriormente, com a sua habitual frontali<strong>da</strong>de,<br />

pode parecer «cru, ofensivo e não biológico» supor, para explicar a<br />

intencionali<strong>da</strong>de e a racionali<strong>da</strong>de, que as pessoas «têm frases na<br />

~abecrn~~~. São no entanto teorias cognitivas já aceites que obrigam<br />

a essa suposição. Para Dennett a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento<br />

é uma (hipótese de engenharia, convincente mas cheia de<br />

problemas, segun<strong>do</strong> a qual to<strong>do</strong>s os sistemas intencionais sofistica<strong>do</strong>s<br />

devem partilhar pelo menos um traco de design: têm que ter um<br />

sistema interno ou linguagem de representação mental»20'. A disputa<br />

entre Dennett e Fo<strong>do</strong>r é uma disputa acerca <strong>do</strong> estatuto <strong>da</strong> explicação<br />

psicológica e <strong>do</strong>s objectos <strong>da</strong> psicologia científica. De acor<strong>do</strong><br />

com Dennett, a psicologia científica não tem o estatuto que<br />

Fo<strong>do</strong>r pretende atribuir-lhe.<br />

'"To<strong>do</strong>r permsneceu no MIT ar6 1986. Foi um <strong>do</strong>s ptimciros divulga<strong>do</strong>rcs <strong>da</strong>s ideias dc Cliomsk):<br />

pon<strong>do</strong> cm relevo a sua imporr5ncW filosófica. I'cz também ;ú Mvesrigaçio em psicolinguistica.<br />

'" DBNNIIIT 1978: 91. Dcnnctr considera aURs IiODOR 1968, P~jrhl@i~ziEExplarinlion, «um<br />

<strong>do</strong>s tesros dcfmi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> funcionalismo» (DENETr 1987: 345).<br />

Po<strong>do</strong>r 199k, Fe<strong>da</strong>ri G/,?dz ~o~~ir,i/rliL.p~~e~~:o:jo~~~, foi puùlia<strong>do</strong> nn rçvisra ~Cliiiidcm 1985, c C<br />

iproxVna<strong>da</strong>menre cantemporxinco de um tenro dc Denneo com ums inrençZo análoga, Aili Ter,,,<br />

Ex,,r~,i~~cilio!~: mm,bare and mi~liiil (DENNEIT 19870.<br />

"' DENNETT 1978: rri.<br />

Umu Teoria i?~ica/r~Iu <strong>do</strong> Con/e/í<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coirs~iêri~io<br />

Quan<strong>do</strong> Fo<strong>do</strong>r inicia a sua cruza<strong>da</strong> em defesa <strong>do</strong> realismo inten-<br />

cional, o behaviorismo aparecia - pelo menos na psicologia e filo-<br />

sofia <strong>da</strong> psicologia americanas - cotno uma posição quase incontes-<br />

ta<strong>da</strong>, e como alia<strong>do</strong> natural <strong>do</strong> ponto de vista empinsta e naturalis-<br />

ta em epistemologia. Por isso,


de esta<strong>do</strong>s mentais reais e dentro <strong>da</strong> cabeça é quase herética, Ryle e<br />

Wittgenstein, serão alvo <strong>do</strong> seu ataque"'. Tal ataque deve-se à confessa<strong>da</strong><br />

perturbacão de Fo<strong>do</strong>r perante a total ausência de uma teoria<br />

<strong>do</strong> pensamento no behaviorismo lógico: de acor<strong>do</strong> com Fo<strong>do</strong>r,<br />

nenhum behaviorista lógico alguma vez apresentou (ou poderá<br />

apresentar) qualquer proposta relativa à natureza <strong>do</strong>s processos mentais<br />

nem quanto ao que poderia c~71i~arsequências de esta<strong>do</strong>s mentais.<br />

Ao contrário, a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento fun<strong>da</strong>menta<br />

precisamente uma teoria <strong>do</strong>s processos mentais, e, desmentin<strong>do</strong><br />

uma interpretação mais imediata, fá-lo sem comprometer os<br />

seus defensores com a ideia de que o pensamento num indivíduo<br />

humano se realiza numa língua natural particular ou com a ideia de<br />

que a fenomenologia humana é proposicional. Aliás, a Teoria<br />

Representacional <strong>da</strong> Mente (TIOM), associa<strong>da</strong> à Hipótese <strong>da</strong> Linguagem<br />

<strong>do</strong> Pensamento, não é sequer imediatamente uma teoiia <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> ou significa<strong>do</strong> (izearli,rg). Esse é outro (grande) problema<br />

para Fo<strong>do</strong>r. A TRM é uma teoria sintática <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des<br />

representacionais. A afirmação elementar <strong>da</strong> TRM de Fo<strong>do</strong>r é<br />

portanto (e vale a pena enunciá-la na sua formulacão original): «No<br />

reirese?ztatio7ts, no con@z[tations. No coinpz/tatio~is, no mode6)Zo5.<br />

Qualquer modelo cognitivista é essencialmente urna teoria <strong>da</strong> natureza<br />

de esta<strong>do</strong>s e processos mentais em sistemas físicos, que inter-<br />

z" E de bcto o ùdiasiorismo lógico por um la<strong>do</strong> (i.c. Wittgcnstcii e Rylc) e o reducionismo ùiológico<br />

por outro são os niiios assumi<strong>do</strong>s cm FODOR 1975 (cf. 11,1rodi,tIiorr Tms I("idr oi Redroiiioiiir,~~~,<br />

LosiiiliiBcii.. O artigo de Fo<strong>do</strong>r é uma resposta<br />

a PUTNAhI 1975.


Soja M~II~IIS<br />

caracterizava já a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento, e que<br />

estará na raíz <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong> distinção entre conteú<strong>do</strong> estrito e<br />

conteú<strong>do</strong> lato no pensamento de Fo<strong>do</strong>~~'~. O que justifica, segun<strong>do</strong><br />

Fo<strong>do</strong>r, o solipsisimo meto<strong>do</strong>lógico é a necessi<strong>da</strong>de de admitir representações<br />

explícitas para se poder falar processos mentais computacionais<br />

e de explicação psicológica. Estas representações constituem<br />

conteú<strong>do</strong> estrito e não conteú<strong>do</strong> lato, no entanto o facto de<br />

"estarem na cabeça" garante a possibili<strong>da</strong>de de causali<strong>da</strong>de mental<br />

(l~cal)~". Admite-se ao mesmo tempo sem problemas que a semântica<br />

poderá vir a ter que ser <strong>da</strong><strong>da</strong> à parte. Por outras palavras, e com<br />

a usual perspicácia de Fo<strong>do</strong>r: «o meu ponto não é, claro, que o<br />

soiipsismo seja ver<strong>da</strong>deiro; é apenas que a ver<strong>da</strong>de, a referência, e<br />

o resto <strong>da</strong>s noções semânticas não são categorias psicológicas. O<br />

que elas são é: mo<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Dasein. Eu não sei o que é o Dasein, mas<br />

tenho a certeza que existe muito por<br />

Em geral, Fo<strong>do</strong>r pensa que a maneira como a psicologia de senso<br />

comum @lkpg~cholog) "vive" de explicações intencionais é sintomática.<br />

Explicaqões intencionais supõem esta<strong>do</strong>s semanticamente avaliáveis<br />

que têm ao mesmo tempo poderes causais, e a psicoldgia de<br />

senso comum pressupõe ji aquilo que virá a ser "confirma<strong>do</strong>" ao<br />

nívd <strong>da</strong> psicologia científica, a existência de leis intencionais. Se não<br />

houvesse ver<strong>da</strong>de no que a psicologia de senso comum supõe (i.e. que<br />

existem leis intencionais) seria «o h <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>))" j... A explicação psicológica<br />

supõe portanto, de acor<strong>do</strong> com Fo<strong>do</strong>r, leis. Dennett, pelo<br />

contrário, sempre considerou a ideia de leis intencionais extravia<strong>da</strong> e<br />

a obsessão de Fo<strong>do</strong>r por leis um sintoma de "inveja <strong>da</strong> físican.Os pontos<br />

menciona<strong>do</strong>s (o realismo intencional, o papel <strong>da</strong>s leis intencionais<br />

na explicação psicológica, o solipsismo sneto<strong>do</strong>lógico, a ideia de que<br />

a psicologia é uma ciência especial) são alguns <strong>do</strong>s pontos centrais <strong>do</strong><br />

pensamento de Fo<strong>do</strong>r, que têm vin<strong>do</strong> a ser reitera<strong>do</strong>s de forma rela-<br />

"' Bm geral o conteú<strong>do</strong> estrito dv respeito a represcnrrgõcs internas, i.c. h partc <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

mcntnl quc depende npcnas <strong>do</strong> indivíduo. O conteú<strong>do</strong> lato diz respcito ro significa<strong>do</strong> destas reprcscntagõcs,<br />

que não padc ser catacreiixn<strong>do</strong> sem tefertncia ao mun<strong>do</strong>, no meio <strong>do</strong> sistema, e que portanto<br />

dependc de factores cxte"orcs ao indivíduo. O contcú<strong>do</strong> estrito peimnneccris, dc ncor<strong>do</strong> com<br />

uma cnractccizngno simplcs, indtern<strong>do</strong> upcsnr <strong>da</strong>s eventuais mnsposi~ões dc um sistema de um<br />

imbienrc parn outro.<br />

"' O coritcú<strong>da</strong> Iam nlo pode tcr um p~pel caiisol e porrsnro não pode ser utiiizn<strong>do</strong> na explica-<br />

$50 psicológica. O chama<strong>do</strong> argumento causnl (cE FOD011 1987) conclui, assim, pela neccssi<strong>da</strong>dc<br />

dc um contcú<strong>do</strong> cstriro.<br />

"'FODOR 1981: 71.<br />

"' FODOR 1990: 56.<br />

tivamente inaltera<strong>da</strong> nos últimos uinta anos. A<strong>do</strong>ptar-se-á mais adiante<br />

neste capitulo como referência a foimulação recente <strong>do</strong> programa<br />

fo<strong>do</strong>riano para a psicologia especulatnra, a formulação de Concept?'.'.<br />

Não é difícil imaginar que <strong>do</strong> ponto de vista de um autor como<br />

Fo<strong>do</strong>r a TSI de Dennett, herdeira de Wittgenstein e de Ryle, her<strong>da</strong><br />

a incapaci<strong>da</strong>de básica <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente destes autores: não explica<br />

os processos mentais e não resolve o problema de Hume. Uma teoria<br />

<strong>da</strong> cognição sem representações, sem esta<strong>do</strong>s internos independentes,<br />

salientes e individuáveis é impossível para Fo<strong>do</strong>r e a parti<br />

<strong>do</strong> momento em que a TSI considera o mental como uma atribuiqão,<br />

na<strong>da</strong> resta que possa ser causalmente responsável pelos processos<br />

mentais: se não existe genuína intencionali<strong>da</strong>de, não podem<br />

existir mecanismos para a racionali<strong>da</strong>de. Se não existem reab>ze~zte<br />

representações, os processos mentais não podem ser processos causais<br />

internos de transformação de representações. Uma posição<br />

como a de Dennett, ao negar que as representações internas e a<br />

racionali<strong>da</strong>de reab7zeírte exista~n, ao mesmo tempo que utiliza as noções<br />

de forma interpretativa, é uma maneira de evitar os ver<strong>da</strong>deiros<br />

problemas práticos <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, para além<br />

de confundir indevi<strong>da</strong>mente a questão <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s<br />

com a questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de de processos, ao fazer <strong>da</strong> primeira<br />

(a intencionali<strong>da</strong>de) função <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> (a racionali<strong>da</strong>de), na<br />

situação <strong>da</strong> consideração global de sistemas físicos. Dennett, por seu<br />

la<strong>do</strong>, admite que a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento, é uma<br />

tenta<strong>do</strong>ra extensão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, quase generaliza<strong>da</strong>mente adsniti<strong>da</strong>,<br />

de auibuú. esta<strong>do</strong>s mentais a sistemas físicos para explicar o<br />

comportamento inteligente. Mas se num senti<strong>do</strong> muito fraco a hipótese<br />

tem que ser ver<strong>da</strong>deira (i.e. existem representaqões mentais no<br />

senti<strong>do</strong> em que existe armazenamento e processamento de informação<br />

nos sistemas cognitivos), no senti<strong>do</strong> forte (segun<strong>do</strong> o qual<br />

existem representações eqlintas e uma linguagem <strong>do</strong> pensamento<br />

nos sistemas físicos inteligentes bem como processos def~<strong>do</strong>s<br />

sobre essas enti<strong>da</strong>des, o que legitima uma hipótese geral acerca <strong>do</strong><br />

deszgíz para a cognição), ela tem que ser falsa. De facto, Dennett<br />

pensa que os computa<strong>do</strong>res vieram mostrar à psicologia o princípio<br />

de uma solução para o problema de F-Iume, e sabe que Fo<strong>do</strong>r pensa<br />

algo de semelhante. Considera no entanto que é preciso não conceder<br />

demais a Fo<strong>do</strong>r nas suas extxapolações. No que diz respeito i<br />

"' FODOR 1998.


hipótese geral de uma Linguagem <strong>do</strong> Pensamento o veredicto de<br />

Dennett é que com ela Fo<strong>do</strong>r comete o peca<strong>do</strong> ryleano de confun-<br />

dir uma resposta conceptual com uma resposta causal.<br />

2.1.1.2 Instrwztentadsn~o? - De Intentional Systems a Real Patterns.<br />

A Teoria <strong>do</strong>s Sistemas Intencionais e as três estratégas (Estratégia Fisca,<br />

Estrat&ia <strong>do</strong> Den@ e Estratégia Inte~~ciorzag.<br />

As teorias <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de de Dennett e Fo<strong>do</strong>r são posições<br />

apenas defdveis após a caracterizacão putnamiana <strong>do</strong> funcionalis-<br />

mo nos anos 60. A primeira, apoia<strong>da</strong> numa teoria quineana <strong>do</strong> sig-<br />

nifica<strong>do</strong>, inclina-se para o enfraquecimento <strong>do</strong> funcionalismo, a<br />

segun<strong>da</strong> é um realismo intencional. Ten<strong>do</strong> já inicia<strong>do</strong> a caractenza-<br />

$50 <strong>da</strong> versão realista forte <strong>do</strong> funcionalismo caracterizar-se-á em<br />

segui<strong>da</strong> a TSI - uin funcionalismo enfraqueci<strong>do</strong> frequentemente<br />

acusa<strong>do</strong> de ser instrumentalista - nas suas sucessivas exposições e<br />

clarificações, desde Brailrstom (5s) a Brainchi/dren @C).<br />

2.1.1.3 Prin+ios gerais.<br />

As noções centmis <strong>da</strong> TSI são as nocões de Sistema Intencional e<br />

Estratégia Intencional (intenfional sfar~ce). Esta última expressão, que<br />

Dennett a<strong>do</strong>pta definitivamente, substitui o "centralismo" de C&C.<br />

Na programática Introducão a Brainstor?ns, a TSI é apresenta<strong>da</strong> como<br />

o momento, numa hipotética sequência de propostas 6sicalistas em<br />

filosofia <strong>da</strong> mente, em que, após a contraposição <strong>do</strong> funcionalismo de<br />

Putnatn à teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de se conclui que o funcionalismo <strong>da</strong>s<br />

Máquinas de Tusing é uma forma demasia<strong>do</strong> forte de funcionalismo.<br />

Não basta portanto a Dennett fazer o que Putnq faz, i.e. afastar a<br />

teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e propor o funcionalismo. E preciso também<br />

afastar o funcionalismo radical puro, desenvolvi<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> pelo dis-<br />

cípulo de Putnam convertu<strong>do</strong> em ideólogo <strong>da</strong> revolução cogmtiva, J.<br />

Fo<strong>do</strong>r. Contra esse funcionalismo e o que ele implica quanto i natu-<br />

reza expiícita e sentencial <strong>da</strong>s representações internas, a posição de<br />

Dennett é a seguinte2'': (1) (d'roponho isto: (x) (x acredifa qne a neve é<br />

Uma Teoria Fisicaii~fa <strong>do</strong> Coirteci~io e cia Co~i~ciê~~ria<br />

branca =pode ser abibz~i<strong>da</strong> a x a crença de qzte a neve C branca de t~nzajirma qz~e<br />

pe~ztitepre~isões)~~~'~. Esta hipótese aparece como alternativa i hipótese<br />

(2): (2) «(x) (x acredita que a neve é branca 5 x realiza alguma Máquina<br />

de Turing k no esta<strong>do</strong> lógico A)»"' . O funcionalismo <strong>da</strong>s Máquinas<br />

de Turing expresso em (2), que ahrma a identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s espécimes e o<br />

funcionalismo <strong>do</strong>s tipos, por sua vez aparecera contra a hipótese<br />

segun<strong>do</strong> a qual: (3) «(x) (Mx 5 FX)»~'*. A expressão (3) é a expressão <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, a varie<strong>da</strong>de de fisicalismo que aficma a identi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong>s tipos mentais e físicos e que considera que «para to<strong>do</strong> o predica<strong>do</strong><br />

mental M existe um predica<strong>do</strong> F exprimível no vocabulário <strong>da</strong>s<br />

ciências físicas de mo<strong>do</strong> que uma criatura é M se e só se ela é F»"".<br />

Do ponto de vista a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> neste trabalho, o que é notável nesta<br />

definição programática é que a TSI é defini<strong>da</strong> como alternativa ao<br />

tipo de funcionalismo associável à TW1. É ver<strong>da</strong>de que por outro<br />

la<strong>do</strong> - para a explicitacão <strong>da</strong>quilo que está erra<strong>do</strong> com a teoria <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de relativamente à qual quer a TSI quer a TRM se apresentam<br />

como posições anti-reducionistas - Dennett assume a critica elabora<strong>da</strong><br />

por Fo<strong>do</strong>r em The Langnage of Thozgbt. Aí, no capítulo<br />

Physiologica/ Reductionisnl, Fo<strong>do</strong>r apresenta argumentos contra aquela<br />

que considera ser una tese tipica de uma (má) filosofia <strong>da</strong> ciência<br />

positivista, a tese segun<strong>do</strong> a qual ciências especiais como a psicologia<br />

deveriam vir a redzqir-se às teorias físicas. Fo<strong>do</strong>r procura explicar por<br />

que razão considera essa redução impossível. As ciências eJpeciais- coztzo<br />

apsicologia o21 ageologia - são ciêlrcias especiais não devi<strong>do</strong> à nossa relucão episténlca<br />

conz o ~mn<strong>do</strong> n~as devi<strong>do</strong> à lnaneira coizo este está o~ani~a<strong>do</strong>. E o<br />

inun<strong>do</strong> está organiza<strong>do</strong> de um mo<strong>do</strong> tal que nem to<strong>do</strong>s os tipos,<br />

nem to<strong>da</strong>s as proprie<strong>da</strong>des que aparecem em leis, correspondein a<br />

tipos físicos. Nomea<strong>da</strong>mente os tipos acerca <strong>do</strong>s quais são feitas as<br />

generalizações psicológicas não correspondem a tipos físicos. Daí<br />

que para Fo<strong>do</strong>r a ideia de redução fisiológica <strong>da</strong>s teorias psicológicas<br />

não decorra necessariamente <strong>da</strong> (correcta) consideracão <strong>da</strong> física<br />

como ciência básica, embora a maior parte <strong>do</strong>s filósofos <strong>da</strong> ciência<br />

pensem que considerar a física a ciência básica é a mesma coisa que<br />

aficmar que as teorias <strong>da</strong>s ciências especiais devem redzqir-se is teoiias<br />

físicas.<br />

"" DENNETT 1978: xiü.<br />

:'- DENNE'IT 1978: rvi.<br />

"R DE .PUPUElT - - 1978: xv.<br />

:'" DENNETT 1978: a\:


Para Fo<strong>do</strong>r isso supõe um equívoco. As leis <strong>da</strong>s ciências especiais<br />

podem ser formula<strong>da</strong>s acerca de eventos cujas descrições fisicas<br />

não têm na<strong>da</strong> em comum (e se têm alguma coisa em comum,<br />

isso é irrelevante para a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis). Daqui Fo<strong>do</strong>r conclui que<br />

o programa reducionista em psicologia, associa<strong>do</strong> à ~eoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de,<br />

é, por raxões ontológicas, um caminho falha<strong>do</strong>. E perkitamente<br />

possível defender um fisicalismo <strong>do</strong>s espécimes (é a posição de<br />

Fo<strong>do</strong>r) sem se ser um reducionista e um fisicalista <strong>do</strong>s tipos. O fisicalismo<br />

<strong>do</strong>s tipos - defhi<strong>do</strong> por Fo<strong>do</strong>r como a <strong>do</strong>utsina segun<strong>do</strong><br />

a qual to<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de menciona<strong>da</strong> nas leis de qualquer ciência<br />

é uma proprie<strong>da</strong>de física - não é, segun<strong>do</strong> Fo<strong>do</strong>r, ver<strong>da</strong>deiro quanto<br />

às ciências especiais. Em The Langziage oi Thozght Fo<strong>do</strong>r apresenta<br />

uma teoria <strong>da</strong>s relações entre a ciência básica (a física) e as ciências<br />

especiais (nomea<strong>da</strong>mente a psicologia) que justifica o estatuto<br />

<strong>da</strong> psicologia como ciência especial. A teoria é solicita<strong>da</strong>, repita-se,<br />

pela possibili<strong>da</strong>de empírica de os predica<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s ciências especiais<br />

- nomea<strong>da</strong>mente os predica<strong>do</strong>s psicológicos - serem "instancia<strong>do</strong>s"<br />

por uma disjunção não sistemática de predica<strong>do</strong>s na ciência<br />

básica. Essa possibili<strong>da</strong>de não afecta a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ciência um vez<br />

que se reconstrói a relação entre as ciências especiais e a ciência.<br />

"básica" abdican<strong>do</strong> <strong>da</strong>s correspondências entre os predica<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s<br />

ciências especiais e os predica<strong>do</strong>s <strong>da</strong> ciência básica e deixan<strong>do</strong> de<br />

considerar as generalizações <strong>da</strong>s ciências especiais como leis "sem<br />

excepção". Apenas as leis <strong>da</strong> ciência básica são leis sem excepção.<br />

As leis <strong>da</strong>s ciências especiais também são leis, mas leis ceterisparibz~s.<br />

Permitin<strong>do</strong> que as leis <strong>da</strong>s ciências especiais tenham excepções,<br />

preserva-se e legiùina-se os tipos aos quais as generalizações se<br />

aplicam, admihn<strong>do</strong> no entanto a heterogenei<strong>da</strong>de possível <strong>da</strong>s descrições<br />

físicas <strong>da</strong>s instâncias desses tipos. Sublinhe-se de novo que,<br />

para Fo<strong>do</strong>r, o estatuto <strong>da</strong>s ciências especiais se deve à maneira<br />

como o mun<strong>do</strong> está organiza<strong>do</strong> e não a uma qualquer razão superficial<br />

ou humana. E a organização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que Fo<strong>do</strong>r pretende<br />

capturar com a flosofia <strong>da</strong> psicologia que propõe. Aceitan<strong>do</strong> que<br />

«nem to<strong>do</strong>s os tipos são, ou correspondem a, tipos físicos»u0,<br />

nomea<strong>da</strong>mente os tipos que aparecem em generalizações psicológicas,<br />

poder-se-á considerar, como é desejável, que a explicação psicológica<br />

é nomológica (sen<strong>do</strong> portanto propriamente uma explica-<br />

FODOR 1975:25. Como !?o<strong>do</strong>r diz


Soja M&JI~~II<br />

Neste contexto Dennett defende aliás que as noções básicas <strong>da</strong> TSI<br />

- as noções de SI e de E1 - são neutras em relação ao fisicalismo,<br />

embora preten<strong>da</strong>m ser compatíveis com ele.<br />

No arago Cart iMachir~es ThilrP" Dennett explora o parentesco entre<br />

a caracterização <strong>do</strong> mental em termos de SI e o Teste de Turingzzi.<br />

Para Dennett: o Teste de Turing é um interruptor de discussões (conversation-stapper)<br />

que impede uma interminável querela acerca <strong>da</strong> essência<br />

<strong>do</strong> pensamento, sugerin<strong>do</strong> uma estratégia prática. Além <strong>do</strong><br />

mais, maugra<strong>do</strong> as acusações de operacionalismo que sempre ihe<br />

foram dirigi<strong>da</strong>s, o Teste de Tuing afigura-se neutro, já que incorpora<br />

a possibili<strong>da</strong>de de separar aquilo que importa acerca de inteligência<br />

- o comportamento irttehgente - <strong>da</strong>quilo que é adjacente ou secundário,<br />

como as características biológicas de seres inteligentes. O Teste<br />

de Turing é, segun<strong>do</strong> Dennett, suficientemente eficaz (além de natural<br />

desde sempre entxe os membros <strong>da</strong> espécie humana) para o seu<br />

propósito prático. O conceito de SI tem um estatuto análogo.<br />

Note-se que, assim sen<strong>do</strong>, a caracterizacão e a previsão intencionais<br />

de sistemas físicos inteligentes, legitima<strong>da</strong>s pela TSI, não<br />

apontam, mesmo que grosseiramente, ao contrário <strong>do</strong> que Fo<strong>do</strong>r<br />

pretende, quaisquer géneros nat~rais'~' acerca <strong>do</strong>s quais a psicologia<br />

científica formularia leis. Isto significa que não existe, para Dennett,<br />

qualquer passagem natural entre as explicações mentalistas<br />

(aparentemente) causais <strong>da</strong> psicologia de senso comum e as explicações<br />

<strong>da</strong> psicologia científica, passagem que constitui um ponto<br />

central <strong>do</strong> realismo intencional de Fo<strong>do</strong>r. A justificação <strong>da</strong> psicologia<br />

de senso comum no âmbito <strong>da</strong> TSI deve ser outra.<br />

= Cf. DENNETT 1998 a. O artigo Cn>i iL111ihiner Tiiiiib?, cujo Únilo C e~identemcnte uma citasio<br />

<strong>do</strong> inicio <strong>do</strong> cerro dc A. Turhg VURING 1950), é de 1985. As explica$ões quc se seycm dn<br />

hindmcntd nceitnçio por Dcnnetr <strong>do</strong> posicionamento de Turing em TURING 1950 reportam-se a<br />

essc mtigo, mas n proposta de nprorims$%o enttc caractcriza$io em tcrmos dc SI e compurabili<strong>da</strong>dc<br />

foi fcitn pela piYneiia vcz 0% inrrodu(.go n Braiirioriiir<br />

Cf TURING 1950. O 'Tcsre de Turhg, proposto pein prhnelra vez cm TURING 1950, é uma<br />

siruaç6o s que se podetin chamar expc~enr.il eiii que estiem causn a arribui$io de mentnlidrde c<br />

intciig6ncin a enti<strong>da</strong>des a parar dc critérios cxclusi~~nmcnte comportrmeni;iir, nornen<strong>da</strong>mcnte n prcscnçn<br />

de comporrzmcntos hnyirticos. O ccste é um jogo de unirqào, joga<strong>do</strong> entre um inrerroga<strong>do</strong>r,<br />

um I>umnno e umn miquina. O "objectivo" é em última análise, e pcnsan<strong>do</strong> nas competições quc<br />

acninimente acontecem cm tomo ds ideis de Turing, iludi o interroga<strong>do</strong>r humano ncercn <strong>da</strong> nanircrr<br />

de máquina de uma máquina, fazen<strong>do</strong>-o pensar que inrerage com outro humano.<br />

" Por oposisio i ideia seyn<strong>do</strong> n qud os termos men~zis cvenniaimcnte corrcsponderiam a tiaotrdkdr<br />

ou géncios nnmnis Dennctr piopõc, na introduçio a Br~iirior,,,s, uma campara~h <strong>do</strong>s tcrmos<br />

ment2s com o reirna~i&is~~r, usa<strong>do</strong> poi umn sacicdsde de humanos acm s nosse úsiologin mas<br />

com linguagem semcihanre, cxccpro par esta cefcrèncU nfiI&.s.s.si (cf. DENNETT 1978: six-xx).<br />

Uma Teoria Fisicalista <strong>do</strong> Coiiteri<strong>do</strong> e ela Coi,sciêi,~ia<br />

Fazer senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento e <strong>do</strong> comportamento próprio e de<br />

outrém a partir <strong>da</strong> psicologia de senso comum é uma activi<strong>da</strong>de que<br />

constantemente ocupa os humanos, e saber como é que essa habili<strong>da</strong>de<br />

se relaciona com a psicologia cientifica é um problema inevitável<br />

na meta-teoria cognitiva. Ora, a posição de Dennett quanto i psicologia<br />

de senso comum é uma posição de compromisso, que muitos<br />

críticos consideram insustentável. Como um realista 'por exemplo<br />

Fo<strong>do</strong>r), Dennett não abdica <strong>da</strong>s descricões intencionais. No entanto<br />

como um eliminativista (por exemplo Chu~chland"'), Dennett não<br />

considera enti<strong>da</strong>des e princípios <strong>da</strong> psicologia de senso comum explicativos<br />

na psicologia dentificaZG. O estatuto <strong>da</strong> psicologia de senso<br />

comum é abor<strong>da</strong><strong>do</strong> no arago Three Types oJ I~ttentionaLPgcboLofl através<br />

<strong>da</strong> expiicitação <strong>da</strong>s relações entre os "três tipos de psicologia intencional",<br />

a psicologia de senso comum, a própria TSI e a psicologia<br />

cognitiva sub-pessoal. No artigo Dennett defende a futura co-existência<br />

<strong>do</strong>s três referi<strong>do</strong>s tipos de psicologia intencional.<br />

A psicologia de senso comum é, para Dennett, uma habili<strong>da</strong>de<br />

constantemente utiliza<strong>da</strong>, zim izéto<strong>do</strong> abstracto e irrsh~/,mer~tal de ilrteprcta-<br />

ção eprevisão (140 ntícLeo é a EI. Não é de mo<strong>do</strong> algum uma teoria, ao<br />

contrário <strong>do</strong> que defendem materialistas eluninativos como os Chu-<br />

-' Como ji sc núrmou, os Cliurchland paul Cliurclilnnd e Patticia Cliurdilnnd) sio os mais<br />

notários proponentes <strong>da</strong> eiVnina$io <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> psicologia dc scnso comum. Note-se que Cprecisamente<br />

em rcln$Ro i psicologia de senso comum oufilhpgch<strong>do</strong>~ que o Mateii~lismo Ehinnõvo<br />

se define (cf. GUTrENPLAN 1994: 104-106 e CHURCHLAND 1994: 308-316, ondc P.<br />

Churdilnnd dcúnc ri psicologia dc senso comum como «pre-scientific, common scnsc conccpninl fcamcwork,<br />

that ail noimally socislired Iiumnns deploy in order to coinprclicnd, prcdicr, esplnin, 2nd<br />

msnipulate rhe beli;ivior of humans and of Iiiglicr nnimals»). O impoitnnte ns deGni$io de psicologia<br />

de senso comum auançn<strong>da</strong> par l'aul Cliuicbland é a idei.i de iro~


chland. A posição correcta <strong>do</strong> teórico <strong>da</strong> copção perante a psicologia<br />

de senso comum é um behaviorismo lógico: o teórico deve considerar<br />

que afirmar que alguém tem a crenca C é afirmar que esse<br />

alguém está disposto a comportar-se de determina<strong>da</strong> maneira.<br />

Certamente não se aprende o que são crenças nem se aprende o que<br />

se passa no interior <strong>do</strong>s sistemas Esicos que prevemos e interpretamos<br />

mediante crenças quan<strong>do</strong> aprendemos a ualizar a palavra "cren-<br />

?a". O aspecto idealiza<strong>do</strong>r e normativo <strong>da</strong> psicologia de senso comum<br />

traduz-se no facto de atribuirmos usualmente aos sistemas coptivos,<br />

tal como será explica<strong>do</strong> à frente, as crencas e a racionali<strong>da</strong>de que estes<br />

deucI-iafn possuir. Essa atribuição idealiza<strong>do</strong>ra funciona suhcientemente<br />

bem, no entanto nenhum sistema físico é idealmente racional, pela<br />

seguinte razão: a racionali<strong>da</strong>de de um sistema depende <strong>do</strong> seu design e<br />

como to<strong>do</strong>s os produtos <strong>da</strong> evolução por seleccão natural, agentes<br />

racionais biológicos resultam de um processo de patcbjuork, de acumula@~<br />

por aproveitamento e reualizacão, são produto de uma natureza<br />

cujos processos de "decisão" são eles próprios processos de saiis-<br />

Jicig (na expressão de H. Simon2?b), processos de decisão que condu-<br />

z:+ Por exemplo em Thc Sl.~S I J;<br />

Cf. &<strong>da</strong> SUTHERLAND 1992, urna obra de didgação feira por um psicólogo, c ZILI-IÃO<br />

1998/1999 paras anilisc dc aiguns probicmris gera<strong>do</strong>s pelo confronto (c p<strong>da</strong>s incarnpatibilidrdcs)<br />

entce concepqões úiosóficss c psicológjcns de iaciondidnde.


Soja iV1ig11eirs<br />

vocabulário <strong>da</strong>s "crenças e desejos". Dennett chama-lhe em Three<br />

IGzds $ Inteiztional Pycbology, um behaviorismo lógico holista (por<br />

oposição à impossível tentativa ryleana de caracterizar individualmente<br />

as crenças e os desejos como disposições comportamentais).<br />

A TSI não visa a implementação e é nesse senti<strong>do</strong> que ela é neutra<br />

relativamente ao fisicalismo. Li<strong>da</strong>r com a implementacão é a tarefa<br />

<strong>da</strong> psicologia cogmtiva sub-pessoal. Esta é nnza teoria <strong>da</strong>per/0rnrar1ce<br />

a qual, no caso concreto <strong>do</strong>s humanos, deverá explicar o mo<strong>do</strong><br />

como o cérebro enquanto máquina sintáctica se aproxima <strong>do</strong><br />

objecto impossível especifica<strong>do</strong> pela TSI, a máquina semântica<br />

movi<strong>da</strong> a crencas e desejos.<br />

Em geral, e quanto às relações entre os três tipos de psicologia<br />

intencional, a ideia é que «se podemos legitunar, não temos necessi<strong>da</strong>de<br />

de reduzir, e esse é o ponto <strong>do</strong> conceito de SI»'?'. Outros pioblemas<br />

podem no entanto surgir: o próprio Dennett nota a propósito<br />

<strong>da</strong> afirmação de N.Block em Tror~bles ~vith Fz~11c~ot1alisnr)~, segun<strong>do</strong> a<br />

qual as teorias funcionalistas tendem ou para o chauvinismo ou paia<br />

o liberalismo, que a TSI é, de acor<strong>do</strong> com tais princípios, extra-liberal<br />

na atribuicão de mentali<strong>da</strong>de a sistemas Bsicos. Fo<strong>do</strong>r comentará perante<br />

este quadro que a grande virtude <strong>do</strong> instrumentalismo de Dennett<br />

é permitir que se fique com tu<strong>do</strong> o que é bom sem na<strong>da</strong> sofre?".<br />

No entanto, como se verá, apesar <strong>da</strong>s suas reticências quanto à possibili<strong>da</strong>de<br />

de explicacões psicológicas, e perante as acusações gerais de<br />

instrumentalismo que lhe são *<strong>da</strong>s, Dennett vem a sentir a necessi<strong>da</strong>de<br />

de defender a TSI como uma espécie de realismo. O suposto<br />

instrumentalismo <strong>da</strong> TSI seria antes um realisnzo acerca deprqbrie<strong>da</strong>h<br />

relaiorrais abstractas, que relacionam o organismo com o ambiente, e<br />

que são evoca<strong>da</strong>s por exemplo nas teorias <strong>da</strong> representação de Ruth<br />

MillikanUi, J. GibsonZ3j e os gibsonianos, ou mais tarde, A. C1arlcUL.<br />

I'' DENNETC 1987: 67.<br />

"' DENNETI 1987: 68, referin<strong>do</strong>-se a BLOCIC 1978.<br />

a' FODOR 1990n, cita<strong>do</strong> em DENNITI' 1i87:71.<br />

" Cf hLILLII(AN 1984 c LLILIJI~N 1993. A fdórofa <strong>da</strong> psicologia Ruth hUllikan é f~equentcmenie<br />

aponrr<strong>da</strong> por Denncct como rcn<strong>do</strong> explors<strong>do</strong> c sofistica<strong>do</strong> ns sups idciss qumto i ieleossemintica.<br />

Precisemenre por Dennetr considcnr o penrnmeno dc h'UUilinn como um prolongnmenro<br />

<strong>da</strong> scu própiio pensamento accrca de semintica, é cspecialmcnte "iporrsnre compreender as iaaõcr<br />

por que hUllihnn defende uma posigo iealisra accrca <strong>da</strong> rcpresenraão<br />

"' GIBSON 1966, GIBSON 1979.<br />

a' CLARIC 1997. Pxrs uma icferéncia a esta possibili<strong>da</strong>de de redirmo, cf. por exemplo DEN-<br />

NETT 1987: 81, It~iiiiiiiir!iiaiir,,, Rcro~,~idn~ed. Denncit conrideia ai no cnranto quc a rransfoimr$lo <strong>do</strong><br />

instrumenrdismo em realismo ncercri de proprie<strong>da</strong>des rclacionnis abstractas nRo valeria o esforgo ...<br />

Uma Teoria ~isicnii~t~ <strong>do</strong> Corite~i<strong>do</strong> e ria Coirsci81,cia<br />

2.1.1.4 Irrtentional Systems.<br />

IntetltionaLSystenzs é a primeixa exposição explícita <strong>da</strong> SSI. A definição<br />

<strong>do</strong>s SI, sistemas cujo comportamento é descritível e previsível<br />

por meio <strong>da</strong> atribui@o de crenças e desejos, é aí relaciona<strong>da</strong> com<br />

três estratégias de abor<strong>da</strong>gem: a Estratégia Física o, a Estratégia<br />

<strong>do</strong> Design @D) e a Estratégia Intencional (EI). Para expor o tipo<br />

de funcionalismo fraco proposto, a que Dennett chega a chamar em<br />

Braillstoríns um "funcionalismo <strong>do</strong>s espécimes de esta<strong>do</strong>s mentais",<br />

considerar-se-á antes de mais alguns <strong>do</strong>s exemplos práticos com os<br />

quais Dennett ilustra a teoria.<br />

(1) Um exemplo central de Ir2tentionaLSyste~zs é o exemplo de um<br />

computa<strong>do</strong>r que joga xadrez2". O comportamento <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r<br />

a jogar xadrez, é de tal mo<strong>do</strong> complexo que nem mesmo o próprio<br />

programa<strong>do</strong>r é capaz de li<strong>da</strong>r com o computa<strong>do</strong>r (i.e. jogar xadrez<br />

com ele) a partir <strong>da</strong> Estratégia <strong>do</strong> Deskn. A ED é def~<strong>da</strong> como produzin<strong>do</strong><br />

descrições de sistemas em termos de funções ou instruções<br />

(são disso exemplo as descrições feita pelo biólogo evolucionista<br />

ou pelo programa<strong>do</strong>r de computa<strong>do</strong>res) e distingue-se <strong>da</strong> Estratégia<br />

Fisica, que produz a descrição mais básica (por exemplo em termos<br />

de partículas sub-atómicas) <strong>do</strong> mesmo sistema. Quan<strong>do</strong> se trata de<br />

prever o comportamento <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r como joga<strong>do</strong>r de xadrez,<br />

nem a EF nem a ED estão disponíveis: são ambas demasia<strong>do</strong> complexas<br />

e não permitem previsões em tempo úd. A única alternativa<br />

para a interacção com o sistema é tratá-lo como um ser inteligente.<br />

Esta capaci<strong>da</strong>de de prever o comportamento de um sistema<br />

atribuin<strong>do</strong>-lhe crenças e desejos em função <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, que é<br />

completamente independente <strong>do</strong> conhecimento <strong>da</strong> fisica e <strong>do</strong> deskn<br />

<strong>do</strong> sistema, é a Estratégia Intet~cior~aonal.<br />

(2) Um outro exemplo de I~tterttionalSyste~izs são criaturas de um<br />

planeta distante que se movem, multiplicam, reagem a eventos<br />

ambientes e entram em de~adência'~'. Embora as criaturas sejam<br />

completamente diferentes de humanos, existiria, segun<strong>do</strong> Dennett,<br />

justificação para a<strong>do</strong>ptar a E1 em relação a elas e razão para esperar<br />

o sucesso <strong>da</strong>s previsões elabora<strong>da</strong>s a partir desse ponto de vista.<br />

(3) No artigo Replv to Arbib and Gnnders02~%parece outro exemplo<br />

importante, o de <strong>do</strong>is sistemas artificiais inteligentes - progra-<br />

a' DENNETI 1978: 24


mas para reconhece<strong>do</strong>res de rostos - que são "idênticos" (i.e., são<br />

caracterizáveis <strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> E1 como idênticos na medi<strong>da</strong><br />

em que são boas aproximações <strong>do</strong> reconhece<strong>do</strong>r de rostos ideal)<br />

mas que são no entanto totalmente diferentes como máquinas e como<br />

programas.<br />

(4) Finalmente, é considera<strong>do</strong> o exemplo <strong>da</strong>s crenças atiibuí<strong>da</strong>s<br />

ao computa<strong>do</strong>r como adversário num jogo de xadrez. Imagine-se<br />

uma situação em que o computa<strong>do</strong>r é o nosso adversário no jogo<br />

e em que pensamos que ele pensa "Devo retirar a minha rainha o<br />

mais ce<strong>do</strong> possível" e age c~nformemente~'~. Esta crenca é atribuivel<br />

a partir <strong>da</strong> E1 sem que exista qualquer instrução explícita no<br />

senti<strong>do</strong> de "Retisar rainha ce<strong>do</strong>".<br />

Os quatro casos ilustram princípios que são, resumi<strong>da</strong>mente, os<br />

seguintes.<br />

(1) , , U~na enti<strong>da</strong>de é zcnz Sistema Ir~te;rLional e71z " fi/flçüo . de td7na estratkia<br />

a<strong>do</strong>ptaáupara n desrWp7o epreoisüo cio set~ con@ortanzento. Não há na<strong>da</strong> de<br />

intnsecamente certo ou erra<strong>do</strong> na a<strong>do</strong>pção de tal estratégia: a decisão<br />

é puramente pragmática, na<strong>da</strong> na caracterização <strong>da</strong> E1 obriga a<br />

supor que os SI reahxettte têm crenças e desejos. Apenas se estabelece<br />

que os comportamentos <strong>do</strong>s SI podem ser previstos "como-<br />

se" eles tivessem crencas e deseios. NZo é necessário fazer qualquer<br />

A A<br />

suposiqão anexa à matéria de que o sistema é feito, quanto<br />

à sua origem ou quanto à sua posição na comuni<strong>da</strong>de de agentes<br />

morais. A suposição de ra<strong>do</strong>nali<strong>da</strong>de é uma suposicão na medi<strong>da</strong><br />

em que apenas seria literalmente ver<strong>da</strong>deira de sistemas completamente<br />

racionais. O facto de ela ser "apenas uma suposição" significa<br />

que é contrária aos factos e que é acompanha<strong>da</strong> de uma metasuposição,<br />

segun<strong>do</strong> a qual é "suposta-ser-falsa". E isso que significa<br />

considerá-la apenas "instrumental".<br />

(2) A Estrat&ia Ixterrciomd (EI) de descricão e previsão de siste-<br />

mas deve ser comidera<strong>da</strong> e7tz relaçüo com as estratégias alter/rativas qtie süo a<br />

Estrat&ia <strong>do</strong> Des~gfr (ED) e a Estrathia Fisica (EF). Uma descricão a<br />

partu <strong>da</strong> ED não "desce" tanto como uma descrição a partir <strong>da</strong> EF:<br />

para formular previsões a partir <strong>da</strong> ED basta capturar as funções<br />

de um dispositivo. O propósito <strong>do</strong> exemplo <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r que<br />

joga xadrez é mostrar que as diferentes estratégias poderiam ser, em<br />

ptincípio, utiliza<strong>da</strong>s para a previsão <strong>do</strong>s lances <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r no<br />

jogo, mas que há uma "inclinação" para assumir a EI. A EF, «a<br />

Urrza Teoria Fisicalita (10 Co~tei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cor~sciêr~ria<br />

grandiosa e impraticável estratégia de Laplace para prever completamente<br />

o futuro de tu<strong>do</strong> o que há no universo»24' é impossível na<br />

prática: «o número de variáveis criticas na constituição física <strong>do</strong><br />

computa<strong>do</strong>r ultrapassaria o mais prodigioso calc~la<strong>do</strong>r~~5) (o<br />

mesmo se poderia dizer em relação ao comportamento de clualquer<br />

humano). As previsões a partir <strong>da</strong> ED por sua vez partem <strong>do</strong> conhecimento<br />

<strong>do</strong> des~@~ funcional <strong>do</strong> sistema, neste caso o conhecimento<br />

<strong>do</strong> programa. Também ela pode ser na prática inacessível<br />

mesmo ao programa<strong>do</strong>r: o funcionamento <strong>da</strong> máquina, o seu jogo<br />

de xadrez, tornou-se demasia<strong>do</strong> complexo. A única maneira de<br />

li<strong>da</strong>r com a situação é a<strong>do</strong>ptar a EI.<br />

Não são no entanto possíveis descrições e previsões exclusivamente<br />

intencionais, ou permanentemente intencionais, de sistemas<br />

Esicos. Os pontos em que a psicologia de senso comum abdica <strong>da</strong>s<br />

explicações intencionais e racionais em relação a humanos são ilustrativos<br />

<strong>da</strong> alternância proposta entse estratégias explicativas: na<br />

prática comum <strong>da</strong> interacção humana abdica-se de descrições intencionais<br />

em casos de disrupção, como <strong>do</strong>enças mentais e lesões<br />

neurológicas. Do mesmo mo<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> a abor<strong>da</strong>gem de um sistema<br />

pela E1 não é possível, a TSI indica que se deve descer o nível<br />

<strong>da</strong> explicacão, para a ED ou para a El?<br />

(3) A E1 distirgzie-se <strong>da</strong> EF e <strong>da</strong> ED peloJacto de enuoluer ti?za suposiçüo<br />

de racionali<strong>da</strong>de. Evocan<strong>do</strong> o primeiro exemplo <strong>da</strong><strong>do</strong>, isso significa<br />

que a melhor maneira de prever e descrever o comportamento<br />

<strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r que joga xadrez é tratá-lo como uma enti<strong>da</strong>de<br />

racional. A racionali<strong>da</strong>de de que aqui se trata não tem que ser mais<br />

<strong>do</strong> que um «Des&?l óptimo em relação a uma Gnali<strong>da</strong>de, ou hierarquia<br />

de num determina<strong>do</strong> contexto (neste caso, no<br />

contexto <strong>do</strong> jogo de xadrez). O exemplo central de des&tr cognitivo<br />

óptimo é o dcsigil-para-a-racionali<strong>da</strong>de de criaturas que resultam de<br />

selecção natural, i.e. a ra<strong>do</strong>nali<strong>da</strong>de instrumental?'+. A reportação<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de ao des@ e <strong>do</strong> desigl à selecção natural trará vários<br />

problemas à TSI.<br />

:" DENNElT 1987: 16.<br />

"WDBNNETI 1978: 5.<br />

"' DENNETI 1978: 5-6.<br />

:" Coino afirma R. Norick (NO'LICIC 1993: 133), o núcleo mínimo dc acor<strong>do</strong> cnec reorias <strong>do</strong><br />

iacionalidndc 6 foimulái.cl cm tcrmos <strong>da</strong> tcoriu <strong>da</strong> decislo rncionni. A nciomli<strong>da</strong>de insuumcnal<br />

cansisie em procumr atingi eGniiiiçnre os Gns quc sc icni dc acor<strong>da</strong> cai" ss crensas (acercn <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, nccrcn de si pi6prio) que se tem, mobiiizan<strong>do</strong> os meios dc quc sc dispõe.


(4) A EI, i.e. o tratamento de sistemas £ísicos como SI, é~cnla estratéga<br />

de atrtrqponlo~~ação jz~sh/i;ca<strong>da</strong>por raxôespragnzáticas, nomea<strong>da</strong>mente<br />

pela impossibili<strong>da</strong>de de a<strong>do</strong>ptar a EF ou a ED em relação a certos<br />

sistemas. Esta antropomorfizacão diz respeito apenas à racionali<strong>da</strong>de<br />

na acção, não envolve a importação de quaisquer outras<br />

características (por exemplo biológicas, como cópula ou nuuição)<br />

<strong>do</strong>s l~umanos. O ponto é exemplifica<strong>do</strong> pelas hipotéticas ciiaturas<br />

num planeta distante que poderiam ser previstas <strong>do</strong> ponto de vista<br />

<strong>da</strong> EI: o facto de ser possível adscrever crenças e desejos a tais criaturas<br />

preven<strong>do</strong> assim as suas acções mostra também a interdependência<br />

<strong>da</strong> auibuição de crenças e desejos: o único ponto de ancoragem<br />

<strong>da</strong> atribuição intencional são as regulari<strong>da</strong>des comportamentais,<br />

nas quais essas crenças e desejos se "manifestam".<br />

(5) As cre?lças adscritas aos SI são em geral aprcpria<strong>da</strong>s ao ambiente. A<br />

apropriação de uma crença ao ambiente consiste na sua ver<strong>da</strong>de: «a<br />

capaci<strong>da</strong>de de acreditar não teria qualquer valor de sobrevivência a<br />

não ser que fosse uma capaci<strong>da</strong>de de acreditar em ver<strong>da</strong>des»2i5. Os<br />

SI tênz porta71to e?// gerd creriças uer<strong>da</strong>deirns.<br />

Uma vantagem imediata <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> mental através <strong>da</strong><br />

noção de SI é o facto de ser muito mais simples, para o teórico <strong>da</strong><br />

mente, decidir se um sistema é um SI <strong>do</strong> que decidir se uma enti<strong>da</strong>de<br />

é consciente, auto-consciente ou capaz de morali<strong>da</strong>de. O conceito<br />

de SI é uma fonte de ordem em teoria <strong>da</strong> mente, não incorren<strong>do</strong><br />

em compromissos metafísicos pouco expiícitos ou inauditos:<br />

a suposição de racionali<strong>da</strong>de que possibilita as descrições e previsões<br />

a partir <strong>da</strong> E1 é a mesma que guia as explicações <strong>do</strong> comportamento<br />

animal e que guiaria as previsões <strong>do</strong> comportamento<br />

de enti<strong>da</strong>des estranhas em cujos comportamentos fossem reconhecíveis<br />

padrões. É certo no entanto que os princípios enuncia<strong>do</strong>s<br />

passam totalmente ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> consciência, deixan<strong>do</strong> a<br />

TSI vulnerável perante a acusacão de falhar na tentativa de capturar<br />

as características <strong>do</strong> mental não reportáveis à inteligência e i<br />

racionali<strong>da</strong>de (as pqram resisti?gj%at~~res $ me?itaLg)), nomea<strong>da</strong>mente<br />

a consciência (exactamente o ponto em que Ryle falhou com a<br />

sua análise anti-cartesiana <strong>do</strong> conceito de mente). A definicão austera<br />

de consciência (como apercebimento-1, na formulação de<br />

C&C) não constituiria assim um instrumento suficiente para captu-<br />

rar os episódios de experiência conscientezi! A única saí<strong>da</strong> de Dennett<br />

é reiterar que a TSI constitui de facto fun<strong>da</strong>mento suficiente<br />

para uma teoria <strong>da</strong> consciência e que uma teoria <strong>da</strong>s progratz-receptivej'éatz~res<br />

aj'" nzefztaL9 é o primeiro passo e o único caminho possível<br />

para uma teoria <strong>da</strong>spiogra~z-resistingFeatz~res $ mentaLzj. Embora Dennett<br />

admita que o reportar linguística não exaure a riqueza <strong>do</strong> que<br />

se possa num instante <strong>da</strong><strong>do</strong> numa vi<strong>da</strong> mental e que o apercebimento-l<br />

representa sempre uma amostragem parcial, ele defende<br />

que é a noção de apercebimento-l que explica o que é ter uma<br />

fenomenologia. Assim sen<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com a TSI o núcleo <strong>da</strong> fenomenologia<br />

é apenas incorrigibili<strong>da</strong>de. É portanto a quali<strong>da</strong>de priveligia<strong>da</strong><br />

<strong>do</strong> auto-acesso que constitui a subjectivi<strong>da</strong>de. Ter uma fenomenologia<br />

é ser incorrigível mas não infalível: a (suposta) infalibili<strong>da</strong>de<br />

envolvi<strong>da</strong> na situacão de acesso privilegia<strong>do</strong> é uma incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

acerca <strong>do</strong> que se quer dizer, quer se o diga quer não, e<br />

não acerca <strong>do</strong> que se diz e é portanto muito mais resuita <strong>do</strong> que<br />

usualmente se supõe. A crítica à TSI que sublinha a insuficiência<br />

desta como teoria <strong>da</strong> consciência é deste mo<strong>do</strong> afasta<strong>da</strong>. Ela é no<br />

entanto possivelmente a mais séria ciítica e será retoma<strong>da</strong> no<br />

Capítulo 3.<br />

2.1.1.5 A s-posição de raaowaL<strong>da</strong>de, o crente petjèitanzente racional e o<br />

dcsign <strong>da</strong> rako?zali<strong>da</strong>de. Daf vil-tzdes <strong>do</strong> beha~io?isnfo ski1211e?ia71o à TSI.<br />

A partir <strong>do</strong> momento em que se utiliza uma suposição de racio-<br />

nali<strong>da</strong>de, está de alguma forma cria<strong>da</strong> a obrigacão de explicar tal ra-<br />

cionali<strong>da</strong>de. De um ponto de visto prático imediato, unpõe-se por<br />

exemplo decidir quão racionais têm que ser os sistemas físicos pa-<br />

ra serem considera<strong>do</strong>s como SI, sem que o intérprete cometa um<br />

erro táctico. Mas impõe-se sobretu<strong>do</strong> estabelecer se, de acor<strong>do</strong><br />

com a TSI, os sistemas são reabizente racio?lais ou se, pelo contrário,<br />

é apenas pragmaticamente útil tratá-los co?.i,o se fossem racionais.<br />

Consideran<strong>do</strong> os humanos como o protótipo <strong>do</strong>s sistemas físi-<br />

cos racionais, a primeira verificação que se impõe é que, se eles são<br />

"DENNETI 1778: 30. h n critica dc lC.Gunderson, mas mmbi.rn de T. Nagd c dc D.<br />

Cl~almers. Par* uma repetição mais recente <strong>da</strong> ciítica, cf. CFIALbiERS 1776: 361: e fret nssocisted with verbal rcports and the second more<br />

gencinUy witli tlie contcol of bcliavior, alrliough neitlier ol these is a cleaily plienornenol notion».


seres racionais, são seres racionais tais que são perfeitamente capazes<br />

de inúmeras irracionali<strong>da</strong>des, tais como acreditar em contradições,<br />

não acreditar nas consequências <strong>da</strong>quilo em que acreditam,<br />

tomar conjunções de condições como ten<strong>do</strong> uma probabili<strong>da</strong>de<br />

mais alta <strong>do</strong> que apenas uma <strong>da</strong>s condições isola<strong>da</strong>mente considera<strong>da</strong>,<br />

etc. Em suma, os humanos não são crentespefeita~~zente racionais<br />

mas antes sujeitos de uma racionali<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, com recursos<br />

(tais como atenção, memória, tempo, informação) limita<strong>do</strong>s, e<br />

por isso mesmo crentes propensos a a<strong>do</strong>ptar estratégias heurísticas<br />

para fixar crenças e tomar decisões. Nestas circunstancias práticas<br />

de limitação de recursos, não é aliás sequer possível, e esse é um<br />

ponto muito importante, afirmar taxativamente que a a<strong>do</strong>pção de<br />

heunsticas e estratégias racionais imperfeitas é irracional.<br />

É um problema de fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> TSI ao mesmo tempo supor e não<br />

poder indefini<strong>da</strong>mente continuar a supor que a racionali<strong>da</strong>de é abstractamente<br />

caracterizivel. Supor que a racionali<strong>da</strong>de é abstractamente<br />

caracterizável não é estranlio: é algo comum em teorias normativas<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de como a teoria <strong>da</strong> decisão e a teoria <strong>do</strong>s jogos. As teorias<br />

referi<strong>da</strong>s são no entanto assumi<strong>da</strong>mente abstractas e o estatuto <strong>da</strong><br />

TSI não assim é tão níti<strong>do</strong>: apesar <strong>da</strong> professa<strong>da</strong> neutrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> TSI<br />

relativamente ao fisicalismo ela pretende ser no mínimo compatível<br />

com ele e portanto não pode permitir-se ignorar completamente a<br />

constituição fisica e funcional <strong>do</strong>s agentes racionais.<br />

Um outro problema inerente i noção de SI e à correlativa suposição<br />

de racionali<strong>da</strong>de é o facto de elas se traduzirem num alargamento<br />

<strong>da</strong> noção de racionali<strong>da</strong>de muito para além <strong>do</strong> comportamento<br />

racional consciente de tipo humano (nomea<strong>da</strong>mente a animais<br />

e máquinas bem como a quaisquer outras enti<strong>da</strong>des que venham<br />

a ser confronta<strong>da</strong>s e que justifiquem (comportamentalmente)<br />

ser trata<strong>da</strong>s como Sl). Isto significa que, para Dennett, o pensamento<br />

e a intencionali<strong>da</strong>de de tipo humano são uma espécie <strong>do</strong> género<br />

<strong>do</strong>s sistemas fisicos justificavelmente tratáveis como sen<strong>do</strong> racionais.<br />

Ivlas se o contrário fôr ver<strong>da</strong>deiro, i.e. se aquilo a que é possível chamar<br />

sem alargamento injustificável e no senti<strong>do</strong> próprio "racionali<strong>da</strong>de"<br />

fôr uma espécie no seio <strong>do</strong> tipo humano de uma intencionali<strong>da</strong>de<br />

que é mais alarga<strong>da</strong>, terá si<strong>do</strong> uma má estratégia apelar à racionali<strong>da</strong>de<br />

para explicar uma noção que é, afinal, mais fun<strong>da</strong>mental, a<br />

noção de intencionali<strong>da</strong>de. Esta deveria em alternativa, por exemplo,<br />

ser liga<strong>da</strong>, à percepção, à consciência ou a relações computacionais<br />

com representações internas, tal como a TTUVI propõe.<br />

Ufija Teoria FisicaLst~ <strong>do</strong> Coiiteií<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cotisrieiciiri<br />

Como se disse, a TSI deve de algum mo<strong>do</strong> justificar a decisão de<br />

tratar um sistema como racional. Para essa decisão são necessários<br />

critérios. Um critério possível seiia por exemplo a "crença" <strong>do</strong> sistema<br />

em ver<strong>da</strong>des lógicas. O problema <strong>da</strong> relação entre ver<strong>da</strong>des<br />

lógicas e crenças de agentes cognitivos não é evidentemente um<br />

problema específico <strong>da</strong> TSI e é aliás duvi<strong>do</strong>so que a obediência a<br />

regras lógicas em raciocínios feitos por agentes envolva qualquer<br />

crença explícita em ver<strong>da</strong>des lógicas. Este é no entanto um problema<br />

que Dennett considera directamente, assumin<strong>do</strong> que a possibili<strong>da</strong>de<br />

de prever o comportamento de um sistema através <strong>da</strong> atribuição<br />

de racionali<strong>da</strong>de não obriga o intérprete a atribuir a esse sistema<br />

qualquer crença em ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong> lógica. O que está em causa<br />

na imputação de racionali<strong>da</strong>de é apenas o seguimento de regras<br />

(vagamente) lógicas. Um outro ponto é desde logo também admiti<strong>do</strong>:<br />

nem to<strong>da</strong>s as regras segui<strong>da</strong>s por um agente cognitivo poderiam<br />

ser substituí<strong>da</strong>s, sem regressão infinita, por crenças na ver<strong>da</strong>de<br />

dessas regras. Regras tácitas de inferência são indi~pensáveis~~'.<br />

Não poderia portanto <strong>da</strong>i-se o caso de existir um sistema cognitivo<br />

físico no qual e para o qual as regras <strong>da</strong> sua própria racionali<strong>da</strong>de<br />

fossem totalmente explícitas.<br />

Em suma, não apenas (1) não existem sistemas físicos genuína e<br />

perfeitamente racionais na medi<strong>da</strong> em que a racionali<strong>da</strong>de é uma<br />

atribuição normativa, como (2) não existem sistemas físicos nos<br />

quais e para os quais to<strong>da</strong>s as regras <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de própria sejam<br />

explícitas, como (3) o esta<strong>do</strong> normal <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de actual de sistemas<br />

físicos é a vulnerabili<strong>da</strong>de (a interferências e disrupções provoca<strong>da</strong>s<br />

por estragos no des&~~ ou na física <strong>do</strong> sistema) e a imperfeição.<br />

Do ponto de vista <strong>da</strong> TSI, o que é certo é que quanto mais<br />

irracionalmente se comportar o sistema, mais força<strong>do</strong> é o movimento<br />

<strong>do</strong> intérprete em direcção a outras estratégias. De qualquer<br />

mo<strong>do</strong>, sejam quais forem as limitações <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de actual, a<br />

racionali<strong>da</strong>de de sistemas físicos, aparente quan<strong>do</strong> estes são considera<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> EI, é possibilita<strong>da</strong> pelo dcszg12, cuja origem<br />

no caso <strong>do</strong>s sistemas físicos biológicos é a selecção natural. É<br />

o desig,~ <strong>do</strong>s sistemas que permite o sucesso na a<strong>do</strong>pção <strong>da</strong> E1 pelo<br />

intérprete.<br />

"' Cf DENNEri' 1978: 11 em que 6 iefcii<strong>do</strong>, acerca dcstc assunto, o artigo IVA,il liic 'rorloirc<br />

.iades Dodgson na revism i\


Se noutros contextos teóricos são contraí<strong>do</strong>s empréstimos de in-<br />

teligência análogos àquele que é inerente à a<strong>do</strong>pção <strong>da</strong> E1 - por<br />

exemplo em teorias económicas, quan<strong>do</strong> se supõe a racionali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong>s agentes no merca<strong>do</strong> ou a maximização <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de espera<strong>da</strong> -<br />

sem que se considere necessário rrlr posteriormente a "amortizar" o<br />

empréstimo, sen<strong>do</strong> a estratégia perfeitamente legítima e eficaz na me-<br />

di<strong>da</strong> em que os indivíduos se comportam como aproximações su-<br />

ficientemente boas de agentes racionais, o teórico naturalista <strong>da</strong><br />

mente não pode fugir à obrigação de amortizar o emprésho de ra-<br />

cionali<strong>da</strong>de. Não pode nomea<strong>da</strong>mente apelar à psicologia <strong>do</strong>s agen-<br />

tes e deixar essa psicologia para o psicólogo, já que lhe cabe es<strong>da</strong>re-<br />

cer a própria possibili<strong>da</strong>de de psicologia. Ora, é precisamente para<br />

definir a sua posição perante os "empréstimos de inteligência"<br />

supostos pela TSI que Dennett assume e explicita princípios beha-<br />

vioristas. O empréstimo de racionali<strong>da</strong>de a sistemas úsicos, i.e. a<br />

caracterização de sistemas em termos de crenças e desejos, o centra-<br />

lismo que Dennett defende desde C&C é, pniliajzai, profun<strong>da</strong>tnen-<br />

te anh-behaviorista: uma maneira rápi<strong>da</strong> de caracterizar a postura<br />

behaviorista apresentá-la-ia precisamente como uma tentativa de não<br />

contrak qualquer empréstimo de inteligência na teoria <strong>do</strong> comporta-<br />

mento. Ora, se bem que a TSI defen<strong>da</strong> o empréstimo de inteligência<br />

a sistemas, Dennett pensa que o behaviorista está absolutamente<br />

certo ao temer os riscos de um tal empréstimo. A teoria <strong>da</strong> mente<br />

necessita <strong>do</strong> empréstimo de racionali<strong>da</strong>de porque o seu objecto são<br />

comportamentos e não meramente movimentos <strong>do</strong>s sistemas físicos.<br />

Não ter compreendi<strong>do</strong> a dimensão <strong>da</strong> distância entre uns e outros foi<br />

o grande erro behaviorista. No entanto, o behaviorista está certo<br />

quan<strong>do</strong> estabelece que a inteligên<strong>da</strong> <strong>do</strong>s comportamentos não pode<br />

ser toma<strong>da</strong> como garanti<strong>da</strong>, ten<strong>do</strong> que, pelo contrário, ser explica<strong>da</strong>.<br />

É com essa intenção que Dennett propõe a utilização de descri-<br />

ções e previsões intencionais <strong>do</strong>s sistemas globalmente considera-<br />

<strong>do</strong>s e a transposicão <strong>da</strong> "avareza" behaviorista em relação à inteli-<br />

gência para o interior <strong>do</strong>s sistemas. Obtem-se assim uma varie<strong>da</strong>de<br />

sofistica<strong>da</strong> de behaviorismo que não pára na fronteira <strong>do</strong> organis-<br />

mo'in. A Lei <strong>do</strong> Efeito, de acor<strong>do</strong> com a qual acções recompensa-<br />

'IR A posigro de fun<strong>do</strong> ùc Dennett quanto ao bçh~viviorismo pode resunir-se na seyinrc absersag&o:<br />

num ccrto senci<strong>da</strong> n pnlivrn comportamento nomeia «b<strong>do</strong> a que 6 inrcrsubjecciv~mentc<br />

observkl como o coinpormmcnto <strong>do</strong> nosso cong&o ou <strong>do</strong> nosso IWA e ninyém sc queixaria de<br />

que um modelo cm ciéncia se limim a crpiicar o compormmentm (DDNNETT 1987: 334).<br />

<strong>da</strong>s serão repeti<strong>da</strong>s subiinha a importância <strong>da</strong> selecção a partir de<br />

um processo de tentativas e erros no estabelecimento <strong>do</strong> controlo<br />

comportamento. Más, o principio não é apenas inevitável no estu-<br />

<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento animal e humano, também surge na simula-<br />

ção <strong>da</strong> inteligência. Como H.Simon afirma em The Sciences $ the<br />

Art$~-iaE'~ - e Dennett evoca frequentemente de forma aprova<strong>do</strong>-<br />

ra esta afirinação - a resolução de problemas, <strong>da</strong> mais elementar à<br />

mais brilhante, natural ou artificial, não envolve mais <strong>do</strong> que uma<br />

mistura varia<strong>da</strong> de tentativas e erros e selectivi<strong>da</strong>de. A intuicão<br />

behaviorista é portanto que para "inventar", ou seja, para cnar o<br />

novo (seja o "inventa<strong>do</strong>" uma espécie, uma rotma comportamen-<br />

tal, um itzsight cognitivo, um novo conceito, etc) são precisos <strong>do</strong>is<br />

processos: um processo para fazer combinações, outro processo<br />

para escolher (enten<strong>da</strong>-se: e nenhum génio criativo). É este proces-<br />

so de geração, teste e selecção que coloca o behaviorismo na con-<br />

tinui<strong>da</strong>de <strong>do</strong> evolucionismo biológico: a pele, ou melhor a frontei-<br />

ra de um sistema físico biológico, não é um limite meto<strong>do</strong>lógica-<br />

mente relevante. De um la<strong>do</strong> ou de outro <strong>da</strong> pele, só um processo<br />

de evolução por selecção natural a partir de tentativas de combina-<br />

ção pode explicar as conformações teleológicas sem petição de<br />

princípio. Essa é a razão <strong>da</strong> co~itklui<strong>da</strong>de entre o evolu<strong>do</strong>iiisiiio<br />

biológico e o behaviorismo psicológico. A explicação, sem petição<br />

de princípio, <strong>da</strong> teleologia de sistemas foi trazi<strong>da</strong> à biologia pelo<br />

<strong>da</strong>nvinismo e a intenção de Dennett é transpor o <strong>da</strong>nvinismo para<br />

o tratamento <strong>do</strong>s processos mentais. Ora, o <strong>da</strong>twinismo conduz a<br />

um anti-essencialismo relativamente ao estatuto <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des<br />

resultantes de evolucão por selecção natural (esta é uma <strong>da</strong>s razões<br />

pelas quais Dennett afirma em Danvit/"s Darrgcrozts Idea que o <strong>da</strong>r-<br />

winismo é um "áci<strong>do</strong> universal"),<br />

Devi<strong>do</strong> a estas convicções behavioristas, Dennett procura, cui-<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>samente, em Brai~zstorlils, separar o conteú<strong>do</strong> de ver<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

behaviorismo de certas consequências perniciosas <strong>do</strong> behaviorismo<br />

recente. Para Dennett isto significa interpretar Sldnner (é o que faz<br />

em Skiwrer Skinnecfiu), procuran<strong>do</strong> "extrai? de Slùnner o que este<br />

deveria ter afirma<strong>do</strong>. Como é sabi<strong>do</strong>, Skinner tinha muitos proble-<br />

mas com o mentalismo (embora, de acor<strong>do</strong> com Dennett, não sou-<br />

besse exactamente porquê) e defendeu furiosamente a ideia segun-<br />

'" SIMON 1969.<br />

IU DIINNIITI 1978d.


<strong>do</strong> a qual não devem ser utiliza<strong>do</strong>s em psicologia (na expressão <strong>do</strong><br />

seu amigo Quine) "idiomas intencionais". Ora, Quine apresenta argumentos<br />

- relativos à indeterminação <strong>da</strong> tradução, como se viu no<br />

Capítnlo 1- a favor <strong>da</strong> depreciação <strong>do</strong>s idiomas intencionais e Skinner<br />

não repete esses argumentos. Ain<strong>da</strong> assim, Denuett pensa que o<br />

desespero de Slúnner perante o mentalismo tem motivos váli<strong>do</strong>s.<br />

Slúnner percebeu o quanto as explicações mentalistas estão infecta<strong>da</strong>s<br />

de "vi~tz~s <strong>do</strong>if~jitivd', i.e. o quanto explicações mentalistas em psicologia<br />

frequentemente presszpõeffz racionali<strong>da</strong>de e inteligência que<br />

deveriam estar a ser expiica<strong>da</strong>s. O que Skinner não viu é que não é<br />

legítimo concluir <strong>da</strong>í que os idiomas intencionais não têm um lugar<br />

legítimo em psicologia. O "mentalismo" não tem necessariamente<br />

que ser uma efabulação acerca de eventos ocultos: pode ser apenas<br />

um atalho heuiístico. De facto e ao contrário <strong>do</strong> que Skinner defendeu,<br />

o empréstimo de inteligência é incontornável na teoria <strong>da</strong> cognição.<br />

No entanto, isso não o exime de justificação. Mas a justificação<br />

pode ser consegui<strong>da</strong> dentro <strong>do</strong> próprio espírito skinneriano.<br />

Para não se envolver em aporias, Shner deveria ter conduzi<strong>do</strong> o<br />

seu behaviorismo mais longe, até ao interior <strong>do</strong>s organismos, a<strong>da</strong>ptan<strong>do</strong>-o<br />

às necessi<strong>da</strong>des práticas de pressuposições mentalistas na<br />

ciência <strong>da</strong> cognição e utiiizan<strong>do</strong>-o para "amortizar" o inicial empréstimo<br />

de inteligência. Para Dennett, o erro de Skùiner - supor que a<br />

psicologia poderia sequer existir sem idiomas ment a li stas - está em<br />

parte liga<strong>do</strong> a uma espécie de <strong>do</strong>gma <strong>da</strong> individuação na teoria <strong>do</strong><br />

comportamento: o organismo individual tem um estatuto excessivamente<br />

importante no behaviorismo skinnenano. Evidentemente, a<br />

inflação resulta <strong>do</strong> facto de o organismo individual ser o ponto de<br />

passagem <strong>da</strong> biologia à psicologia propriamente dita. Foi mesmo devi<strong>do</strong><br />

a este "<strong>do</strong>gma <strong>da</strong> individuação" que os behavioristas se visam<br />

obriga<strong>do</strong>s a recorrer eles próprios a una "virfzts <strong>do</strong>rn~itivd' n" ao mentalista,<br />

i.e. aos barrocos conceitos behavioristas cuja critica feita por<br />

C. Taylor fora uma <strong>da</strong>s inspirações de C&C. Para Dennett esses conceitos<br />

(tais como d~vesde curiosi<strong>da</strong>de, punições internas, etc) só não<br />

são tão aberrautes como parecem porque cumprem uma função<br />

idêntica i <strong>da</strong> especulação evolucionista sobre a ascendência de organismos<br />

e de espécies. O problema é que Skinnner não tem cousciência<br />

<strong>do</strong> estatuto especulativo de tais conceitos.<br />

Além <strong>da</strong> interpretação de Sldnner, que des-individua e interioriza<br />

a aplicação <strong>do</strong>s princípios behavioristas, é preciso segun<strong>do</strong> Dennett<br />

também separar esses princípios <strong>do</strong> anti-humanismo simplista<br />

U7xa Teoria Fisicalista <strong>do</strong> Cnr~ieii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cn~rsciê,,irin<br />

de Sliinner, <strong>do</strong> «hábito exasperante (que Sldnner tem) de identificar<br />

homúnculos (...) com o agente moral livre e responsável»25' para eli-<br />

minar em'segui<strong>da</strong> ambos e afirmar que to<strong>da</strong> a explicação psicológi-<br />

ca tem que ser um desmascaramento de noções como liber<strong>da</strong>de ou<br />

responsabili<strong>da</strong>de. Dennett admite que as caracterizações mentalis-<br />

tas têm um peso ético inabdicável já que é enquanto enti<strong>da</strong>des<br />

mentais que enti<strong>da</strong>des Bsicas se constituem como morais e pessoais.<br />

No entanto discor<strong>da</strong> <strong>da</strong> ideia de Skinner segun<strong>do</strong> a qual a possibi-<br />

li<strong>da</strong>de de uma explicação mecanicisti <strong>do</strong> comportamento exclui<br />

to<strong>da</strong> a descrição mentalista, e nomea<strong>da</strong>mente a descrição moral,<br />

desmascaran<strong>do</strong> esta como supersticiosa, arcaica e ignorante. Se-<br />

gun<strong>do</strong> Dennett, Skinner não mostrou que a psicologia não menta-<br />

lista é possivel nem que a liber<strong>da</strong>de e digni<strong>da</strong>de humanas são con-<br />

viccões arcaicas e supersticiosas. Mas o facto de Skinner ter falha-<br />

<strong>do</strong> nas suas intenções não prova que a Lei <strong>do</strong> Efeito seja um mau<br />

princípio. Pelo contrário, ela é um princípio central <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

cognição, um princípio que deve ser combina<strong>do</strong> com a estratégia<br />

"ceutralista", i.e. com a a<strong>do</strong>pção <strong>da</strong> E1 na teoria <strong>do</strong> comportamen-<br />

to. No entanto os riscos <strong>do</strong> empréstimo de inteligência, temi<strong>do</strong>s<br />

com razão pelos behavioristas, só poderão ser evita<strong>do</strong>s com a<br />

investigação <strong>do</strong>s mecanismos cujo Fuucionainento apropria<strong>do</strong><br />

"garante" o conteú<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> "a partis de cima e a partir de fora"<br />

pelas descrições mentalistas. Para Dennett esta é por exemplo a<br />

estratégia de investigação <strong>da</strong> cognição na IA, a que lhe serve cons-<br />

tantemente de modelo.<br />

2.1.1.6 O valor de sobreviuêlr~cia <strong>da</strong>s ~re~~ças ver<strong>da</strong>deiras e apre<strong>do</strong>mir~âfzcia <strong>do</strong><br />

lr2or111aL A tet~são er~tre racio~~aii<strong>da</strong>de e imo~~ngibiii<strong>da</strong>de. Raciolr~aii<strong>da</strong>de, boiisnzo<br />

c i~zdeternzilrlação: as crenças ~~z~cIcares e as otLtras crexças. Cmças e opi~ziõee~.<br />

O desenvolvimento de des&t~ por um processo de selecção natural<br />

deve permitir explicar não apenas a racionali<strong>da</strong>de como também as<br />

próprias crenças. Em Itzte~rtiolr~aI@stems, Dennett defende que a crença<br />

em ver<strong>da</strong>des tem valor de sobrevivência e que é um traço constitutivo<br />

<strong>da</strong>s crenças o facto de elas serem na sua maioria ver<strong>da</strong>deiras.<br />

É essa, aliás, a rak <strong>da</strong> normativi<strong>da</strong>de inscrita na noção comum de<br />

wença. A noção de crença é normativa na medi<strong>da</strong> em que "acredito


que p" parece implicar "deve-se acreditar que p". Este teor normati-<br />

vo não tem a ver com a voluntarie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r ou com uma<br />

ordem <strong>da</strong><strong>da</strong> ao interlocutor mas sim, segun<strong>do</strong> Dennett, com a liga-<br />

ção íntima entre crença e ver<strong>da</strong>de, a ser explica<strong>da</strong> em termos de<br />

desigz. Um sistema físico desenha<strong>do</strong> para acreditar em Falsi<strong>da</strong>des<br />

nunca teria evoluí<strong>do</strong> por selecção natural: ele é uma enti<strong>da</strong>de impos-<br />

sível (como um peixe solúvel, dU: Dennett). Aliás, nem sequer é pos-<br />

sível descrever coerentemente um sistema desenha<strong>do</strong> para ter cren-<br />

ças falsas: como qualquer funcionamento resultante de evolução, as<br />

crenças são a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s apropria<strong>da</strong>mente ao ambiente. O esta<strong>do</strong> nor-<br />

mal e apropria<strong>do</strong> de uma crença é portanto ser ver<strong>da</strong>deira.<br />

Não apenas é "normal" que (1) a maior parte <strong>da</strong>s crenças de um<br />

sistema sejam ver<strong>da</strong>deiras, como também é normal que (2) a maior<br />

parte <strong>da</strong>s crenças reporta<strong>da</strong>s por um sistema sejam reporta<strong>da</strong>s com<br />

ver<strong>da</strong>de (recorde-se o estatuto <strong>da</strong> incorrigibili<strong>da</strong>de, analisa<strong>do</strong> no<br />

Capítuio 1). Estas condições são também as condições <strong>da</strong> adscrição<br />

de crenças a sistemas a partir <strong>da</strong> EI. A já referi<strong>da</strong> dependência recí-<br />

proca entre a atribuição de crenças e a atribuição de desejos evi-<br />

dencia também ela a pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> normal: em geral as cren- -<br />

ças os e desejos são aqueles que o SI deve ter <strong>da</strong><strong>da</strong>s as circunstân-<br />

cias, o que o fará fazer o que seria racional fazer <strong>da</strong><strong>da</strong>s as crenças e<br />

os desejos. Em caso contrário, haverá disrupção e impossibili<strong>da</strong>de<br />

de adscrição mentalista: o comportamento de um homem que foge<br />

a correr para debaixo de uma árvore, por exemplo, é um indício<br />

comportamental de que ele acredita que está a chover apenas se fôr<br />

assumi<strong>do</strong> que o homem deseja manter-se seco. Esta circulari<strong>da</strong>de é<br />

também, segun<strong>do</strong> Dennett, uma maneira de contornar a suposta<br />

privaci<strong>da</strong>de de crenças e desejos. Há no entanto aqui um problema:<br />

as pré-condições (1) e (2) para a adscrição de crenças a sistemas es-<br />

tão em tensão e podem entrar em conflito em casos particulares de<br />

interpretação de sistemas. São indubitavelmente frequentes os ca-<br />

sos em que uma <strong>da</strong>s duas suposições deve cair para que se possa fa-<br />

zer senti<strong>do</strong> de um comportamento de um sistema. Se, por exemplo,<br />

um homem fosse perfeitamente racional, não podenamos confiar<br />

na precisão <strong>do</strong> seu reportar quan<strong>do</strong> ele aftrma possuir crenças que<br />

são contraditórias entre si ou que foram empkicainente infirma<strong>da</strong>s<br />

(como poderia um sistema perfeitamente racional ter chega<strong>do</strong> a ter<br />

tais crenças?). Por outro la<strong>do</strong>, se o seu auto-acesso é de Facto pnvi-<br />

legia<strong>do</strong>, não há razão para pôr em causa que ele tenha de facto as<br />

crenças contraditórias que reporta. Mas então deixará de ser possi-<br />

Unza Teoria Fisicaiisca <strong>do</strong> Colitei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co>rrciê/,icia<br />

vel considerá-lo racional! Nenhuma <strong>da</strong>s duas posições é estável, e<br />

para Dennett, esta instabili<strong>da</strong>de caracteriza a situação <strong>do</strong> intérprete<br />

perante qualquer SI actual.<br />

A situação é então a seguinte: de acor<strong>do</strong> com um senti<strong>do</strong> rnínimo<br />

de racionali<strong>da</strong>de como consistência, o conjunto <strong>da</strong>s crenças de<br />

um SI actual deve ser, por princípio, considera<strong>do</strong> como consistente.<br />

No entanto, de facto, alguma inconsistência é sempre permiti<strong>da</strong><br />

e apenas a ilogici<strong>da</strong>de em grande escala indica ou um defeito tão<br />

sério no sistema que o desqualifica como crente ou um defeito nas<br />

hipóteses de interpretação. Dennett deseja sobretu<strong>do</strong> mostrar que<br />

a possível inconsistência só pode, por princípio, ser ela própria pensa<strong>da</strong><br />

no âmbito de uma caracterização bohitn <strong>do</strong> sistema. Esta posição<br />

proporciona mais um ataque importante ao atomismo <strong>da</strong>s<br />

representações mentais defendi<strong>do</strong> pelo realista intencional.<br />

No artigo Brait~ IY~~>lg afd Md Rennde,,, <strong>do</strong>is casos-teste são<br />

utiliza<strong>do</strong>s nesse senti<strong>do</strong>. O primeiro é o caso de Sam, um crítico de<br />

arte honesto e competente que afirma que o seu fio, um pintor<br />

mediocre, é um pintor de génio e promove a sua pintura. Dennett<br />

pretende mostrar que não é por princípio possível decidir que uma<br />

hipótese de interpretação (escollu<strong>da</strong> nomea<strong>da</strong>mente entre as lupóteses<br />

(1) "Sam não acredita que os quadros sejam bons, mas por leal<strong>da</strong>de<br />

e amor decide aju<strong>da</strong>r o seu filho" e (2) "O amor de Sam pelo<br />

úiho cegou-o quanto aos defeitos <strong>do</strong>s quadros e ele de facto acredita<br />

que os quadros são bons") é a boa hipótese, i.e. que ela é a ver<strong>da</strong>deira<br />

crença de sam. A razão para a impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> decisão é<br />

q~iineana: não há inatétfa defacto que possa fazer com que uma ou<br />

ontra hipótese seja ver<strong>da</strong>deira. Dennett faz notar que também<br />

Quine, no artigo Qzla~jtiiers and the PropostiotralA&tz/des, analisan<strong>do</strong><br />

uma situação análoga à de Sam põe em dúvi<strong>da</strong> que a questão "será<br />

que Raiph realmente acredita que Ortcutt é um espião ou será que<br />

Ralph realmente acredita que Ortcut não é um espião!" tenha senti<strong>do</strong>"'.<br />

A única estratégia possível para a abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> caso de Sam<br />

" DENNETT 1978,.<br />

-' QUINE 1966 a. 6 ncstc :!rtigo que QGnc pmpõc o cxcmplo que ,c tornmí uma rckrtnc,<br />

pan o trnramenro <strong>do</strong>s objectos de nurudes proposicionais e nomerdnmenre pnra o irstamenro <strong>da</strong><br />


Soja ~Vligrniz~il~<br />

consiste em considerar a sua biografia comportamental. Nenhum<br />

"neurocriptógrafo" poderia alguma vez ler no cérebro de Sam as<br />

crenças de Sam, incluin<strong>do</strong> a crença, possivelmente auto-engana<strong>do</strong>ra<br />

(seydeceizi&, segun<strong>do</strong> a qual o seu fuho é um pintor de génio.<br />

A intenção principal <strong>do</strong> arttgo Braitz WTit~g af~d Mitzd Readng, um<br />

<strong>do</strong>s arttgos fun<strong>da</strong>mentais de Brailstomzs, é negar a existência de representações<br />

internas explícitas, à la Fo<strong>do</strong>r, que poderiam ser recupera<strong>da</strong>s<br />

e decifra<strong>da</strong>s individua<strong>da</strong>mente. E relativamente a essa intenção<br />

que se compreende a objeccão i figura <strong>do</strong> ueurocriptógrafo. Um neurocriptógrafo<br />

não podeiia nunca, por princípio, ler qualquer coisa no<br />

cérebro de um indivíduo porque pura e simplesmente não existe esciita<br />

cerebral explícita. As crenças de Sam, ou de qualquer outro sistema,<br />

não podem ser pensa<strong>da</strong>s como coisas individua<strong>da</strong>s, recuperáveis<br />

e deciMveis uma a uma. Ora, que essa fosse a forma de existir <strong>da</strong>s<br />

crenças seria a condição necessária para a decisão quanto i existência<br />

de ZIVJ~ hipótese intei~retativa ver<strong>da</strong>deira acerca <strong>da</strong> sihiação de Sam.<br />

A principal razão pela qual Dennett se opõe i ideia de escrita cerebral<br />

explícita é, assim, o facto de considerar que a abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong>s SI é<br />

necessaxiamente holista. Crenças particulares não são isoláveis e identificáveis<br />

e por isso não poderia haver uma decisão de um neurocriptógrafo<br />

- decisão que poderia mesmo, por hipótese, pensai-se como<br />

independente <strong>do</strong> conhecimento de Sam (!) - quanto i presença ou<br />

ausência de uma particular crença na vi<strong>da</strong> mental de Sam.<br />

O holismo <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem intencional é ain<strong>da</strong> ilustra<strong>do</strong> em Brai~z<br />

Wkftig e MLird Reaúz~g através de um segun<strong>do</strong> exemplo. Procuran<strong>do</strong><br />

explicitar as características de uma hipótese defensável de escrita<br />

cerebraPi4, Dennett propõe un caso que põe directamente em risco<br />

tal hipótese. Não se esta, como na situação de Sam, de decidú. se<br />

alguém tem ou não tem uma particular crença, mas sim de imaginar<br />

uma situação em que uma crença isola<strong>da</strong> é artificialmente inseri<strong>da</strong><br />

numa vi<strong>da</strong> mental. A crença (falsa) "Tenho um irmão em Cleveland"<br />

é inseri<strong>da</strong> em Tom. A questão é saber se essa inserção perturbaria<br />

ou não a racionali<strong>da</strong>de de Tom enquanto crente. Consideran<strong>do</strong><br />

que Tom declara professar a crença referi<strong>da</strong>, logo alguém poderia<br />

perguntar-lhe "E como se chama esse irmão?". Tom verificaria en-<br />

:'' As condi~õçs para umn hipor6cics esctira cembnl erpiicim, i.". umn Linguagem <strong>do</strong> Pcnsimento,<br />

serinin n gcncrnti~4dnde <strong>da</strong> sistemn de rcprcsentqões, n correspondência enue scmclhrin$as<br />

e diícrensas sinc8ccicas em td hgusgem e scmcihnngas e ùifcrcn$ai íisicas, a sriiisncia fisicn <strong>do</strong>s espécimcs<br />

(iokuu) <strong>da</strong>s rcpicscnr;i~õc~, n cociênciri biogrhúca <strong>da</strong>s ieprerenta~ães, n existência de um mecanismo<br />

de Icirurr oupI~~~,b~ik e r consist6ncia <strong>do</strong> "miiaz6m de crcnsas" (cC DIINNBTT 1978").<br />

tão não estar disposto a declarar o que quer que fosse. Em abstracto<br />

dir-se-ia que a questão seria saber se Tom diria então "O que é<br />

que eu disse? Eu não tenho nenhum irmão em Cleveland!" ou "Não<br />

sei", continuan<strong>do</strong> disposto a professar as crenças inconsistentes<br />

"Sou a o único" e '"Tenho um irmão em Cleveland". Mas para Dennett,<br />

o que o exemplo demonstra é que a ideia de uma crença isola<strong>da</strong><br />

é indefensável: é um traço definitório <strong>da</strong> noção de crença o facto<br />

de as crenças viverem num meio de coerência biográfica e lógica em<br />

constante reestabelecimento; não é sequer concebível a inserção de<br />

uma crença isola<strong>da</strong> numa vi<strong>da</strong> mental.<br />

Continuan<strong>do</strong> com as concessões ao hipotético sistema de escrita<br />

cerebral, admitin<strong>do</strong> provisoriamente a sua existência, colocar-se-ia a<br />

questão <strong>do</strong> espaço físico que este ocupa. A teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> trata<br />

de sistemas representacionais 6sicos e a questão <strong>do</strong> espaço ocupa<strong>do</strong><br />

torna-se mais séria quan<strong>do</strong> se encara a quanti<strong>da</strong>de (a infini<strong>da</strong>de, para<br />

Dennett) de crenças implícitas que por exemplo os humanos têm.<br />

Crencas implícitas são aquelas que os sistemas têm sem nunca as<br />

terem aprendi<strong>do</strong> explicitamente como "factos". Provavelmente o sistema<br />

- um humano, no caso -nunca utilizará tais crenças, mas indubitaveimente<br />

estaria disposto a asserir se tal fosse necessário, que "o<br />

sal não é açúcar", que "Nova Iorque não é na lua", etc. Segun<strong>do</strong><br />

Dennett, se essas crenças implícitas, potencialmente intimtas, estivessem<br />

representa<strong>da</strong>s explicitamente criariam um problema de espaço<br />

de armazenamento no cérebro. O facto de o problema não se<br />

colocar constitui mais una prova <strong>da</strong> inexistência de represcntaçõcs<br />

explícitas. Se, num cenário alternativo, existisse um mecanismo de<br />

extrapolar e deduzir a partir de uma biblioteca básica de crenças <strong>do</strong><br />

sistema, caso em que existitia um núcleo de crenças a partir <strong>do</strong> qual<br />

seriam extraí<strong>da</strong>s consequências apenas quan<strong>do</strong> (e se) isso fosse<br />

necessáiio, o problema seria a necessi<strong>da</strong>de de informação para a<br />

recuperação e análise <strong>da</strong> informação. Ain<strong>da</strong> assim se chegaria, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, a um idêntico problema de excesso. Dennett argumenta<br />

por isso que a ligação <strong>da</strong> noção de crença a qualquer noção de<br />

informação explícita conduz a um círculo vicioso e que a única<br />

forma de evitar a situação é considerar que a "escrita" (i.e. as representações<br />

explícitas, que são para o realista intencional as representações<br />

tottt coz~n) é apenas uma forma dependente de armatenamento<br />

de informação. No caso humano, o cérebro deve armazenar informação<br />

de algum outro mo<strong>do</strong> que não representações explícitas. Mais<br />

especificamente, Dennett defende que existe uma distinção impor-


tante entre as representações disponíveis para uso pessoal conscien-<br />

te, próximas <strong>do</strong> modelo <strong>da</strong> "escrita" e liga<strong>da</strong>s ao uso <strong>da</strong>s línguas na-<br />

turais (neste caso estarão por exemplo os conhecimentos de factos)<br />

e as representagões implícitas, que sustentam o sistema como o tipo<br />

de ser que é, sem que precisem de aparecer explicita<strong>da</strong>s ou indivi-<br />

dua<strong>da</strong>s à Ppotética) consciência.<br />

É neste ponto <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> crença que Dennett introduz uma dis-<br />

tinção à qual não deixará de recorrer, a distinção entre crença e opi-<br />

nião'". Consideran<strong>do</strong> SI humanos, as coisas que, por um processo<br />

de busca, <strong>da</strong>mos por nós prontos a dizer, e que são determina<strong>da</strong>s,<br />

individua<strong>da</strong>s e linguisticamente formula<strong>da</strong>s, não são as nossas cren-<br />

ça4 mas os nossosjz~i~os o11 opiniões (o exemplo de Dennett é "Balzac<br />

casou-se em Berditchev"). Estes juizos ou opiniões são definíveis<br />

como esta<strong>do</strong>s com conteú<strong>do</strong> de utentes de linguagem e distinguem-<br />

-se <strong>da</strong>s crenças tont cot/rt, esta<strong>do</strong>s com conteú<strong>do</strong>, mas mais profun<strong>do</strong>s<br />

e que existem também noutros animais, mas que, ao contrário<br />

<strong>da</strong>s opiniões, não ocorrem nos sistemas cogmtivos senalmente, individua<strong>da</strong>mente,<br />

articula<strong>da</strong>mente e explicitamente. Segun<strong>do</strong> Dennett,<br />

podemos ter em ca<strong>da</strong> instante indef~<strong>da</strong>mente muitas crenças, mas<br />

só podemos estar a pensar um pensamento. Ora, nós temos autori<strong>da</strong>de<br />

sobre os nossos juizos, justifica<strong>da</strong> por razões funcionalistas,<br />

mas não sabemos sequer se eles correspondem às nossas crenças.<br />

Este espaço entre juízo e crença é aliás o espaço lógico para o fenómeno,<br />

tão frequente nas vi<strong>da</strong>s mentais humanas, <strong>do</strong> auto-engano<br />

(seíf-deception). E o descolamento ou desajuste entre juízos e crenças<br />

que justifica, fuialmente, a ahrmação de Dennett em Brain Wts'titzg<br />

and Mind Reading segun<strong>do</strong> a qual mesmo que o neurocriptógrafo<br />

viesse a descobrir que o úlho juízo pronuncia<strong>do</strong> por Sam antes de<br />

morrer tinha si<strong>do</strong> "O meu fuho é um grande artista" ele não podena<br />

afirmar taxativamente que essa era a crença de Sam, pois tal opiniáo<br />

poderia ser um auto-engano.<br />

:" Ao longo <strong>da</strong> pclio<strong>do</strong> em ankliiise no picsenrr capinilo, Dcnnett sempre dcfcndcu e çrplorou<br />

essa difcrcnçn que rem obvismente um pcso prqpático c ético (cf, nomca<strong>da</strong>menre DENNETT<br />

1978% Ilom 10 riig,#epr,r ,,iiiid, DENNETT 1987j. Bcyot~d Beligc DENNETT 1998c, %bo Coiilrnili:<br />

h/& Crdi ver,,(, Fdk Icic~~e aud Belig ~,enus Opiniov).<br />

2.1.1.7 A oscifa~ão entre i~~stt~~ilientalisn~o e realisnzo: o realirno enfraqneci<strong>do</strong>,<br />

os ver<strong>da</strong>deiros crentes e ospad6es reais.<br />

2.1.1.7.1 Trz~e Believers<br />

Em Trtre Believers, o ensaio nuclear de Tbe It~tetztionaL Stance, empreende-se<br />

uma nova caractenzagão <strong>da</strong> EI. Dennett defende então<br />

(obviamente procuran<strong>do</strong> demarcar-se de classificações <strong>da</strong> sua posição<br />

como insustentavelmente instrumentalistaz5? que embora a decisão<br />

de a<strong>do</strong>ptar a E1 seja livre, os factos relativos ao seu sucesso ou<br />

malogro são perfeitamente objectivos. Noutras palavras, os esta<strong>do</strong>s<br />

mentais são agora considera<strong>do</strong>s padrões reais e não apenas interpretações<br />

úteis e a posição geral acerca de intencionali<strong>da</strong>de é apresenta<strong>da</strong><br />

como um realismo enfraqueci<strong>do</strong> ou modera<strong>do</strong> (a indd sort oJ1' reah/).<br />

Apesar <strong>da</strong> concessão realista, Dennett continua a defender que<br />

o facto de considerar reais os padrões envolvi<strong>do</strong>s na intencionali<strong>da</strong>de<br />

não o obriga a supor que um «padrão real seja produzi<strong>do</strong> por<br />

outro padrão real aproxima<strong>da</strong>mente isomórfico a ele, no cérebro <strong>da</strong>s<br />

criaturas inteligente^))^". I.e., os padrões, para serem reais, não têm<br />

que ser as representações internas explícitas de Fo<strong>do</strong>r.<br />

Em Md-Terw Exa?ni~zaho~~~, o artigo que conclui The Itztentional<br />

Stance, Dennett procura situar este realismo modera<strong>do</strong> relativamente<br />

a teses concorrentes. As teses-limite <strong>da</strong> apologia são o mentalismo<br />

brentaniano e o behaviorismo quineano e, <strong>da</strong> "geografia" apresenta<strong>da</strong>,<br />

Dennett conclui com pouca modéstia, que «os fdósofos,<br />

sen<strong>do</strong> aproxima<strong>da</strong>mente sistemas intencionais racionais estão gradualmente<br />

a persuadir-se de que Dennett está certo»25'. Isto sigmficana<br />

que, na metáfora organiza<strong>do</strong>ra de Mid-Ternl Exanzinati02'~, eles<br />

se aproximam de zonas (ain<strong>da</strong> tempera<strong>da</strong>s) <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, afastan<strong>do</strong>-se<br />

<strong>do</strong>s limites e levan<strong>do</strong> a sério a ideia quineana de não levar<br />

a sério os idiomas intencionais continuan<strong>do</strong> a utilizá-los. Dois Mó-<br />

= Cf. DENNETr 1993: 210: «I once mnde tiie mirral:~ af nouicscine " in a coooer%~x~e spicir.<br />

ivlien Ned Block ruggcstcd diat I sliould let myself bc cdcd rin insuumennlisa.<br />

'' DENNETT 1987: 34.<br />

DENNETT 1987: 350.<br />

- - -<br />

:" Nn ucoamfin imacinkrin de i\!Iidier,,, Exxxxxiiiiiiiiii, a "Pólo Norie" é o menrdirino Iircnmniano,<br />

a Pólo Sul o beli;i


Soja Migleii<br />

sofos cujas trajectórias são na geografia imagínária.de Midterm<br />

Exanlilration, bastante semelhantes, Davidsori e Dennett, são condu-<br />

zi<strong>do</strong>s <strong>da</strong> indeterminação quineana <strong>da</strong> tradução à formulação <strong>da</strong> teo-<br />

ria <strong>da</strong> mente como uma teoria <strong>da</strong> interpretação. Dennett distingue-<br />

se no entanto de Davidson fun<strong>da</strong>mentalmerite pelo facto de este se<br />

ocupar mais directamente de ontologia, defenden<strong>do</strong> que ca<strong>da</strong> even-<br />

to mental é idêntico a um evento íísico e procuran<strong>do</strong> conceber a<br />

interpretacão nesse quadro. O seu argumento depende de una <strong>do</strong>u-<br />

trina acerca de relacões causais formula<strong>da</strong> em termos de eventos,<br />

que lhe permite manter o realismo acerca de crenças. Dennett admi-<br />

te não estar tão directamente interessa<strong>do</strong> em ontologia como Da-<br />

vidson, nem ser tão realista acerca de esta<strong>do</strong>s mentais, ao ponto de<br />

os querer numa ontologia científica. Para Dennett, Davidson, ain<strong>da</strong><br />

que considere acerta<strong>da</strong>mente que a teoria <strong>do</strong> mental deve ser uma<br />

teoria <strong>da</strong> interpretação, leva as atitudes proposicionais mais a sé<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> que deveria, como quineano. Dennett reclama para si, por con-<br />

seguinte, o títuIo de ver<strong>da</strong>deiro quineano. O ver<strong>da</strong>deiro qullieano<br />

não leva a sério as atitudes proposicionais, o que se traduz-se na<br />

ideia, que dá o titulo a Trxe Believers, de que o ver<strong>da</strong>deiro crente será<br />

qualquer sistema cujo comportamento é previsível através <strong>da</strong> EI.<br />

Esse sistema é um crente tão ver<strong>da</strong>deiro quanto algum crente pode<br />

ser. Poder ser descrito e previsto a partir <strong>da</strong> E1 é tu<strong>do</strong> o que é ne-<br />

cesssário a um ver<strong>da</strong>deiro crente - não é legítimo procurar alguma<br />

intencionali<strong>da</strong>de genuína como ingrediente a mais <strong>do</strong> ver<strong>da</strong>deiro<br />

crente, que tanto pode ser um humano como um termostato, para<br />

evocar um célebre exemplo de Trz~e Believers. Esta posicão conduz<br />

evidentemente à objecção segun<strong>do</strong> a qual to<strong>do</strong> o sistema pode ser<br />

um SI: até uma estante no escritório pode ser descrita como acredi-<br />

tan<strong>do</strong> que está no centro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong> e desejan<strong>do</strong> perma-<br />

necer nesse mun<strong>do</strong>26'. É certo que perante objecções ao liberalismo<br />

excessivo nas atribuicões de mentali<strong>da</strong>de, Dennett não pode con-<br />

trolar a extensão excessiva <strong>do</strong> conceito de SI apelan<strong>do</strong> a uma inten-<br />

cionali<strong>da</strong>de intrínseca. Apenas pode fazê-lo apelan<strong>do</strong> a razões prag-<br />

máticas, i.e. sublinhan<strong>do</strong> a inutili<strong>da</strong>de de prever a partis <strong>da</strong> E1 siste-<br />

mas insuficientemente complexos.<br />

Mesmo sublinhan<strong>do</strong> o realismo, o realista modera<strong>do</strong> considera<br />

que a existência de crenças só pode ser confirma<strong>da</strong> pelo sucesso <strong>da</strong><br />

Uffia Teoria Fisicrlisto <strong>do</strong> Corile~i<strong>do</strong> e ria Cotisciê~iriri<br />

estratégia de atribuiqão. Esta não é uma consideração nova, mas uma<br />

<strong>da</strong>s primeiras críticas *<strong>da</strong>s à TSI acusava esta de ser indiferente<br />

perante o sucesso obti<strong>do</strong> mediante previsões intencionais. No artigo<br />

R& to Arbib e Gz~~r~ierso~i~~, Dennett respondera a críticas nesse senti<strong>do</strong>.<br />

Toman<strong>do</strong> o exemplo atrás referi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sistemas artificiais<br />

com a mesma desccição intencional (são reconhece<strong>do</strong>res de rostos),<br />

se de acor<strong>do</strong> com a TSI o que <strong>do</strong>is sistemas têm em comum quan<strong>do</strong><br />

se lhes adscreve um mesmo predica<strong>do</strong> mental não tem que necessáriamente<br />

ser um traco independentemente descntivel <strong>do</strong> desigr ou <strong>da</strong><br />

física <strong>do</strong> sistema, o problema é que as possíveis verificações <strong>da</strong>s previsões<br />

na<strong>da</strong> conhrmarão ou infirmarão quanto à descrição <strong>do</strong> sistema.<br />

Para Dennett, recorde-se, além de não haver razão para supor correspondências<br />

entre atribuições intencionais e traços mecânicos salientes,<br />

não se põe sequer o caso de uma auibuição mental isola<strong>da</strong> a um<br />

sistema poder ser compara<strong>da</strong> com um traqo £ísico, na medi<strong>da</strong> em que<br />

na E1 estão sempre envolvi<strong>da</strong>s indehni<strong>da</strong>mente muitas atribuições<br />

intencionais. É este o propósito <strong>do</strong> exemplo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is reconhece<strong>do</strong>res<br />

de rostos: aquilo que nos faz considerá-los como tal, como reconhece<strong>do</strong>ies<br />

de rostos, é caracteriza<strong>do</strong> intencionalmente. Trata-se de uma<br />

caracterização de função, e de acor<strong>do</strong> com a <strong>do</strong>utrina funcionalista, a<br />

"mesma" funcão pode ser cumpii<strong>da</strong> de diferentes maneiras. Para M.<br />

Arbib, um <strong>do</strong>s críticos a quem Dennett responde em Repb to Arbib<br />

at~d Gr,lrdersorz, isto significa que Dennett deveria admitir que não considera<br />

a precisão no relato intencional um objectivo cientiííco mportante,<br />

ou sequer um objectivo por si própria, pois não permite de<br />

facto caracterizar o sistema. Arbib considera a tese falsa e derrotista:<br />

a desc$ão intencional de sequências causais através de etiquetas funcionais<br />

não apenas é possível como caracteriza de facto os sistemas.<br />

Dennett admite a objecção, mas contorna-a <strong>da</strong> segiimte maneira: ele<br />

considera que o discurso intencional é de facto inescapavelmente ide-<br />

&ante, mas «pode ser torna<strong>do</strong> honesto pela excelência <strong>do</strong> des~~n)'~~.<br />

A reafirmação e aperfeiçoamento <strong>do</strong>s princípios <strong>da</strong> TSI em Tme<br />

Believers cobre inicialmente os seguintes pontos:<br />

(1) Os ver<strong>da</strong>deiros cl.crrte.r acren'itan~ pplzrz$alnlente e7n ver<strong>da</strong>des<br />

(Dennett reitera o facto de esta ser uma ideia defendi<strong>da</strong> também<br />

por Quine, Putnam e Davidson'"). É óbvio que a regra <strong>da</strong> auibui-<br />

"' DENNEIT 1978ix 26.<br />

"' DONNBTT 1978: 27.<br />

" Cf. DENNDTT 1981: 19.


ção de crenças maioritariamente ver<strong>da</strong>deiras a sistemas peca por (i)<br />

atribuição excessiva e (ii) não capturar as crenças falsas. Estas, para<br />

Dennett, requerem genealogias especiais, nas quais serão encontra<strong>da</strong>s<br />

essencialmente crenças ver<strong>da</strong>deiras: «as crenças falsas crescem<br />

num meio de cultura de crenças ver<strong>da</strong>deiras»'", No caso <strong>do</strong>s humanos,<br />

a distinção supõe a diferença acima menciona<strong>da</strong> entre crença<br />

e opinião: são as crenças que são maioritariamente ver<strong>da</strong>deiras, e<br />

não certamente as opiniões ou juízos. Estes últimos são esta<strong>do</strong>s<br />

cognitivos sofistica<strong>do</strong>s envolven<strong>do</strong> o compromisso com a ver<strong>da</strong>de<br />

de uina particular asserção iinguisticamente formula<strong>da</strong>. Por exemplo,<br />

as "crenças" para-científicas <strong>do</strong> atomismo de Deinócrito (i.e.<br />

as "opiniões" de Demócrito) podiam ser completamente erra<strong>da</strong>s, e<br />

eram-no certamente. No entanto ninguém poderia afismar por isso<br />

que Demócrito não sabia por exemplo mover-se competentemente<br />

no mun<strong>do</strong> que a sua física teorizava de forma inapropria<strong>da</strong>, ou<br />

que era incapaz de li<strong>da</strong>r com objectos. Ora, para ser capaz de tais<br />

habili<strong>da</strong>des, Demócrito necessitava de ter crenças na sua maioria<br />

ver<strong>da</strong>deiras acerca <strong>da</strong>quilo que o rodeava e <strong>da</strong>s suas capaci<strong>da</strong>des<br />

corporais.<br />

(2) A regra I segtm<strong>do</strong> a qz~al "Os ver<strong>da</strong>deiros crentes acreditam sobret~l<strong>do</strong><br />

ver<strong>da</strong>des" decorre <strong>do</strong>pti~~cipoj~t~<strong>da</strong>~~ze~~tal<br />

<strong>da</strong> TSI segz~n<strong>do</strong> o qzlal devem<br />

ser atribr~i<strong>da</strong>s aos crentes as crenças qzde estes deveriam ter: Este princípio<br />

e o princípio relativo aos desejos, segun<strong>do</strong> o qual ao sistema<br />

devem ser atribuí<strong>do</strong>s os desejos que ele deveria ter, sustentain-se<br />

mutuamente. De entre os desejos, os desejos básicos (por exemplo,<br />

tratan<strong>do</strong>-se de humanos, o desejo de sobrevivência) constituem<br />

o fun<strong>do</strong>, o limite, para o pedi<strong>do</strong> de justificação <strong>da</strong> posse de<br />

crenças e desejos. Consequentemente, haverá uma circulari<strong>da</strong>de na<br />

atiibuição de crenças e desejos (aos sistemas devem ser atribuí<strong>do</strong>s<br />

desejos <strong>da</strong>quelas coisas que os sistemas crêem serem boas, e desejos<br />

quanto aos meios que o sistema crê serem os meios para alcançar<br />

os fins).<br />

(3) A entra<strong>da</strong> enz cena <strong>da</strong> lifgz~agení natnral espectzca as crenças e desejos<br />

de zcniaJor?na absok~ta~izente zítzica no universo <strong>do</strong>s SI. Nenhuma enti<strong>da</strong>de<br />

sem uso de linguagem poderia, no exemplo de Dennett, ter um desejo<br />

de (cana omelete de <strong>do</strong>is ovos com cogumelos pão francês e<br />

manteiga e meia garrafa de Bosgonha ~etn-frio))'~'.<br />

Uma Teoria FisicaLiio <strong>do</strong> Coiiterí<strong>do</strong> e ria Coi~sciêlrcia<br />

(4) Além <strong>do</strong>s princípios acima menciona<strong>do</strong>s, que regein a atnbuição<br />

de crenças e desejos, hápril2c$ios que regem a atribnição de 11nza<br />

racionali<strong>da</strong>de mzítinza a sistenzas, princ$ios seg~~otrio os qt~ais deve ser atrib~~i<strong>da</strong><br />

aos sistenzas a crença nas i?tplicações <strong>da</strong>s crenças qne têm e a ansência de cre7iça<br />

em pares corrtraditóris de crenps. Mas este é apenas um primeiro<br />

movimento, que terá inevitavelmente que ser corrigi<strong>do</strong>. A irracionali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> comportamento e a incoerência <strong>da</strong>s crenças de sistemas<br />

levanta obviamente problemas de interpretação, como desde C&C<br />

e BS Dennett vem a afismas.<br />

Até aqui, na<strong>da</strong> de novo. No entanto consideran<strong>do</strong> que a auibuição<br />

de mentali<strong>da</strong>de corresponde a um interesse pra,mático <strong>do</strong> intérprete<br />

e que a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s previsões <strong>da</strong> E1 aumenta de forma<br />

directamente proporcional à complexi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sistema, um problema<br />

novo é coloca<strong>do</strong> em Ttze Believers. Se um SI simples como um<br />

termostato é previsível como um crente a partis <strong>da</strong> EI, sen<strong>do</strong> também<br />

ao mesmo tempo totalmente compreensível no seu funcionamento<br />

mecânico, e portanto previsível, como não sen<strong>do</strong> um crente,<br />

levanta-se a hipótese de que um sistema <strong>da</strong><strong>do</strong> (um humano, por<br />

exemplo) poderia ser para um sistema menos inteligente (um outro<br />

humano, por exemplo) um crente, enquanto que para outro sistema<br />

(mais inteligente, sumamente inteligente) seria previsível a partir<br />

<strong>da</strong> EF, não como um crente mas como um sistema físico. Para a<br />

exploração desta hipótese Dennett evoca um exemplo usa<strong>do</strong> por<br />

Robert Nozick para criticar a ideia de EI. Robert Nozick imagina<br />

marcianos para quem nós, os humanos, somos mecanicamente <strong>da</strong>ros<br />

como os artefactos mais simples podem sê-lo para nós, ou como<br />

um termostato pode ser para uin engenheiro. Os marcianos são<br />

físicos laplacianos que podem a<strong>do</strong>ptar a EF em relação a nós. Eles<br />

não têm necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> E1 ou sequer <strong>da</strong> ED. Para os marcianos, os<br />

humanos não teriam que ser considera<strong>do</strong>s como crentes pois seriam<br />

totalmente previsíveis como sistemas físicos. Ora Dennett<br />

afirma que estes marcianos, mesmo "saben<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>" acerca de humanos<br />

a partir <strong>da</strong> EF, se não vissen~ os htmanos como SI estarianz afa1'bar<br />

padrões reais, dperzas descritiueis aparfir <strong>da</strong> EI.<br />

O grande poder <strong>da</strong> E1 como instrumento de previsão assenta na<br />

sua neutrali<strong>da</strong>de e abstracção relativamente aos detalhes de execução<br />

<strong>da</strong>s acções previstas: essa é a razão pela qual os padrões reais<br />

apercebi<strong>do</strong>s pelos terrestres através <strong>da</strong> E1 escapariam aos marcianos<br />

imaginários. O poder de previsão <strong>da</strong> E1 é neutro quanto aos<br />

detaihes <strong>da</strong> implementação no senti<strong>do</strong> em que, por exemplo, saber


que um agente económico vai comprar ou vender títulos não supõe<br />

saber através de que movimentos físicos <strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s <strong>do</strong> corrector<br />

nas teclas <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r ou em que minuto e segun<strong>do</strong> essa acção<br />

vai ser cumpri<strong>da</strong>. Assim sen<strong>do</strong>, os físicos laplacianos marcianos<br />

poderiam compreender a activi<strong>da</strong>de em Wali Street ao nível microfísico<br />

sem no entanto saber dizer que acções ocorrem. Poderiam<br />

prever as vibrações <strong>da</strong> voz <strong>do</strong> corrector ao <strong>da</strong>r a ordem de compra<br />

mas não saberiam que essa mesma acção poderia ter ocorri<strong>do</strong> de<br />

inúmeras outras maneiras, pois há um ((número indefini<strong>do</strong> de<br />

maneiras de colocar no merca<strong>do</strong> uma ordem sobre 500 ac~ões <strong>da</strong><br />

General motor^»^^'. Nesta situação seria portanto sempre mais ilumina<strong>do</strong>ra<br />

a previsão através <strong>da</strong> EI.<br />

Em suma, a defesa de Dennett perante a objecção de Nozick<br />

consiste em manter que padrões que apenas aparecem a partú. <strong>da</strong> E1<br />

são ain<strong>da</strong> assim reais: há alguma coisa aí que será ignora<strong>da</strong> se não fôr<br />

assumi<strong>da</strong> a EI. Dennett pretende reforçar esta tese apoian<strong>do</strong>-se no<br />

Jogo <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> de J. Horton Conway, que virá a ser o exemplo central<br />

de RealPat?er~~.i". O Jogo <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> não se joga para ganhar ou perde?".<br />

Dois esta<strong>do</strong>s (on e off) <strong>da</strong>s células de uma grelha, determina<strong>do</strong>s<br />

por um regra simples, constituem to<strong>da</strong> a física (determinista) <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Essa física simples dá lugar a padrões reconhecíveis<br />

e previsíveis, mas que não são reali<strong>da</strong>des <strong>do</strong> nível <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

<strong>da</strong>s células individuais. Assim, uma enti<strong>da</strong>de que apenas reconhecesse<br />

a física <strong>do</strong> blun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> faiharia os padrões. O propósito de<br />

Dennett com o exemplo <strong>do</strong> bíun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> é mostrar que a E1 fornece<br />

o ponto de vista para discernir a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s padrões nele<br />

existentes. Transpon<strong>do</strong> a conclusão para os esta<strong>do</strong>s intencionais,<br />

também estes são padrões reais, ain<strong>da</strong> que a sua reali<strong>da</strong>de "depen-<br />

:" DENNET-i' 1978: 26. Dennett núrmn cm DENNTI-i' 1994 (na resposta n hl. Ricliard) que<br />

rpcrfcisoou cste exemplo <strong>do</strong>s mnrcinnos com o exemplo <strong>da</strong>s duas cnkss neps que npnrccc cm<br />

DDNNST 1995: 412-419 c quc seri mais i frciitc dcrcrito. O ponto continua n sci ri cxistinci* de<br />

gener;ilizayòes inerpiicivcis c mistcrioíss pon "supcilaplaceanos?<br />

" DENNETT 1987:38, fieertio~~f: R~olP~~iern,, Deepcir,. Foiir ot~d En+bpQi~erlio~u.<br />

'" Ct uma iniroduçRo no jogo em DENNElT 1978: 105. Dennett considcn-o uma olrigaçio<br />

para úiOrofas, c uma fontc inesgotivcl de exemplar:


conceber a si próprios como inteligentes unia vez quea sua capaci<strong>da</strong>de<br />

de previsão a paràr <strong>da</strong> EF seria perfeita.<br />

No caso humano, a EI, e portanto o discernimento <strong>do</strong>s padrões<br />

reais <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, é de acor<strong>do</strong> com Dennett,<br />

inevitável. A E1 é assumi<strong>da</strong> por ca<strong>da</strong> um de nós em relação a si próprio,<br />

a seres <strong>da</strong> mesma espécie e a muitos outros sistemas. No<br />

entanto os padrões, embora reais e inevitavelmente discrimina<strong>do</strong>s,<br />

são também inevitavelmente incoinpletos e imperfeitos. Como já<br />

foi observa<strong>do</strong>, não existe utn pensa<strong>do</strong>r racional real perfeito: to<strong>do</strong><br />

o pensamento fisicamente existente sofre constantes interferências<br />

em victude <strong>da</strong>s limitações <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de realiza<strong>da</strong>. A existência<br />

de crenças falsas, incoerentes e inconsistentes e de falhas <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

é problemática para a TSI, que se baseia, ela própria, numa<br />

suposição de racionali<strong>da</strong>de. Relativamente às falhas <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de,<br />

observar-se-á que nesses casos, não existe matéria de facto que<br />

permita decidir que crenças e desejos atribuir ao sistema. No entanto<br />

«isso não corresponde a subjectivismo ou relativismo porque a<br />

decisão acerca de quan<strong>do</strong> e porquê está ausente matéria de facto é<br />

ela própria uma questão de facto objectiva>>272.<br />

A ideia <strong>da</strong> inexistência de matéria de facto que permita decidir por<br />

uma interpretação intencional, de entre <strong>do</strong>is esquemas rivais e igualmente<br />

eficazes, decorre, como já se ahinou, <strong>da</strong> indeterminação quiniana<br />

<strong>da</strong> tradução. Mas o que importa acentuar aqui é o facto de<br />

Dennett pensar que interpretações radicalmente divergentes são «na<br />

prática negligenciá~eis))"~ em relação a sistemas complexos. Assim<br />

apesar <strong>da</strong> akmação central de Tr/e BeLcve~s segun<strong>do</strong> a qual ser um<br />

crente é ser uma enti<strong>da</strong>de descritivel e previsível a partir <strong>da</strong> E1 e na<strong>da</strong><br />

mais, pode-se considerar que Dennett apresenta uma versão forte <strong>do</strong><br />

estatuto <strong>da</strong>s crenças para SI interessantes e complexos como os<br />

humanos. Qanto mais um SI é complexo mais o critério de atribui$o<br />

de crenças (aparentemente instrumental) envolve constrangunentos<br />

quanto à constituição interna de sistemas (quanto ao seu desig,r, afinal).<br />

No exemplo de Dennett, quanto mais se enriquecer e complexificar<br />

as ligações ao mun<strong>do</strong> de um sistema Bsico (por exemplo o termostato<br />

de Tme Belieuers, que é à parti<strong>da</strong> tanto um ver<strong>da</strong>deiro crente como<br />

um humano, na medi<strong>da</strong> em que é previsível pela EI) "<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhe"<br />

orgãos sensoriais e conhecimento de factos de mo<strong>do</strong> a ter versatili<strong>da</strong>-<br />

i' DENNETT 1978: 29.<br />

-' DENNETT 1778: 29.<br />

de comportamental, mais a classe <strong>do</strong>s modelos indisànguivelmente<br />

satisfatónos desse sistema vai diminuin<strong>do</strong> até que uma interpretação<br />

única se impõe na prática. Um dispositivo que passe a ter crenças e<br />

desejos ricos e específicos torna-se muito difícii de "transpôr" de um<br />

mun<strong>do</strong> para outro, pois aquilo que o dispositivo é (é-para) está liga<strong>do</strong><br />

ao (seu) mun<strong>do</strong> de múltiplas maneiras. Esta ideia é muito importante<br />

para compreender a posição geral de Dennett perante os casos <strong>da</strong> família<br />

<strong>da</strong> Terra Gémea de Putnam"', a experiência de pensamento<br />

exemplar <strong>do</strong> externalismo. Em geral, Dennett não aceita as conclusões<br />

putnamianas no ponto em que elas ligam o externalismo com<br />

uma suposição quanto à determinação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais.<br />

As deslocacões ou transposições de sistemas físicos representacionais<br />

de mo<strong>do</strong> a fazer variar os conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s mentais<br />

são essenciais para a exemplificação <strong>da</strong> teoiia teleológica <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

Na obra de Dennett, estas transposições comecam em P~ie Believeis<br />

com o caso <strong>do</strong> termostato e são leva<strong>da</strong>s até ás úitimas consequên-<br />

cias com os vários exeinplos de Evohitiotz, E~rorat~dl~~te~~tionali~. Elas<br />

comprovam, segun<strong>do</strong> Dennett, que o "espelhamento" <strong>do</strong> meio pela<br />

organização de um sistema é um constrangimento cenural a considerar<br />

numa teoria materialista <strong>da</strong> representação.<br />

E no quadro externalista <strong>da</strong> ligação apropria<strong>da</strong> entre o des&tl<br />

interno <strong>do</strong> sistema e o ambiente, que a questão <strong>da</strong>s representações<br />

internas deve ser pensa<strong>da</strong>. Isto significa que segun<strong>do</strong> a TSI, os esta<strong>do</strong>s<br />

intencionais não são atribuí<strong>do</strong>s porque se encontram representações<br />

internas em sistemas, mas porque, quan<strong>do</strong> se encontra um<br />

sistema ein relação ao qual a E1 funciona <strong>da</strong><strong>da</strong>s estas ligacões complexas<br />

ao ambiente, se interpota alguns <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s internos<br />

como sen<strong>do</strong> representações. E também essa a razão para a inexistência<br />

de uma transição abrupta entre um ver<strong>da</strong>deiro crente como<br />

um termostato e um ver<strong>da</strong>deiro crente como um humano: há apenas<br />

diferenças de grau na organização interna <strong>do</strong>s sistemas intencionais,<br />

diferenças deriva<strong>da</strong>s <strong>do</strong> embebimento (e?ilbeddedt~ess) no ambiente<br />

<strong>da</strong> organização <strong>do</strong> sisteina.<br />

Dennett conclui Trae BeLevers enfrentan<strong>do</strong> uma questão geral<br />

que se coloca à TSI: trata-se de saber porque é que a E1 funciona<br />

"' Cf. I'UTNAhI 1775, Ti,rAlrn»N~g<br />

o/ ~Vltc,,iig,<br />

para n esperiéncia mcnral <strong>da</strong> 'rcrn Géincl, uina<br />

espctiêncis mental que, como a já mfcri<strong>do</strong> expcritncin mcntol <strong>do</strong> Quaito C1iini.a dc Jolm Scntle, "ao<br />

mais sNu de cena na ólosoúr <strong>da</strong> rncnrc.<br />

"' DENNETi 1787.


elativamente a um sistema. Ora, existem <strong>do</strong>is tipos de resposta a<br />

essa questão. A primeira espécie de resposta remete para o desig~z<br />

apropria<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema: a E1 funciona porque o sistema está feito-<br />

para-x, e bem feito. A segun<strong>da</strong> espécie de resposta faz apelo aos<br />

mecanismos e ao seu funcionamento. No caso <strong>do</strong>s humanos e ou-<br />

tros sistemas cognitivos biológicos isto conduz a evocar a evolução<br />

por selecção natural, responsável pelo deszg~z pelo qual os humanos<br />

são crentes racionais. No caso <strong>do</strong> termostato como no caso <strong>do</strong>s hu-<br />

manos, a primeira resposta é muito pouco informativa. A questão<br />

ver<strong>da</strong>deiramente interessante diz respeito a mecanismos e design.<br />

Ora, segun<strong>do</strong> Dennett, não sabemos como responder a essa ques-<br />

tão difícil, e é precisamente por isso que uma hipótese ousa<strong>da</strong><br />

como a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem de Pensamento de Fo<strong>do</strong>r é perti-<br />

nente. No entanto, a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento en-<br />

volve algo que Dennett, como se sabe, não aceita: um isomorfismo<br />

entre os padrões reais atribuí<strong>do</strong>s (a intencionali<strong>da</strong>de manifesta<strong>da</strong><br />

no comportamento <strong>do</strong> sistema) e padrões igualmente reais no cé-<br />

rebro ou no interior <strong>da</strong>s criaturas intencionais e inteligentes. No en-<br />

tanto ((duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> existência <strong>do</strong>(s) segun<strong>do</strong>(s) não é duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> exis-<br />

tência <strong>do</strong>(s) primeiro(^)^^^".<br />

2.1.1.7.2 The Intentional Stance e a eybloração <strong>do</strong>sproble~tlas dehita<strong>do</strong>s<br />

eíil True Believers.<br />

Os restantes artigos de The Inte~ziioncdStance expandem e exploram<br />

os problemas delimita<strong>do</strong>s em Trile Belieue~r. Em Makillg Se~zse of<br />

O~lrseLues?", são explora<strong>do</strong>s alguns problemas envolvi<strong>do</strong>s na suposicão<br />

de racionali<strong>da</strong>de, em Ijàst Thit~king e Euol~~tion, Error and IntetzionaliQ é<br />

critica<strong>da</strong> a ideia de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca, em S-yles of A4e1zfaL<br />

Represetitatiorzs é desenvolvi<strong>da</strong> uma distinção entre crencas-núcleo e<br />

crenças implícitas e são apresenta<strong>da</strong>s razões para não seguir os Churchland<br />

na conclusão (o materialismo eliminativo) que estes retisam <strong>da</strong><br />

inexistência de representações explícitas. A TSI continua portanto a<br />

ser apresenta<strong>da</strong> como uma posição intermédia entre realismo intcncional<br />

sentenual e eliminativismo.<br />

'" DDNNFIT 1978: 34<br />

-' DENNETT 1987i.<br />

O artigo Makifig Seme of Onrselues abor<strong>da</strong>, hnalmente, a questão<br />

<strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. As suas conclusões fugidias são ilus-<br />

trativas <strong>da</strong> "aporia" fun<strong>da</strong><strong>do</strong>ra <strong>da</strong> TSI: o facto de ter que supor a<br />

racionali<strong>da</strong>de e não poder dehni-la ou explicá-la. O pretexto <strong>do</strong> ar-<br />

tigo é a resposta a criticas de S. Stich segun<strong>do</strong> as quais seria impos-<br />

sível para a TSI, em victude <strong>do</strong>s seus princípios, explicar, prever ou<br />

descrever a existência de falhas, insuficiências cogmtivas ou erros<br />

nos SI. Ora, para Stich uma boa teoria <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de deve per-<br />

mitir decidir se é ver<strong>da</strong>deira ou falsa qualquer atribuição de cienqas<br />

a um SI quan<strong>do</strong> unl erro é cometi<strong>do</strong>. Dennett pensa que Stich é pre-<br />

sa de uma ilusão análoga i que faria alguém pensar que, numa situa-<br />

ção quineana de tcadução radical e haven<strong>do</strong> <strong>do</strong>is manuais de tra-<br />

dução para uma liriguagem, apenas um deles poderia por princípio<br />

ser o bom manual.<br />

Os casos que Stich discute não são casos de irracionali<strong>da</strong>de<br />

"irredutivel", nos quais haveria persistência no "erro" e defesa de<br />

uma prática irracional (como aconteceria por exemplo na loucura),<br />

mas casos de irracionali<strong>da</strong>de normal (Dennett defende aliás que<br />

não são casos de irracionali<strong>da</strong>de mas de erro). Tomar-se-á aqui co-<br />

mo exemplo o caso <strong>do</strong> rapaz que vende limona<strong>da</strong> e que dá o troco<br />

erra<strong>do</strong>. Ca<strong>da</strong> copo de limona<strong>da</strong> custa 12 cêntimos. Uma pessoa dá<br />

25 cêntimos ao rapaz, ele dá-lhe um copo, 10 cêniimos e mais 1<br />

cêntimo de troco. O rapaz cometeu um erro. O problema é saber<br />

que crenças tem ele quan<strong>do</strong> comete o erro. Dennett admite que<br />

casos semelhantes são imprevisíveis a partir <strong>da</strong> EI, mas que isso<br />

acontece porque o comportamento escapa i descrição intencional,<br />

na medi<strong>da</strong> em que é função de um lapso no nível intencional. De<br />

qualquer mo<strong>do</strong>, é a partir <strong>da</strong> E1 que se faz senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> situação. Uma<br />

suposicão de racionali<strong>da</strong>de subjaz ao facto de se esperar que o<br />

rapaz se surpreen<strong>da</strong> e embarace e que dê mais 2 cêniimos, perfa-<br />

zen<strong>do</strong> o troco correcto quan<strong>do</strong> o erro lhe é aponta<strong>do</strong>. E se o rapaz<br />

se comporta como é espera<strong>do</strong> (coran<strong>do</strong> e desculpan<strong>do</strong>-se) ele é<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente racional. Na descricão e previsão <strong>do</strong> comporta-<br />

mento <strong>do</strong> rapaz as coisas passam-se deste mo<strong>do</strong> porque lhe auibuí-<br />

mos a crença de que deu o troco certo, o desejo de não enganar os<br />

clientes, além <strong>da</strong> crença de que 25-12=13. Portanto, mesmo se o er-<br />

ro não é previsível a partir <strong>da</strong> EI, só a partir dela é possível fazer<br />

senti<strong>do</strong>, globalmente, <strong>da</strong> situação na qual o erro surge como erro.<br />

Evidentemente, é difícil dizer qual foi exactamente o erro <strong>do</strong> ra-<br />

paz. Procuran<strong>do</strong> listar as crencas <strong>do</strong> rapaz encontra-se que ele acre-


dita: (1) que deu o troco certo, (2) que a pessoa lhe deu 25 cêntimos,<br />

(3) que a limona<strong>da</strong> custa 12 cêntimos, (4) que 25.13~12, (5) que<br />

20+1=11, etc. De entre essas váiias crenças, apenas a crença de que<br />

teria <strong>da</strong><strong>do</strong> o troco certo é falsa. Parece pertinente perguntar a partir<br />

de qual crença teria ele inferi<strong>do</strong> essa crenca errónea. Ora Dennett<br />

defende que a creirpa erhea ~rãofoi alcaf~ça<strong>da</strong> at~avés de r~etzhz/íi/a itlfcrêtzcia.<br />

Inferências são passagens de pensamento com razões e Dennett<br />

pensa que não há razão para o erro <strong>do</strong> rapaz. A melhor maneira de<br />

fazer senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento é considerá-lo como uma irrupção<br />

de mau funcionamento. Houve uma transição sem senti<strong>do</strong>, e nenhum<br />

relato em termos de crenças e desejos capturará a razão desta.<br />

Senão, o que se deveria pensar? Que o erro foi causa<strong>do</strong> pelo facto de<br />

o rapaz ter pensa<strong>do</strong> explicitamente para si "25-12=1 I"? Mas foi-lhe<br />

atribuí<strong>da</strong> a crença de que 25.12~13, para explicar o espanto e embaraço.<br />

Poderia ele acreditar que "25-12=11" e "25-12=13", em irracionali<strong>da</strong>de<br />

flagrante? É improvável. Estas considerações mostram,<br />

segun<strong>do</strong> Dennett, que a explicação procura<strong>da</strong> não é de nível intencional.<br />

Não é possível decidir o que o rapaz realmente acreditava<br />

quan<strong>do</strong> cometeu o erro. É preciso descer de nivel para explicar o<br />

caso. Conclui-se que (Erros deste tipo são (...) desvios <strong>do</strong>s bons procedimentos,<br />

não manifestações de uma adesão a um mau procedimento<br />

ou prin~ípio»"~. Pelo contrário, Stich pensa que deve ser possível<br />

dizer o que o rapaz realmente acreditava. Considerar-se-ia então,<br />

por exemplo, que ele teria provisoriamente "perdi<strong>do</strong> o endereço" de<br />

alguma coisa conheci<strong>da</strong> (nomea<strong>da</strong>mente as suas crenças aritméticas).<br />

Dennet crê que embora uma hipótese assim possa vir a ser conhrma<strong>da</strong><br />

futuramente, neste caso ela apenas é admiti<strong>da</strong> por horror à<br />

contradição, não existin<strong>do</strong> evidência nesse senti<strong>do</strong>.<br />

O caso <strong>do</strong> rapaz exemplifica ain<strong>da</strong> o seguinte problema geral<br />

acerca <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental: é frequente que uma crença seja possuí<strong>da</strong><br />

por um crente sem que no entanto compareça à sua vi<strong>da</strong> mental<br />

explícita. No exemplo de Dennett2'" alguém é convi<strong>da</strong><strong>do</strong> para<br />

almoçar e diz que não pode, porque sabe que não pode, mas não<br />

faz a mínima ideia <strong>da</strong> ratão por que não pode Outro exemplo: alguém<br />

foi jogar ténis à hora <strong>do</strong> almoço saben<strong>do</strong> perfeitamente (mas<br />

sem que isso lhe tenha vin<strong>do</strong> à ideia) que tinha um encontro importante<br />

ã mesma hora. Como é que crenças tais podem "escapar-se<br />

'" DGNNETT 1978: 87.<br />

'* DGNNTT 1987: 89<br />

provisoriamente" continuan<strong>do</strong> a ser conheci<strong>da</strong>s? A situação não é<br />

de to<strong>do</strong> rara nas vi<strong>da</strong>s mentais humanas e aliás, como nota Dennett,<br />

alguma coisa pode escapar-se-nos mesmo quan<strong>do</strong> estamos a<br />

pensar nela conscientemente e a nomeá-la linguísticamente (como<br />

quan<strong>do</strong> uma pessoa que diz "Cui<strong>da</strong><strong>do</strong>! Está quente - não ponhas a<br />

mão!" coloca ela própria a mão no objecto quente). Para Dennett a<br />

questão <strong>da</strong>s crenças possuí<strong>da</strong>s e que não comparecem explicitamente<br />

não é uma questão de memória e de esquecimento. O problema<br />

com a hipótese <strong>do</strong> esquecimento é que se trata de um "esquecimento"<br />

tal que nenhuma <strong>da</strong>s crenças "hgidias" está esqueci<strong>da</strong><br />

definitivamente, ou é irrecuperável. O problema de Dennett é<br />

estabelecer que significa<strong>do</strong> pode ter a atribuição global de racionali<strong>da</strong>de<br />

a uma vi<strong>da</strong> mental indubitavelmente plena de tais situações,<br />

assegura<strong>da</strong> <strong>do</strong> ponto de vista sub-pessoal por armazenamentos em<br />

memória comparàmenta<strong>do</strong>s, modulares.<br />

To<strong>da</strong>s as crenças acima referi<strong>da</strong>s, que não comparecem no<br />

momento próprio, participam na tentativa global em que ca<strong>da</strong><br />

humano está envolvi<strong>do</strong> constantemente, a tentativa de fazer senti<strong>do</strong><br />

de si próprio. Ora, o ponto de Dennett é que os processos e activi<strong>da</strong>des<br />

mentais que nos auto-atribuímos para fazer senti<strong>do</strong> de nós<br />

próprios não se aproximam muito <strong>da</strong>quilo que uma psicologia cien-<br />

tífica sub-pessoal encontrará. Unia <strong>da</strong>s rayões é o facto depost~lar~zos a<br />

postenori r(enasza<strong>do</strong>s conqorrentes eqVíci?os <strong>da</strong> v<strong>da</strong> meiztal Isto acontece<br />

em parte devi<strong>do</strong> à compulsão a formular-se verbalmente que as criaturas<br />

linguísticas experimentam (como Dennett repete sempre: Hotu<br />

catl I uhat I thi~ik 1~1zti1'I see ruhat I ~ay?'~o).<br />

Ao contrário de Dennett, Stich assume que embora nem a TSI<br />

nem a psicologia de senso comum tenham uma resposta para o problema<br />

apresenta<strong>do</strong>, a psicologia científica encontrará os componentes<br />

explícitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental, esta<strong>do</strong>s funcionalmente salientes e causalmente<br />

eficazes aos quais pode ser atxibuí<strong>do</strong> um conteú<strong>do</strong> determina<strong>do</strong>,<br />

permitin<strong>do</strong> decidir casos como o vende<strong>do</strong>r de limona<strong>da</strong> ou<br />

os esquecimentos. O argumento Fun<strong>da</strong>mental de Dennett contra esta<br />

possibili<strong>da</strong>de é o facto de considerar que assim como a interpretação<br />

de um fragmento de comunicação pública de crença (uma "opinião")<br />

depende <strong>da</strong> atribuição holista <strong>da</strong>s crencas e desejos, também a inter-<br />

"" Em formula@o de E.hl.Fostu i iun monvo consrnnre dc Dciinctt, e nomeia o Fscro de scr<br />

qurilquei coisn como um nuto~qucstionnrnenro quc prccipitn a individuaçno <strong>da</strong>s crençns, produzin<strong>do</strong><br />

opiniões e pcnsarncnro proptiamenre diro. Cf por erempio DENNOIT 1991: 193.


pretação <strong>do</strong>s mecanismos coptivos sub-pessoais depende <strong>da</strong>s crenças<br />

e desejos atribuí<strong>da</strong>s à totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sistema, de acor<strong>do</strong> com idênticos<br />

princípios holistas. A própria identificação de esta<strong>do</strong>s e processos<br />

(tais como memória de p, esquecimento de q, crenca em r, desejo<br />

de s .... etc) pela psicologia cognitiva sub-pessoal depende de etiquetas<br />

intencionais. Embora a psicologia cognitiva sub-pessoal seja uma<br />

investigação acerca de desigrr e funções, o investiga<strong>do</strong>r só pode saber o<br />

que procurar servin<strong>do</strong>-se <strong>da</strong> EI: «os mecanismos <strong>da</strong> psicologia coptiva<br />

sub-pessoal necessitam tanto de interpretação como o comportamento<br />

exterio~?~'. Assim, não existe forma de escapar i interpretação<br />

em teoria <strong>da</strong> cognição, não apenas na descrição <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s mentais pessoais<br />

como também na psicologia cognitiva sub-pessoal. A teoria <strong>da</strong><br />

cogiicão é inevitavelmente holista e conta a história mais racional<br />

possível. Mas como fica então a questão <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

se, de acor<strong>do</strong> com a TSI, é uma atribuição de racionali<strong>da</strong>de que subjaz<br />

quer às práticas <strong>da</strong> psicologia de senso comum quer ã psicologia<br />

cognitiva sub-pessoal? Antes de mais, essa racionali<strong>da</strong>de não é aquilo<br />

que de um ponto de vista teórico puro (por exemplo <strong>do</strong> ponto de<br />

vista <strong>da</strong> lógica ou <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> decisão) parece. Ela não consiste em<br />

fechamento dedutivo <strong>da</strong>s crenças282, nem em perfeita consistência<br />

lógica, nem numa perfeita capaci<strong>da</strong>de inferencial <strong>do</strong> agente. Embora<br />

se verifique na observação empúica <strong>do</strong> comportamento de agentes<br />

racionais que a descoberta de contradições suficientemente explícitas<br />

na vi<strong>da</strong> mental própria é ocasião para o disparar de um "alarme epistémico",<br />

as inferências psicologicamente reais não são exactamente<br />

implicações lógicaszR% as escolhas racionais não exactamente escolhas<br />

maximizantes feitas a partii de to<strong>do</strong> o conhecimento. Estes processos<br />

seriam demasia<strong>do</strong> dispendiosos para vi<strong>da</strong>s mentais reais. Mas o<br />

problema <strong>da</strong> ideia dennettiana de descer de nível para explicar falhas<br />

coptivas tais como o erro <strong>do</strong> exemplo, bem como <strong>da</strong> intenção de<br />

fun<strong>da</strong>mentar o desig~ para a racionali<strong>da</strong>de na evolução, é que o teórico<br />

<strong>da</strong> mente deixa de poder Fazer apelo a teorias formais <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>dea4.<br />

Ora assim, a noção de racionali<strong>da</strong>de arrisca-se a não poder<br />

'*' DENNETT 1987: 105.<br />

:" iAn ideal sgent's belieh are ded~ctivelg closed, or clorcd undcr logicsl hpiicstion, ii mid<br />

only i€ nny proposition logicdlg impiied by some o€ rliosc beliefs is irseli also believed» (I-IiiRhIAN<br />

1995: 187).<br />

"'C€. HiIRhiAN 1995: 132<br />

" Como faz por exemplo D. Dwidson, quan<strong>do</strong> considera que a teoria (normacii.1, iormd) <strong>da</strong><br />

dccisio explicim aquilo quc rc enrciidc por ncionsli<strong>da</strong>de e que esri impliciro na psicologia de senso<br />

comum. Ct DIVIDSON 1980~. Ile,,ploi, Eq/izivii@ Arlioii<br />

Un~a Teoria l~isic(ili~t(~ cio Coiite~írlo e (Ia Coi~sciêi~ciri<br />

dispor de qualquer fun<strong>da</strong>mentação. Quan<strong>do</strong> Dennet, por outro la<strong>do</strong><br />

e em paraielo com a suposição de racionali<strong>da</strong>de inerente à prática <strong>da</strong><br />

interpretação, toma a racionali<strong>da</strong>de como um funcionamento de que<br />

a evolução <strong>do</strong>tou certos agentes ele apenas pode evocar uma vaga<br />

noção de "normal": num organismo resultante de selecção natural, a<br />

maior parte <strong>da</strong>s crenças são ver<strong>da</strong>deiras e as estratégias de formação<br />

de crenças são na sua maior parte racionais. Mas se é a observações<br />

acerca <strong>do</strong> funcionamento de agentes que se vai buscar a noção de<br />

racionali<strong>da</strong>de, Dennett deve admitir (e admite) ao mesmo tempo que<br />

a aludi<strong>da</strong> situação normal está constantemente a ser perturba<strong>da</strong>: não<br />

apenas o desig/ para a racionali<strong>da</strong>de no sistema resuita de estratégias<br />

de sati$cirg por parte <strong>da</strong> evolução, como as estratégias <strong>do</strong>s agentes<br />

coptivos são também frequentemente estratégias de sati$cing, heunsticas<br />

e não procedimentos formalmente ideais. A situação deixa o<br />

intérprete que atribui globalmente racionali<strong>da</strong>de apoia<strong>do</strong> no desig~ natural<br />

numa posição muito pouco confortável não apenas em relação à<br />

quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas previsões como também em relação aos seus próprios<br />

poderes.<br />

Poder-se-ia ain<strong>da</strong> objectar que a selecção natural não teria<br />

sequer por que Favorecer as crenças ver<strong>da</strong>deiras por contraposição<br />

às falsas: bastaria que as crenças falsas fossem vantajosas. Quan<strong>do</strong><br />

se trata aquilo que é "racional" fora <strong>do</strong>s manuais de lógica e <strong>do</strong>s<br />

modelos de teoria <strong>da</strong> decisão não é na<strong>da</strong> claro de que se está a falar.<br />

Como já se afirmou, é mais racional em muitas circunstâncias<br />

a<strong>do</strong>ptar as estratégias heucisticas a que Herbert Simon chamou estratégias<br />

de satisficing - obten<strong>do</strong> crenças de certo mo<strong>do</strong> irracionais<br />

por terem si<strong>do</strong> obti<strong>da</strong>s mediante processos que não consideram tu<strong>do</strong><br />

o que seria desejável considerar -nomea<strong>da</strong>mente se o custo <strong>do</strong><br />

cálculo exaustivo for maior <strong>do</strong> que os benefícios que dele poderiam<br />

advis. A última palavra em Makiig Sense oj' Oztrselves é que a TSI,<br />

embora sen<strong>do</strong> uma teoria <strong>da</strong> interpretação supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de,<br />

não tem que <strong>da</strong>r uma definição de racionali<strong>da</strong>de mas apenas que<br />

explorar a racionali<strong>da</strong>de como termo pré-teórico para excelência<br />

cognitiva. O problema desta posição é que de acor<strong>do</strong> com ela to<strong>da</strong><br />

a teoria depende de algo que é deixa<strong>do</strong> inespecifica<strong>do</strong> por princípio.<br />

A posição não é no entanto um mero afastamento de problemas.<br />

Dennett pensa que há boas raxòespara resisitir a jaxer declarações<br />

acerca <strong>da</strong> natztrcxa <strong>da</strong> mcionali<strong>da</strong>de. Em primeiro lugar, decidi<strong>da</strong>mente<br />

não há coincidência entre aquilo que os agentes reais racionais<br />

fazem e as teorias formais <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. Em segun<strong>do</strong> lugar, não


há como negar que por vezes é meta-racional não ser perfeitamen-<br />

te racional: frequentemente a racionali<strong>da</strong>de consiste em «bom<br />

senso acerca de quan<strong>do</strong> se apoiar em Por isso mesmo, para<br />

Dennett, «o conceito de racionali<strong>da</strong>de é sistematicamente pré-teó-<br />

Não sen<strong>do</strong> razoável ligar a racionali<strong>da</strong>de a cânones que<br />

excluam práticas reais e intuições acerca <strong>do</strong> que deve ser acredita-<br />

<strong>do</strong>, não há como evitar a necessi<strong>da</strong>de de nos apoiarmos em intui-<br />

ções acerca <strong>do</strong> que deve ser acredita<strong>do</strong> e acerca de quais regras<br />

devem ser segui<strong>da</strong>s em ocasiões particulares. Assim, a única pedra<br />

de toque <strong>do</strong> "ser racional" será a resolução de problemas suficien-<br />

temente eficaz (característica <strong>do</strong> comportamento global <strong>do</strong> agente<br />

cognitivo no ambiente), conduzin<strong>do</strong> à Euração de crenças. Mas é<br />

exactamente por essa razão que to<strong>da</strong> a caracterização <strong>da</strong> racio-<br />

nali<strong>da</strong>de é (deve ser) condicional e provisória, feita entre teorias<br />

formais e descrições <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s realmente utiliza<strong>do</strong>s por agentes<br />

para resolver problemas no mun<strong>do</strong> e intuições acerca <strong>do</strong> que deve<br />

ser acredita<strong>do</strong> em ocasiões particulare~'~'. De resto, a interpretação<br />

supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de não é uma opção quan<strong>do</strong> se trata de li<strong>da</strong>r<br />

com SI, não há como contorná-la na teoria <strong>da</strong> cognição ou na ten-<br />

tativa <strong>da</strong> psicologia de senso comum de fazer senti<strong>do</strong> de si ou de<br />

outrém. E certo que fica assim aberta uma possibili<strong>da</strong>de de certo<br />

mo<strong>do</strong> perturba<strong>do</strong>ra mas já espera<strong>da</strong> <strong>da</strong><strong>da</strong> a oposição <strong>da</strong> TSI à TIW1<br />

que nos tem orienta<strong>do</strong>. A ideia acerca de racionali<strong>da</strong>de que corres-<br />

ponde à TSI por oposição à computação interna de representaçõ-<br />

es proposta na TRM é a ideia de adqbtaçüo de sistemas cognitivos ao<br />

ambiente, eventualmente acompanha<strong>da</strong> <strong>da</strong> ideia segun<strong>do</strong> a qual a<br />

racionali<strong>da</strong>de não tem ver<strong>da</strong>deira natureza nenhuma2", uma vez<br />

que esses agentes podem ser vários e diferentes. Ora se a racionali-<br />

<strong>da</strong>de é a chave que abre a psicologia também esta não terá uma<br />

"ver<strong>da</strong>deira natureza".<br />

"' DENNIITT 1787: 97.<br />

"" DENNTT 1987: 98.<br />

Note-se que csin siruasao é <strong>do</strong> tipo <strong>do</strong> ~q~~ililin~ rctiexivo rswlsinno. Cf. 11A\WS 1771 c<br />

RRONCANO 1775s. De acor<strong>do</strong> com Rsxvls, um juizo pondera<strong>do</strong> é obti<strong>do</strong> cm equilib"~ reflecri<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> existc uma catil>iaç%~ enrrc os pincipios formais ou rcgrss de procedimento e ns innii(.ões<br />

acerca dc casos pnrticuhres.<br />

:*"TT'er<strong>da</strong>dcirr namrezn" no senti<strong>do</strong> cm quc se pode ~frmar quc por cxcmplo Davidson pcnsa<br />

que a ccoria <strong>da</strong> decisáo icveln a ver<strong>da</strong>deira nnmrera <strong>da</strong> racionati<strong>da</strong>de impiicita nas práticas comuns<br />

(c6 DATTIDSON 1980~). Note-sc que Dnvidson restringe "a vcrdndeim iacionnlirlndc" aos humanos.<br />

U~IU Teoria Fiiic(i/i~tn <strong>do</strong> Conte~icio c <strong>da</strong> Cor~sriê~iriu<br />

2.1.1.7.3 Aq<strong>do</strong> em qzie zma rã acreriita: Evolution, Error and Intentionality,<br />

a biologia euoh~zlrionista e a indetern~ina@o qtci~eaiza.<br />

Stich acentua, com razão, que Dennett faz questões <strong>do</strong> tipo "Que<br />

crença tem um sistema S?" dependerem <strong>da</strong>quilo que uma rã acredita<br />

(numa referência ao muito cita<strong>do</strong> caso de What the Eog? Eye Tells the<br />

Frog'k Braitz)"! Dennett faz isso porque pensa que aquilo em que<br />

uma rã acredita não é mais susceptível de determinação <strong>do</strong> que aquilo<br />

em que o vende<strong>do</strong>r de limona<strong>da</strong> acredita quan<strong>do</strong> comete o erro.<br />

A comparação entre as crenças de humanos e de rãs é aliás útil sobretu<strong>do</strong><br />

na medi<strong>da</strong> em que o mito <strong>da</strong>s crenças individua<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

na "caixa <strong>da</strong>s crenças"2g0 é menos forte no caso <strong>da</strong> rã. Uma rã percebe<br />

o ambiente e comporta-se e no entanto não lhe são imputa<strong>da</strong>s<br />

crenças tão Euiamente especifica<strong>da</strong>s como as humanas. Que crenças<br />

e desejos é que ela tem? Será que, no exemplo clássico, ela procura<br />

caçar "moscas-enquanto-moscas", "comi<strong>da</strong>", ou apenas reage a pontos<br />

negros móveis? A resposta a estas questões é dificil. No entanto<br />

interpretar o comportamento <strong>da</strong> rã em termos de crenças e desejos<br />

é irresistivel e indubitavelmente úd. Essa interpretação poderia, no<br />

entanto, ser considera<strong>da</strong> como sen<strong>do</strong> apenas uma extensão metafórica<br />

<strong>da</strong> noção de "crença", cujo âmbito de aplicação esuito seriam os<br />

ver<strong>da</strong>deiros crentes, os humanos. Mas Dennett pensa que a atribuição<br />

de crenças à rã não é uma extensão metafórica, precisamente<br />

devi<strong>do</strong> ã sua ideia deflacionária quanto ao que é ser um ver<strong>da</strong>deiro<br />

crente. Uma teoria neuroGsiológica <strong>da</strong> rã não falará de crenças e desejos<br />

e não fará senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu comportamento, e o que se passa com<br />

a neurofisiologia <strong>da</strong> rã passa-se com a neurofisiologia <strong>do</strong>s humanos<br />

(considere-se por exemplo que se compara a questão «em que é que<br />

a rã acredita?)) com a questão «qual é exactamente o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

"crença" perceptual (de um humano) quan<strong>do</strong> uma sombra a baixar<br />

no seu campo visual o faz pestanejar?#"). Num caso como no outro<br />

trata-se de interpretação e não é legítimo afirmar que, estritamente<br />

falan<strong>do</strong>, as rãs, ao contráeo <strong>do</strong>s ht~nzanos, não têm crenças e desejos. Não<br />

existe uma linha divisória entse falsos crentes (como a rã) e ver<strong>da</strong>deiros<br />

crentes (os humanos).<br />

:" Cf. LErTVIN, hKrURANA, h1cCULLOCH & Pi'ITS 1957. Cf. tsmiiém DUhlhlFIT<br />

1788. Dummert considera tal sprorimnçio absur<strong>da</strong>.<br />

"A cxpressno foi inuoduridn por Stcphen Schiffcr pnrn simplificar nr discussões.<br />

"' DliNNER 1787: 110. Dcnnerr considera que esses csm<strong>da</strong>s rim afroggy underspeciúciqn><br />

quan<strong>do</strong> cmcrcrb~<strong>do</strong>s n pirir <strong>da</strong> EI.


Soja Mig~~e~rs<br />

Perante o realista que pensa que há questões de facto quanto is<br />

exactas crenças que causam o comportamento, Dennett convoca<br />

repeti<strong>da</strong>mente o exemplo de Quine, o exemplo de Ralph e Ortcutt-o-<br />

-espião-e-pilar-<strong>da</strong>-comuni<strong>da</strong>de. Mph viu vásias vezes um homem de<br />

chapéu castanho e suspeita que esse homem é um espião. Também<br />

conhece um homem de cabelo cinzento, que é um pilar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />

e que Ralph só viu uma vez na praia (que ele saiba). Ralph não<br />

sabe, mas os "<strong>do</strong>is homens" são um só. No entanto, existe uma enorme<br />

diferença entre caracterizar Ralph como acreditan<strong>do</strong> que o homem<br />

de chapéu castanho é um espião e caracterizar Ralph como<br />

acreditan<strong>do</strong> que Ortcutt é espião: não se pode simplesmente "espeuficar"<br />

uma crença obten<strong>do</strong> a outra, em virtude <strong>da</strong>quilo que seria a<br />

"reali<strong>da</strong>de" (na qual Ortcutr-o-espião e Ortcutt-o-pilar-<strong>da</strong>-comuni<strong>da</strong>de<br />

são o mesmo homem). Não há matéria de facto acerca <strong>do</strong> que seria<br />

a especificação <strong>da</strong> crença de Ralph. E o que se passa com Ralph passa-se<br />

com a rã e com o vende<strong>do</strong>r de limona<strong>da</strong>.<br />

A convicta defesa <strong>da</strong> indeterminação quineana e <strong>da</strong> inexistência<br />

de factos mais profun<strong>do</strong>s (deeperjacts) acerca de esta<strong>do</strong>s internos de<br />

SI é o ponto de apoio para a desmontagem <strong>da</strong> ideia de intencionali<strong>da</strong>de<br />

intiínseca que Dennett pretende levar a cabo no artigo Evo-<br />

Itítion, Errorand Inlen/iot~uliiy, no qual retoma de novo o exemplo <strong>da</strong>s<br />

crenças <strong>da</strong> rã. A rã não é capaz <strong>da</strong>s distinções de grão fino possiblita<strong>da</strong>s<br />

pela linguagem. Os humanos são capazes dessas distinçôes.<br />

O banho de informação (em que os humanos e a rã estão submersos)<br />

é fun<strong>da</strong>mentalmente diferente <strong>do</strong> banho de palavras. Mas<br />

isso não justifica a ideia segun<strong>do</strong> a qual a psicologia <strong>da</strong>s atitudes<br />

proposicionais é a ver<strong>da</strong>deira psicologia humana, e apenas os humanos<br />

são ver<strong>da</strong>deiros crentes. Para Dennett, o erro <strong>do</strong> realista reporta-se<br />

a um passo pelo qual este diferencia por princípio as descrições<br />

intencionais de humanos <strong>da</strong>s descrições intencionais de rãs,<br />

toman<strong>do</strong> como protótipo as crenças linguísticas humanas. Ora, não<br />

existem razões para essa distinção de principio: a rã é tanto um ver<strong>da</strong>deiro<br />

crente como um humano. A atribuição de crenças a rãs é<br />

tão idealizante como a atsibuição de crenças a humanos. Há tão<br />

poucos factos acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> exacto <strong>da</strong>s crenças de Ralph<br />

como acerca <strong>da</strong>s crenças <strong>da</strong> rã.<br />

A exploração <strong>do</strong> problema <strong>da</strong>s relações entre indeterminação e<br />

realismo continua no artigo Evoh~tion, Error and Inte~rtionul-y, onde é<br />

analisa<strong>da</strong> a continui<strong>da</strong>de entre exemplos não biológicos, exemplos<br />

biolúgicos não humanos e exemplos humanos de intencionali<strong>da</strong>de.<br />

Ut/m Teoria I;i~ica/ista <strong>do</strong> Coiitcii<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Co~~sciê~~ci~~<br />

Dennett pretende mostrar que a centração <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> na<br />

maneira humana, linguística, de significar conduz a uma resistência a<br />

abor<strong>da</strong>gens evolucionistas <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong> significação e à distinção<br />

injustifica<strong>da</strong> entre intencionali<strong>da</strong>de inuúlseca e intencionali<strong>da</strong>de auibuí<strong>da</strong>.<br />

Em Evol~/tioiz, Error and Intei~konuli& declara que J. Fo<strong>do</strong>i; E<br />

Dretske, T. Burge, S.IGipke, H. Putnam e J.Searle2" partilham uma<br />

crença mais ou menos explícita na diferença de natureza entre intencionali<strong>da</strong>de<br />

genuha e intencionali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> e que essa crença<br />

interfere com o tratamento que fazem <strong>da</strong> questão <strong>do</strong> erro. Por isso,<br />

embora vários <strong>do</strong>s autores referi<strong>do</strong>s sejam tenta<strong>do</strong>s pelo <strong>da</strong>nvinismo<br />

eles rejeitam-no devi<strong>do</strong> a razões imperceptíveis para os próprios.<br />

Contra a distinção entre intencionali<strong>da</strong>de intsínseca e intencionali<strong>da</strong>de<br />

atribuí<strong>da</strong>, Dennett propõe em Evoli,tion, Error and<br />

Intentionaliiy uma gra<strong>da</strong>ção de casos2" que são numa primeira análise<br />

casos de mis~representatiotrZ~~ ou identificação errónea mas que podem<br />

ser considera<strong>do</strong>s como casos de exaptaçãoZ9'. De acor<strong>do</strong> com<br />

Dennett, eles constituem prova <strong>da</strong> indeterminação pois são precisamente<br />

possibilita<strong>do</strong>s pela indetermhação. Os casos, que devem<br />

ser pensa<strong>do</strong>s em continui<strong>da</strong>de de mo<strong>do</strong> a desfazer a má intuição<br />

quanto i distinção entre intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e intencionaldiade<br />

atribuí<strong>da</strong>, são os seguintes:<br />

(1) Uma ináquina de ven<strong>da</strong> de refsigerantes, que funciona com<br />

qziurte~s americanos, mas também com moe<strong>da</strong>s falsas ou de imitação.<br />

Uma vez transporta<strong>da</strong> para o Panamá, i.e. "exapta<strong>da</strong>" para um novo<br />

contexto, a máquina virá também a funcionar com qz/artcrs panamianos,<br />

sem qualquer alteração <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s internos. Dennett sugere<br />

que este primeiro caso é análogo ao muito discuti<strong>do</strong> e já atrás inenciona<strong>do</strong><br />

caso n02, relativo ao que o olho <strong>da</strong> rã "diz" ao cérebro <strong>da</strong> rã.<br />

(2) A rã que caça moscas, i.e. o célebre caso de J. Y. Lettvin, H.<br />

Maturana, 'X! bíccdloch e 'X! pitts no artigo Whut the Frog's Eye Te//$<br />

the Frogf Bruin. O problema é saber o que se pode afismar que o olho<br />

<strong>da</strong> rã transmite ao cérebro <strong>da</strong> rã e o que é interpreta<strong>do</strong> erra<strong>da</strong>men-<br />

'"' Dcnnctt refeie-se nomcsdrincnte n DIGTSKP. 1986, SBARLE 1981, BUI1GE 1986,<br />

FOD0111987 c Iu1IPICE 1182.<br />

"' B retoma ern DENNI-iI' 1995: 401, Tiir Etwhttion 11lr~oooii~r.<br />

"" O termo, estremamcotc útil, é inu.odmi<strong>do</strong> por DRETSIOI, cf DREI.StiE 1!l86.<br />

"' O teimo cxxg?!t?f,70, sugeri<strong>do</strong> por S.J.Gould e B.\Íba, é ullliin<strong>do</strong> pn nomear wsos em qnt um<br />

itcin ~ U "'L C evoloiuçio iiso surgiu com urna dctciminadn funçio é posre"ormentc mcruwúo com<br />

sucesso para cumpri essa fuiiçCo. O termo é por crcmpio usa<strong>do</strong> pclas scur autores pnrn considerar<br />

coisls 'luc os cérebros humanos fmcm pnrn fsvorecer R nossa ~~brcvivend~ (o problemn é obris~<br />

mcnte saber quais).


te (se é que alguma coisa é interpreta<strong>da</strong>, e interpreta<strong>da</strong> erradu?netzte) no<br />

caso em a rã caça uma imitação de mosca e não uma mosca.<br />

(3) A bactéria de E Dretske, usa<strong>da</strong> como exemplo em<br />

Misrepresentation (1986)296. Pode-se aftrmar que de algum mo<strong>do</strong> a bactéiia<br />

está "engana<strong>da</strong>" quan<strong>do</strong>, uma vez transposta para o hemisfério<br />

sul, ela se dirige à água tóxica, embora aparentemente não haja qualquer<br />

mau funcionamento <strong>do</strong> dispositivo sensorial sensível ao campo<br />

magnético que a orienta, cujo funcionamento no hemisfério norte<br />

fazia com que ela se afastasse <strong>da</strong> água tóxica. Dretske procura nesse<br />

artigo a pedra de toque <strong>da</strong> existência de "crença natural", e encontra-a<br />

na possibili<strong>da</strong>de de crer ou representar erra<strong>da</strong>mente fii/isrepresetrt).<br />

Dretske não quer inflacionar anti-naturalmente as funções <strong>do</strong> sistema,<br />

nem <strong>do</strong>tar de demasia<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> ou de conteú<strong>do</strong> demasia<strong>do</strong><br />

específico a função <strong>do</strong> sistema. E certo que Dretske não pode, por<br />

outso la<strong>do</strong>, des-inflacionar demasia<strong>do</strong>, pois defende precisamente<br />

que, por contraste, meros indica<strong>do</strong>res ou signos naturais são incapazes<br />

de representar erroneamente (~/isr~resttz4.<br />

(4) Os casos <strong>da</strong> fainíiia <strong>da</strong> Terra Gémea de Putnamz9'. O problema<br />

é saber o que, exactamente, se pode dizer que se passa quan<strong>do</strong><br />

um terrestre, um vez transposto para a Terra Gémea, identifica<br />

erroneamente por exemplo um scbii~orse <strong>da</strong> Terra Gémea como<br />

'%orse", ou SYZ <strong>da</strong> Terra Gémea como "água".<br />

Nos quatro casos trata-se, segun<strong>do</strong> Dennett, <strong>da</strong> exaptacão de<br />

um SI e <strong>da</strong> indeterminação <strong>da</strong> sua função ou <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus<br />

esta<strong>do</strong>s. Só é possível afirmar que existe um erro ou um mau funcionamento<br />

determina<strong>do</strong>s se se suposer que é possível olhar para a<br />

situação de um ponto de vista privilegia<strong>do</strong>, o ponto de vista <strong>do</strong><br />

engenheiro cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dispositivo ou de quem pratica a introspecção,<br />

presumin<strong>do</strong> saber "a partii de dentro" o que alguma coisa realmente<br />

tem como função ou realmente significa. Se se admitis que<br />

o esta<strong>do</strong> interior realiza<strong>do</strong> é o mesmo, o probleina consiste em<br />

saber quan<strong>do</strong>, exactamente, é possível ahmar que a função ou o<br />

significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mu<strong>da</strong>ram. Dennett crê que na<strong>da</strong> de inuinseco,<br />

descritivel de forma funcional em relação aos esta<strong>do</strong>s inter-<br />

"Este testo dc E Drctskc ifer hiscóiia. Nele, Drctskc malisa sistcrnns biol6gicos ciijos podcns dç<br />

rcpiesent~$to nõo decivnrn de outra fonte (que n6o cles própcios) e que podcm cimr. A "crcn~d' é de6nidn<br />

como r ~~picidnde r~~>~~~~~uciornl<br />

em Wnide de ciijo mçrcicio podc ser gciadu um:, repiesentasi,<br />

crrónen. O erro C assim colocn<strong>do</strong> proposimdnmcnte no centro <strong>da</strong> discussio <strong>da</strong> rcocin <strong>do</strong> contcú<strong>do</strong>.<br />

A teoria <strong>do</strong> coiitcú<strong>do</strong> elabom<strong>da</strong> por E Drerskc scr& discuti<strong>da</strong> mais i irenrc ncire capitulo<br />

'"' PUTNMI 1975.<br />

nos <strong>do</strong>s sistemas, distingue os esta<strong>do</strong>s anterior e posterior à exaptação.<br />

Isto vale para os quatro casos. Não pode portanto por princípio<br />

existir uma resposta determina<strong>da</strong> à questão quanto ao momento<br />

<strong>da</strong> "tnu<strong>da</strong>nça" de função ou significação.<br />

No caso 1, como se trata de um artefacto mecânico e <strong>da</strong> sua função,<br />

e portanto parece txatar-se de um caso claro de intencionali<strong>da</strong>de<br />

deriva<strong>da</strong>, é aparentemente natural ahrmar que um tal sistema só<br />

poderia ter uma função atsibuí<strong>da</strong> pelo seu cria<strong>do</strong>r. O que Dennett faz<br />

ver é que novas funções não "intenciona<strong>da</strong>s a priosi" e bem sucedi<strong>da</strong>s<br />

podem susgis, por meio <strong>da</strong> exaptação, mesmo para um artefacto<br />

desse género. Os hlósofos interessam-se geralmente mais pela Terra<br />

Gémea e pelos seus visitantes <strong>do</strong> que por máquinas de vender refiigerantes.<br />

Dennett pensa que a conclusão a extrait de ambos os casos<br />

é a mesma: una intuição externalista acerca de funções e significa<strong>do</strong>s.<br />

O que a análise de artefactos não biológicos (ou biológicos)<br />

mostra é que a indeterminação é uma pré-condição <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

natural <strong>da</strong>s funções. O significa<strong>do</strong> é uma função <strong>da</strong> função e a indeterminação<br />

<strong>da</strong> função prolonga-se na indeterminação <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

natural de significar. A perspectiva anti-essencialista e <strong>da</strong>noinista<br />

conduz a concluir que «assim como a função biológica, a significação<br />

não é qualquer coisa de determina<strong>do</strong> na sua origem)'"'.<br />

Só seria possivel sustentar a posição conuária em virtude de um<br />

injustifica<strong>do</strong> essencialismo e de um desejo de s!eybooks ("anzóis vin<strong>do</strong>s<br />

de cima", na expressão que Dennett utiliza em Dawin's Datcgerozls<br />

Iciea, e que alude a causas finais reais, à ideação <strong>da</strong> função e <strong>da</strong><br />

significação previamente ao surgirnento destas). É tão erra<strong>do</strong> supor<br />

que alguma coisa fia o que os termos significam no caso <strong>do</strong>s<br />

humanos na Terra Gémea como é erra<strong>do</strong> supor que existe uma<br />

fiação apriorista <strong>da</strong> função e <strong>da</strong> significação nos casos 1,2 e 3. Os<br />

significa<strong>do</strong>s e funções nos/<strong>do</strong>s humanos são tão deriva<strong>do</strong>s como<br />

os significa<strong>do</strong>s e funções nos/<strong>do</strong>s artefactos: «uma lista de compras<br />

na cabeça, no cérebro, não tem mais intencionali<strong>da</strong>de intrínseca <strong>do</strong><br />

que a mesma lista de compras num pe<strong>da</strong>ço de papebZ9". A não ser<br />

que se presuma um acesso privilegia<strong>do</strong> a algo que seja "significar<br />

realmente", não se justifica uma distinção de princípio entre intencionali<strong>da</strong>de<br />

intrínseca e intencionali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong>. No entanto, es-<br />

I" DENNETT 1995: 408.<br />

x'"DENNE'IT 1987: 318.


sa suposição é a pedra de toque <strong>do</strong> Racionalismo <strong>do</strong>Significa<strong>do</strong><br />

(meanifg rationaL~n~)'~~ associa<strong>do</strong> ao essencialismo.<br />

Dennett sugere mesmo, em Evol~/tion Error and I>~tentionalily, que<br />

se descobre a "Grande Divisão" entre posições teóricas quanto ao<br />

conteú<strong>do</strong> descobrin<strong>do</strong> a atitude <strong>da</strong>s pessoas quanto à interpretacão<br />

de artefactos, procuran<strong>do</strong> verificar se elas concor<strong>da</strong>m com a separação<br />

entre intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e intencionali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong><br />

(reservan<strong>do</strong> obviamente esta última para os artefactos). E é isso<br />

que o próprio Dennett faz em relação a Dietsle, Burge, IQipke, e<br />

Fo<strong>do</strong>r. De mo<strong>do</strong> a conduzir a uma redução ao absur<strong>do</strong> a tese <strong>do</strong><br />

campo adversário (i.e. a defesa <strong>da</strong> distinção entre intencionali<strong>da</strong>de<br />

intsínseca e intencionali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong>) Dennett utiliza ain<strong>da</strong> como<br />

exemplo (em Tlle Intentioatae e em Danuix5. Dangerorís Idea) o caso<br />

uma máquina de sobrevivência análoga aos humanos, considera<strong>do</strong>s<br />

enquanto máquinas de sobrevivência para genes, na expressão<br />

de Richard Dawkinsio'. Se um organismo humano é considera<strong>do</strong><br />

uma máquina de sobrevivência para genes não se pode considerar<br />

que ele seja o seu próprio "intenciona<strong>do</strong>r" (a haver algum<br />

intenciona<strong>do</strong>r seriam os genes, cuja "intenção" a existência de organismos<br />

realiza). Ora, os humanos são, no entanto, o caso paradigmático<br />

de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca. Assim, intencionali<strong>da</strong>de<br />

deriva<strong>da</strong> - a intencionali<strong>da</strong>de humana é "deriva<strong>da</strong>" <strong>da</strong> "intencão<br />

<strong>do</strong>s genes" - pode ter ou ser intencionali<strong>da</strong>de intsínseca.<br />

Dennett sugere também a análise de um caso imaginário em que<br />

uin humano decide experimentar a vi<strong>da</strong> no século LY,XIJ e a única<br />

maneira de manter o corpo vivo é colocá-lo em hibernação durante<br />

um tempo determina<strong>do</strong>, durante o qual o corpo teria que ser guar<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

e protegi<strong>do</strong>. Precisa-se de um sistema que assuma a funcão durante<br />

quatro séculos. Se se constsuísse um robô que soubesse procu-<br />

'LU Esta C urna crpressão de Rurli htiliikm, quc Dcnnett Frcqueiitemcntc rctoma prirs nomcar o<br />

erro por escelència no pensamento acerca <strong>da</strong> intcncionaliil;ide. O Rncionaùsmo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong> é uma<br />

posigão aptiorirrn acerca <strong>da</strong> iinruiczs <strong>da</strong> signiúc:~gão. De acor<strong>do</strong> com o Ilncionnlismo <strong>do</strong> Sigiiiúcn<strong>do</strong><br />

os produtores c intCrl>rctcs dc icancs Inrencionnis (o tcrmo que hlüükan utiliza pnia os rciculoi de<br />

significngãu, ct MILLIKAN 1984) detèm uma autori<strong>da</strong>de especial quanto so rigniúcr<strong>do</strong> destes. Um<br />

sirtcrna cognitivo deueiin nssuii sei por prúicipio cspvr de ieconheccr R ptiori o que 3s suss rcprcsentngões<br />

sigi~ificam, por cxcmplo saber se duas representrgõcs A e B que ocoicem em inomcntos<br />

diferentcr rcprcscntam o mesmo represenn<strong>da</strong> Assim, a mcsmi<strong>da</strong>de de contcú<strong>do</strong> dc rcpresentagùe~<br />

i\ c B scrin necessniiamenre tinnsparente ao pcnss<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s pensamentos i\ c B. Tanto híiüikan como<br />

Dennett pensnm quc esta posigjo C profun<strong>da</strong>menre equivocadn, essenciahenre porquc, como<br />

Putnim riu (PUTNAhI [1975]: 227) i ieii~~~ii,, h,? trde. No entanto os cicntisns quc cnminom as cniras<br />

vEm r descobri que no interior estão computs<strong>do</strong>res e que aquilo quc passa pclo fio de cobre siio<br />

cadeias de birs, com uma determina<strong>da</strong> dimensão, diferentes de wdn ver. Suipieendenremente, qunn<strong>da</strong><br />

as cientistas msolvcm interfcrii, íitcrin<strong>do</strong> as cadcias quc passam de A para B, s luz coi de 5mbar<br />

passa o nccndci quasc ícrnptc. Alyna miiiiões dc rcniatira depois, conrtan-sc que cssa C a riniagão<br />

mais frequente. Nesse momento, os cientistas não wbcm de to<strong>do</strong> como prcvcr sc uma cadcin piovenienre<br />

de A wi fnrcr ncender a lu^ vermeil>n, a lur vcrde ou s lm cor de ãmbiir Aparecem enrão<br />

os autores <strong>da</strong>s caixas, que explicam que tinham estnúo n tnb~lbnr com bases de <strong>da</strong><strong>do</strong>s conten<strong>do</strong> proposigõcs<br />

vcr<strong>da</strong>dciins sobrc tu<strong>do</strong> o quc cxistc. Aborreci<strong>da</strong>s com o tnbnlho, resolvcrnm fmcium brinque<strong>do</strong><br />

6ioróúco EscoUicram uma lingus Franca para traduzir cntzc as <strong>do</strong>is sistemnr dc repmsenta-<br />

$0 (diferenres) em que tr;ibaihai~am, e ligsiam os sistcmss. Quan<strong>do</strong> o botão a <strong>da</strong> caiw r\ i prcssio~<br />

na<strong>do</strong> C seleccionndn nlentotinmente uma crensn na caks, traduzi<strong>da</strong> psir a iingua Franca e envia<strong>da</strong><br />

para B, quc í tndur pam o seu sistemu e P contcasta com a sua bnse de <strong>da</strong><strong>do</strong>s. Se B considern a Frase<br />

rcr<strong>da</strong>dcirs, sccndc-sc n luz vcirncllia, sc a considcn Fdsa, sccndc-sc n luz verde. Qum<strong>do</strong> se interfere<br />

no processo, produzem-se cadeias mal Foima<strong>da</strong>s (quc são cm muito maior núincro quc nr cadcias<br />

bem foimz<strong>da</strong>s) <strong>da</strong>n<strong>do</strong> lugnr B iur ãmbnr em B. Segun<strong>do</strong> os autores <strong>da</strong>s cai~as, a proprie<strong>da</strong>de emergcntc<br />

irr~~i~/iio é "ser uma frase x~ei<strong>da</strong>dein na linya fnnw" e a propiednde i,erde é "ser uma frase<br />

falss". Assim, o prablcma, quc tiiilio confuiidi<strong>do</strong> os cicntiatss dursntc anos, rci.elo-se elementar. Pnrn<br />

Dennetr, n versão <strong>do</strong>s autores


Soja M&II~IIS<br />

No caso <strong>da</strong> biologia evolucionista, a tese de Dennett acerca <strong>do</strong> es-<br />

tatuto <strong>da</strong> atribuição ou interpretação traduz-se na ideia segun<strong>do</strong> a<br />

qual não é possível descobrir regulari<strong>da</strong>des sem apelo a razões, a pa-<br />

dsões reconheci<strong>do</strong>s a partis de um ponto de vista. A identificação de<br />

razões não é, assim, neutra, e Dennett chega a considerar que o a<strong>da</strong>p-<br />

tacionismo biológio envolve uma "interpretação retrospectiva radi-<br />

cal": tanto quan<strong>do</strong> se trata de design como quan<strong>do</strong> se trata de signifi-<br />

cação estão em jogo princípios interpretativos (logo idealizantes) in-<br />

contornáveis. Quer se trate de mentali<strong>da</strong>de quer de funções, Dennett<br />

defende que, se se trata de encontrar padrões, simplesmente não<br />

existe substituto para a EI.<br />

2.1.1.7.4 Dennett e oQuarto Chit~ês oou quan<strong>do</strong> ozitrosjlós~os atacam a<br />

separapio entre contezi<strong>do</strong> e consciência.<br />

Se o pomo <strong>da</strong> discórdia localiza<strong>do</strong> em Euo/z/tion, Errar and<br />

Intentioiralizj é a distinção entre intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e intencio-<br />

nali<strong>da</strong>de attibuí<strong>da</strong>, a experiência mental <strong>do</strong> Quarto Chinês de John<br />

Searle é a situação em que tal distinção é exemplarmente posta em<br />

cena3"'. Searle pretende provar com a experiência mental <strong>do</strong> Quarto<br />

Chinês uma diferença de natureza entre intencionali<strong>da</strong>de genuína e<br />

intencionali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong>. Se Searle é bem sucedi<strong>do</strong>, to<strong>da</strong> a abor<strong>da</strong>-<br />

gem dennettiana fica invali<strong>da</strong><strong>da</strong>. É por isso Fun<strong>da</strong>mental para Den-<br />

nett mostrar que as intuições que Quarto Chinês convoca devem ser<br />

rejeita<strong>da</strong>s.<br />

Dennett escreveu vásios textos nos quais pretendeu desmontar a<br />

situação <strong>do</strong> Quarto Chinês. Auibui, além disso, a D. Hofstadter uma<br />

"A cxpe,iEiuii


premissas seriam as seguintes: 1) Os programa são puramente for-<br />

mais/sintáticos; 2) A sintaxe não é equivalente, ou suficiente para,<br />

a semântica; 3) As mentes têm conteú<strong>do</strong>s semânticos. A conclusão<br />

seria que (1) implementar um programa não é suficiente para se ter<br />

uma mente e logo que (2) a IA Forte (a ideia de acor<strong>do</strong> com a qual<br />

qualquer sistema que implemente o programa correcto terá mente<br />

e consciência não sen<strong>do</strong> apenas uma simulação) é impossível.<br />

É em torno destas premissas e conclusões que a crítica de Den-<br />

nett se move. De acor<strong>do</strong> com Dennett, as próprias premissas são<br />

falsas se lhes fôr <strong>da</strong><strong>da</strong> a interpretação necessária para o argumento<br />

funcionar. Quanto à primeira premissa, num certo senti<strong>do</strong> é claro<br />

que um programa é apenas sintaxe e por si não produz na<strong>da</strong>, se por<br />

tal se entender um programa não implementa<strong>do</strong>, linhas de coman-<br />

<strong>do</strong>s escritas num papel, por exemplo. No entanto, apenas progra-<br />

mas i7nple7nenta<strong>do</strong>s merecem consideração nesta discussão: se Searle<br />

pretende ahmar alguma coisa relevante, só pode querer dizer que<br />

os poderes causais cruciais para a produção de mentali<strong>da</strong>de na<strong>da</strong><br />

têm a ver com programas implementa<strong>do</strong>s. Ora, em relação a pro-<br />

gramas implementa<strong>do</strong>s não é correcto afirmar que eles são apexas<br />

sintáticos, pois eles têm efeitos causais.<br />

Searle afirma que o núcleo <strong>do</strong> seu caso é que apenas cérebros<br />

humanos, e não programas, têm o poder de causar intencionali<strong>da</strong>-<br />

de genuína e declara ser mal interpreta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> é li<strong>do</strong> como afir-<br />

man<strong>do</strong> que apeP2a.c cérebros orgâ~icos podem causar intencionali<strong>da</strong>de.<br />

Dennett sugere em Fast Tbixki$OB que se se pretender especificar<br />

os misteriosos poderes <strong>do</strong>s cérebros, uma questão pertinente é a<br />

veloci<strong>da</strong>de, que é importante para a inteligência de agentes físicos.<br />

Nesse quadro, é razoável pretender que na<strong>da</strong> a não ser um sistema<br />

maciçamente paralelo poderia aproximar-se <strong>do</strong>s tempos <strong>da</strong> inteli-<br />

gência humana. Mas esta é uma questão de tecnologia e de pro-<br />

gresso, e Dennett admite que poderia <strong>da</strong>r-se o caso de só se atingu-<br />

a veloci<strong>da</strong>de requeri<strong>da</strong> com computação orgânica. Neste caso, não<br />

se trataria de facto de uma questão relativa ao programa mas ao<br />

hardware, e então seriam realmente os cérebros ou outro hardware e<br />

não os programas que teriam o poder de causar a intencionali<strong>da</strong>de.<br />

Mas não era esse o ponto de Searle, que sempre afirmou que o seu<br />

argumento diz respeito a princípios conceptuais e não a um estádio<br />

<strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> tecnologia. O facto de os computa<strong>do</strong>res digitais não<br />

serem suficientemente rápi<strong>do</strong>s seria uma razão não misteriosa pela<br />

qual programas não teriam o poder de causar intencionali<strong>da</strong>de.<br />

Simplesmdnte, esse não seria já um argumento contra a IA forte<br />

(que pretende que um computa<strong>do</strong>r devi<strong>da</strong>mente programa<strong>do</strong> tem<br />

literalmente uma mente, sqa qzialJòr o harduare).<br />

Finalmente, Dennett pensa que a conclusão <strong>do</strong> argumento de<br />

Searle - segun<strong>do</strong> a qual "Ter um programa não é suficiente para,<br />

nem equivalente a, ter uma mente" - é susceptível de duas inter-<br />

pretações e como tal ambígua. De acor<strong>do</strong> com uma interpretação,<br />

nenhum programa seria suficiente para produzir os fenómenos<br />

mentais que um cérebro orgânico com os seus poderes causais pro-<br />

duz. De acor<strong>do</strong> com outra interpretação, não há maneira de pro-<br />

gramar um computa<strong>do</strong>r digital de mo<strong>do</strong> a produzir o controlo <strong>da</strong><br />

activi<strong>da</strong>de intencional inteligente e rápi<strong>da</strong> que os humanos exibem.<br />

Dennett defende que a primeira interpretação é incoerente e que a<br />

segun<strong>da</strong>, embora seja uma pretensão empírica plausível, não é o<br />

ponto que Searle quer fazer com o argumento.Tu<strong>do</strong> isto revela se-<br />

gun<strong>do</strong> Dennett que a ver<strong>da</strong>deira preocupação de Searle na sua ex-<br />

periência mental é a consciência subjectiva, o "sentir-se ser", e não<br />

a intencionali<strong>da</strong>de ou a semântica, embora seja essa a questão no-<br />

mea<strong>da</strong>. Em textos posteriores de Searle isso tornar-se-á ain<strong>da</strong> mais<br />

claro. O problema de Searle não é o carácter formal <strong>do</strong>s programas:<br />

o que Searle não aceita é que semântica genuína possa existir sem<br />

consciência. Nos termos até aqui uùliza<strong>do</strong>s, Searle não aceita que a<br />

teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> possa ser independente <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciên-<br />

cia. E a esta convicção, em apoio <strong>da</strong> qual Searle convoca a intuitiva<br />

identificação <strong>da</strong> pessoa que lê e compreende a experiência mental<br />

com o manipula<strong>do</strong>r de símbolos dentro <strong>do</strong> quarto, que autores co-<br />

mo Dennett e Fo<strong>do</strong>r se opõem.<br />

2.1 .l. 8 Real Patterf~s.<br />

Terminar-se-á o percurso pela teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> com a anáiise<br />

de Real Patter~~s, um ensaio sobre antologia que Dennett considera<br />

central no seu pensamento, e no qual conánua a defender o realismo<br />

enfraqueci<strong>do</strong> quanto à intencionali<strong>da</strong>de. A ideia básica continua a ser<br />

que a descrição e a previsão intencionais dependem <strong>da</strong> exploração de<br />

padrões no mun<strong>do</strong>, discerníveis no comportamento de enti<strong>da</strong>des.<br />

Alguns <strong>do</strong>s exemplos de RealPaiferw$, que têm como finali<strong>da</strong>de mos-


trar a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s intencionais são os exemplos(l) <strong>do</strong>s centros<br />

de gravi<strong>da</strong>de, (2) <strong>do</strong>s padrões de pixels, mas sobretu<strong>do</strong> (3). <strong>do</strong>s<br />

padrões no Jogo <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> (o exemplo é retoma<strong>do</strong> de Tn~e Belieuers).<br />

Segun<strong>do</strong> Dennett, esta<strong>do</strong>s intencionais são igualmente padrões<br />

reconhecíveis no comportamento de agentes. J. Haugeland faz notar<br />

que Dennett oscila, em RealPatterns, entre a consideração <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

intencionais como elementos de padrões e como padrões. Para<br />

Haugeland, apenas a primeira alternativa é pertinente (e apoia<strong>da</strong> aliás<br />

pela aproximação <strong>da</strong> E1 à tradução radical de Quine e à interpretacão<br />

radical de Davidson).<br />

Um primeiro senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> noção de padrão diz respeito a informação,<br />

medi<strong>da</strong> em bits. A questão é a eficiência <strong>da</strong> transmissão dessa<br />

informação. A maneira mais ineficiente de transmitis a informação<br />

por exemplo relativa a uma disposição espacial (o exemplo<br />

apresenta<strong>do</strong> em ReaL Patferns são padrões visuais constituí<strong>do</strong>s por<br />

pontos, a que Dennett chama códigos de barra) é um mapa de bits,<br />

que descreve uma disposição ponto por ponto e que é portanto tão<br />

capaz de "<strong>da</strong>r" vários padrões como a total ausência de padrões.<br />

Uma série é aleatória (no senti<strong>do</strong> matemático, na definição de G.<br />

Chaitin evoca<strong>da</strong> por Dennett em RealPatterns) se é incomprimível,<br />

só poden<strong>do</strong> ser transmiti<strong>da</strong> por um mapa de bits. Ora algumas <strong>da</strong>s<br />

disposições são susceptíveis de descrições mais curtas <strong>do</strong> que as<br />

Forneci<strong>da</strong>s pelo mapa de bits e é precisamente de séries não aleatórias<br />

e descritiveis de mo<strong>do</strong> mais eficaz <strong>do</strong> que por um mapa de bits<br />

que pode afirmar-se que têm padrões.<br />

Um outro senti<strong>do</strong> de padrão envolve a noção de reconbeci~ne~~to.<br />

Considerar-se-á aqui o caso <strong>do</strong>s padrões <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong>3". No<br />

Mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong>, aparentemente apenas uma variação cinética <strong>do</strong>s<br />

padrões de pixels, há padrões persistentes (tais como desliza<strong>do</strong>res<br />

(gliders), devora<strong>do</strong>res (eaters), etc) cujos constituintes mantêm relações<br />

entre si. Essa persistência pode ser vista apartir de baixo, <strong>da</strong><br />

física <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ou a parti <strong>da</strong>quilo que torna os padrões notáveis,<br />

nomea<strong>da</strong>mente um tipo de saliência que depende <strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> seu comportamento, i.e. apartir de ci~~za. É evidentemente a<br />

possibili<strong>da</strong>de de reconhechento apartir de cinza que interessa Dennett.<br />

"" Nio considemrei aqui um <strong>do</strong>s mnis conheci<strong>do</strong>s exemplos <strong>do</strong> arõgo, o exemplo <strong>do</strong>s cenrras<br />

de grsvidnde. Sigo J. Hgugcland, quc considcn s aproxiina~io cngana<strong>do</strong>m pois os ccnuos dc grali<strong>da</strong>dc<br />

não rfm nenhum errrnito ontológico especial. Ct EMUGELAND 1993: 55. Ct RUDDER<br />

BAICIIR 1994 pnn uma opinizo diferente.<br />

Padrões assim são candi<strong>da</strong>tos ao reconhecimento, estão liga<strong>do</strong>s à<br />

existência de observa<strong>do</strong>res e perspectivas. Este é portanto o pro-<br />

blema: Dcnnett utiiiza em RealPatterns duas noções de padrão, uma<br />

noção matemática, de acor<strong>do</strong> com a qual um padrão é algo que<br />

existe em séries não aleatórias e uma noção de padrão como can-<br />

di<strong>da</strong>to ao reconhecimento. A primeira deíínição - a primeira a ser<br />

evoca<strong>da</strong> no artigo - pode ser considera<strong>da</strong> independente de obser-<br />

va<strong>do</strong>res, a segun<strong>da</strong> evidencia a relativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s padrões às perspec-<br />

tivas: um padrão reconheci<strong>do</strong> por uma enti<strong>da</strong>de pode não ser<br />

reconhecível por outra enti<strong>da</strong>de (Haugeland nota que reconheci-<br />

mento não é apenas resposta: reconhecimento é uma noção nor-<br />

mativa, já que é possível reconhecer crradu1zer1t2'~. Mais: a ideia de<br />

reconhecimento não pressupõe na<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong>s ele-<br />

mentos <strong>do</strong> padrão. Esta ausência de pré-determinação <strong>do</strong>s elemen-<br />

tos impede a própria questão <strong>da</strong> redução <strong>do</strong> padrão aos elementos,<br />

o que mesmo não acontece com a defmição matemática, mais pre-<br />

cisa acerca <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong>s eleinentos.<br />

Ora, padrões-como-candi<strong>da</strong>tos-ao-reconhecimento a<strong>da</strong>ptam-se<br />

melhor <strong>do</strong> que padrões-como-arranjos-ordena<strong>do</strong>s aos fenómenos<br />

em causa na teoria <strong>da</strong> mente. Na sua interpretação de ReaLPatterns,<br />

Haugeland sugere que Dennett deveria juntar as duas noções de<br />

padrão, consideran<strong>do</strong> que se aplicam a níveis diferentes <strong>do</strong>s pa-<br />

drões. Os elementos <strong>do</strong> arranjo, inabdicáveis na detinição matemá-<br />

tica, não têm que ser determina<strong>do</strong>s na defmição operacional de pa-<br />

drão como algo reconhecível. Neste último caso, basta que existam<br />

criaturas que reconheçam o padrão: ele não tem que ser, necessa-<br />

riamente, um padrão constituí<strong>do</strong> por ele77zentos determina<strong>do</strong>s (no<br />

exemplo de Haugeland, os humanos não reconhecem sorrisos pelo<br />

facto de os sorrisos serem composições de elementos previamente<br />

determina<strong>do</strong>s). A noção de padrão como "candi<strong>da</strong>to ao reconheci-<br />

mento" evita a tentação <strong>do</strong> reducionismo, enquanto a definição<br />

matematica é precisamente um convite ao reducionismo.<br />

O que se joga na discussão <strong>da</strong>s deíínições de "padrão" é a possi-<br />

bili<strong>da</strong>de de fun<strong>da</strong>mentar objectos, que sirvam de critério para a cor-<br />

recção <strong>do</strong> reconhecimento. É exactamente para exemplificar a h-<br />

<strong>da</strong>mentação de objectos por meio <strong>da</strong> noção de padrão real que Den-<br />

nett recorre ao bSun<strong>do</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong>: são possíveis vásias perspectivas<br />

""HAUGELAND 1993: 57


sobre o que neste acontece e no entanto, existe uma objectivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

padrões. Haugeland estabelece umaanalogia entre essa objectivi<strong>da</strong>de<br />

liga<strong>da</strong> à obediência a "regras" e a natureza de um jogo de xadrez e <strong>da</strong>s<br />

respectivas peças. Em ambos os casos existe algo de especial descntivel<br />

a partir de cima, que constitui um padrão. Consideran<strong>do</strong> as peças<br />

de xadrez, de que tipo de reali<strong>da</strong>de se está a falar se elas são dehni<strong>da</strong>s<br />

pela sua participação num jogo? Que tipo de reali<strong>da</strong>de têm uma torre<br />

ou um bispo, que não são por exemplo necessariamente figuras uidimensionais<br />

de marh ou de madeira, nem imagens num écran de<br />

computa<strong>do</strong>r? Como nota Haugeland, noções metafisicas de substância<br />

e proprie<strong>da</strong>de não se aplicam a reali<strong>da</strong>des tais, não reconhecíveis<br />

fora de contexto. A reali<strong>da</strong>de de que se fala é uma reali<strong>da</strong>de intermédia,<br />

dependente <strong>do</strong> contexto, que deve ser considera<strong>da</strong> no seio de<br />

"<br />

maneiras de ser" representa<strong>da</strong>s pelas estratégias alternativas (a EF, a<br />

ED, a EI). Se é assim, o nível intencional <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de é objectivo e<br />

não menos real <strong>do</strong> que o físico.<br />

Dennett confessa que não pretendia <strong>da</strong>r ã noção de reconhecimento<br />

a importância teórica que Haugeland lhe atribui: simplesmente<br />

a tomava no senti<strong>do</strong> comum na IA e na ciência cogmtiva em<br />

geral. Mas é em última análise <strong>da</strong> ligação entre as noções de reconhecimento<br />

e de padrão que o realismo modera<strong>do</strong> dennetiano acerca<br />

<strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de depende. Esta questão será retoma<strong>da</strong> no<br />

Capitulo 6, quan<strong>do</strong> se explicitar a ontologia subjacente à TSI. Na<br />

segun<strong>da</strong> parte deste capítulo procurar-se-á verificar a contraparte<br />

<strong>do</strong> realismo modera<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong>s problemas <strong>da</strong> explicação<br />

psicológica e <strong>da</strong> individuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em mente<br />

que a noção de padrão serve sobrem<strong>do</strong> para evidenciar que tipos<br />

de materialismo como o realismo intencional de Fo<strong>do</strong>i por um la<strong>do</strong><br />

e o eliminativismo <strong>do</strong>s Churchland por outro são posições excessivamente<br />

fortes acerca <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de. No caso humano, os<br />

esta<strong>do</strong>s intencionais são remeti<strong>do</strong>s ã biologia, e portanto ao desigrt,<br />

ou, em geral i organização funcional de sistemas cognitivos em<br />

cuja operação seja possível o reconhecimento interpretativo de padrões.<br />

O problema <strong>do</strong> desigz torna-se assim uma questão incontornável<br />

e Dennett sentiu inclusive necessi<strong>da</strong>de de lhe dedicar to<strong>da</strong><br />

uma obra, Danvmt'S Dangeroz/s Idea.<br />

O problema é saber se Dennett, retneteil<strong>do</strong> ao des@ a teoria <strong>do</strong>s<br />

padrões e <strong>do</strong> reconhecimento pode <strong>da</strong>r-se ao luxo de continuar a<br />

declarar-se um realista apelras modera<strong>do</strong>. Dennett termina o artigo<br />

Evob~tion, Errar and Irttei~tionality af~man<strong>do</strong> que o uatamento <strong>da</strong> in-<br />

tencionali<strong>da</strong>de conduz inevitavelmente a um acerto de contas com<br />

as perturba<strong>do</strong>ras consequências <strong>da</strong> destruição <strong>do</strong> Argumento <strong>do</strong><br />

Desígnio leva<strong>da</strong> a cabo por Danvin: não se pode ser realista acerca<br />

de significação sem realismo acerca de funções, e este último teria<br />

si<strong>do</strong> impossibilita<strong>do</strong> por Darwin. No entanto, o problema <strong>da</strong> posição<br />

de Dennett, por mais que ele reclame defender um tipo modera<strong>do</strong><br />

de realismo, é que ela tende ii-resistivelmente para extsemos<br />

opostos: por um la<strong>do</strong> para um eliminativismo total, um quadro de<br />

interpretação totalizante em que a intencionali<strong>da</strong>de finalmente não<br />

existe, a racionali<strong>da</strong>de fmalmente não existe, to<strong>da</strong> a mentali<strong>da</strong>de é<br />

finalmente relacional, dependente de uma atribuição e não inuinseca,<br />

e no qual até mesmo a EF deveria ser considera<strong>da</strong> como uma<br />

questão de interpretacão. Por outro la<strong>do</strong>, remeter o problema <strong>da</strong>s<br />

representacões mentais para o ,problema <strong>do</strong> des2~1 parece ser um<br />

apelo a uma teleologia real. E <strong>da</strong> acusação feita pelos críticos<br />

segun<strong>do</strong> a qual desta posição decorreriam implicações contraditónas,<br />

sen<strong>do</strong> portanto o realismo modera<strong>do</strong> instável, que Dennett<br />

tem que defender-se.<br />

2.2 A ifidividlação <strong>do</strong> corzteti<strong>do</strong> e a e@licaçãopsicológica. Corttra o<br />

i~zstn171zer2talisr*10 <strong>da</strong> TSI: R MiIlikarz, l? Dretske eJ Fo<strong>do</strong>l:<br />

A posição de Dennett quanto à rratzirexa de "enti<strong>da</strong>des" repre-<br />

sentacionais -o realismo modera<strong>do</strong> - deve ser considera<strong>da</strong> em con-<br />

junto com uma posicão quanto ao conteti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações. Ora,<br />

a posição quanto ao conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações que Dennett de-<br />

fende desde C&C é uma posição teleofuncionalista. Apenas a partir<br />

<strong>da</strong> conjugação <strong>do</strong> realismo modera<strong>do</strong> com o teleofuncionalismo se<br />

esclarece a forma como a TSI enfrenta as questões <strong>da</strong> explicação<br />

psicológica e <strong>da</strong> individuação <strong>da</strong>s representações mentais.<br />

2.2.1 Fz/lzcior1nlis7wo e teleofiLnriotzalis7zo: a reitztrodtqão <strong>da</strong>sj~rrçfes biológicas<br />

lrta teoria <strong>da</strong> azcllte. Realisno acerca de represe~ztaçfes. A TSI e o tele-<br />

.S(~i~cionalisi~o. Proble~zas <strong>do</strong> externalis~~zo.<br />

A noção de funcão suposta pelo teleotiuicionalismo não se iden-<br />

tifica com a noção de função <strong>do</strong> funcionalismo tal/,? cozirt. Esta última<br />

visa acentuar a autonomia <strong>da</strong> desctição de um <strong>da</strong><strong>do</strong> nível de funcio-


soja lwigzie~is<br />

namento de um sistema, consideran<strong>do</strong> o sistema por si,enquanto a<br />

noção teleofuncionalista de função, identificável com a noção de biológica<br />

de função como propósito ozt~uli<strong>da</strong>de, diz respeito não apenas<br />

ao sistema considera<strong>do</strong> por si mas também à a<strong>da</strong>ptação <strong>do</strong> comportamento<br />

deste ao ambiente. A convicção básica <strong>do</strong>s teleofuncionalistas<br />

é que apenas a reintrodução <strong>da</strong> noção biológica de função na teona<br />

<strong>da</strong> mente permite <strong>da</strong>r conta <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações.<br />

Note-se que quan<strong>do</strong> se abor<strong>da</strong> o problema <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações<br />

se trata de saber não o que faz de um conjunto de esta<strong>do</strong>s<br />

mentais estu<strong>do</strong>s nlentuis, mas o que os diferencia entre si (individua)<br />

enquanto esta<strong>do</strong>s mentais. Esta<strong>do</strong> mentais acerca de A (gatos) e esta<strong>do</strong>s<br />

mentais acerca de B (estrelas) são individua<strong>do</strong>s através desses<br />

conteú<strong>do</strong>s, mesmo se são definíveis identicamente enquanto esta<strong>do</strong>s<br />

mentais (por exemplo, como esta<strong>do</strong>s funcionais <strong>do</strong> cérebro). Eles<br />

diferem no entanto na medi<strong>da</strong> em que um é acerca de gatos e o outro<br />

acerca de estrelas. Segun<strong>do</strong> o teleofuncionalismo, esta distinção faz-<br />

-se através <strong>do</strong> apelo aospropósitos oujizub<strong>da</strong>des cumpri<strong>do</strong>s pelos esta<strong>do</strong>s<br />

mentais <strong>do</strong> exemplo quan<strong>do</strong> estes "apontam ou indicam" respectivamente<br />

gatos e estrelas. Os esta<strong>do</strong>s mentais a que aqui se alude<br />

são veic~tlos. A partk deste momento convém ter constantemente presentes<br />

<strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s de "representação": por um la<strong>do</strong>, falar-se-á de<br />

representações enquanto veicltlos (esta é uma noção "mecânica", utiliza<strong>da</strong><br />

na ciência cogiibva com o senti<strong>do</strong> de "estrutura <strong>do</strong> cérebro ou<br />

de outro lrard~vure que de uma forma ou outra segue alguma coisa no<br />

mun<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente co-varian<strong>do</strong> com ela"), por outro la<strong>do</strong> falar-<br />

-se-á de representações enquanto uqzilo qne é represeirtu<strong>do</strong>. Note-se que<br />

sen<strong>do</strong> o propósito <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais (enquanto veículos) indicar<br />

algo que está fora <strong>do</strong> sistema, aquilo que determina ou fixa o conteú<strong>do</strong><br />

ou significa<strong>do</strong> (aquilo que é representa<strong>do</strong>) não estará "dentro <strong>da</strong><br />

cabeca" mas sim no mun<strong>do</strong>. A ideia básica <strong>do</strong>s teleofuncionalistas é<br />

que o desigr <strong>do</strong>s sistemas cognttivos é tal que estes produzem determina<strong>da</strong>s<br />

representacões internas quan<strong>do</strong> em presença de determina<strong>da</strong>s<br />

condicões no mun<strong>do</strong>, representações essas que indicam as condições<br />

no mun<strong>do</strong>. Em geral o des@ <strong>do</strong>s sistemas é atribuí<strong>do</strong> à selecção<br />

natural, que teria produzi<strong>do</strong> soluções evolutivamente estáveis para<br />

o problema <strong>da</strong> coordenação <strong>do</strong> comportamento de sistemas com<br />

o ambiente"'. Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com o teleofuncionalismo, a<br />

maneira humana de significar, nomea<strong>da</strong>mente a maneira iinguística<br />

'" Ou rmùém i nprendizsgern corno processo análogo i selecq30 nsnii;ii.<br />

de significar, não é de mo<strong>do</strong> algum prototípica: significar pode perfeitamente<br />

ser um funcionamento pré-verbal ou a-verbal em sistemas<br />

cognitivoi Segun<strong>do</strong> Dennett, o facto de os teóricos <strong>da</strong> mente centrarem<br />

frequentemente a atenção na significação linguística, analisan<strong>do</strong>a<br />

através de meios lógicos, conduz a distorções e a resistências infun<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

às abor<strong>da</strong>gens naturalistas <strong>do</strong> signtfica<strong>do</strong>. O teleofuncionalismo,<br />

pelo contrário, evocan<strong>do</strong> funcões biológicas e selecção natural é<br />

uma teoria totalmente naturalista <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações,<br />

que tem a grande vantagem de tratar o problema <strong>da</strong> normativi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> cognição (o facto de ser constitutivo de uma representacão ela ser<br />

suposta ser acerca de x e não de y ou de z) remeten<strong>do</strong>-o para normas<br />

biológicas (i.e. para o desenho de dispositivos para cumprirem<br />

funções e para o normal funcionamento destes). De acor<strong>do</strong> com<br />

estes parâmetros, o grande problema para as teorias teleofuncionalistas<br />

é, como se verá, estabelecer a natureza <strong>do</strong> erro ou má representação<br />

(n~isrepresentutiot~).<br />

É preciso notar que nem to<strong>do</strong>s os autores que defendem uma<br />

posição funcionalista quanto à natureza <strong>da</strong> representação defendem<br />

uma posição teleofuncionalista quanto ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais.<br />

Por exemplo J. Fo<strong>do</strong>r, que tem vin<strong>do</strong> a ser considera<strong>do</strong> o caso<br />

exemplar <strong>do</strong> teórico funcionalista, defende uma teoria nómico-informacional<br />

<strong>do</strong> conteúd~~'~ e não uma teoria teleofuncionalista. O núcleo<br />

<strong>do</strong> te1eofuncion;llismo é, repita-se, a ideia segun<strong>do</strong> a qual a individuação<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentais se apoia no carácter apropria<strong>do</strong><br />

(ao ambiente) <strong>do</strong> comportamento (guia<strong>do</strong> pela produção de representações)<br />

de sistemas físicos. A explicação psicológica dirá respeito a<br />

enti<strong>da</strong>des internas, veículos selecciona<strong>do</strong>s com a finali<strong>da</strong>de de representar.<br />

Ora, na medi<strong>da</strong> em que Dennett defende que a adsciição <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> é holista e interpretativa, quer a possibili<strong>da</strong>de de representações<br />

internas quer a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> explicação psicológica (que<br />

pressupõe que alguma coisa de natureza representacional no interior<br />

<strong>do</strong> sistema faz diferença no comportamento deste) se afiguram problemáticas.<br />

Noutras palavras, a TSI arrisca-se a apenas poder considerar<br />

o conteú<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentais como ~epifenomenalx e campotente>"',<br />

não poden<strong>do</strong> nunca influenciar a, ou sobrepôr-se à, causação<br />

mecanicista local. Não é no entanto apenas a TSI que tem problemas<br />

com a impotência causal <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>: a explicação psicológica e a in-<br />

"'Cf. PODOR 1990, FODOR 19q4, PODOR 1998.<br />

">DENNETi 1998ù: 63. É nisto que rc tnduz, ;i€mal, n únpossiùiiidsde dç máquinas seminticar


dividuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> constituem problemas para o teleofuncionalismo<br />

em geral já que este considera como pedra de toque <strong>da</strong> questão<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações a apropriação <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong><br />

sistema global, sen<strong>do</strong> sempre alguma coisa que está fora <strong>da</strong> cabeça (as<br />

condiq5es no mun<strong>do</strong>) que é responsável pela £ixação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s mentais que guiam esse comportamento.<br />

As duas questões a partir de agora trata<strong>da</strong>s - a explicação psicológica<br />

e a individuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> - estão, como se procurará<br />

mostrar, relaciona<strong>da</strong>s. A grande opção que subjaz às teorias <strong>da</strong> explicação<br />

psicológica e <strong>da</strong> individuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> desenvolvi<strong>da</strong>s<br />

pelos diferentes autores convoca<strong>do</strong>s é uma opção quanto à reali<strong>da</strong>de<br />

a atribuù. às representações mentais ao nível <strong>do</strong> desgp~ Ao relacionar<br />

a questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> com a função biológica, o teleofuncionalismo,<br />

sen<strong>do</strong> tendencialmente realista acerca de fungões, é tendencialmeute<br />

realista acerca de representações (enquanto veículos).<br />

Disposiuvos biológicos com fungões (por exemplo orgãos como<br />

olhos, corações, etc) são dispositivos físicos reais, com funções que<br />

relacionam sistema e ambiente. Assim, a maioria <strong>do</strong>s autores que<br />

como Dennett desenvolvem teorias teleofuncionalistas e evolucionistas<br />

<strong>do</strong> contéu<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente Ruti~ bíiüilian e Fred Dretske,<br />

são realistas acerca de representaçòes internas e <strong>da</strong>s suas funções.<br />

Millilían e Dretske consideram que é possível falar de veículos de<br />

conteú<strong>do</strong> ou de informação que fazem diferença no sistema3"" e que<br />

a explicação psicológica se baseia nestes veículos. Assim, para E<br />

Dretske a explicação psicológica terá a forma de uma explicação <strong>do</strong><br />

comportamento através de raxões, no caso de híiüilian, a explicação<br />

psicológica envolverá normas e hi~tória~'~. Também J. Fo<strong>do</strong>r, em-<br />

'" Sejom icones Intcncion~ir (hULLIIO\N 1984) rilyns <strong>do</strong>s qunis se~io reprcscnngõcs no pleno<br />

rcnti<strong>do</strong> <strong>da</strong> pnlwra @d/ ,li/o,v«), sejam indica<strong>do</strong>res inrernos (DIGTSIG 1988). hUUii


clcpcntlcnrc d;i iiitcrl,rcr,ic;io tlo jis~ciiia co~nirivo por ~iin iiirCrpr~w<br />

L.XICIIOI. IOI.~~I-~L, ~otii~~lic;icIa 3 Jcfes;i c l ~ .I~IY.L l>osic,io r~l~~ofi~iic~o-<br />

A .<br />

nalista, que por princípio evoca as funções de veículos nos próprios<br />

sistemas para explicar a semântica <strong>da</strong>s representações. Deisan<strong>do</strong> por<br />

agora de la<strong>do</strong> os problemas que o princípio <strong>da</strong> dependência <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de<br />

relativamente ao exterior pode envolver quan<strong>do</strong> se considera<br />

a consciência, considerar-se-á aqui exclusivamente os problemas<br />

que essa dependência tciz para a própria teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. Assim,<br />

a posição de Dennett será contrasta<strong>da</strong> apenas com posições de<br />

outros teóricos naturalistas <strong>da</strong> informação e <strong>do</strong> comportamento -<br />

nomea<strong>da</strong>mente MiMcan, Dretslre e Fo<strong>do</strong>r - que admitem a pertinência<br />

<strong>da</strong> separação <strong>da</strong>s teorias <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência quan<strong>do</strong><br />

se trata de desenvolver uma teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

Ain<strong>da</strong> que nem to<strong>do</strong>s os autores considera<strong>do</strong>s a partir de agora<br />

sejam teleofuncionalistas, to<strong>do</strong>s defendem posições externalistas<br />

quanto ao conteú<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s reconhecem no entanto que o puro<br />

externaiismo (tal como é defendi<strong>do</strong> por exemplo pelos behavioristas<br />

lógicos) não é uma solução suficiente para o problema <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

mental. Até mesmo Dennett admite que o conteú<strong>do</strong> mental<br />

deve poder fazer diferenca no comportamento <strong>do</strong> sistema e é por<br />

essa razão que propõe o conceito de "mun<strong>do</strong> nocional". O mun<strong>do</strong><br />

nocional é a resposta possível ao problema <strong>da</strong> individuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,<br />

permitin<strong>do</strong> supostamente caracterizar a diferença entre acreditar<br />

que p e acreditar que q sem incorrer em preconceitos sentencialistas<br />

ou linguísticas e sem conceber o conteú<strong>do</strong> mental à imagem<br />

<strong>da</strong> linguagem humana. Segun<strong>do</strong> Dennett, são precisamente os<br />

preconceitos sentencialistas que arruinam por exemplo a teoria<br />

fo<strong>do</strong>riana <strong>da</strong> explicação psicoló@ca. É portanto de novo face a Fo<strong>do</strong>r<br />

que a Dennett define uma posição quanto à individuação <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong>, opon<strong>do</strong> a ideia de mun<strong>do</strong> nocional is representações<br />

mentais reais e sentenciais <strong>da</strong> TRM.<br />

Individuar ou medir o conteú<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> a poder caracterizar a<br />

explicação psicológica implica antes <strong>do</strong> mais decidú- se se está a<br />

falar quan<strong>do</strong> se fala de acreditar que p ou q: de objectos abstractos<br />

como proposições, de estruturas cerebrais, <strong>da</strong> interpretação de<br />

comportamento de sistemas £ísicos, de formas sentenciais "dentro<br />

na cabeça" ou de qualquer outra coisa. A evidência que vem <strong>do</strong>s<br />

estu<strong>do</strong>s empísicos leva apenas a crer que está a ser usa<strong>da</strong> informação,<br />

sugere uma teoria cosnputacional, mas na<strong>da</strong> diz de exacto acerca<br />

<strong>da</strong> forma <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s processa<strong>do</strong>s ou <strong>da</strong>s suas uni<strong>da</strong>des.<br />

I<br />

Quanto às uni<strong>da</strong>des, o míuimo que se pode dizer é que teorias naturalistas<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> não podem servir-se simplesmente e sem<br />

mais explicações de enti<strong>da</strong>des abstractas como proposições. Perante<br />

esta situação, certas observações meta-teóricas e certas opções<br />

são inevitáveis. Dennett pensa que se a questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> fôr<br />

trata<strong>da</strong> a partir <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s atitudes proposicionais feitos na<br />

filosofia <strong>da</strong> linguagem e na lógica o resulta<strong>do</strong> serão teorias sem<br />

interesse directo para as ciências empíricas <strong>da</strong> cognição. Ora, se há<br />

coisa que várias outras disciplinas procuram na filosofia é uma teoria<br />

<strong>da</strong>s proposições, <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, <strong>da</strong> informação semântica, ou como<br />

se enten<strong>da</strong> chamar-lhe, já que as ciências <strong>da</strong> cognição não passam<br />

sem informação e transformações de informação.<br />

Chamar-se-á a partir de agora, avançan<strong>do</strong> com a terminologia de<br />

Dretske, "informação semântica" i informação enquanto conteú<strong>do</strong>,<br />

por contraste com a informação tal como a teoria formal <strong>da</strong> informação<br />

a ~oncebe"~ (i.e. como neutra quanto ao conteú<strong>do</strong>, puramente<br />

quantitativa, sen<strong>do</strong> a quanti<strong>da</strong>de de informação medi<strong>da</strong> em bits<br />

(e hytes, megabytes, gigabytes, ...)). O facto de a medi<strong>da</strong> ser neutra significa<br />

que quanti<strong>da</strong>des idênticas de informação podem corresponder<br />

a informação semântica totaimente distinta (por exemplo 1 MB deinformação<br />

pode ser som, texto, imagem, etc). Ora a questão acerca <strong>da</strong><br />

análise, individuação ou medição <strong>da</strong> informação semântica pode ser<br />

formula<strong>da</strong> perguntan<strong>do</strong> que medi<strong>da</strong> poderia ser apropsia<strong>da</strong> para a informação<br />

semântica, que uni<strong>da</strong>de de medi<strong>da</strong> teria um papel análogo<br />

ao papel <strong>do</strong>s bits e bytes <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> informação. De entre os autores<br />

aqui analisa<strong>do</strong>s Dretslie é aquele que visa exactamente, e essa foi,<br />

desde logo, a importãnua inaugural de fio~uIedge a~zd tbe Fhw r$ I+rinutioti,<br />

desenvolver um conceito semântico de informação em continui<strong>da</strong>dc<br />

com a teoria matemática <strong>da</strong> informação.<br />

2.2.2 Beyond Belief: im/n<strong>do</strong>s nacionais e proposições coizo medidns<br />

provisórias.<br />

Ao contrário de defensores <strong>do</strong> teleofuncionalismo como Dretslre<br />

@ara quem a teoria <strong>da</strong> informação mostra que a informação é qual-<br />

quer coisa de objectivo, sen<strong>do</strong> essa revelação fun<strong>da</strong>mental para a teo-<br />

ria semântica) e Miliikan (que reporta a adequação <strong>do</strong> comportamen-<br />

"*Alude-sc i reoria dcsenvolvidn por C.Slisnnon. Cf. poi exemplo DRETSKII 1981, 1" Paite.


to de sistemas a Ícones Intencionais Internos), Dennett abor<strong>da</strong> a individuação<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> através um conceito ain<strong>da</strong> inteipretativo, o<br />

conceito de mun<strong>do</strong> nocional. O conceito é proposto no artigo Byotld<br />

Beliep'" e serve para especificar o que existe numa criatura que determina<br />

aquilo em que esta acredita. O problema de Dennett em Byond<br />

Bclifé duplo: ele pretende desconstruir a psicologia <strong>da</strong>s atitudes proposicionais,<br />

i.e. o usual apelo a proposições como conteú<strong>do</strong>s de crenças,<br />

e encontrar um substihito para as proposicões. Chegará ao hn<br />

com uma nocão muito fraca de mun<strong>do</strong> nocional, através <strong>da</strong> qual os<br />

mecanismos psicológicos seriam indirectamente caracteriza<strong>do</strong>s. A<br />

noção pretende substituir as proposições sem recorrer ao subterhígio<br />

<strong>da</strong> Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento, de acor<strong>do</strong> com a qual<br />

são símbolos em linguagem <strong>do</strong> pensamento e não proposicões aquilo<br />

que no interior <strong>do</strong>s sistemas constitui as crenças. As várias uni<strong>da</strong>des<br />

alternativas de conteú<strong>do</strong> analisa<strong>da</strong>s em Bynd Bewsão portanto,<br />

respectivamente as proposições <strong>da</strong> "psicologia <strong>da</strong>s atitudes proposicionais",<br />

as jra~es enz li~gz~agenz de pensanzento <strong>da</strong> "psicologia <strong>da</strong>s atitudes<br />

sentenciais" e os n11~n<strong>do</strong>s t~ocionais <strong>da</strong> "psicologia <strong>da</strong>s atitudes nocionais"<br />

proposta pelo próprio Dennett.<br />

Apesar <strong>da</strong> opção que o teleofuncionalista faz pela biologia como<br />

modelo para a psicologia, em detrimento de modelos lógicos,<br />

mesmo Dennett admite, em Bgjond Beliej; que determina<strong>da</strong>s questões<br />

acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> em segui<strong>da</strong> enumera<strong>da</strong>s, a que se chainará<br />

questões fregeana~'~", são mais facilmente tratáveis a partir de um<br />

ponto de vista lógico-linguística sobre o mental. As questões fregeanas<br />

são questões relativas is condições para a existência de: (1)<br />

enti<strong>da</strong>des <strong>do</strong>ta<strong>da</strong>s de valores de vcr<strong>da</strong>cie, (2) enti<strong>da</strong>des intensionais que<br />

determinam "extensões", (3) capturabili<strong>da</strong>de (graq?abiliQ) pela mente<br />

dessas mesmas enti<strong>da</strong>des. Segun<strong>do</strong> Dennett, o facto de na<strong>da</strong> satisfazer<br />

simultaneamente to<strong>da</strong>s as condicões é problemático para o<br />

teórico <strong>da</strong> cognicãoi2'. É precisamente por não existirem tais enti<strong>da</strong>des<br />

que <strong>do</strong>utrinas bastante distintas <strong>da</strong> natureza de proposições<br />

competem entre si.<br />

Dennett defende em BgondBeli$que não existem uni<strong>da</strong>des universais<br />

e reais de informação semântica (que seriam por exemplo<br />

"" DENNETí 1987i.<br />

'*Apesar <strong>da</strong> terminolo6a a<strong>do</strong>pmdn nSo se nos que sein possível considerflr que efrom Fzqe's<br />

, , .. .<br />

':' Cf. DENNETi 1988d: 500. Dumrnetr considem estas fomula$õcs psicologisras e grosseiins<br />

(DUhillETT 1988).<br />

A & . A .<br />

segun<strong>do</strong> wqual os conteú<strong>do</strong>s de crencas são proposições) não tem<br />

fun<strong>da</strong>mentos sóli<strong>do</strong>s. É pelo facto de nem proposicões nem frases<br />

numa linguagem <strong>do</strong> pensamento serem adequa<strong>da</strong>s para traduzir o<br />

conteú<strong>do</strong> que Dennett propõe a ideia de nun<strong>do</strong> nocional. A proposta<br />

corresponde à seguinte ideia: a informação semântica está de<br />

facto no organismo de uma forma que faz diferença, no entanto só<br />

é possível descrevê-la indirectamente. A descricão <strong>da</strong> informação<br />

semântica não é nem uma descricão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior ao sistema<br />

nem uma descrição de alguma coisa de interior ao sistema: não se<br />

pode evocar nem "O mun<strong>do</strong>-tal-como-ele-? nem frases em linguagem<br />

de pensamento para decidir que (retoman<strong>do</strong> o exemplo de<br />

Quine) Ortcutt é o pilar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e é espião. A principal<br />

razão pela qual Dennett argumenta que a informação semântica<br />

deve ser medi<strong>da</strong> indirectamente é o facto de o Racionalismo <strong>do</strong><br />

Significa<strong>do</strong> ser falsoi2'. O Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong> está liga<strong>do</strong><br />

ao princípio de Russell segun<strong>do</strong> o qual «não é possível fazer um<br />

juízo sobre um objecto sein saber sobre qual objecto se está a fazer<br />

o juízo»". O que se passa é precisamente que é possível fazer juízos<br />

sem que se saiba sobre qual "objecto real" se ajuíza.<br />

Recapitulan<strong>do</strong>, as proposições seriam os primeiros candi<strong>da</strong>tos a<br />

enti<strong>da</strong>des <strong>do</strong>ta<strong>da</strong>s de valores de ver<strong>da</strong>de, as medi<strong>da</strong>s <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,<br />

os bits <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> informação semântica. Existem várias sugestões<br />

em campo relativamente à natureza <strong>da</strong>s proposições de acor<strong>do</strong> com<br />

as quais estas seriam nomea<strong>da</strong>mente (1) frases, símbolos com sintaxe,<br />

(2) conjuntos de mun<strong>do</strong>s possíveis ou funcões de mun<strong>do</strong>s<br />

possíveis para valores de ver<strong>da</strong>de, (3) colecções ordena<strong>da</strong>s de objectos<br />

e proprie<strong>da</strong>des no mun<strong>do</strong>. Em qualquer caso, um objecto<br />

que fosse a medi<strong>da</strong> de conteú<strong>do</strong> ideal deveria satisfazer as três condições<br />

acima enumera<strong>da</strong>s: ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de um valor de ver<strong>da</strong>de, ser<br />

intensional e determinar extensões e ser capturivel pela mente. Den-<br />

L O RO~'OIJZ~!~IJO<br />

,!o S&o$iiii!o c~nsiscc na auibuiçlo de uma niiioridnrie especinl aos pmduroies e<br />

intCrpieies de icones Intencionais quanto no quc cstcs signihnm, ou ein suma, naidein scyii<strong>do</strong> a qual<br />

um sistcmn cognitivo dcvc por piùicipio scr coprir dc rcconliccer i priori aquilo quc as siins icprcícn~<br />

nçòes represennrn, c se duas representaçòc~ difcrcntcs em momcntos ificn<strong>do</strong> n<br />

mcsmidndc dc conteú<strong>do</strong> dc A c B, duas rcprcscnn$õcc~ mentais, seiin uaiirpnrentc no pcnsz<strong>do</strong>i <strong>do</strong>s<br />

penssiiicntos i\ e B, quc seris imunc ro erro nos acros de idcntificq80 <strong>do</strong> rncsmo coiiio rnesrno I'xin<br />

hiüiiknn, o eiro dn posiqlo resultn de uma ocultaçlo dn mednicn <strong>do</strong>s


nett dá como adquiri<strong>do</strong> que vários argumentos (de H:Putnam, S.<br />

Stich, D. Icaplan, etc) mostram que na<strong>da</strong> satisfaz to<strong>da</strong>s as condições<br />

simultaneamente3"". É por isso que a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong><br />

Pensamento surge como solução alternativa: admitin<strong>do</strong> que a questão<br />

<strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s proposições é irresolúvel, supõe-se que algo de<br />

concreto - símbolos na linguagem <strong>da</strong> mente - é fisicamente instancia<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> um "pensamento" é capta<strong>do</strong>. As crenças acerca de<br />

X ou Y têm que ser compostas por alguma coisa (não por X ou Y<br />

mas por símbolos, estruturas sentenciais que dão conta <strong>da</strong> caractenstica<br />

opaci<strong>da</strong>de referencial <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s intencionais). Feita a distinção<br />

de D. Icaplan entre conteú<strong>do</strong> e cará~ter"~, obtém-se que as<br />

frases na cabeça são enti<strong>da</strong>des com carácter Assim, o facto de duas<br />

enti<strong>da</strong>des acreditarem a mesma coisa já não remete para objectos<br />

abstractos (proposições, cuja natureza é problemática) mas para<br />

uma forma sentencial no interior de um sistema, uma frase em linguagem<br />

de pensamento.<br />

Seria de esperar que Dennett não se convertesse à Hipótese <strong>da</strong><br />

Linguagem <strong>do</strong> Pensamento. De facto, embora admita que a proposta<br />

de Fo<strong>do</strong>r não se compromete com proposições, ele faz-lhe<br />

várias críticas. Antes de mais, a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento<br />

distingue os esta<strong>do</strong>s psicológicos de forma demasia<strong>do</strong> &a,<br />

obrigan<strong>do</strong> a admitir que as contribuições semânticas para um sistema<br />

podem sempre ser coloca<strong>da</strong>s ein forma de linguagem. Além<br />

disso, não é de to<strong>do</strong> clara a origem <strong>do</strong> carácter sintáctico <strong>da</strong> linguagein<br />

<strong>do</strong> pensamento nem são claros os princípios que permitem<br />

distinguir o que conta como sintáctico no cérebro. Por outro la<strong>do</strong>,<br />

a neutrali<strong>da</strong>de em relação à linguagem, a vantagem <strong>do</strong>s tratamentos<br />

teóricos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> em termos de proposições, desaparece com<br />

a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento. No entanto, nos termos<br />

<strong>da</strong> TSI, o núcleo <strong>da</strong> crítica à Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamen-<br />

':' DENNElT 1987j: 121-130. Por exemplo, de acor<strong>do</strong> com Dennett s experiêiicia rncntd dn<br />

Tcrra Gémcn dc I'utnm sugerc ou que o significa<strong>do</strong> nbo esti ns cabeçn, nào é capninívcl pein mente<br />

ou que o significa<strong>do</strong> n5o dctcriniiin u cxtensào<br />

"' Cf, DENNETT 1987j: 131~133. Rccordc-sc quc é a distinçào dc D ICnplan cnuc rnniiicr c<br />

coiitcú<strong>do</strong> ["m canctetiznr o siilnifica<strong>do</strong>i ,. quc insr>iin . ri distin<strong>do</strong> de h<strong>do</strong>r enue conteú<strong>do</strong> lato e conteú<strong>do</strong><br />

esttito. A idcia é que algo com o mesino wi


Soja iM&i/eii.r<br />

i.e. são medi<strong>da</strong>s eficazes, que possibilitam uma uniforniização útil,<br />

mas não valores absolutos ou enti<strong>da</strong>des reais. As proposições servem<br />

para "medir" mun<strong>do</strong>s nocionais, objectos e eventos em que o sujeito<br />

acredita, caracteriza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> terceira pessoa. Esta<br />

caracterização é no entanto um atalho heuiístico e não poderá nunca<br />

ser precisa pois não corresponde à captura pela mente de enti<strong>da</strong>des<br />

abstractas reais e determina<strong>da</strong>s. O que a utilização <strong>da</strong>s proposicões<br />

como medi<strong>da</strong>s provisórias permite é uma aproximação ao mun<strong>do</strong><br />

nocional <strong>do</strong> sujeito, dehni<strong>do</strong> como «o ambiente ao qual o organismo,<br />

tal como é actualmente constituí<strong>do</strong>, está idealmente a<strong>da</strong>pta<strong>do</strong>»3w. A relativi<strong>da</strong>de<br />

ao agente é, de resto, de acor<strong>do</strong> com Dennett a grande vantagem<br />

<strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong>s proposições como conjuntos de mun<strong>do</strong>s<br />

possíveis, uma vantagem que Dennett pretende transferir para a ideia<br />

de mun<strong>do</strong> nocional De acor<strong>do</strong> com Dennett, constituem versões <strong>da</strong><br />

ideia de mun<strong>do</strong> nocional a fenomenologia husserliana, a IA, a <strong>do</strong>utrina<br />

quineana <strong>da</strong> indeterminação radical e a interpretacão <strong>da</strong> ficção por<br />

teóricos literários. É importante sublinhar de novo que o mun<strong>do</strong> nocional<br />

(mão consiste em representações mas em representa<strong>do</strong>^»^": o<br />

mun<strong>do</strong> nocional é o mun<strong>do</strong>-<strong>do</strong>-sujeito, não o mun<strong>do</strong> de representações<br />

sinticticas vazias dentro <strong>da</strong> cabeca <strong>do</strong> indivíduo que o solipsismo<br />

meto<strong>do</strong>lógico <strong>da</strong> Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong> Pensamento sugere.<br />

A objeccão maior à ideia de mun<strong>do</strong> nocional é, como seria de<br />

esperar, uin argumento <strong>do</strong> tipo Terra Gémea e em Byond Belif<br />

Dennett procura enfrentá-lo, admitin<strong>do</strong> que é possível que o Oscar<br />

1 <strong>da</strong> Terra e o Oscar 2 <strong>da</strong> Terra Gémea partilhem o mesmo mun<strong>do</strong><br />

nocional encontran<strong>do</strong>-se em "mun<strong>do</strong>s reais" disàntos, o que explicaria<br />

a semelhança <strong>do</strong>s seus comportamentos e a diferença <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>s suas crenças"'. O ponto é ilustra<strong>do</strong> com a história de utn<br />

local chama<strong>do</strong> Shakey's Pizza Par10r'~~. Uma pessoa a<strong>do</strong>rmeci<strong>da</strong><br />

(Tom) é transposta de um estabelecimento numa locali<strong>da</strong>de (Shalrcy's<br />

"' DBNNETi 1987j: 154.<br />

'"Apesar desm "solu(.io" Dennetr ievel:i usunhente ter objecqõc~ de principio :ao iiso <strong>da</strong>s espe<br />

ritncias mentais como n Tciin Gétnen. De un ponto de vista inenor caritativo, dir-se-ia que n5o sabe<br />

ualiri-lrs ou quc n<strong>do</strong> compmciidc o uso dn estipul~~5o quc <strong>da</strong>s cnvolrcm, uso quc se destiiia a \,criúcar<br />

qual reorin se ;ipiica, preferin<strong>do</strong> nnres rxr,,rp/oi, que sso aplica~ões de teotis e podem ser i,isros<br />

dc virias maneiras. Nesse senti<strong>do</strong> o uso de exemplos, carncteiistico de Dennen, seiia menos soústica<strong>do</strong><br />

e menos canuoh<strong>do</strong> <strong>da</strong> que o usa, que clc critica, dc crpcrifiicias dc pensamento.<br />

"' DENNBTi 1987: 167-168. Tom, a person:tgem <strong>da</strong> Iiistória é uaiisposto <strong>do</strong> Sliskeg's I'izza<br />

Pnrlor dc Carta hlesa par* o SliakegS Pirra Parlor de\Vcstwood Viunge, cujn decorqào é idtnticn até<br />

no último poimenoi<br />

U7m Teoria Fisic#hsta <strong>do</strong> Coiiteii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coirsciêircia<br />

Pizza Parlor, em Costa Mesa) para um outro exactamente idêntico<br />

noutra locali<strong>da</strong>de (Shaliey's Puza Parlor, em Westwood Village).<br />

Acor<strong>da</strong><strong>do</strong>, Tom, aposta que as suas iniciais estão grava<strong>da</strong>s numa<br />

determina<strong>da</strong> porta. Vai verificar e perde a aposta. O problema que se<br />

coloca -caracterizar o esta<strong>do</strong> psicológico <strong>da</strong> pessoa quan<strong>do</strong> pensa na<br />

porta - é análogo aos famosos problemas <strong>do</strong> Pierre de S. IGipke3",<br />

que pensa que Londres é uma bela ci<strong>da</strong>de e que esta ci<strong>da</strong>de (que é de<br />

facto Londres, sem que Pierre o saiba) é uma ci<strong>da</strong>de horrível. Re-<br />

gressan<strong>do</strong> ao exemplo de BeyondBeLf; não é, segun<strong>do</strong> Dennett, pos-<br />

sível distinguir nas crencas de Tom aquelas que são acerca <strong>do</strong> Sha-<br />

key's Pizza Parlor de Costa Mesa <strong>da</strong>quelas que são acerca <strong>do</strong> Shakey's<br />

Pizza Parlor de Westwood Viliage.<br />

É ver<strong>da</strong>de que, tal como se acentua nas discussões acerca de cren-<br />

ças de n e crenças de dicto, quan<strong>do</strong> o objectivo é distinguir a es-<br />

pecifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crencas de re, a existência de crenças de re não ocor-<br />

rerá normalmente na ausência <strong>da</strong>s relações causais correctas. No<br />

entanto (e esse é o ponto de Dennett) não existe uma maneira legi-<br />

tima de fazer uma estrita distinção entre crenças de re e crenças de<br />

dicto, pelas simples razão de que é perfeitamente possível fazer jui-<br />

zos sobre objectos sem se saber sobre quais objectos se está a aju-<br />

ízar (é o que acontece com Tom no Shakey's Piza Parlor, com Os-<br />

car 2 na Terra Gémea de Pumam, com o Pierre de IGiplie e com o<br />

Ralph de Quine). Assim, o Princípio de Russeli, o expoente <strong>do</strong> Ra-<br />

cionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com o qual é impossível for-<br />

mular um juizo sobre um objecto sem se saber sobre qual objecto<br />

se ajuíza, é um princípio falso, como é falsa a ideia de uma especial<br />

intimi<strong>da</strong>de ou contacto com o mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s crenças que seriam de re.<br />

A ideia de nzznz<strong>do</strong> nocional reszme to<strong>da</strong>s estas criticaas: críticas ao Racio-<br />

nalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong>, ao sentencialismo fo<strong>do</strong>riano, à possibili<strong>da</strong>de<br />

de medi<strong>da</strong>s proposicionais reais e determina<strong>da</strong>s de conteú<strong>do</strong>, à dis-<br />

tinção entre crenças de 1.6 e de dicIo. Como se verá no próximo capítu-<br />

lo, a ideia de mun<strong>do</strong> nocional, que é a última palavra de Dennetr<br />

quanto ao conteú<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentais, encontra vários problemas,<br />

sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se procura conjugá-la com o tratamento <strong>da</strong> cons-<br />

ciência através <strong>do</strong> Modelo <strong>do</strong>s Esboços Múltiplos. De facto, embora<br />

a categoria de mun<strong>do</strong> nocional não seja uma categoria causal (quan-<br />

<strong>do</strong> correctamente concebi<strong>da</strong> ela envolve precisamente a suspensão<br />

<strong>da</strong> referência a causas <strong>da</strong> experiência mental <strong>do</strong> sistema), no âmbito


<strong>do</strong> iM3M Dennett virá a admitir algo como uma verificaião ou contraste<br />

<strong>do</strong> objectos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> nocional relativamente ao m&<strong>do</strong><br />

"real", uma verificação que seria feita, no caso humano, a partir <strong>do</strong><br />

que se encontra tio cérebro <strong>do</strong> indivíduo. Apesar de to<strong>da</strong>s as suas<br />

objecções à escrita cerebral fo<strong>do</strong>riana, Dennett sugere por vezes que<br />

é possível determinar precisamente através de eventos internos se os<br />

relatos sinceros <strong>do</strong>s sujeitos acerca <strong>da</strong>quilo em que acreditam são<br />

ver<strong>da</strong>deiros, mais especificamente através de um teste de mapeamento<br />

cerebral (braifl-?i~@pi~~gU'". Como L. Rudder Baker faz notar"'<br />

não se trata aí apenas de admitir que as pessoas cometem erros: tratase<br />

de defender que descobertas acerca de eventos cerebrais podem<br />


nocional é uma conmbuição "individualista": dgo no interior <strong>do</strong> sis-<br />

tema deve cumpiis uma função de representação. No entanto não é<br />

legítimo pretender que é possível a individuação desse conteú<strong>do</strong> a não<br />

ser provisoiiamente utilizan<strong>do</strong> as proposições como medi<strong>da</strong> de mo<strong>do</strong><br />

a configurar o mun<strong>do</strong> nociond. Sen<strong>do</strong> dependente de uma interpre-<br />

tação e dizen<strong>do</strong> respeito ao representa<strong>do</strong> na representação e não aos<br />

xdculos <strong>da</strong> representação, o mun<strong>do</strong> nocional não é uma categoria<br />

causd mas mais propriamente fenomenológica. O "mun<strong>do</strong> nocional"<br />

captura o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong> experiência <strong>do</strong> sistema cognitivo: sen<strong>do</strong> ou<br />

não de alguma forma ilusória, essa experiência não é nunca acerca <strong>do</strong><br />

hardware <strong>da</strong> cognição. Nestas condições, o mun<strong>do</strong> nocional não é sufi-<br />

ciente para <strong>da</strong>r lugar a explica@s psicológicas. Apenas são possíveis des-<br />

c&ões eprevisões intencionais.<br />

2.2.3 E~hcaçüo psicológica e ilrdiuidrt/açâo <strong>do</strong> contezí<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com<br />

o~~fras posições exfernaLstas.<br />

Dennett refere-se frequentemente à filosofia <strong>da</strong> psicologia desen-<br />

volvi<strong>da</strong> por Ruth Miilikan como um prolongamento e um aproiiin-<br />

<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s suas próprias posições. Para Dennett, Miüikan é «a teó-<br />

rica naturalista Quer Miüikan quer Dennett defendem<br />

que uma abor<strong>da</strong>gem naturalista <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> conduz a concluir que<br />

mesmo quan<strong>do</strong> se trata de significação humana sofistica<strong>da</strong> e linguísti-<br />

ca não podemos proclamar que somos nós que sabemos o que "que-<br />

remos-dizer" (mean), i.e. não podemos afismar que sabemos exacta-<br />

mente o que os nossos usos significativos de símbolos signifi~am~~".<br />

Apenas uma teoria <strong>da</strong> significação erra<strong>da</strong>mente apriorista periniána<br />

'"" Cf. DENNI-17' 1984d, Pi-efiicio a hllLLII(AN 1984.<br />

"" Dennett compara esei convicgSo com a falicia inrciicional em critica literária, i.c com a coiiviqão<br />

dc que se deve pcrgunrar ao nuror <strong>do</strong> resto pcio vcr<strong>da</strong>dcira scntiùo <strong>do</strong> resto, uma vez


elas descrições de comportamento: o comportamento é apenas a<br />

Jormaj/fzciotza <strong>da</strong> a~hui<strong>da</strong>de <strong>do</strong> organisnlo, embora não seja distinguível<br />

<strong>da</strong>s outras activi<strong>da</strong>des por qualquer traço aparente. bíiliikan defende<br />

que «a tarefa <strong>do</strong> cientista comportamental não é apenas estu<strong>da</strong>r<br />

as proprie<strong>da</strong>des de um pe<strong>da</strong>ço de matéria viva (...) mas as proprie<strong>da</strong>des<br />

de um sistema biológico, as proprie<strong>da</strong>des que foram responsáveis<br />

pela proliferação e sobrevivência <strong>do</strong>s ancestrais <strong>da</strong> criatura.<br />

Estas proprie<strong>da</strong>des figuram na explicação de como aconteceu que<br />

uma proporção critica de incorporações históricas <strong>do</strong> sistema (...)<br />

tenha evita<strong>do</strong> a destruição e se tenha reproduzi<strong>do</strong>. O que um sistema<br />

biológico faz enquanto sistema biológico e não enquanto conjunto<br />

de átomos é o que os seus ancestrais historicamente fizeram<br />

e que lhes permitiu sobreviverem e reprodu~úrem-se»'~~. MiMian<br />

insiste que a função biológica não sobrevem à física <strong>do</strong> sistema: que<br />

aquilo que um paleontólogo encontra seja um dente ou um corno<br />

não é uma proprie<strong>da</strong>de superveniente à forma física <strong>do</strong> objecto<br />

encontra<strong>do</strong> antes depende <strong>da</strong> história. O mesmo se deve afirmar<br />

quanto ao conteú<strong>do</strong> ou significa<strong>do</strong>, enquanto função <strong>da</strong> função.<br />

Da<strong>da</strong> esta dependência <strong>da</strong> história, os esta<strong>do</strong>s mentais de uma<br />

réplica física instantânea e exacta de ca<strong>da</strong> um de nós não teriam, de<br />

acor<strong>do</strong> com Miüiiian, conteú<strong>do</strong> semântico3".<br />

A partir <strong>do</strong> momento em que bíiliikan defende que as categorias<br />

psicológicas são categorias biológicas, e como to<strong>da</strong>s as categorias<br />

biológicas, categorias de Funções Próprias, está a afirmar que esta<strong>do</strong>s<br />

mentais são os esta<strong>do</strong>s mentais que são por estarem projecta<strong>do</strong>s<br />

(desigze4 para uma determina<strong>da</strong> função. Tratan<strong>do</strong>-se de funções de<br />

dispositivos naturais estas funções são aquelas <strong>da</strong>s quais a reprodu-<br />

-' MLLIIO\N 1993~. 149.<br />

'" Esrs rese - «such R <strong>do</strong>ublc iias no prapcr . . hinctions bccnusc its liistori. ir not rieha - . (IULLIiQlN<br />

19936 18) - constimi o ponro eremplsr ds teoria <strong>da</strong>s Funções psicoiógicas como Fu'un$òcs<br />

Próprias. i\ sin>iiaçio é evidenremenre nndlogn ao ciissico Swrmpmnn de Davidson (cf. DAVIDSON<br />

1987). Fo<strong>do</strong>r considcrx a concliisEo absur<strong>da</strong> (&<strong>do</strong>i 1994: 115) e cvidencia<strong>do</strong>ra dnq<strong>do</strong> que esri tira-<br />

<strong>do</strong> com o apelo releofunciondista i história. Para l'o<strong>do</strong>i nEo i ri liistóiia mas rim as rciaçõcs nó,"-<br />

cas quc lignm os esta<strong>do</strong>s mentais a marérins no mun<strong>do</strong> que enplicnin o conreú<strong>do</strong> semintico de esra-<br />

<strong>do</strong>s mentsis. Essas rclaçõcs podem aconrecer sem a história correcta e é poi isso mesmo que devem<br />

ser núordndns amavis de conmfacmois, mcsmo que os dispositivos cm causa rcsultcm de proccssor<br />

<strong>da</strong>nvininnos. Ji Drerske (DR6TSICP. 1990: 13-14) defende urns ideia muito semclhanre d de hUllikan.<br />

Os movimentar <strong>do</strong> duplo insranrineo nio seriam acções com significa<strong>do</strong>s por tids: «I move my arm<br />

in this w ~y in inorder ta frightcn away a pcsky fly \Vith ssucli n purpose I am, ler\ ra): shoaing wny n<br />

fly Tlint is my nction. bly bioiogical nvin, rhough Iie moves liis nrm in tlie ssme ivay (with the same<br />

resulc) <strong>do</strong>es noi slioo awiy o fly Hc <strong>da</strong>csn't liave wnnrs or bcliefs, the kinds of purposes I hnvc in<br />

moving my nrm. Fle isn'r therefore, performing ilic snme rctions.<br />

ção continua<strong>da</strong> desses dispositivos depende, não se identifican<strong>do</strong><br />

com as suas disposições actuais nem com a sua constituição física.<br />

As Funções Próprias apenas podem ser identifica<strong>da</strong>s olhan<strong>do</strong> para a<br />

história, e para as intenções nesta, seja o autor <strong>do</strong> dispositivo um<br />

humano ou a selecção natural. É a partir <strong>da</strong> noção de Função<br />

Própria que bíiliikan obtem o conceito de Normal. O conceito apli-<br />

ca-se às condições para o cumprimento <strong>da</strong>s Funções Próprias histo-<br />

ricamente fia<strong>da</strong>s <strong>do</strong> dispositivo. A ideia de Normal acentua que um<br />

dispositivo pode sempre falhar no cumprimento <strong>da</strong> sua Função<br />

Própria. Esta pode até nem ser estatisticamente <strong>do</strong>minante no con-<br />

junto <strong>da</strong>s performances <strong>do</strong> dispositivo (o exemplo clássico de<br />

Miüikan são os espermatozóides, que pouguíssimas vezes cumprem<br />

a função para que foram desenha<strong>do</strong>s3"). E a importância <strong>da</strong> noção<br />

de Normal nas categorias biológicas em geral que permite conceber<br />

os impedimentos à existência de leis psicológicas: os dispositivos<br />

com Funções Próprias podem sempre falhar, não obter. Não é assim<br />

pertinente descrever os seus funcionamentos em termos de leis.<br />

Apesar <strong>da</strong>s salvaguar<strong>da</strong>s quanto à forma <strong>da</strong> explicação psicoló-<br />

gica, híiüilian admite a reali<strong>da</strong>de de representações, fazen<strong>do</strong> dife-<br />

reny no sistema. A teoria <strong>da</strong>s Funções Próprias prevê a existência<br />

de Icones Intencionais reais: «o Icone Intencional (é uma coisa tal<br />

que) mesmo que não exista nenhum traço ambiente ao qual ele se<br />

aplique apropria<strong>da</strong>mente, ain<strong>da</strong> assim deveria existir esse traço))346.<br />

Um exemplo eluci<strong>da</strong>tivo de Icone Intencional utiiiza<strong>do</strong> por<br />

bWlikan é o exemplo <strong>da</strong>s <strong>da</strong>nças de abelhas que indicam onde está<br />

o néctar. O exemplo é importante pois evidencia vários traços <strong>da</strong><br />

intencionali<strong>da</strong>de natural: mostra que pode existir intencionali<strong>da</strong>de<br />

sem pensamento consciente nem iden+cação de referentes, mos-<br />

tra que a produção e o consumo3" de Icones Intencionais podem<br />

ser devi<strong>do</strong>s a dispositivos diferentes, que foram desenha<strong>do</strong>s para<br />

cooperar entre si (neste caso a <strong>da</strong>nça executa<strong>da</strong> por certas abelhas<br />

serWá para guiar outras abelhas) e mostxa que o conteú<strong>do</strong> ou sig-<br />

nifica<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Ícones Intencionais é descrito nomean<strong>do</strong> característi-<br />

cas que devem exisár no ambiente <strong>do</strong>s sistemas.<br />

É através <strong>da</strong>s noções de Funções Próprias Normais e de Ícones<br />

Intencionais (entre os quais bíiliikan inclui representações, caracte-<br />

Y' Cf, MILLIKAN 1984. Cumpicm-na, é clsm rezes suficientes.<br />

"'hiILLIIUN 1993b: 101.<br />

"' E cstc o termo que blüüknn utiliza pan fizer quc os iconcs Intencionnis sEo udirn<strong>do</strong>s pnia<br />

yUr o comporramenro.


iza<strong>da</strong>s pelo facto de estarem envolvi<strong>da</strong>s em inferências.'", as quais<br />

pressupõem termos médios explícitos e a identificação destesMq)<br />

que Miliikan constrói uma teoria naturalista <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de, na<br />

qual, poder-se-ia dizer, a diferença entre a E1 e a ED desaparece.<br />

Espécimes ou acontecimentos de pensamento ou de linguagem<br />

caem sob categorias de Função Própria, categorias de ~les&n. É a<br />

história natural causal <strong>do</strong>s Ícones Intencionais que explica a sua<br />

intencionali<strong>da</strong>de. Assim, na<strong>da</strong> significa ou representa intrínseca-<br />

mente: apenas coisas no mun<strong>do</strong> que são especiais em virtude de<br />

uma história natural causal significam. Da<strong>da</strong> a dependência <strong>da</strong> nor-<br />

mativi<strong>da</strong>de relativamente a uma história de selecção natural de um<br />

des&n, de acor<strong>do</strong> com MLlikan os produtores e intérpretes de Íco-<br />

nes Intencionais - i.e. os sistemas que os utilizam para significar -<br />

não acedem conscientementemente ao significa<strong>do</strong> destes nem con-<br />

trolam a sua normativi<strong>da</strong>de.<br />

Recapitulan<strong>do</strong>, Ícones Intencionais são eventos físicos com de-<br />

J&?I que têm como Função Própria Normal significar. Por defuii-<br />

cão, um Ícone Intencional a<strong>da</strong>pta o seu uàliza<strong>do</strong>r (produtor ou<br />

intérprete) a uma característica (<strong>do</strong> ambiente) mapea<strong>da</strong>. Esta carac-<br />

terística é o seu conteú<strong>do</strong> (o exemplo clássico são as <strong>da</strong>nças <strong>da</strong>s<br />

abelhas que mapeiam o lugar onde existe o néctar). A intencionali-<br />

<strong>da</strong>de é assim capturável através <strong>da</strong> ideia de utilizacão (produção e<br />

consumo) Normal de Ícones Intencionais para significar. A falsi-<br />

<strong>da</strong>de será precisamente uma falha <strong>do</strong> Normal, um defeito. E claro<br />

que um tal defeito apenas é discernível de um ponto de vista nor-<br />

mativo: na<strong>da</strong> é defeituoso em si próprio ou devi<strong>do</strong> a disposições<br />

actuais mas apenas em relação ao Normal. Esta é a base <strong>da</strong> exis-<br />

tência <strong>do</strong> falso por entre as representações. Nestas ciicunstâncias,<br />

não são os utiliza<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s Ícones Intencionais que sabem o que<br />

estes significam: o Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong> é falso. A oposicão<br />

ao Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong> é o principal ponto de acor<strong>do</strong> entre<br />

Dennett e bíillikan, enquanto teleofuncionalistas. O realismo de<br />

bíillikan quanto a representações internas condu-la por outro la<strong>do</strong><br />

à defesa de posições acerca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de e <strong>do</strong>s con-<br />

ceitos que diferem significativamente <strong>da</strong>s posições de Dennett. Por<br />

exemplo e relativamente à racionali<strong>da</strong>de, de acor<strong>do</strong> com híiliikan é<br />

possível falar de racionali<strong>da</strong>de propriamente dita e não apenas de<br />

"'hELLIIOIN 1993: 98-101.<br />

"" hLillilan considcn que esta (re) idenllócqno dc uma rcprcrcnrn~ão<br />

é £cita dc foima nprionsta.<br />

iiirerna como i >iirs,,ia nno<br />

Uma Teoria Tii~icalisa <strong>do</strong> Contetirio e <strong>da</strong> Coiisciê~cio<br />

atribuição de racionali<strong>da</strong>de, nomea<strong>da</strong>mente quan<strong>do</strong> existem Ícones<br />

Intencionais internos de um tipo especifico, Ícones Intencionais<br />

internos que são representações, que participam em inferências<br />

media<strong>da</strong>s. Aliás, de acor<strong>do</strong> com Millikan o facto de a adscrição <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> na TSI ser feita globalmente, lime de referência a representações<br />

internas, é em geral incompatível com factos que evidenciam<br />

a reali<strong>da</strong>de e as relações entre si de Icones intencionais específicos<br />

usa<strong>do</strong>s pelos sistemas. Por exemplo, existe uma certa ligação<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de representações mais específicas com o conteú<strong>do</strong><br />

de representações menos específicas. Considere-se a <strong>da</strong>nca <strong>da</strong>s abelhas<br />

e a frase em língua natural que a descreve "Existe néctar a su<strong>do</strong>este<br />

a uma distância d". Os Ícones Intencionais em causa têm essa<br />

ligação entre si porque um mesmo conteú<strong>do</strong> é mapea<strong>do</strong> por ambos,<br />

ambos obten<strong>do</strong> em idênticas condições Normais. Esses Ícones<br />

Intencionais são individualizáveis e seu conteú<strong>do</strong> não deve ser<br />

concebi<strong>do</strong> como uma atribuição global ao sistema. MiMlran discor<strong>da</strong><br />

portanto <strong>do</strong> holismo <strong>da</strong> TSI.<br />

As incompatibili<strong>da</strong>des entre a TSI e a biossemântica de rvlillikan<br />

não ficam por aqui. As questões que conduzem Miililcan ao aprofun<strong>da</strong>mento<br />

<strong>do</strong> realismo liga<strong>do</strong> à biossemântica e que a aproximam<br />

de uma teoria a que se poderia chamar uma teoria fo<strong>do</strong>riana <strong>do</strong>s<br />

conceitos são questões acerca de identi<strong>da</strong>de e mesmi<strong>da</strong>de de Substâncias<br />

e Proprie<strong>da</strong>des no mun<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com Millillran, dispositivos<br />

intencionais como organismos foram desenha<strong>do</strong>s para reconhecer<br />

a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que no ambiente importa para a sua<br />

sobrevivência, nomea<strong>da</strong>mente a identi<strong>da</strong>de de Substâncias e Proprie<strong>da</strong>des.<br />

Assim, uma posição realista acerca de Substâncias e Proprie<strong>da</strong>des<br />

no inun<strong>do</strong> é perfeitamente defensável e totalmente independente<br />

<strong>do</strong> (mau) Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong>. As consideracões<br />

realistas de Ivíiüikan decorrem de uma teoria <strong>do</strong>s actos de identificação<br />

- precisamente um fenómeno que Dennett considera biopsicologicamente<br />

importante e normalmente ausente de teorizacões<br />

<strong>da</strong> significação inspira<strong>da</strong>s na lógica. Um acto de identificação é o<br />

reconhecimento por um sistema cognitivo de algo no mun<strong>do</strong> como<br />

o mesmo em momentos diferentes (por exemplo e parafrasean<strong>do</strong><br />

um título de Millikan, o reconhecimento por um sistema cognitivo<br />

de more nla?ila, more mozdse more ?t/iIkii"). Este acto, que permite o reconhecimento<br />

<strong>da</strong> uma mesmi<strong>da</strong>de ao longo <strong>do</strong> tempo por um siste-


ma cognitivo, cumpre uma função psicológica básica 'm organismos<br />

(que possibilita por exemplo a coordenação multimo<strong>da</strong>l <strong>da</strong>quilo<br />

que é percebi<strong>do</strong> pelo organismo, bem coino actos de inferência),<br />

e é uma habili<strong>da</strong>de prévia à existência de juízos explícitos, uma<br />

habili<strong>da</strong>de que suporta por exemplo uma incipiente "racionali<strong>da</strong>de"<br />

animal. Esta poderia ser defini<strong>da</strong> como uma inferência media<strong>da</strong> ein<br />

que <strong>do</strong>is veículos de conteú<strong>do</strong> são combina<strong>do</strong>s (utitizan<strong>do</strong> um termo<br />

médio) de ino<strong>do</strong> a produzir um terceiro veículo conten<strong>do</strong> nova<br />

informação. Num exemplo de ~Lillican35', imagine-se uma ciiatura<br />

que tem na cabeça Ícones Intencionais que mapeiam os locais onde<br />

esteve. A criatura tem nomea<strong>da</strong>mente um mapa <strong>do</strong> local onde viu<br />

água pela última vez e um outro <strong>do</strong> local onde viu leões pela última<br />

vez. "Sobrepon<strong>do</strong>" estes mapas e os seus ocupantes ela obtem<br />

um terceiro mapa que mostra a proximi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s leões em relação<br />

à água e age de acor<strong>do</strong> com a nova informação (por exemplo afastan<strong>do</strong>-se).<br />

Esta seria uma inferência media<strong>da</strong>, envolven<strong>do</strong> o reconhecimento<br />

de que o conteú<strong>do</strong> de <strong>do</strong>is veículos de pensamento se<br />

"sobrepõe". É importante para IvLillican fazer notar que para um<br />

reconhecimento semelhante ocorrer não é suficiente a ocorrência<br />

na mente <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is veículos de pensamento. A mesmi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

tem que ser efectua<strong>da</strong>, não é manifesta: na<strong>da</strong> identifica entre<br />

si veículos de conteú<strong>do</strong> enquanto veículos de um i>~esi>~o conteú<strong>do</strong>.<br />

É por isso que, como &fiüikan gosta de sublinhar, não existe nunca<br />

imuni<strong>da</strong>de, na vi<strong>da</strong> mental, à introdução <strong>do</strong> erro através de actos de<br />

identificaçãoij2.<br />

Ideias acerca de Ícones Internos e actos de identificação conduzem<br />

MUikan a uma teoria <strong>do</strong>s conceitos cujo primeiro princípio é<br />

o seguinte: oprnble~i~apar.~ o o~a~~ism~o - iric~zt$car o ijlesnlo coizo o mesimo<br />

ao loqo <strong>do</strong> tenlpo - 1120 é 1c7i1proble?>1a relativo à ciiviâo <strong>do</strong> n~i/!~<strong>do</strong> nas categorfas<br />

certas. Como diz Miiiikan, quan<strong>do</strong> se trata de ter o conceito<br />

"verde" ou o conceito "amarelo" não se trata de dividir o mun<strong>do</strong><br />

estabelecen<strong>do</strong> condições para quan<strong>do</strong> algo deixa de ser verde e<br />

"' i\IILLII(AN 1993~: 114.<br />

"' hliltikan considera s identiúcaçào essencirl pnra n "rnenre mcional inrsctr". 6 dei$ que esc6<br />

rurpcnsi to<strong>da</strong> a teoria <strong>da</strong> racionalidnde, umn ver que o mesmo tem que continuar a ser pensa<strong>do</strong><br />

como o mcímo dumnte o ncio de ríciocinio para quc cstc nCo sc cm;ivic. Orr húlliksii nora quc na<br />

medids em que a mcimi<strong>da</strong>dc dcpendc a ro<strong>do</strong> o iiiomento cle ocras dc i


Soja Migle11s<br />

tos se aplicam, se os actos de identificação estão certos ou erra<strong>do</strong>s.<br />

O teste não é infalível, mas é certamente suficiente para mosear<br />

quan<strong>do</strong> é que dispositivos cognitivos estão a produzir conceitos<br />

que se aplicam suficientemente bem a particulares no mun<strong>do</strong>.<br />

Assim, a não-contradição pode ser um teste <strong>da</strong> "quali<strong>da</strong>de" de conceitos<br />

sem qualquer evocação <strong>do</strong> holismo <strong>da</strong>s crenças: a coerência<br />

no pensamento simplesmente corresponde a um "traço abstracto"<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

A posse de conceitos por sistemas, que permite a identificação<br />

de características importantes no mun<strong>do</strong>, é a maneira básica de significar<br />

em dispositivos, e a teoria <strong>do</strong>s conceitos é outra <strong>da</strong>s razões<br />

que levam ni!Xiian a não aceitar o holismo <strong>da</strong> TSI. Note-se que<br />

esta teoria <strong>do</strong>s conceitos é, como será o caso <strong>da</strong> teoria defendi<strong>da</strong><br />

por Fo<strong>do</strong>r, atomista e anti-de~critivista~'~. Saber reconhecer o mesmo-como-o-mesmo<br />

no mun<strong>do</strong> não é ter conhecimento explícito<br />

sobre o que a coisa reconheci<strong>da</strong> é, nem ter conhecimento sobre<br />

outros conceitos com os quais esse conceito tem uma relação<br />

semântica (possibilitan<strong>do</strong> inferências). Esta última imagem <strong>do</strong> h-<br />

cionamento <strong>da</strong> significação, o holismo <strong>da</strong> significação, de acor<strong>do</strong><br />

coin o qual qualquer significação se relacionaria com a totali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s crenças <strong>da</strong> teia ter-se-ia, segun<strong>do</strong> niíiUikan, difundi<strong>do</strong> entre os<br />

teóricos <strong>da</strong> significação por um excesso intelectualista. Se em liuo<br />

Dog~i~a?~%xiste uma plausível teoria <strong>da</strong>s crenças científicas e <strong>do</strong><br />

mo<strong>do</strong> como elas são revistas, não existe no entanto na<strong>da</strong> que se<br />

assemelhe a uma teoria <strong>do</strong>s conceitos como habili<strong>da</strong>des psicológicas<br />

imprescindíveis. Não é para fazer ciência mas para algo de<br />

muito mais bá~ico"~ que os organismos necessitam de poder aplicar<br />

fiavelmente conceitos.<br />

A teoria <strong>do</strong>s conceitos de híiüikan tem muitos pontos em<br />

comum coin a de Fo<strong>do</strong>r, a comecar pelo facto de negar que a posse<br />

de um conceito consista nuin saber de características. E curioso.<br />

'" Umn Ronn <strong>do</strong>s conceiros é is


não a possibili<strong>da</strong>de de o significa<strong>do</strong> ele próprio ser uma causa (seria<br />

como ver proprie<strong>da</strong>des universais, como "triangulari<strong>da</strong>de" causan<strong>do</strong><br />

alguma coisa) mas a possibili<strong>da</strong>de de alguma coisa ten<strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

(a thiqlr hauitg mearzirrg) ser uma Assim, ao contrário<br />

de Dennett e <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que Fo<strong>do</strong>r, Dretske não exclui<br />

que as explicações psicológicas possam ser de algum mo<strong>do</strong> ver<strong>da</strong>deiras<br />

explicações, reporta<strong>da</strong>s à causali<strong>da</strong>de.<br />

Como já se referiu, a enorme importância <strong>da</strong> obra K~zoivledge arzd<br />

lhe Flow of I-fomzation de Dretske deveu-se ao facto de ser aí desenvolvi<strong>do</strong><br />

um conceito semântico de informação em continui<strong>da</strong>de<br />

com o conceito de informação <strong>da</strong> teoria matemática <strong>da</strong> informação.<br />

De acor<strong>do</strong> com Dretske, embora os aspectos semânticos <strong>da</strong><br />

informação sejam irrelevantes para o problema <strong>do</strong> armazenamento<br />

e transmissão de informação enquanto problema de engenharia,<br />

os aspectos de engenharia não são de to<strong>do</strong> irrelevantes para o problema<br />

semântico e mostram antes de mais que a informação é qualquer<br />

coisa de objectivo (a?? objective coi~z/lilodity). De acor<strong>do</strong> com a teoria<br />

<strong>da</strong> informação semântica inicia<strong>da</strong> com IGzoivledge atzri the Ijlow 4<br />

Ir?j'Ómatiorr"", a informação consiste em indicação ou correlação""".<br />

Aquilo que dá conteú<strong>do</strong> a representações mentais são relações causais-nomológicas<br />

com aquilo que elas indicam. O conteú<strong>do</strong> semântico<br />

relaciona-se portanto com o facto de determina<strong>do</strong>s sistemas<br />

estarem liga<strong>do</strong>s <strong>da</strong> maneira certa ao mun<strong>do</strong> e não com relações<br />

epistémicas de justificação. A ligação pode aliás ser totalmente desconheci<strong>da</strong><br />

para o sistema cognitivo, por exemplo para um sistema<br />

cognitivo que tem crenças. "Estar liga<strong>do</strong> a" é uma relação externa<br />

ou exthseca.<br />

Mas o que interessa para o problema <strong>da</strong> individuação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

e <strong>da</strong> explicação psicológica, é que Dretske prolonga a sua teoria<br />

<strong>da</strong> informação semântica com uma teoria ria explicação <strong>do</strong> comporta?.ilerzto.<br />

Segun<strong>do</strong> Dretslre, se a informação não explicasse e não<br />

causasse de algum mo<strong>do</strong>, não seria necessário evocá-la para explicar<br />

"" DRETSICTi. 1988: RO. Drerske dd como exemplo o cnnro de um soprano, uma súplica innci-<br />

nmre que clicgri a crtill>nçni um vidro sem quc o significa<strong>do</strong> scjn de to<strong>do</strong> rclevanre par* tal efeito.<br />

Ora «\Vlmt is tiue of thc sopnno's ourpur is truc of rmsonsn (DRIITSIUI 1988:79).<br />

"'O objectivo dil obra çis constluiz um:! teoria esternslistn <strong>do</strong> conliecimciito asscntc sobre umn<br />

reoris <strong>da</strong> informaç<strong>do</strong> semjnecn.<br />

""De ncor<strong>do</strong> com Drctske, objccior dc um dctcrminn<strong>do</strong> tipo O nansliornm (ierg) informagio<br />

nccrca dc csta<strong>do</strong>s de coisas dc tipo S se esra<strong>do</strong>s de coisas dc tipo S Qo rcspansiivcis poi inítsncia-<br />

qõ~sdde O. Dc ncor<strong>do</strong> com esta deÚniç8o nao poderia Iiwr mk informa$%, por isso parte <strong>do</strong> pro-<br />

blema <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> Drcrskc scii cspedúcrtr quan<strong>do</strong> prssa n podcr cristii ",~~iir~rcs~~~l(i~io~I',<br />

comportamento. Noutras palavras, embora a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de<br />

Dretske seja externalista ela é formula<strong>da</strong> de mo<strong>do</strong> a possibilitar<br />

explicaçfes <strong>do</strong> comportamento, uma via que aparentemente não está<br />

aberta à TSI. De facto e utilizan<strong>do</strong> uma expressão <strong>do</strong> próprio<br />

Dretske, é possível pôr o conceito de informação a trabalhar na<br />

explicação <strong>do</strong> comportamento, já que o conceito de informação<br />

semântica é um conceito aplicável a eventos físicos que têm, enquanto<br />

tal, efeitos causais.<br />

Como se ahmou, a informação semântica é uma forma de uma<br />

mente estar liga<strong>da</strong> ao exterior. Uma primeira maneira de estar assim<br />

liga<strong>do</strong> é a percepção, outra é a crerzça. Explicar o que faz de alguma<br />

coisa percepção e crença envolve antes de mais a explicação <strong>do</strong> que<br />

faz de esta<strong>do</strong>s físicos esta<strong>do</strong>s intencionais, e o que faz de esta<strong>do</strong>s fisicos<br />

esta<strong>do</strong>s intencionais é precisamente o facto de transportarem<br />

i~forrnação (o facto de providenciarem informação no caso <strong>da</strong> percepção<br />

e o facto utilizarem informação no caso <strong>da</strong>s crenças).<br />

Dretslre defende que eventos físicos particulares que transportam<br />

informação têm efeitos causais: as "crenças", nomea<strong>da</strong>mente, servem<br />

para organizar a informação necessária para controlar comportamentos<br />

e para os coordenar com as condições internas e externas<br />

nas quais obterão sucesso. Elas são, na imagem favorita de<br />

Dretske, mapas por meio <strong>do</strong>s quais navegamos, e que têm ain<strong>da</strong> um<br />

papel executivo no controlo <strong>do</strong> comportamento. Segun<strong>do</strong> Dretske,<br />

os organismos passam a ter crenças pelo mesmo processo (a aprendizagem)<br />

pelo qual se desenvolve a base neuronal <strong>do</strong>s comportamentos<br />

para cuja explicação as crenças são necessárias. O conteú<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>s crenças e desejos pode então aparecer na explicação <strong>do</strong><br />

comportamento sob a forma de razões.<br />

Para Dretslie, como para Milliican, especificar aquilo que constitui<br />

"cotnportamento" é essencial numa teoria <strong>da</strong> explicação psicológica.<br />

Também Dretske oferece uma definição de comportamento,<br />

sublinhan<strong>do</strong> que este não é identificável com tnovimento coiporal<br />

ou com os esta<strong>do</strong>s físicos nos quais tipicamente culmina. O<br />

comportamento é utn processo causal que tem o movimento corporal<br />

como parte, é processo e não produto. Se o comportamento<br />

pode ser explica<strong>do</strong> intencionalmente é porque ele consiste no causar<br />

(cazísitd de movimento físico por razões.<br />

A aplicação <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> informacional i explicação<br />

<strong>do</strong> comportamento envolve, como se disse, uma insistência no<br />

papel <strong>da</strong> aprendizagem e na diferença que a existência de aprendi-


zagem faz na forma que a explicação de movimentos de sistemas<br />

assume. Só quan<strong>do</strong> existe aprei~di~a~ern é que o conlpo?famento pode<br />

ser explica<strong>do</strong> através de razões. Estruturas físicas internas adquirem<br />

no processo.de aprendizagem uma função específica de transporte<br />

de informação. Após a aprendizagem, espécimes de um<br />

determina<strong>do</strong> tipo de estruturas físicas quan<strong>do</strong> causa<strong>do</strong>s por estimulacão<br />

"dizem que" - i.e. significam - aquilo que é sua função<br />

significarem. A aprendizagem converte esta<strong>do</strong>s de hardzvare, por<br />

exemplo esta<strong>do</strong>s neuronais, que transportam informação em esta<strong>do</strong>s<br />

com funções naturais, funções naturais próprias e não atribui<strong>da</strong>s.<br />

Isto quer dizer que para Dretslre existe uma linha divisória<br />

entre intet2cionali<strong>da</strong>de ii~trii~seca (a intencionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s internos<br />

que têm a função natural de transportar informação) e intenciotlakddde<br />

atribz~i<strong>da</strong>. Esta distinção que, como já se viu, a TSI não<br />

admite, é justifica<strong>da</strong> por Dretske através <strong>do</strong> estatuto <strong>da</strong> aprendizagem.<br />

É certo que Dretske admite que a intencionali<strong>da</strong>de intrínseca<br />

pode ser alcança<strong>da</strong>, por exemplo por uma máquina. Mas ain<strong>da</strong> assim,<br />

existe uma diferença importante entre a significativi<strong>da</strong>de @ara o<br />

próprio sistema e para o controlo <strong>do</strong> seu comportamento) de estruturas<br />

físicas internas ao sistema que têm como função ser suporte<br />

de informação, e a significativi<strong>da</strong>de meramente atribuí<strong>da</strong> a parti de<br />

fora <strong>do</strong> sistema. Por isso mesmo, para Dretske, esta<strong>do</strong>s mentais<br />

com conteú<strong>do</strong> conceptual apenas têm um papel na explicação <strong>do</strong><br />

comportamento de sistemas capazes de aprendizagem. Não é<br />

necessário ou apropria<strong>do</strong> evocar crenças para explicar reflexos ou<br />

outros comportamentos geneticamente determina<strong>do</strong>s de sistemas<br />

(muito menos aquilo que se passa num termostato) mesmo que<br />

to<strong>do</strong>s estes acontecimentos sejam (a partir de fora) descritíveis<br />

intencionalmente. É certo que Dretske se serve quer de comportamentos<br />

instintivos quer <strong>do</strong> funcionamento de máquinas para esclarecer<br />

a sua teoria <strong>da</strong>s funcões. No entanto, embora os conteú<strong>do</strong>s<br />

semânticos sejam defini<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong> função, de um ponto de<br />

vista filogenético as funções começam a existir muito antes <strong>da</strong><br />

crenças e desejos e à medi<strong>da</strong> que se desce a escala filogenética o<br />

mental tem ca<strong>da</strong> vez menos utili<strong>da</strong>de. O papel <strong>do</strong> mental na explicação<br />

<strong>do</strong> comportamento só chega com sistemas capazes de aprendizagem.<br />

Antes disso movimentos ou comportamentos não têm<br />

razões ou intenções embora tenham funções. Com esta teoria<br />

Dretske impede o espalhamento generaliza<strong>do</strong> <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de<br />

característico <strong>da</strong> TSI. A aprendizagem é a fonte <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> men-<br />

Um Teoria Fisica/iifa <strong>do</strong> Co~itei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coiisciêiiio<br />

tal genuíno, mesmo se aquilo que é indica<strong>do</strong> é um factor extrínseco<br />

ao cérebro.<br />

O grande problema desta teoria, aponta<strong>do</strong> por exemplo por<br />

Fo<strong>do</strong>r é o problema <strong>da</strong> disjz~i~ção'". Este consiste no seguinte: se os<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s crencas são as condições externas que causam as<br />

crenças, como se pode saber que que a crença C foi causa<strong>da</strong> por<br />

uma específica causa e não por to<strong>da</strong>s as causas posssíveis ten<strong>do</strong><br />

portanto condições de ver<strong>da</strong>de disjuntivas? Que razões existem<br />

para dizer que o conteú<strong>do</strong> de um esta<strong>do</strong> mental é A e não AvBvC?<br />

Apenas evocan<strong>do</strong> uma restrição artificial para separar situacões de<br />

aprendizagem de outros enfrentamentos <strong>do</strong> ambiente pelo sistema<br />

é possível a Dretske declarar que só em situação de aprendizagem<br />

estruturas adquirem uma função determina<strong>da</strong>, própria, tornan<strong>do</strong><br />

possíveis as falsas crenças. Foi precisamente para responder a esta<br />

objecção que Dretslre se propôs explicitar de forma mais fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong><br />

o papel causal ou explicativo <strong>da</strong> informacão3".<br />

Evidentemente, uma vez defini<strong>da</strong> a informação semântica como<br />

correlação entre eventos tornava-se difícil considerar que essa correlacão<br />

tinha algum poder causal, por exemplo alguma capaci<strong>da</strong>de de<br />

despoletar novas crenças. A investigação inicial de Dretske dizia respeito<br />

àquilo que constihii, para eventos físicos, u-ansportar informação.<br />

Uma conclusão a que chega é que não pode ser a informação<br />

semântica a causar o que quer que seja, por exemplo crenças, mas<br />

apenas os eventos que transportam informação. Ora, de acor<strong>do</strong> com<br />

Dretske a aprendizagem é o lugar certo para o efeito que ($parente-<br />

mente) consiste em cazlsação envoluemío cre~lças. Ten<strong>do</strong> estipula<strong>do</strong> que o<br />

comportamento não é movimento corporal nem o produto hnal <strong>do</strong><br />

movimento mas um processo causal que tem o movimento como<br />

parte, a explicação psicológica poderá apoiar-se no causat: (caz~siig)<br />

<strong>do</strong> movimento corporal por razões: «as razões explicam o compor-<br />

tamento não causan<strong>do</strong>-o, mas antes porque o seu conteú<strong>do</strong> - aqui-<br />

lo em que se crê e que se deseja - explica o causa^)^'^. A aprendiza-<br />

gem é o processo no qual as correlações informacionais relevantes<br />

assumem o papel de causa estruturante (str~~ctur-itg cazíse) <strong>do</strong> comportamento.<br />

Reconstituin<strong>do</strong> os circuitos de controlo <strong>do</strong> comportamento,<br />

a aprendizagem contribui para qualquer futuro comportamento<br />

'" 'ODOR 1990: 31, Srii~er~liii IOi~iiidiii,i Solo. O problemn dn disjunq3o i a rnaào piincipnl pcla<br />

ouri l'o<strong>do</strong>i reicira o teleo€uncionalismo icf hIlLLIIUN 1993).


que deles depen<strong>da</strong>. Em suma, o conteú<strong>do</strong> representacional consti-<br />

tui-se ao mesmo tempo que se torna o guia <strong>do</strong> comportamento~<strong>do</strong>s<br />

sistemas. Assim, uma posição como a de Dretske só pode ser realis-<br />

ta acerca de estruturas internas que transportam informação e cujo<br />

conteú<strong>do</strong> semântico pode legitimamente ser evoca<strong>do</strong> para explicar o<br />

comportamento através de razões, relegan<strong>do</strong> o instrumentalismo<br />

para as margens <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira teoiia <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

2.2.3.3 J. Fo<strong>do</strong>r: a teoria nónlico-infòrn~an'otiaI e o aton~is~izo'~~<br />

A teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de Fo<strong>do</strong>r é, na sua forma actual, uma teoria<br />

informacional-causal, apoia<strong>da</strong> numa teoria atomista <strong>do</strong>s conceitos.<br />

O atomismo informacional enquanto teoria <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong>s<br />

conceitos consiste na defesa de que os conceitos -por exemplo no<br />

caso humano quase to<strong>do</strong>s os conceitos le~icais'~~ - são símbolos<br />

não estrutura<strong>do</strong>s cuja identi<strong>da</strong>de é determina<strong>da</strong> pela informação<br />

que tran~portam'~%cerca <strong>do</strong> ambiente. Ao contrário de Dennett,<br />

Millikan e Dretske, Fo<strong>do</strong>r rejeita a abor<strong>da</strong>gem teleofuncionalista <strong>do</strong><br />

problema <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>'", embora admita que esta produz uma interessante<br />

solução para o problema <strong>da</strong> normativi<strong>da</strong>de. Considera, no<br />

entanto, o teleo€uncionalismo é incapaz de li<strong>da</strong>r com a indeterminação<br />

trazi<strong>da</strong> pelo problema <strong>da</strong> disjunção. O apelo à evolução por<br />

selecção natural não é, de acor<strong>do</strong> com Fo<strong>do</strong>r, explicação suficiente<br />

<strong>do</strong>s mecanismos que efectuam a ligação entre o interior de um sistema<br />

e o seu exterior, ligação que para Fo<strong>do</strong>r constitui o conteú<strong>do</strong>.<br />

Embora o <strong>da</strong>rwinismo possa explicar como é que os mecanismos<br />

produtores de representações vieram a estar Iá, foram selecciona<strong>do</strong>s,<br />

não explica como é que eles funcionam agora. Daí que por<br />

"' Considcrni sc a sobretu<strong>do</strong> PODOR 1987. PODOR 1990 PODOR 1994 e PODO11 1998<br />

I<br />

Na començ3o a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> por Po<strong>do</strong>r a mniuscula$io mar


cabeça". O atomismo quanto ao significa<strong>do</strong> vem juntar-se, na teo-<br />

ria <strong>da</strong> mente desenvolvi<strong>da</strong> por Fo<strong>do</strong>r, ao seu (menos controvei.so)<br />

atomismo quanto à percepção, i.e. à ideia de n/odz,lari<strong>da</strong>dei'< Em<br />

geral, Fo<strong>do</strong>r declara constantemente o quanto detesta as posições<br />

holistas e relativistas na teoria <strong>da</strong> mente, onde se incluem, como é<br />

óbvio, posições "relativistas <strong>do</strong>gmáticas" como as de Dennett"".<br />

Admitin<strong>do</strong> que as questões fregeanas refeii<strong>da</strong>s a propósito de<br />

Bgjo~zd Behj são boas questões e que Frege nunca considerou a pos-<br />

sibili<strong>da</strong>de de as tratar de forma naturalista, a tentativa que Fo<strong>do</strong>r le-<br />

va a cabo, nomea<strong>da</strong>mente em Cotzcepts, com a sua teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,<br />

e que é precisamente uma tentativa de encontrar uma resposta natu-<br />

ralista para essas questões, assume uma especial relevância. Na sua<br />

teoria nómico-informacional <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, Fo<strong>do</strong>r parte <strong>do</strong>s seguintes<br />

princípios gerais, já anteriormente expostos neste trabalho. O com-<br />

portamento inteligente de sistemas físicos é o objecto <strong>da</strong> explicação<br />

psicológica. Esta é nomológica e intencional, i.e. as leis alcança<strong>da</strong>s<br />

expressam relacões causais entre esta<strong>do</strong>s especifica<strong>do</strong>s sob descri-<br />

cões intencionais. Não pode existir explicação psicológica sem apelo<br />

a esta<strong>do</strong>s mentais intencionais e a processos mentais racionais. E por<br />

isso preciso começar por explicar como são possíveis os esta<strong>do</strong>s<br />

mentais intencionais e os processos mentais racionais. A sugestão é<br />

que os esta<strong>do</strong>s mentais intencionais são relações com Represen-<br />

tações Mentais. As Representações Mentais (sentenciais) são os sus-<br />

tentáculos primitivos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> intencional, o lugar <strong>da</strong> intencio-<br />

nali<strong>da</strong>de oiiginária rejeita<strong>da</strong> por Dennett. Por sua vez, o pensamento<br />

é computação. A teoiia <strong>do</strong> pensamento como computação é uma<br />

teoria sintáctica, e uma teoria sintáctica não é só por si uma teoria <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong>. O grande argumento a favor <strong>da</strong> ideia de pensamento co-<br />

mo computacão é a preservação de propiie<strong>da</strong>des semânticas (nome-<br />

a<strong>da</strong>mente a ver<strong>da</strong>de) nos processos mentais. Aliás, Fo<strong>do</strong>r faz esta<br />

afirmação de um mo<strong>do</strong> mais preciso: ele considera que afirmar que<br />

o pensamento é computação é ahrmar que os mecanismos de imple-<br />

mentação <strong>da</strong> psicologia (mecanismos de implementação que devem<br />

existir para qualquer ciência não básica) são computacionais e não<br />

por exemplo imediatamente biológicos. As leis intencionais <strong>da</strong> psi-<br />

cologia são implementa<strong>da</strong>s por processos computacionais. Processos<br />

computacionais são defi<strong>do</strong>s sobre objectos sintacticamente estru-<br />

ma<strong>do</strong>s, as Representações Mentais. É o carácter sintáctico <strong>da</strong>s<br />

'" Cf. FODOll 1983 c FODOR 1990, Pnrcc 11.<br />

'" Ct FOD011 1990: 3.<br />

Uma Teoria Fis~cahstn <strong>do</strong> Coi~feN<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisciêi,cin<br />

Representacões Mentais que caracteriza a Hipótese <strong>da</strong> Linguagem <strong>do</strong><br />

Pensamento. Relativamente à semântica <strong>da</strong>s Representações Mentais,<br />

Fo<strong>do</strong>r tem, como Dretske e a partir de Dretslre, trabalha<strong>do</strong> a ideia<br />

segun<strong>do</strong> a qual o si,pifica<strong>do</strong> é informação e na<strong>da</strong> mais <strong>do</strong> que informação.<br />

Assim, as proprie<strong>da</strong>des semânticas são externalistas e latas.<br />

Isto significa que para Fo<strong>do</strong>r o que dá às Representacões Mentais o<br />

conteú<strong>do</strong> que elas possuem são relações causais, nomológicas, com<br />

aquilo que cai sob elas e que está "fora <strong>da</strong> cabeça".<br />

O problema é evidentemente conjugar to<strong>da</strong>s estes teorias com a<br />

TRbI que Fo<strong>do</strong>r há muito vem a desenvolver. Pelo menos aparentemente<br />

a ideia de conteú<strong>do</strong> intencional lato é difícil de conciliar com a<br />

existência de leispsicológicas ii,re~zioizais, cola iv@lemmtação é co??@atacio~ral.<br />

Ora, se a aproximação entre conteú<strong>do</strong> e informação é relativamente<br />

pouco polémica na discussão, usualmente junta-se-lhe a ideia de que<br />

o conteú<strong>do</strong> é determina<strong>do</strong> por um ingrediente inferencial a mais, que<br />

lhe dá o carácter holista. No entanto é precisamente a esta relação<br />

entre intencionali<strong>da</strong>de e holismo, à primeira vista tão natural, que o<br />

atomismo <strong>da</strong> teoria informacional-causal se opõe. Para Fo<strong>do</strong>r é óbvio<br />

que a teoria <strong>da</strong> explicacão psicológica não é compatível com uma<br />

metafisica holista <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>. De facto, a ideia central <strong>da</strong> semântica<br />

<strong>do</strong> papel inferencial é erra<strong>da</strong> para Fo<strong>do</strong>r, em grande parte devi<strong>do</strong><br />

à circnlari<strong>da</strong>de admiti<strong>da</strong> por quem ao mesmo tempo aceita que o pensamento<br />

é computação, i.e. relação causal entre símbolos que respeita<br />

o conteú<strong>do</strong>, e que o conteú<strong>do</strong> está liga<strong>do</strong> ao papel inferencial, i.e.<br />

a computações. Uma semântica <strong>do</strong> papel inferencial conjuntamente<br />

com uma teoria computacional <strong>do</strong> pensamento só pode produzir circulari<strong>da</strong>de.<br />

Fo<strong>do</strong>r pretende evitar a circulari<strong>da</strong>de com a ideia de que<br />

o conteú<strong>do</strong> é informacão e na<strong>da</strong> mais.<br />

Evidentemente o grande problema para uma teoria nómicoinformacional<br />

advém <strong>do</strong> facto de esta confiar ao próprio mun<strong>do</strong> a<br />

tarefa de determinar o conteú<strong>do</strong> semântico <strong>da</strong>s Representações<br />

Mentais. O primeiro obstáculo é o facto de o funcionamento sintáctico<br />

<strong>da</strong>s representações mentais e a informação que constitui o<br />

seu conteú<strong>do</strong>, em princípio harmoniza<strong>do</strong>s, poderem deixar de estar<br />

harmoniza<strong>do</strong>s de vârias maneiras. É necessário explicar como é<br />

isso possível. Eles podem deixar de estar harmoniza<strong>do</strong>s essencialmente<br />

devi<strong>do</strong> a uma sitzíação de Pz/ti,an/ (por um la<strong>do</strong>, numa Terra<br />

Gémea, onde as mesmas Representações Mentais correspondem a<br />

conteú<strong>do</strong>s diferentes, por outro no uso de um "me~mo conceit?"<br />

entre um perito e um leigo, por exemplo "ALCOOL" ou ''AGU-


CAR", situação na qual existe uma diferença de conteú<strong>do</strong>) ou devi<strong>do</strong><br />

a uma sitz~ação de rjgc (em que representações diferentes como<br />

"ESTRELA DA Iv~ANHÃ" e "ESTRELA DA TARDE correspondem<br />

a um mesmo referente no mun<strong>do</strong>). É esse grau de liber<strong>da</strong>de<br />

ou desarmonia <strong>da</strong>s Representações Mentais relativamente ao conteú<strong>do</strong>,<br />

considera<strong>do</strong> como um "apontar para o exterior", que Fo<strong>do</strong>r<br />

pretende a<strong>da</strong>ptar à TRM. Consegue-o através <strong>da</strong> ideia de que Mo<strong>do</strong>s<br />

de Apresentação asseguram mecanismos que garantem que as<br />

situações de Putnam e as situações de Frege não ocorrem (ou pelo<br />

menos não ocorrem muito frequentemente).<br />

As situações de Putnam são as mais manejáveis: «Do ponto de<br />

vista <strong>da</strong> semântica informacional [aqzcilo que sepassa] é perfeitamente<br />

normal: o facto de os meus conceitos de olmo e de áci<strong>do</strong> terem o<br />

conteú<strong>do</strong> que têm depende <strong>da</strong> existência de mecanismos que os<br />

correlacionam fiavelmente com instanciações de olmi<strong>da</strong>dc e uacide?,<br />

respectivamente»"j. As situações de Frege são mais complica<strong>da</strong>s e é<br />

para as tratar que Fo<strong>do</strong>r afina a noção de Mo<strong>do</strong> de Apresentação<br />

(MAP), a noção mais directamente concorrente com o mun<strong>do</strong><br />

no<strong>do</strong>nal <strong>da</strong> TSI. Um bíAP é uma Representação Mental, um símbolo<br />

em Linguagem <strong>do</strong> Pensamento, individuável pela forma. Com<br />

a mais recente reformulação <strong>da</strong> TRbI em termos de IMAP Fo<strong>do</strong>r<br />

vem a declarar que a ideia de conteú<strong>do</strong> esuito é afinal supérflua.<br />

A intenção de Fo<strong>do</strong>r em Co~rcepts é fundir a ideia de Tusing segun<strong>do</strong><br />

a qual pensamento é computação, a ideia de Dretslre segun<strong>do</strong> a<br />

qual o significa<strong>do</strong> é informação, com as ideias de Frege acerca <strong>do</strong><br />

senti<strong>do</strong>, considera<strong>do</strong> como mo<strong>do</strong> de apresentação. Segun<strong>do</strong> Fo<strong>do</strong>r,<br />

«a ideia básica <strong>da</strong> TIlilI é que a história de Turing acerca <strong>da</strong> natureza<br />

<strong>do</strong>s processos mentais providencia os candi<strong>da</strong>tos a mo<strong>do</strong>s de apresentação<br />

que a história de Frege acerca <strong>da</strong> individuação de esta<strong>do</strong>s<br />

mentais independentemente reque~>~'". No medi<strong>da</strong> em que para<br />

Fo<strong>do</strong>r uma teoria <strong>do</strong>s conceitos é o núcleo <strong>da</strong> teona <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>"'<br />

exemplificar-se-á aqui por meio <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong>s conceitos os princípios<br />

<strong>da</strong> teoria fo<strong>do</strong>riana <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. A tese central de Conccpts é que os<br />

conceitos são particulares mentais. Note-se que para Fo<strong>do</strong>r uma teo-<br />

" PODO11 1994: 35.<br />

" FODOR 1998: 22.<br />

'- Aiiis, Fo<strong>do</strong>r pensa que o que decidiri n quesrio entre reorins informacionais <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e<br />

as que chama rcorias <strong>do</strong> papel infcrcncinl C o facro dc npcnas as primeiras possibiiirarem umn teoria<br />

rtomistu <strong>do</strong>s conceitos, e Po<strong>do</strong>r pensa que hi irzões independcntcs paia ricicditrr quc só uma tco-<br />

ris :iromists scri uma boi teoria <strong>do</strong>s conceitos.<br />

na <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> nunca poderia ser uma teona <strong>do</strong> uso <strong>da</strong> linguagem<br />

(que por sua vez se reduziria a uma teoria <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des linguísticas<br />

que por sua vez seriam constrangi<strong>da</strong>s por aquilo que é manifesto<br />

no comportamento <strong>do</strong> falante) sob pena de não ser minimamente<br />

expLcutiva. Para Fo<strong>do</strong>r, os conceitos que um sistema tem são independentes<br />

<strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des epistémicas deste3" (considerar que os<br />

conceitos não são independentes <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des epistémicas seria<br />

um movimento em direcção à semântica <strong>do</strong> papel inferencial que<br />

Fo<strong>do</strong>r, como se afumou, rejeita). O problema, como já foi dito, é que<br />

se o significa<strong>do</strong> consiste não no papel inferencial mas em informa-<br />

ÇZO - -.e. se o que dá conteú<strong>do</strong> a representações mentais é alguma<br />

relação causal-nomológica com as coisas que caem sob elas, que as<br />

causam - representações co-referenciais, deveriam ser "sinónimas" e<br />

nem sempre o são. São estes os casos de Frege. E com este resíduo<br />

que Fo<strong>do</strong>r procura li<strong>da</strong>r, sem poder considerar que o ingrediente a<br />

mais tem alguma coisa a ver com inferências que o sistema está prepara<strong>do</strong><br />

para fazer. Fo<strong>do</strong>r propõe a noção de bíAP para distinguir<br />

conceitos diferentes mas co-referenciais (como ÁGUA e H~o). Um<br />

bíAP de Fo<strong>do</strong>r é algo que está na cabeça. Os bíAP de Frege, que<br />

eram senti<strong>do</strong>s (ser~ses, SSire), serviam para explicar como é que era<br />

possível ter um mas não outro de <strong>do</strong>is conceitos co-referenciais.<br />

Estes bíAP eram no entanto considera<strong>do</strong>s por Frege como objectos<br />

abstractos, não mentais. Fo<strong>do</strong>r pretende manter a ideia segun<strong>do</strong> a<br />

qual são os bíAP que explicam como é possível ter um mas não<br />

outro de <strong>do</strong>is conceitos co-referenciais. No entanto Densa que para L<br />

manter coerentemente essa ideia é necessásio deixar de considerar os<br />

bíAP como senti<strong>do</strong>s3" e como objectos abstractos não mentais3". Os<br />

"Nos tcimos de Po<strong>do</strong>r, as dws questões (a qucrrio aceita <strong>do</strong>s conceitos que se tem e a 'luesc50<br />

acerca diis cspscidnde episcémicas quc sc t a) sio conccptuslinenre e menfisicamente independcnrer.<br />

?"Segun<strong>do</strong> Fo<strong>do</strong>r, a única coisa que srbemos sobre senti<strong>do</strong>s é que sinónimos os pnrtiiham. Sc<br />

mo<strong>do</strong>s dc npicrcnraç~o (i\it\P) sio senti<strong>do</strong>s e n única coisa que distingue concciros co-rcfcienciris,<br />

concciros sinónhos devem sei idénucos, sen<strong>do</strong> iinpossivcl pcnsu uin scm pensar o outro (este é o<br />

rcste de substimi$5o par* mo<strong>do</strong>s dc aprcscntnçio). hlas pode-se duvi<strong>da</strong>r que Jo5o compreen<strong>da</strong> quc<br />

As $50 Bs mesmo se nio sc duli<strong>da</strong> quc Jo5o compreen<strong>da</strong> que As $50 Cs, sen<strong>do</strong> Bs c Cs sinónúnos<br />

(cf, PODOR 1998: 16). Bnsicamente Fo<strong>do</strong>r defende que sc concciros com o mesmo scnti<strong>do</strong> podem<br />

aci difcrcntcr hiAl', hiAP n5o podem scr scnri<strong>do</strong>s. Individunr biAP deve ser como individuar formas<br />

de pslsvias mais <strong>do</strong> que como individurr significa<strong>do</strong>s.<br />

'U Em FODOR 1998 Fo<strong>do</strong>r npresenra um rrgumenio complicr<strong>do</strong> no sciiti<strong>do</strong> dc provar quc hiAl'<br />

,,i, podcm scr objectos sbsmcros. Retém-se aqui apcnnr quc Fo<strong>do</strong>r pcnsa que se híAP podem individusr<br />

conceitos (z funç5o pai= quc fonm cria<strong>do</strong>s ..) é precisamente por serem objectos menr.iis, disponíveis<br />

pam scrcm c;iusss pró-has de processos menmis, ao conrrhrio <strong>do</strong>s rcfcrcnrcr. Dc acor<strong>do</strong><br />

com Fo<strong>do</strong>r, Frcge pensa errn<strong>da</strong>menre que hU\P têm que crrar fon d~ mcntc (scr objcctos absuacros)<br />

pncl os conceiros serem públicos. Umri tcorir infarmrcionsl dei\$ r "publicidnde" n cargo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>


Soja Migie~is<br />

MAP de Fo<strong>do</strong>r são veículos <strong>do</strong> pensamento, veículos com que se<br />

pensa sem que, evidentemente, se pense acerca deles. São estes veí-<br />

culos que permitem conceber como se pode ter <strong>do</strong>is conceitos co-<br />

referenciais sem se saber. Uma vez afasta<strong>da</strong>s as considerações de<br />

Frege sobre objectos abstractos e a sua captura de mo<strong>do</strong> a admitir<br />

que os MAP devem ser algo que faz diferença em organismos, Fo<strong>do</strong>r<br />

defenderá que os bíAP são Representações Mentais sentenciais.<br />

A teoria <strong>do</strong>s conceitos é em parte uma teoria <strong>do</strong>s MAP, em parte<br />

uma justificação <strong>do</strong> anti-descritivismo. O atomismo conceptual<br />

evita o inatismo - ao qual Fo<strong>do</strong>r é aparentemente conduzi<strong>do</strong> por<br />

não admitir uma aquisição indutivo-inferenùal de conceitos - ao<br />

apoiar-se numa tese anti-descritivista (a que Fo<strong>do</strong>r chama não-cog-<br />

nitivista) <strong>da</strong> posse <strong>do</strong>s conceito^'^'. Para Fo<strong>do</strong>r, como para Millikan,<br />

possuir um conceito não é conhecer alguma coisa, mas sim ser ca-<br />

paz de a detectar e de a identificar. De resto, a explicação <strong>da</strong> aquisi-<br />

çiio "indutiva" de conceitos por teste de hipóteses só é plausível se<br />

se assumir uma história "cognitivista ou descritivista" <strong>da</strong> posse de<br />

conceitos, segun<strong>do</strong> a qual possuir um conceito é conhecer alguma<br />

coisa. Para Fo<strong>do</strong>r, uma vez que adquirir um conceito não é apren-<br />

der indutivamente coisa alguma mas sim ficar nomologicamente<br />

liga<strong>do</strong> (locked, termo que Fo<strong>do</strong>r vai buscar i etologia) a algo, a posse<br />

de um conceito é independente <strong>da</strong> posse de outro conceito. Para<br />

passar a ter um conceito o que é preciso é ter o tipo certo de expe-<br />

riências de mo<strong>do</strong> a ficar liga<strong>do</strong> a alguma coisa no mun<strong>do</strong>. Essa<br />

experiência não consiste, no entanto, no teste de hipóteses.<br />

Em Coizcepts, Fo<strong>do</strong>r exemplifica estas teses servin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> exem-<br />

plo de DOORIGJOB, um primitivo desinteressante que é o exem-<br />

plo por excelência <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong>s conceitos apresenta<strong>da</strong>. Mantém-se<br />

o inglês <strong>do</strong> exemplo porque o termo tem que ser primitivo, o que<br />

não aconteceria com PUXADOR DE PORTA. "Doorknob" não<br />

é uma coisa natural no mun<strong>do</strong> e o termo que lhe corresponde não<br />

é sequer aparentemente um termo primitivo. DOORIUVOB é pre-<br />

cisamente indefmível de uma maneira não interessante (i.e. sem que<br />

isso envolva qualquer coisa de profun<strong>do</strong>, ou de metafisicamente<br />

primitivo). O explicação <strong>da</strong> aquisição <strong>do</strong> conceito DOORKNOB<br />

por algum sistema cognitivo passa por alguma coisa que se passa<br />

"na cabeça" <strong>do</strong> sistema em função <strong>da</strong> interacção <strong>do</strong> sistema com<br />

"' Os concciros nto RIM, ns lUI nso cem crmunir%: sto Aromos (crnboir scjam constiruinrçs de<br />

rcprcscnrngõcs mentais csmunin<strong>da</strong>s sobre ns quis sc cumprcm ar compurqões).<br />

Uma Teoria Fisicaiista <strong>do</strong> Conteií<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~isciê~iria<br />

<strong>do</strong>orknobs. Se ser um <strong>do</strong>orknob não é ser uma coisa natural, a proprie<strong>da</strong>de<br />

"ser zm <strong>do</strong>orknob" é acerca de nós, humanos, é qualquer<br />

coisa acerca <strong>da</strong>s nossas mentes. Isso não significa que não exista a<br />

proprie<strong>da</strong>de ser z~m <strong>do</strong>orkrzob a que um humano pode ficar liga<strong>do</strong>,<br />

adquirin<strong>do</strong> o conceito DOORKNOB. Precisamente, os humanos<br />

adquirem o conceito DOORIGJOB fican<strong>do</strong> liga<strong>do</strong>s a essa proprie<strong>da</strong>de.<br />

Existem aliás muitíssimos conceitos de aparência semelhantes.<br />

Por definição, para Fo<strong>do</strong>r, ter um conceito é, como se disse,<br />

estar liga<strong>do</strong> à proprie<strong>da</strong>de correspondente no mun<strong>do</strong> e se esse<br />

conceito é um conceito de aparência, a proprie<strong>da</strong>de é constituí<strong>da</strong><br />

pela maneira como as coisas que a têm "embatem em" sistemas<br />

cognitivos, por exemplo humanos.<br />

Mesmo os empiristas sempre admitiram o inatismo <strong>do</strong> se~zsoriz~n/<br />

e o que Fo<strong>do</strong>r faz para explicar a aquisição de conceitos é apenas<br />

generalizar a condicão <strong>do</strong> seizroriz~n~. O inatismo <strong>do</strong> serzsoriz~nz não é<br />

inatismo de alguma coisa com conteú<strong>do</strong> intencional. Tu<strong>do</strong> o que<br />

tem que ser inato para que o conceito TIEFüvlELHO seja adquiri<strong>do</strong><br />

são mecanismos (fisiologia) que determinam que as coisas vermelhas<br />

nos apareçam assim. Do mesmo mo<strong>do</strong>, ficar liga<strong>do</strong> a uma<br />

proprie<strong>da</strong>de só requer que as coisas que a possuem nos apareçam<br />

assim. O inatismo associa<strong>do</strong> ao atomismo informacional não é um<br />

inatismo de conceitos (de algo "intencional") mas de mecanismos<br />

(o que parece natural <strong>da</strong><strong>da</strong> a inspiração etológica <strong>do</strong> processo de<br />

"ficar liga<strong>do</strong>"). Ao contrário <strong>da</strong> tese que se tornou um motivo de<br />

chacota relativamente a The La~gziage oJ Thozlgl,t, nem mesmo os conceitos<br />

primitivos têm que ser inatos. Em geral a moral de Compts é<br />

que talvez não existam sequer Representações Mentais inatas,<br />

embora tenha que haver muito de inato para que sistemas adquiram<br />

conceitos. O que é importante numa teoria não cognitivista <strong>do</strong>s<br />

conceitos é explicar a possibili<strong>da</strong>de de conceitos prinihvos e o que<br />

Fo<strong>do</strong>r propõe é que eles são átomos, Representações Mentais sem<br />

estrutura. Em Corzcepts Fo<strong>do</strong>r faz notar que os conceitos de géneros<br />

naturais, objecto usual <strong>da</strong> discussão acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de conceitos,<br />

não servem senão para obscurecer esta: conceitos de géneros<br />

naturais são muito tardios no desenvolvimento conceptual humano,<br />

têm que emergir <strong>do</strong> funcionamento descrito relativo a conceitos<br />

que ligam os sistemas a proprie<strong>da</strong>des que são dependentes<br />

<strong>da</strong> mente e importantes para o sistema.<br />

O atomismo informacional e o anti-descritivismo que este envolve<br />

são núcleos essenciais <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de Fo<strong>do</strong>r. É o


atomismo informacional que afasta a semântica <strong>do</strong> papel inferen-<br />

cial e permite o enquadramento <strong>da</strong> questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> na TRM.<br />

Isto parece um avanço em relação à teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> liga<strong>da</strong> à<br />

TSI, que não inclui uma teoria <strong>da</strong> individuação fina <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,<br />

exactamente devi<strong>do</strong> ao facto de o interpretativismo ser holista.<br />

A individuação de veículos internos e o apoio <strong>da</strong> explicação psicológica<br />

que ela permite é o maior ponto de discórdia entre Dennett<br />

e os três autores aqui referi<strong>do</strong>s, uma vez que há inegáveis pontos<br />

de consenso entre as teorias. Antes de mais, e essencialmente,<br />

elas confluem no exterf~ahsmo. Este redun<strong>da</strong> pelo menos nas seguintes<br />

teses: (1) significar não é um funcionamento epistémicamente<br />

controla<strong>do</strong> nem necessariamente relaciona<strong>do</strong> com a consciência ou<br />

com a consciência de si, (2) o mun<strong>do</strong> (exterior) é o maior responsável<br />

pela fixação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de representações mentais, de uma<br />

forma que passa ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema no qual ocorrem os veículos <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong>. Para além deste consenso mínimo, a discussão foca o<br />

estatuto <strong>do</strong>s veículos <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> e é aí que as posicões divergem.<br />

Nas condicões referi<strong>da</strong>s pela TSI quanto ao mun<strong>do</strong> nacional, o significa<strong>do</strong><br />

não parece poder realizar trabalho e é nesse senti<strong>do</strong> que se<br />

pode falar <strong>da</strong> impotência <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> ou epifenomenalismo que<br />

é a úlíima palavra <strong>da</strong> TSI. É certo que nenhum <strong>do</strong>s restantes autores<br />

propõe que os significa<strong>do</strong>s causem directamente o que quer que<br />

seja. No entanto, tem-se Ícones Intencionais Internos, veículos<br />

internos que transportam informação, a que alguns, nomea<strong>da</strong>mente<br />

Fo<strong>do</strong>r, consideram legítimo chamar representações e que são<br />

para-o-sistema, para guiar o comportamento, independentes de<br />

qualquer interpretaqão e como tal evocáveis em algum tipo de explicação.<br />

A diferença entre Dennett por um la<strong>do</strong> e Fo<strong>do</strong>r, Miüikan e<br />

Dretske por outro, reside no facto de Dennett pensar que a terminologia<br />

<strong>da</strong>s representações e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, aplica<strong>da</strong> a ocorrências<br />

no interior de sistemas cognitivos, é sempre já interpretativa.<br />

Repetin<strong>do</strong> o princípio atrás referi<strong>do</strong>, não é possível ter "texto"<br />

(neste caso, natureza de representação e conteú<strong>do</strong> de representação)<br />

sem interpretação e é isso que as noções de Fo<strong>do</strong>r,<br />

Dretslre e Millikan presumem emboras eles não o admitam. Por<br />

outro la<strong>do</strong>, apenas a ideia de de representações reais no sistema,<br />

independentes de qualquer interpretação ou auibuição, possibilita a<br />

intencionali<strong>da</strong>de intrínseca que a TSI exclui e os restantes autores<br />

admitem.<br />

Recapitulan<strong>do</strong>, o posicionamento <strong>da</strong> TSI quanto à intencionali-<br />

<strong>da</strong>de envolve uma posição quanto à natureza de representação e<br />

uma posição quanto ao conteú<strong>do</strong> de representações, as quais fogem<br />

de várias maneiras ao realismo. A posicão quanto à natureza de re-<br />

presentação é defini<strong>da</strong> contra a TRM de Fo<strong>do</strong>r, que é considera<strong>da</strong><br />

como preconceituosamente realista e sentencialista. Neste momen-<br />

to e ain<strong>da</strong> ten<strong>do</strong> Fo<strong>do</strong>r em mente, já se viu como é que uma posi-<br />

ção realista e sentencialista quanto à natureza de representações se<br />

prolonga numa teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com Fo<strong>do</strong>r, os<br />

mo<strong>do</strong>s de apresentação são Representações Mentais sintaticamen-<br />

te estrutura<strong>da</strong>s que estão na cabeça e cuja instanciaçâo tem o con-<br />

teú<strong>do</strong> que tem em virtude de relações nómico-informacionais com<br />

o mun<strong>do</strong>. Do ponto de vista assim defini<strong>do</strong>, os problemas <strong>da</strong> posi-<br />

ção <strong>da</strong> TSI quanto à intencionali<strong>da</strong>de são claros: padrões ditos<br />

"reais" mas que afinal não passam de esta<strong>do</strong>s intencionais atribuí-<br />

<strong>do</strong>s e inun<strong>do</strong>s nocionais interpretativos atribuí<strong>do</strong>s de forma holis-<br />

ta não podem ter eficácia causal local, ao contrário <strong>do</strong> que aconte-<br />

ce com mo<strong>do</strong>s de apresentação sentenciais (ou, de resto, também<br />

com os veículos de Dretske ou com os icones Intencionais de<br />

Miüiiran), o que os torna inúteis e redun<strong>da</strong>ntes <strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong><br />

explicação psicológica. Ora, se as descrições intencionais não são<br />

explicativas porque não desaparecem elas simplesmente <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> cognição? Não seria mais coerente que o eterpretativista fosse<br />

utn eliminativista acerca <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de? E por essa razão que<br />

Fo<strong>do</strong>r põe em causa o entusiasmo relativamente às descricães<br />

intencionais de alguém como Dennett, que não pretende falar de<br />

causas, nega a possibili<strong>da</strong>de de explicação <strong>do</strong> comportamento e ne-<br />

ga a possibili<strong>da</strong>de meta6sica de leis intencionais. Aos olhos de<br />

Fo<strong>do</strong>r, seria prefenvel que Dennett, em vez de defender a uùliza-<br />

cão de descrições e previsões intencionais não nómicas se rendes-<br />

se definitivamente à "Califórnia <strong>do</strong> Sul", i.e. ao eliminativismo, à<br />

substituição <strong>da</strong>s explicações intencionais pela neurociência como<br />

propõein os Churchland, ou pela teoria úsica de outro substracto de<br />

mentali<strong>da</strong>de. Ao utilizar to<strong>do</strong> o aparato <strong>do</strong> realismo intencional (as<br />

crenças, a racionali<strong>da</strong>de) sem conceder reali<strong>da</strong>de a na<strong>da</strong>, Dennett se-<br />

ria a demonstração viva <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de compromisso quan-<br />

to ao problema <strong>da</strong> explicação psicológica: apenas o realismo inten-


Soja 1M@e115<br />

cional e o eliminativismo permitem posições totalmente desprovi<strong>da</strong>s<br />

de ambigui<strong>da</strong>de perante o problema <strong>da</strong> explicação psicológica.<br />

Mas precisamente, a TSI sih~a-se num meio termo: não aceita<br />

explicações intencionais mas também não aceita eliminar a panóplia<br />

<strong>da</strong>s noções intencionais. No entanto e essa foi a razão pela qual se<br />

descreveu aqui outras posições teleoíúncionalistas além <strong>da</strong> de Dennett,<br />

o teleofuncionalismo permite uma posição acerca <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de<br />

que não é sentencialista, não fecha a porta à explicação<br />

(mesmo com as salvaguar<strong>da</strong>s de Miüiilian acerca <strong>da</strong>s ciências biológicas),<br />

é naturalista e não evoca a consciência para oferecer uma teoria<br />

<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>. Simplesmente para isso é necessário um realismo<br />

acerca de veículos e funções que é problemático para a TSI.<br />

O que parece estranho em primeiro lugar quan<strong>do</strong> se compara o<br />

teleofuncionalismo que a TSI alberga com outras teorias teleofuncionalistas<br />

é o facto de Dennett continuar a evocar a interpretacão<br />

para a compreensão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> ideia<br />

de mun<strong>do</strong> nocional. Dennett não é o único filósofo <strong>da</strong> mente que<br />

propõe que a teoria <strong>da</strong> mente deve ter a forma de uma teoria <strong>da</strong><br />

interpretação: essa é uma posição quineana muito difundi<strong>da</strong>. No<br />

entanto os autores que também apresentam a teoria <strong>da</strong> mente sob<br />

a forma de uma teoria <strong>da</strong> interpretação (por exemplo Davidson)<br />

não pretendem, ao contrário de Miüiiian, Dretske, Fo<strong>do</strong>r e Dennett,<br />

elaborar uma teoria naturalista <strong>da</strong> psicologia. Uma teoria ~latli-<br />

?alista <strong>da</strong> interpretação parece, pelo menos à primeira vista, uma<br />

abor<strong>da</strong>gem híbri<strong>da</strong>. O problema <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentais<br />

parece mais tratável <strong>do</strong> ponto de vista realista - ao contrário <strong>do</strong> que<br />

se passa com a TSI, não existe nas posições realistas uma cláusula<br />

que especifica a existência de pelo menos um intérprete, pelo<br />

menos um ponto de vista, que permite a atribuição de intencionali<strong>da</strong>de,<br />

e que fica aí para ser explica<strong>da</strong>, não se vê bem como. Como<br />

nota Fo<strong>do</strong>r, «a maioria <strong>do</strong>s fiiósofos que abor<strong>da</strong>m a intencionali<strong>da</strong>de<br />

a partir <strong>da</strong> evolução são correspondentemente realistas( ...) acerca<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> (é o caso de bíiliikan e de Dret~ke)))~". Curiosamente,<br />

não é esse o caso de Dennett, embora ele frequentemente<br />

remeta o desenvolvimento <strong>da</strong>s suas próprias posições para o trabalho<br />

de Millikan, que o teria desperta<strong>do</strong> <strong>do</strong> sono semi-<strong>do</strong>gmático<br />

<strong>do</strong> Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong>. Para os autores cujas posições se<br />

pretendeu aqui contrastar com a de Dennett, a intencionali<strong>da</strong>de é<br />

'" FODOR & LEPORP. 1992: 145<br />

UI~U Teoria Fisicalisia rio Coriteii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~s&!ciri<br />

real, e sen<strong>do</strong> real, como é previsível que ela não faça parte <strong>da</strong> "lista<br />

<strong>do</strong> físico" (a intencionali<strong>da</strong>de não aparecerá ao la<strong>do</strong> de spin e chaviz<br />

- como diz Fo<strong>do</strong>r «it <strong>do</strong>estz'tgo that deepiR3») ela terá que ser fun<strong>da</strong>mentalmente<br />

outra coisa (informação, Linguagem de Pensamento,<br />

icones Intencionais) mas alguma coisa no interior <strong>do</strong>s sistemas<br />

cognitivos eles próprios e nunca apenas interpretação. Evidentemente,<br />

<strong>do</strong> ponto de vista de Dennett, são os seus adversários que<br />

não reconhecem o grau de interpretação inerente a estas noções. E<br />

de facto, o grande problema <strong>da</strong> TSI não é o interpretativismo, que<br />

permite uma descrição adequa<strong>da</strong> <strong>do</strong> estatuto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>-para-o-sistema,<br />

cnja análise se continuará no próximo capítulo. Mas há algo<br />

que falta à TSI e que os restantes autores, não interpretativistas, reconhecem.<br />

Provisoriamente nomear-se-á isso que falta como Do-It-<br />

-Yoztrseelf-Utzderstatzdifg, a expressão com a qual Dennett ironicamente<br />

caracteriza «o processo alquímico pelo qual mera informação se<br />

transforma no entendimento genuíno característico de apenas<br />

alguns sistemas cognitiv~s»"~! Este entendimento genuíno acerca<br />

<strong>do</strong> qual Dennett ironiza é o entendimento <strong>do</strong> sistema para o próprio<br />

sistema e ele não pode ser ignora<strong>do</strong>.<br />

Duas coisas têm que ser corrigi<strong>da</strong>s ou aperfeiçoa<strong>da</strong>s na TSI tal<br />

como ela neste momento se configura: a cegueira perante o entendimento<br />

genuíno (essa correcção ficará para o Capitulo 6) e uma<br />

ambigui<strong>da</strong>de quanto ao des&11 que se procura esclarecer em segui<strong>da</strong><br />

mas acerca <strong>da</strong> qual a última palavra se encontra também no Capítulo<br />

6. De acor<strong>do</strong> com a TSI a atribuição de intencionali<strong>da</strong>de é<br />

justifica<strong>da</strong> pelo desigz. No entanto, também de acor<strong>do</strong> com a TSI o<br />

reconhecimento de desktz pressupõe a intencionali<strong>da</strong>de. A raiz <strong>do</strong><br />

problema <strong>da</strong> posição de Dennett quan<strong>do</strong> compara<strong>da</strong> coin as posições<br />

de outros teleofuncionalistas é, aliás, a sua ambigui<strong>da</strong>de quanto<br />

ao estatuto <strong>do</strong> desgtz.<br />

2.3 Der~rzett e o des&tz: ofoco <strong>da</strong>s tetzsões interrras <strong>da</strong> TSI.<br />

2.3.1 OsciIação entre des&n real e des&~z como itztefpretação.<br />

Na medi<strong>da</strong> em que a teoria dennettiana <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> semântico<br />

remete a questão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> para o funcionamento de dispositi-<br />

'"' PODOR 1987. 97<br />

'"' DENNETT 1998b: 60


vos com funções, ela é uma teoria teleofuncionalista entre outras.<br />

No entanto, as teorias teleofunci~nalistas são em geral realistas<br />

quanto a representações internas e o interpretativisino <strong>da</strong> TSI impede<br />

este último passo. De facto, as oscilações de Dennett entre<br />

realismo e interpretativismo quanto is representações internas devem-se<br />

a conflitos inerentes à sua teoria <strong>da</strong>s funções ou <strong>do</strong> desigr,.<br />

Dennett tanto considera o desigw "relativo" a uma interpretação<br />

(quan<strong>do</strong> af~ma por exemplo que a explicitação <strong>da</strong> função específica<br />

de um determina<strong>do</strong> dispositivo supõe a E1 e que o a<strong>da</strong>ptacionistno<br />

é isso mesmo) como considera que o deszgt~ é real, i.e. uma característica<br />

de dispositivos físicos resultantes de selecção natural ou<br />

desígnio humano, coino organismos ou artefactos.<br />

No que diz respeito à relativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> des&tl, a aproximação entre<br />

a E1 e a ED é a seguinte: o ((a<strong>da</strong>ptacionismo e o mentalismo (a TSI)<br />

não são teorias no senti<strong>do</strong> tradicional (...) são pontos de vista ou<br />

estratégias que servem para organizar <strong>da</strong><strong>do</strong>s, explicar correlações e<br />

gerar questões para colocar à natureza (...) se fossem teorias de<br />

molde clássico, a objeccão segun<strong>do</strong> a qual elas cometem petições<br />

de princípio (...) seria irref~táveb~~~. Quer a E1 quer a ED são,<br />

então, apenas estratégias interpretativas e não teorias acerca <strong>da</strong><br />

"ver<strong>da</strong>deira natureza" de alguma coisa. Ora, alguma coisa que não<br />

existe, que não é ver<strong>da</strong>deiramente real, algo cuja natureza é interpretativa,<br />

não pode ser explicatiua.<br />

Em DaiiuizS Datzgeroz/s Idea (DDI) o objecto propriamente f<strong>do</strong>sófico<br />

de Dennett é precisamente a questão <strong>do</strong> des&n nos seus<br />

vários aspectos (a fonte <strong>do</strong> des&n, o espaço <strong>do</strong> des&?i, o estatuto <strong>do</strong><br />

desigri. Dennett pretende antes de mais defender o a<strong>da</strong>ptacionismo<br />

<strong>da</strong>s críticas que lhe são dirigi<strong>da</strong>s, mostran<strong>do</strong> que é realmente possível<br />

falar de fnnções biológicas. O problema é que a interpretação<br />

que Dennett faz <strong>do</strong> <strong>da</strong>txvinismo o compromete com uma resposta<br />

dupla, ou ambígua, à questão "será o deszgpt relativo ou real?" e<br />

essa ambigui<strong>da</strong>de repercute-se depois na teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. Consideran<strong>do</strong><br />

os produtos <strong>da</strong> seleccão natural, Dennett afirma por<br />

vezes que o seu design depende de uma interpretação, outras vezes<br />

que o des&~z é real, produzi<strong>do</strong> por processos sem intenção, e obviamente<br />

sem intérprete. Da mesma forma, é notório que ao longo<br />

dòs seus escritos acerca de intencionali<strong>da</strong>de Dennett afirma alterna<strong>da</strong>mente<br />

que (i) a racionali<strong>da</strong>de é uma interpretacão idealizante<br />

Uilm Teoria Fi~icaiista <strong>do</strong> Coirteiídu e <strong>da</strong> Cor~sciê,~ciri<br />

e que (ii) a racionali<strong>da</strong>de é explica<strong>da</strong> pelo deszg~z. Aparentemente, a<br />

própria definição de racionali<strong>da</strong>de como des&n óptimo ameaça<br />

fazer colapsar a postura "intencional" (quineana, interpretativa)<br />

numa postura realista: negar que um dispositivo desenha<strong>do</strong> para a<br />

racionali<strong>da</strong>de seja realmente racional seria como negar que um<br />

olho desenha<strong>do</strong> para ver realmente veja. No entanto e por outro<br />

la<strong>do</strong>, Dennett afirma que a especificação <strong>da</strong>s funções <strong>do</strong>s dispositivos<br />

físicos a<strong>da</strong>pta<strong>do</strong>s "está nos olhos <strong>do</strong> intérprete". É a partir<br />

dessa perspectiva que considera que existe uma indeterminação <strong>da</strong><br />

função biológica, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que existe uma indeterminação<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> mental. Em suma, é difícil saber qual é exactamente<br />

o alcance <strong>da</strong> afirmação que Dennett faz frequentemente segun<strong>do</strong><br />

a qual o ilrtepetatiuismo estápara apsicologia como o a<strong>da</strong>ptaciot~is~ilo está<br />

para a biologia: ela tanto pode significar que as funções biológicas<br />

dependem de uma interpretação como que os dispositivos psicológicos<br />

são a<strong>da</strong>ptações reais.<br />

As tensões internas à TSI são para muitos críticos sintomas de<br />

incoerência. A instabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concepção <strong>do</strong> de@ mostraria a impossibili<strong>da</strong>de<br />

de conjugar uma posicão teleofnncionalista com uma<br />

postura quineana que considera a linguagem tnentalista meramente<br />

interpretativa. Poder-se-ia perguntar a Dennett o seguinte: se em<br />

última análise a possibili<strong>da</strong>de de a<strong>do</strong>pção <strong>da</strong> E1 é remeti<strong>da</strong> para o<br />

desigz-para-a-racionali<strong>da</strong>de de determina<strong>do</strong>s sistemas -o que supõe<br />

que o desigrz é pelo menos por vezes real - então porque não se há-<br />

-se considerar a intencionali<strong>da</strong>de também ela real? Esta é evidentemente<br />

a posicão de alguém como Fo<strong>do</strong>r. Fo<strong>do</strong>r comenta <strong>da</strong> seguinte<br />

forma o mo<strong>do</strong> como a TSI considera que o estatuto hermenêutico<br />

<strong>da</strong>s descrições intencionais deriva <strong>do</strong> estatuto hermenêutico<br />

<strong>da</strong>s funções biológicas: «Não queremos insistir que esta história é<br />

circular, mas também não queremos insistir que não é»38! Por outro<br />

la<strong>do</strong>, se a referência ao des&n biológico não envolve um realismo<br />

acerca de funções, uma vez que falar de funcões implica já uma hermenêutica<br />

<strong>do</strong>s artefactos ou dispositivos naturais, se quer a E1 quer<br />

a ED dependem de um intérprete, porque não hão-de ser to<strong>da</strong>s as<br />

estratégias, incluin<strong>do</strong> a EF, entendi<strong>da</strong>s como dependen<strong>do</strong> de um<br />

ponto de vista interpretativo? Esta setia a sugestão de alguém como<br />

R. Rorty, que considera que a solução está implícita na própria ter-<br />

'* FODOR & LDPORB 1992: 148. Ao quc sc acicsccnta:


minologia de Dennett, na alusão a "estrátegias" (EI, ED, EF) que<br />

é parte integrante <strong>da</strong> TSI. Aparentemente, se o estatuto <strong>do</strong> design<br />

fosse desambigua<strong>do</strong>, a TSI não subsistiria, sen<strong>do</strong> obriga<strong>da</strong> a inclinar-se<br />

para uma destas posições (ou para o realismo intencional ou<br />

para uma teoria <strong>da</strong> interpretação generaliza<strong>da</strong>). Para que a sua posição<br />

não fosse instável, Dennett necessitaria de distinguir claramente<br />

o interpretativismo quanto à intencionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> realismo quanto<br />

ao desig,~, o realismo quanto ao design <strong>do</strong> realismo envolvi<strong>do</strong> na<br />

EF, o r<strong>da</strong>tivismo intencional <strong>do</strong> relativismo quanto ao des&n, o relativismo<br />

quanto ao des&n <strong>do</strong> relativismo quanto à própria EE Ora, o<br />

que se verifica é que a TSI fornece argumentos para fazer e para<br />

desfazer estas distinções.<br />

Dennett queixa-se frequentemente de que a sua posicão acerca de<br />

intencionali<strong>da</strong>de é mal compreendi<strong>da</strong> por não ser enquadrável em<br />

etiquetas. Propôs mesmo a expressão "realismo modera<strong>do</strong>" para<br />

afastar a etiqueta de "instrumentalismo" que tinha si<strong>do</strong> cola<strong>da</strong> à TSI.<br />

No entanto o problema pode não estar nas etiquetas e sim na posicão<br />

de Dennett. Em alternativa, é possível que o ver<strong>da</strong>deiro problema<br />

não seja a posicão de Dennett quanto ao estatuto <strong>do</strong> des&n mas o<br />

próprio estatuto <strong>do</strong> desigt~: a ambigui<strong>da</strong>de na TSI reside no facto de<br />

procurar conceber que a atribuição de &s&n aos objectos com deszgn,<br />

quan<strong>do</strong> compara<strong>da</strong> com a atribuição de intencionali<strong>da</strong>de é realista,<br />

mas quan<strong>do</strong> compara<strong>da</strong> com a EF é de certa forma "interpretativa".<br />

Talvez essa ambigui<strong>da</strong>de correspon<strong>da</strong> à própria reali<strong>da</strong>de, sen<strong>do</strong> uma<br />

dificul<strong>da</strong>de inerente ao pensamento <strong>da</strong>s funções, que em virtude <strong>da</strong><br />

posição teleohcionalista se alarga até ao pensamento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

Em suma, o apelo à evolução inclina a TSI para o realismo e empurra<br />

a E1 em direcção à ED, o que é a posição normal <strong>do</strong>s teleofuncionalistas.<br />

No entanto, como L. Rudder B&er nota, não se pode<br />

consistentemente supor que a racionali<strong>da</strong>de é alcança<strong>da</strong> por selecção<br />

natural sen<strong>do</strong> um realista acerca <strong>do</strong>s produtos <strong>da</strong> selecção natural e<br />

um instrumentalista acerca <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, nem se pode deixar de<br />

verificar, por outro la<strong>do</strong>, que «o preço de tomar as caractensticas <strong>do</strong><br />

desgn como dependentes de uma estratégia (é tornar-se) instrumentalista<br />

acerca <strong>da</strong>s teorias <strong>da</strong> selecção nah~rab)~~'. O que parece certo é<br />

que o apelo teleofuncionalista à evolução para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s categorias<br />

psicológicas coloca a intencionali<strong>da</strong>de, a racionali<strong>da</strong>de e o desg~~<br />

no mesmo barco, inclina<strong>do</strong> para um la<strong>do</strong> ou para o outro.<br />

2.3.2 Danvin's Dangerous Idea: a ideia de Darwin e o euob~cio~~is~no<br />

Realinade e reLativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> design, de nouo.<br />

A fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é remeti<strong>da</strong> pela TSI<br />

para a biologia (ou para um evolucionismo generaliza<strong>do</strong>, uma vez<br />

que os princípios de uma teoria geral <strong>do</strong> des&nvalem igualmente para<br />

sistemas físicos não biológicos). To<strong>do</strong> o desenvolvimento de<br />

design, natural ou artificial, é regi<strong>do</strong> por princípios <strong>da</strong>nvinistas. A<br />

capaci<strong>da</strong>de humana de utiiizar significa<strong>do</strong>s, i.e. a mente, resulta <strong>do</strong>s<br />

mesmos processos <strong>da</strong>nvinistas de criação de design que regem a<br />

existência de to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des com deszgn. Em DDI, Dennett<br />

explicita os princípios de uma teoria geral <strong>do</strong> des@ que subjazem à<br />

sua teoria <strong>da</strong> mente. A ideia de Danvin a que o titulo de DDI alude<br />

é a ideia de evob~çãoporsele~cão i~afnral como processo algont~ico~~~. Ela oferece<br />

uma explicação <strong>da</strong> origem de to<strong>do</strong> o deszgn, unifican<strong>do</strong> o <strong>do</strong>minio<br />

<strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> cognicão (i.e. o <strong>do</strong>mínio teleológico)<br />

com o <strong>do</strong>múrio <strong>da</strong>s ciências físicas, com consequências que, de<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, por vezes passam despercebi<strong>da</strong>s ou são<br />

voluntariamente evita<strong>da</strong>s. Considerar a evolução por selecção natural<br />

como um algoriuno, é considerá-la como um processo formal<br />

de cuja implementação se pode esperar resulta<strong>do</strong>s, um processo<br />

mecânico, neutro quanto ao substracto, sem qualquer inteligência<br />

subjacente, e que de forma fiável produz resulta<strong>do</strong>s. E a partir deste<br />

processo que to<strong>do</strong> o desig~~ surge por acumulacão.<br />

Em DDI Dennett pretende que to<strong>do</strong> o design, to<strong>da</strong>s as formas<br />

funcionais e as suas operações num ambiente, inclusive o design para<br />

o mental, explora um mesmo espaço <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des. Dennett<br />

chama "espaco <strong>do</strong> desigd' ao conjunto forma<strong>do</strong> por to<strong>da</strong>s as formas<br />

funcionais actuais já existentes e que existirão. Uma <strong>da</strong>s implicações<br />

<strong>do</strong> <strong>da</strong>nvinismo é a unici<strong>da</strong>de <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong> dcsigtl, o que significa<br />

que tu<strong>do</strong> aquilo que é desenha<strong>do</strong> (designe4 e actual está nesse<br />

espaço uni<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong> o resto. Corpos, mentes, produtos <strong>da</strong>s mentes<br />

(desde pensamentos a artefactos) estão uni<strong>do</strong>s no espaço <strong>do</strong> design<br />

sen<strong>do</strong> a criacão <strong>do</strong> design um resulta<strong>do</strong> de movimentos de exploração<br />

desse espaço. Um aspectos decisivo <strong>da</strong> ideia de Daswin é, repi-<br />

DENNETT 1995: «Heic, then, is Dmvinb dsngcraus idcí: the algorithmic is rhe level rhni<br />

best accounrs for the speed of rhe antelope, the wuig of the caglc, dic ahrpc of tlic archiù and ali<br />

dic athcr accasions for wondei in the wodù of nanire. (...) No rnnrter Ihow impressive the pioducrs<br />

of an dgoridim, the undeiiging pproccss aiwags cansirrs of notliing but a ser of indiaidudg mindless<br />

sreps succeeding each orher withour tlie help of any uiteüigcnr supcivision; dicy are nutomatic by<br />

dcfmition: die workgs af an auramaron».


Soja ~Vfig~~ei~s<br />

ta-se, permitis pensar que também o desigtz-para-o-mental pode W<br />

à existência em função de um processo mecânico e sem propósito.<br />

Deixa assim de ser inimaginável a existência de "teleologia actual"<br />

sem pensamento anterior, deixan<strong>do</strong> de exercer-se a atracção isresistivel<br />

<strong>do</strong> argumento segun<strong>do</strong> o qual se existe teleologia tem que<br />

ter existi<strong>do</strong>/existir pensamento (a ideia de '+mind$r~t'),~~' que ain<strong>da</strong><br />

enre<strong>da</strong>va por exemplo D. Hume nos DiáIogos sobre a Religião NatzdraPq0.<br />

Aliás, o perigo, a corrosão associa<strong>da</strong> ao áci<strong>do</strong> universal de<br />

Danvin é precisamente a ausência de mentali<strong>da</strong>de (~~~itzdlesst~ess) <strong>do</strong><br />

processo algosítmico que produz deszg~, e nomea<strong>da</strong>mente deszgtz<br />

para a mente. Danvin descobriu o carácter algosítmico <strong>da</strong> producão<br />

<strong>do</strong> design, um processo que decorre na Terra há milhões de anos<br />

e que envolve to<strong>do</strong>s os seres vivos, os artefactos, as linguagens, os<br />

sistemas inteligentes artificiais, etc. A ideia de Danvin não se circunscreve<br />

à biologia: a biologia é apenas o <strong>do</strong>mhio <strong>do</strong> desigz natural<br />

(uma <strong>da</strong>s teses fun<strong>da</strong>mentais de DDI é aliás que a IA, cujos produtos<br />

se situam no mesmo espaço de duz@~ que os produtos <strong>da</strong> inteligência<br />

natural, é um descendente directo <strong>da</strong> ideia de Danvin).<br />

As ideias de Darwin sobre o design explicam como pode este ser<br />

cria<strong>do</strong> sem que no início tenha havi<strong>do</strong> inteligência ou intenção. Elas<br />

supõem não apenas que o espaco <strong>do</strong> desigt~ é Único, como que o design<br />

pode ser acumula<strong>do</strong>, perdi<strong>do</strong>, melhora<strong>do</strong>, que podem existis<br />

movimentos força<strong>do</strong>s no espaço <strong>do</strong> desigl, que a inovação de desig~z<br />

é mais dispendiosa <strong>do</strong> que o reaproveitamento, etc. São estas ideias<br />

que sustentam aquilo a que Dennett chama o assalto de Danvin àpirâmide<br />

cósmica, a ideia segun<strong>do</strong> a qual haveria uma orientação <strong>do</strong> base<br />

para o topo <strong>da</strong> árvore <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>3", sen<strong>do</strong> superior aquilo que estivesse<br />

no topo. O <strong>da</strong>rwinismo não nega evidentemente a possibili<strong>da</strong>de<br />

de sofisticação <strong>do</strong> deszg~z: existe uma dimensão vertical <strong>da</strong> pirâmide<br />

que se traduz por exemplo no facto de uma mente humana estar,<br />

nela, acima <strong>da</strong> mente de um pássaro. O que Danvin afirma é que<br />

tal sofisticação não é função de skyhooks e sim de "gutn<strong>da</strong>stes".<br />

'"A ideia dc r,,i~~+rt frr supoi que m<strong>do</strong> squiio que tem funs%o (;.ei dei&,>) revela uma inrcnçio<br />

e portanto devç ter ti<strong>do</strong> origem çm algo de inrenciond, i.e. numa menrc.<br />

'" Ct I-IUhIE 117791.<br />

"' A irroce <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ê um diagma <strong>da</strong>s mjcctórias no tempo d:is relnsõcs de descendência enuc<br />

ro<strong>do</strong>s os seres vivos slgurna rez eiistenres (DENNETi 1995: 85). A existência de ca<strong>da</strong> organismo<br />

corresponde uma Tinha de tempo, <strong>da</strong> parrem ou nio ouuns iinhas. Nio i. abjccto de con~ovérsL7<br />

o facto dc to<strong>da</strong> n vids nlgiama vcr cxisrcntc no planeta se sicuai neste ghiico. O que é conrrovcrso<br />

sao os princípios que permitem explicar os padrões <strong>do</strong> gráfico, por erempio os princípios rclntivos<br />

i cspccinçio. Scgun<strong>do</strong> Dennerr cais padrões só sc tarnm idcntificivcis com apoio em ideriiiz;isões.<br />

Skyhooks e guin<strong>da</strong>stes são alternativas quanto aos instrumentos para<br />

o movimento no espaço <strong>do</strong> deszg~z. Skyhook?" ou ganchos <strong>do</strong> céu<br />

seriam dispositivos imagulários capazes de elevar a partis de cima.<br />

Guin<strong>da</strong>stes são dispositivos intermediários - como a simbiose, o<br />

sexo e a aprendizagem - que auxiliam e aceleram o desenvolvi-<br />

mento <strong>do</strong> design através <strong>da</strong> evolucão por seleccão natural. Afirmar<br />

que a selecção natural é um algoritmo, é afirmar que não são neces-<br />

sários skyhooks para explicar o design. E no entanto uma nostalgia de<br />

skyhooks que Dennett encontra nos autores mais insuspeitos (desde<br />

S.J.Gould a N. Chomsky e J. Fo<strong>do</strong>r) e um <strong>do</strong>s propósitos de DDI<br />

é esclarecer a diferença entre o bom e o mau reducionismo na con-<br />

sideração <strong>do</strong> deszgt~. O mau reducionismo oblitera a importância <strong>do</strong>s<br />

gnin<strong>da</strong>stes na produção de desigt~ e a dimensão 'bertical" <strong>da</strong> pisâ-<br />

mide, enquanto o bom reducionismo (aquele que o próprio<br />

Dennett defende) apenas sublinha a inexistência de skyhooksna evo-<br />

lução por selecção natural.<br />

Se é ver<strong>da</strong>de que to<strong>do</strong> o desigt~ explora um mesmo espaço de<br />

possibili<strong>da</strong>des, no entanto não é ver<strong>da</strong>de que apenas o design actual<br />

seja possível. Para explicar os padrões no espaço de deszgn actual é<br />

preciso considerar tipos de possibili<strong>da</strong>des "encaixa<strong>do</strong>s" uns nos<br />

outros: a possibili<strong>da</strong>de lógica, a possibili<strong>da</strong>de física e a possibili<strong>da</strong>-<br />

de biológica e histórica. Noutras palavras, para conceber o estatuto<br />

<strong>da</strong>s coisas desenha<strong>da</strong>s actuais é preciso concebê-las sobre um fun-<br />

<strong>do</strong> no qual se encontram as maneiras como as coisas podenam ter<br />

si<strong>do</strong>, não poderiam ter si<strong>do</strong> e têm necessariamente que ser. A possi-<br />

bili<strong>da</strong>de lógica é definível como inexistência de contradição. O âm-<br />

bito <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de física é defini<strong>do</strong> pelas leis naturais. Existem, é<br />

certo, problemas acerca <strong>da</strong> relação e <strong>da</strong> distinção entre as duas. No<br />

entanto, a ideia de Darwin é uma ideia acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de bio-<br />

lógico-histórica, ou seja acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> desigt~. A possi-<br />

bili<strong>da</strong>de biológica é pensa<strong>da</strong> por Darwin como acessibili<strong>da</strong>de t1zí7iz<br />

eqaço de bzísca na "biblioteca de Menric(". Esta é deúni<strong>da</strong> em DDI como<br />

o espaco lógico de to<strong>do</strong>s os genomas. A necessi<strong>da</strong>de biológica é<br />

correlativamente ideutificável com movimentos força<strong>do</strong>s no espa-<br />

ço <strong>do</strong> desigtz. Consideran<strong>do</strong> a necessi<strong>da</strong>de de alguma coisa, o facto<br />

de haver uma só maneira como ela pode ser, ou poderia ter si<strong>do</strong>,<br />

pode ter razões profun<strong>da</strong>s (se tais razões forem físicas) ou mais<br />

superficiais, se tais razões forem históricas, nomea<strong>da</strong>mente biológi-<br />

> " Por cxccltiicia um proccsso r,,i?idjiril (DBNNETi 1995: 76).


cas. Há pelo menos duas maneiras, de alguma coisa ser biologicamente<br />

impossível: a violação de leis biológicas, se estas exisetn, e<br />

o mero afastamento histórico de uma possibili<strong>da</strong>de. A possibili<strong>da</strong>de<br />

histórica, nomea<strong>da</strong>mente a possibili<strong>da</strong>de biológica, diz assim<br />

respeito a opor~z~ialzidudes, ao facto de a maneira como as coisas historicamente<br />

passaram a (ter que) ser não ser a única maneira como as<br />

coisas poderiam ter si<strong>do</strong>. É essa contingência que está na origem <strong>do</strong><br />

desigi.<br />

Estes são alguns <strong>do</strong>s constsangimentos fun<strong>da</strong>mentais <strong>do</strong>s princípios<br />

<strong>da</strong>nvinistas acerca de origem <strong>do</strong> deszg~r. Em DDI Dennett<br />

alarga-se na exploração filosófica <strong>do</strong> <strong>da</strong>nvinismo, mas o que interessa<br />

para o problema <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> no desigi é discernir<br />

em que medi<strong>da</strong>, de acor<strong>do</strong> com os princípios <strong>da</strong>nwiistas<br />

assim explicita<strong>do</strong>s, o desg~z é relativo ou real. Ora o que acontece é<br />

que a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> des&tz, a sua independência de qualquer interpretação,<br />

diz respeito iprodz/ção algof-itn~ica, enquanto que a relativi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> desigialz diz respeito à ide~zt$cação de padrões no espaço <strong>do</strong> desigi.<br />

Dennett considera que, exactamente como os padrões reais <strong>da</strong><br />

intencionali<strong>da</strong>de os padrões no espaço <strong>do</strong> design (por exemplo as<br />

especiações) apenas são visíveis subin<strong>do</strong> de nível (em relação à EF)<br />

e uùlizan<strong>do</strong> ideali~ações"~. E esta posição, que isola quer na E1<br />

quer na ED um elemento de interpretação que conduz Dennett aos<br />

problemas de circulari<strong>da</strong>de na concepção <strong>da</strong>s relações entre E1 e<br />

ED. Ela não nega a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> desenho material produzi<strong>do</strong> por<br />

um processo "algorítmico", simplesmente liga o reconhecimento<br />

<strong>do</strong>s padrões desenha<strong>do</strong>s i utilização de idealizações. O desenvolvimento<br />

mais aprofun<strong>da</strong><strong>do</strong> desta ideia, que se considera ser a última<br />

palavra <strong>da</strong> TSI acerca de cognição, será retoma<strong>do</strong> no Capítuio 6.<br />

"' Recorde-sc o crcinplo <strong>da</strong>s duas caixas negras evocr<strong>do</strong> na primcim pari" dcrrc capinilo Elc<br />

rcfcrc-sc tanto no esrnnito <strong>do</strong>s prdiõcs <strong>da</strong> intcncionslidnde como ao estflnico <strong>do</strong>s padrões <strong>do</strong> de$&u.<br />

Pensamentos conhecen<strong>do</strong> antros pensamentos. Dennett e os<br />

debates <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciê~zcia (<strong>do</strong>s anos 70 aos anos 90): de<br />

Brainstorms a Brainchildren pasmn<strong>do</strong> por Conscious-<br />

ness Explained.<br />

«Podemos com efeito pensar, senhr, querer, recor<strong>da</strong>rmo-nos, agir em to<strong>da</strong>s<br />

as acepções <strong>do</strong> termo, sem ter consciência de tu<strong>do</strong> isso (...) Então para que<br />

serve a consciência, se ela é supérflua para o essencial <strong>da</strong> existência?^<br />

Nietzsche, Gaia Ciêilcia, Do génio <strong>da</strong> espécie, 354<br />

&o\v on earth could my thouglits and feelings iit in the same world with<br />

the nerve ceiis 2nd molecules that made up my brain?»<br />

Dennett, Coriscio~/s~~w Eq/'i11e8'~<br />

3.1 A coialzsciê~lcia como problei-lla <strong>do</strong>s afias 90. A posição hetero<strong>do</strong>xa<br />

de Dmrlett: os qualia ariiqz/i/a<strong>do</strong>s, o Teatro Cartesiaialzo desiitonta<strong>do</strong>,<br />

os zombies dec/ara<strong>do</strong>s ir2co~1cebiveis. Teorias e~~pirico-espectllativas <strong>da</strong><br />

co~isdêr2cia. Um ozitropris7~za: o problerm ?iletuJtsico <strong>da</strong> co~sdê~zciafenoízenal<br />

e <strong>da</strong> stia irredtdibili<strong>da</strong>de.<br />

No capítnlo anterior assumiu-se a independência <strong>do</strong> problema<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> relativamente ao problema <strong>da</strong> consciência. Essa independência<br />

não é de mo<strong>do</strong> algum pacífica. Mais especificamente,<br />

não é pacífico que a i,rtencio~iuíz'dude geialrz~z'tia seja independente <strong>da</strong><br />

consciência. No entanto, Dennett rejeita a própria noção de intencionali<strong>da</strong>de<br />

genuína, o que lhe permite defender a referi<strong>da</strong> independência<br />

e mesmo propor uma ordem enae a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,


que deve ser trata<strong>da</strong> em primeiro lugar na teoria <strong>da</strong> mente, e a teoria<br />

<strong>da</strong> consciência, que virá depois'. Neste capítulo analisar-se-á a<br />

teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência. A sua forma mais elabora<strong>da</strong> é o<br />

Modelo <strong>do</strong>s Esboços I~íúltiplos (MEM). Ao longo <strong>do</strong> presente<br />

capítulo procurar-se-á expor a teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência,<br />

justificá-la e também verificar a sua coerência relativamente à outra<br />

metade <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> mente, a teoria <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de. Como se<br />

verá, ao contrário <strong>do</strong> que acontece com a TSI, o MEM faz apelo a<br />

características <strong>do</strong>s substractos físicos que implementam processos<br />

mentais, concretamente a características <strong>do</strong>s processos neuronais.<br />

Assim, para além <strong>do</strong>s problemas à frente aponta<strong>do</strong>s (como a possibili<strong>da</strong>de<br />

de os modelos apresenta<strong>do</strong>s não constituirem uma teoria<br />

<strong>da</strong> consciência e a possibili<strong>da</strong>de de os modelos não capturarem a<br />

consciênciajno??le~~a~ não é sequer claro que as duas metades <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> mente (a TSI e o MEW se articulem sem problemas. E<br />

mesmo possível defender que elas se contradizem e apresentam<br />

visões diferentes e incompatíveis quanto àquilo que é fun<strong>da</strong>mental<br />

na reali<strong>da</strong>de3".<br />

A posição de Dennett quanto à consciência só se torna compreensível<br />

num contexto que se procurará em segui<strong>da</strong> esclarecer.<br />

Na introdução <strong>da</strong> antologia The INatz~re oj" Cottsrioz~sness, organiza<strong>da</strong><br />

por N. Blocli, O. Flanagan e G. Guzeldere3",chama-se a atenção<br />

para a estranheza <strong>da</strong> história <strong>da</strong> investigação científica e filosófica<br />

<strong>da</strong> consciência nos últimos cem anos: «Talvez não exista outro<br />

fenómeno em relação ao qual o pêndulo <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong>de intelectual<br />

tenha oscila<strong>do</strong> a tais extremos (...) no espaço de aproxima<strong>da</strong>mente<br />

um século, fazen<strong>do</strong>-o passar por tempos de exaltação e por tempos<br />

em que foi encara<strong>do</strong> como um tabu»'". Nem o afastamento <strong>do</strong><br />

behaviorismo na filosofia e na psicologia nos anos 60, que produziu<br />

o cognitivismo psicológico e a sua justificação f<strong>do</strong>sófica, o funcionalismo,<br />

reintroduziu de facto a consciência na teoria <strong>da</strong> mente.<br />

Apenas nos anos 90 se dá o definitivo retorno i respeitabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

'V' RUDDER BAICR 1994. Denneo encnn essa possiliidrde e justifica-se <strong>da</strong> seguinte msneira:<br />


Antes de se analisar a posição de Dennett quanto aos qi/alia, que<br />

será toma<strong>da</strong> ao longo de to<strong>do</strong> este capítulo como ponto de referência<br />

<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência e emblema <strong>do</strong> ~~erificacionismo desta,<br />

far-se-á um excurso descritivo por alguns marcos importantes <strong>da</strong><br />

investigação empírico-especulativa recente, procuran<strong>do</strong> colocar em<br />

paralelo conceitos de consciência aí sugeri<strong>do</strong>s. Essa investigação<br />

por um la<strong>do</strong> e as abor<strong>da</strong>gens filosóficas que consideram a consciência<br />

como o problema limite para o materialismo por outro<br />

constituem o contexto no qual importa considerar a forma mais<br />

desenvolvi<strong>da</strong> <strong>da</strong> teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência, i.e. o Modelo<br />

<strong>do</strong>s Esboços TvIúltiplos.<br />

3.1.1 A411ns marcos <strong>da</strong> i~~vest&açâo empzrico-espec~~latiua.<br />

O artigo To~uards a Net~robio/ogicaI Theoly o,f Co7lsnoi/sness de E<br />

Crick e C. I


nitiva. Baars apresenta um modelo funcionalista que lhe permite<br />

definir a consciência como o eJpaco de trabalho global rrtm sistenza de<br />

processa<strong>do</strong>res de i@r?fza~ão intelgeeí2tes e distrib~~i<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> os processa<strong>do</strong>res<br />

acedem ao espaco de trabalho eles difundem ou emitem<br />

(broadcast) os conteú<strong>do</strong>s processa<strong>do</strong>s para o sistema na sua totali<strong>da</strong>de.<br />

Essa é a caracteiística <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s conscientes num sistema:<br />

aquilo de que o sistema é consciente é aquilo que no sistema é globahnente<br />

acessível para o próprio sistema. Os conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> consciência<br />

são os contezínos <strong>do</strong> eJpaFo de trabaIhoglobal. O efeito de difusão<br />

permite que os conteú<strong>do</strong>s deixem de estar isola<strong>do</strong>s para se tornarem<br />

mutuamente acessíveis sen<strong>do</strong> assim susceptíveis de uso generaliza<strong>do</strong><br />

e não apenas especializa<strong>do</strong>. Sem a acessibili<strong>da</strong>de mútua <strong>do</strong>s<br />

conteú<strong>do</strong>s no espaço de trabalho global estes "não seriam como<br />

na<strong>da</strong>" para o sujeito. O espaco é global não apenas no senti<strong>do</strong> funcional<br />

- i.e. é um "espaço" onde tu<strong>do</strong> pode entrar em contacto com<br />

tu<strong>do</strong> - como também no senti<strong>do</strong> anatómico de ser distribuí<strong>do</strong> pelo<br />

córtex, envolven<strong>do</strong> inesmo outras regiões <strong>do</strong> cérebro'0H.<br />

O biólogo G. Edelman é o autor de um outro livro inarcante na<br />

teoria <strong>da</strong> conciência, The Reíze?fzbered Present: A BiologicaI Theoy of<br />

Coi~scioz/si~esf~'. Nessa obra, G. Edelman propôs-se estender a uma<br />

teoria <strong>da</strong> consciência a sua explicacão <strong>do</strong> desenvolvimento de categorias<br />

perceptuais por meio <strong>do</strong> <strong>da</strong>rwinismo neuronalUn. Se ECrick<br />

parte <strong>da</strong> visão para chegar à consciência, Edelman parte <strong>da</strong> categorização.<br />

As ideias fun<strong>da</strong>mentais de Edelman são as ideias de Mapas,<br />

Selecção de Grupos Neuronais e Reentraddl'. Os mapas são cama<strong>da</strong>s<br />

de neurónios no cérebro cujos pontos estão sistematicamente<br />

relaciona<strong>do</strong>s com pontos numa caina<strong>da</strong> de células receptoras, por<br />

exemplo <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> pele ou <strong>da</strong> retina. Coin a ideia de Selecfão<br />

de Grupos Neuronais Edelman sugere que o desenvolvimento cerebral<br />

não deve ser pensa<strong>do</strong> como função <strong>do</strong> impacto <strong>do</strong> ambien-<br />

a# 0 q u c signiúcn poi crcmplo a u&nçào <strong>do</strong> mesmo hnrd,~.,~.rc udirn<strong>do</strong> pela rncmória. Bnnis<br />

sugere o ERTAS como "correlnto neuronni" (pnra "sai a espiess5o de Crick) <strong>do</strong> scu inodclo funcional.<br />

ERTAS é umn sigla pan uie~t,/idriIii~~/~r-ihninn~~iiiiiiiinii~cp.y~iirii. A siigcstio dc Baars rpoin-se<br />

iio facto de a estirn<strong>da</strong>ç5o numa Iica <strong>do</strong> tronco ccrcbral sc csrcndei so córtcr (o animd Gca alerta,<br />

o0cnra-sc, dcspcito sc cs0i.c~ a <strong>do</strong>rmir). Essa 6rea <strong>do</strong> rionco ceieùial (n foimagfio reticulnr, sirtemn<br />

de nctirnq9o reticular) veio a ser considerndn apeciss pnra de um sistema asccndciitc mais amplo que<br />

integra o ijlamo e o córtcs. A sigla sublinlia quc a sisicmn, cmbom sc cstcn<strong>da</strong>, es6 centm<strong>do</strong> no tilímo.<br />

'" EDELhlAN 1989.<br />

Cf. EDEI*h,Ii\N 1987, NI,~o/ ?i/~nrni,iii,i: A ?%toy cf Ab~~roriril Gmq Sdeciiiii.<br />

"' i\ cxposigio quc ae scguc apoin~sc cm SEAIUP. 1997, Csp. 3.<br />

Uma Teoria Fisicalista <strong>do</strong> Co~ite~í<strong>do</strong> e n51 Coi~sriêircici<br />

te no organismo. O cérebro está geneticamente equipa<strong>do</strong> desde o<br />

nascimento com grupos neuronais abun<strong>da</strong>ntes e desenvolve-se<br />

através de um mecanismo <strong>da</strong>iwiniano de seleccão natural cujas uni<strong>da</strong>des<br />

são grupos neuronais e não células individuais. O cérebro<br />

não é, assim, um mecanismo de instrução mas de selecção. A Reentra<strong>da</strong><br />

é o processo pelo qual sinais paralelos circulam para a frente<br />

e para trás entre mapas (o processo não é identificável com ojedback<br />

na medi<strong>da</strong> em que prevê a existência de muitos canais paralelos<br />

a funcionar simultaneamente).<br />

Edelman utiiiza estas três ideias para abor<strong>da</strong>r o desenvolvimen-<br />

to <strong>da</strong> consciência a partir <strong>da</strong>quilo a que chama co~~sciê~~ciaprinlária. O<br />

cérebro tem um problema a resolver: perante um mun<strong>do</strong> não etiqueta<strong>do</strong><br />

é preciso desenvolver categorias e abstracções. Existem<br />

muitos inputs de estímulos para ca<strong>da</strong> "categoria" prospectiva. No<br />

entanto, após muitos estímulos, padrões de grupos neuronais serão<br />

selecciona<strong>do</strong>s em mapas. A partir <strong>da</strong>í, sinais similares activarão os<br />

grupos selecciona<strong>do</strong>s. Os mapas não funcionam isola<strong>da</strong>mente mas<br />

em grupos, liga<strong>do</strong>s por canais de reentra<strong>da</strong>. Ca<strong>da</strong> mapa pode utiizarpara<br />

as suas operacões discriminacões feitas por outros mapas.<br />

Um mapa pode extrair bor<strong>do</strong>s, um outro mapa movimentos, um<br />

outro mapa pode, devi<strong>do</strong> ao processo de reentra<strong>da</strong>, extrais a forma<br />

a partir <strong>do</strong>s bor<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> movimento. O resulta<strong>do</strong> são representações<br />

unifica<strong>da</strong>s de objectos, mesino que se encontrem distribuí<strong>da</strong>s<br />

por muitas zonas <strong>do</strong> cérebro. Quan<strong>do</strong> existem mapas em to<strong>do</strong> o<br />

cérebro sinalizan<strong>do</strong> entre si Edelinan fala de liiapeanzento glol?al. É o<br />

mapeainento global que permite ao sisteina ter categorias perceptuais,<br />

generalizar e coordenar percepcão e acção.<br />

Nenhuin <strong>do</strong>s processos descritos até ao momento é consciente.<br />

Para se chegar à consciência é ain<strong>da</strong> necessário distingwr entre<br />

a coilsciêtlcia p~ii~iária (que Edehnan identifica com ter sensacões,<br />

categorizar perceptuaimente) e a co~~sciê~zcia de r~ivel eleva<strong>do</strong> (que inclui<br />

auto-consciência e linguagem). Para Edelman o maior probleina<br />

é obter uma teoria <strong>da</strong> consciência primária, já que a consciência<br />

de nível eleva<strong>do</strong> será depois "extraí<strong>da</strong>" a partir desta. Edelmail<br />

propõe então que a existência <strong>da</strong> consciência primária requer a<br />

existência de:<br />

(1) blemória (entendi<strong>da</strong> como processo activo de categorização<br />

e não apenas armazenamento de informação).<br />

(2) Uin sisteina para a aprendizagem (i.e. um mo<strong>do</strong> de valorizar<br />

certos estímulos em deuimento de outros).


Soja Migi~ei~s<br />

(3) A habili<strong>da</strong>de de discriminar o selfem relação aonão-se4 que<br />

não é ain<strong>da</strong> a auto-consciência mas o facto de o sistema nervoso<br />

ser capaz de discriminar o organismo <strong>do</strong> qual é parte em relação ao<br />

resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Esta distinção "existe" aliás na anatomia cerebral,<br />

na diferença entre áreas de registo de esta<strong>do</strong>s internos e áreas dedica<strong>da</strong>s<br />

ao tratamento de sinais externos.<br />

(4) Um sistema para categorizar eventos sucessivos no tempo e<br />

para formar conceitos (Edelcnan sugere um substracto neurobiológico<br />

comum a estas duas capaci<strong>da</strong>des).<br />

(5) Um tipo especial de memória, envolven<strong>do</strong> interacções entre<br />

o sistema 4 e os sistemas 1, 2 e 3 de mo<strong>do</strong> a ser possível a memória<br />

de valores associa<strong>do</strong>s a categorias passa<strong>da</strong>s.<br />

(6) Um conjunto de conexões de reentra<strong>da</strong> entre o sistema especial<br />

<strong>da</strong> memória e os sistemas anatómicos dedica<strong>do</strong>s is categorizaqões<br />

perceptivas.<br />

A partir destas ideias, Edelman propõe que se considere a consciência<br />

como sen<strong>do</strong> o res~~lta<strong>do</strong> de íe~~za ~iienlória recz/rsivamente comparatiua<br />

na q~/al categori~ações self / não sef préuias são co~ititiz~at~~ente relaciona<strong>da</strong>s<br />

co/?z as categori~açõespercept~~aispreselries e a sua st~cessão de c/o'topraxo,<br />

aates de tais categori~ações se lor~~arenr parte <strong>da</strong> niemól-ia.<br />

Um outro uabalho teórico acerca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> consciência<br />

que se impôs na déca<strong>da</strong> de noventa foi o trabalho <strong>do</strong> neurocientista<br />

António Damásio"', em grande parte dedica<strong>do</strong> a explorar a<br />

ligacão entre consciência, emoções e corpo próprio, simultaneamente<br />

nos níveis neurobiológico, <strong>da</strong>s arquitecturas cognitivas e<br />

fenomenológico. O problema de Dainásio não é exactamente a<br />

consciência fenomenal <strong>do</strong>s fdósofos (o ser como alguma coisa ser)<br />

mas a subjectivi<strong>da</strong>de (<strong>do</strong> se& <strong>do</strong> eu), o enraízamento corpóreo<br />

dessa subjectivi<strong>da</strong>de e o acompanhamento <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de mental<br />

por um sentimento de si c~r~oreamente apoia<strong>do</strong>. Damásio considera<br />

que o problema <strong>da</strong> consciência tem uma dupla face: ele é por<br />

um la<strong>do</strong> o problema <strong>do</strong> filme dentro <strong>da</strong> cabeça (o decorrer temporal<br />

<strong>da</strong> consciência e seus conteú<strong>do</strong>s) e por outro o problema <strong>da</strong><br />

pertença desse filme (o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> se4 a reportacão <strong>da</strong> fenomenologia<br />

a uma enti<strong>da</strong>de que se sente ser). É este último problema o<br />

foco <strong>da</strong> aten~ão de Damásio (o primeiro problema poderá, segun<strong>do</strong><br />

Damásio, ser abor<strong>da</strong><strong>do</strong> por meio de modelos como o acima<br />

Unia Teotia Fisicicriliifa rio Coiiteii<strong>do</strong> c <strong>da</strong> CoiisLiêiicia<br />

referi<strong>do</strong> modelo <strong>do</strong> espaço de trabalho global de Baars ou mesmo<br />

por meio <strong>do</strong> h1EM de Dennett). Damásio considera que a subjectivi<strong>da</strong>de<br />

tem raízes corpóreas estratifica<strong>da</strong>s e diversifica<strong>da</strong>s, i.e. que<br />

o cérebro tem o corpo em mente de diversas maneiras e a diferentes<br />

níveis. Em O Erro de Descartesi" o problema <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de conduz Damásio a uma teoria <strong>da</strong> emocionalização<br />

<strong>da</strong> mente. Se um <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> erro cometi<strong>do</strong> por Descartes<br />

é o dualismo espírito-corpo, o outro senti<strong>do</strong> é a intelectualização<br />

<strong>do</strong> mental, a separacão entre uma razáo que seria pura e as<br />

emoções. Pelo contrário, Damásio sublinha a importância <strong>da</strong>s<br />

emoções em fenómenos de racionali<strong>da</strong>de prática tais como decisões<br />

e planeamento <strong>da</strong>s acções próprias, bem como as características<br />

de patologias neuropsicológicas (como as provoca<strong>da</strong>s por<br />

lesões nos lobos frontais4ii) liga<strong>da</strong>s com a ausência de um funcional<br />

normal <strong>da</strong>s emoções. Uma vez que na ausência de um normal<br />

funcionamento <strong>da</strong>s emocões o mecanismo <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de prática<br />

é perturba<strong>do</strong>, Damásio defende que a natureza construiu o<br />

"aparelho <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de" (que nos permite nomea<strong>da</strong>mente<br />

decidir e planear) não por cima <strong>do</strong>s mecanismos biológicos de<br />

regulação <strong>do</strong> corpo mas a partir deles e com eles. Este é um <strong>do</strong>s<br />

aspectos <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjecti~i<strong>da</strong>de"~. Por corporei<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong>de deve ain<strong>da</strong> entender-se uma teoria neurobiológica<br />

mais ou menos localizacionista <strong>do</strong> sep e <strong>do</strong> eu. Damásio distingue<br />

as fun<strong>da</strong>ções neurobiológicas <strong>do</strong> self<strong>da</strong>s "localizações" <strong>do</strong> eu<br />

autobiográfico <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal, que considera ser uma reali<strong>da</strong>de<br />

de nível funcional e cortical mais eleva<strong>do</strong>. É sobre o sefque<br />

vem estabelecer-se o eu linguística.<br />

4'' CE DA~IÁSIO 1994.<br />

"' o caso de l~hiiens Gag, eremplnr em DA~WSIO 1994 (cf DALIÁSIO 1994: CnpÍmio 1).<br />

"' Este tema <strong>do</strong> "bod~f-!i,it,dirdiirzi,I', centrgl em DA~~\SIO 1999 e que ji, explora<strong>do</strong> no Crpi<br />

<strong>do</strong> 10 de DAhhí~10 1994. A ideW central é que o corpo contribui com um conteú<strong>do</strong> essencial para<br />

o hincianamento di mcntc normal.<br />

"' I.c. existem dcterminn<strong>da</strong>s icgiòes cerebtsis iiga<strong>da</strong>s i constimiçio <strong>do</strong> icfcomo núdcos <strong>do</strong><br />

tronco cerebral, o hipórnl&mo e estruruns basais, o cúrter <strong>da</strong> insula, o cúrtcs somarossensoiinl. Elas<br />

slo a base neuroanatómica <strong>da</strong> disunçio entre ~ife nno-~cf(ci(ct DAhlASIO 1999: 155). Os núcleos <strong>do</strong><br />

uonco cctcbrd rcylm esn<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cotpo c milpciam sinais corponis. O Iiipotnlimo inicrvem na<br />

rcpresentay;~ "rcmnl" <strong>do</strong> corpo manten<strong>do</strong> um registo <strong>do</strong> csta<strong>do</strong> de viriris dimensões <strong>do</strong> mcio intcino<br />

(como n circuiaç5o de nuirientes, n concentrnçk iónicn, o PH, etc). O córtex <strong>da</strong> insula e o cóitcr<br />

soinatosscnsarinl mantem rcprcrenmçõcs <strong>do</strong> coipo. Dímisio iign estns ieãões no que chama<br />

proto-r$ Do facto de scr possÍ\,cl apontar esms esuuruirs não sc scyc quc 2 distinção cntrc si c<br />

"%o-si (envolven<strong>do</strong> ~ef c eu) seja consciente e pessoal em to<strong>do</strong>s os níveis en\.olvi<strong>do</strong>s. Pais uma abor<strong>da</strong>gcm<br />

Glosófiw de uma noçio ÍdCnticr de proto-iifou proro-eu, cf GIL 1998, Pnice 1,3.


Embora o objectivo geral de Damásio em Tbe Feelitg $ What<br />

Hupperis seja analisar o acompanhamento <strong>do</strong> pensamento de outros<br />

conteú<strong>do</strong>s por um pensamento <strong>do</strong> selfe/ou <strong>do</strong> eu, i.e. por um "sentimento"<br />

de si, ele pretende precisamente distinguir as fun<strong>da</strong>ções<br />

neurobiológicas <strong>do</strong> self<strong>da</strong>s "localiza~ões" <strong>do</strong> eu autobiográfico <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de pessoal. O sentimento de si tem em ca<strong>da</strong> um de nós uma<br />

versão nuclear e uma versão sofistica<strong>da</strong>, liga<strong>da</strong> à consciência alarga<strong>da</strong><br />

(extended cowscioz~st~ess) e ao eu. O eu está associa<strong>do</strong> a uma reunião<br />

<strong>da</strong>s inemónas <strong>da</strong>quilo que acontece. Só ela permite que um eu<br />

se mantenha e se reconheça como o mesmo ao longo <strong>do</strong> tempo e<br />

que exista uma consciência de si propriamentepessoal: Uma <strong>da</strong>s funções<br />

<strong>do</strong> cérebro é, assim, manter uma narrativa constante e continua<br />

na qual o eu é a personagem piincipal. Embora o eu constitua,<br />

relativamente ao se& uma reali<strong>da</strong>de de nível funcional e cortical<br />

mais eleva<strong>do</strong>, o eu e a consciência alarga<strong>da</strong> vêm estabelecer-se sobre<br />

o se4 Parte <strong>do</strong> interesse de Damásio é precisamente explorar a<br />

transição entre representações de si ain<strong>da</strong> não conscientes e consciência<br />

propriamente dita. A transição não é no entanto uma definitiva<br />

"passagem" para uma consciência pura, que seria um saber-que-se-sabe-neutro,<br />

cotno se não fosse de subjectivi<strong>da</strong>de incorpora<strong>da</strong><br />

nenhuma. Pelo contrário, a consciência como aparição de si a<br />

si, que pode ser pessoal, não se destaca nunca de um fun<strong>do</strong> que<br />

acompanha a vi<strong>da</strong> consciente e que é constituí<strong>do</strong> pelas representações<br />

de si a vários níveis, mauti<strong>da</strong>s pelo cérebro. Damásio sugere<br />

assim que o cérebro é uma audiência cativa de representações de si,<br />

representações que o próprio cérebro constantemente mantém.<br />

Esse facto é essencial para a aparição <strong>da</strong> aparição, i.e. para o surgimento<br />

<strong>da</strong> consciência cotno um senti<strong>do</strong> de sipróprio no acta de cotzhecer.<br />

Esta é a resposta de Damásio à segun<strong>da</strong> face <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência<br />

(o problema <strong>da</strong> pertença <strong>do</strong> "fiime"). A importância <strong>do</strong><br />

corpo (mais especificamente <strong>da</strong> representação <strong>do</strong> corpo no e pelo<br />

cérebro desse corpo) na constituição <strong>da</strong> consciência conduzem<br />

Damásio à sua tese central, segun<strong>do</strong> a qual a consciência se inicia<br />

com um sentimento, um sentimento de si e de saber. Este sentimento<br />

é, segun<strong>do</strong> Damhio, gera<strong>do</strong> pela maneira como o cérebro<br />

sente a carne <strong>do</strong> corpo próprio depois de o cérebro ter agi<strong>do</strong> sobre<br />

esta. É com a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> inocência acerca <strong>da</strong> existência que está aqui<br />

em causa que se paga a possibili<strong>da</strong>de de uma existência melhor ou<br />

mais rica: «O sentimento <strong>da</strong>quilo que acontece é a resposta a uma<br />

questão que nunca pusemos, e é também a moe<strong>da</strong> num trato, faus-<br />

Uv~a Teoria Fisiriraiiita <strong>do</strong> Cor~teii<strong>do</strong> io <strong>da</strong> Coiisciê,icia<br />

tiano que nunca poderíamos ter negocia<strong>do</strong>. A Natureza fê-lo por<br />

nós»4". O aspecto <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência que Damásio põe<br />

em relevo seria esqueci<strong>do</strong> em abor<strong>da</strong>gens como a de Dennett:<br />

Damásio chega a considerar que o MEM é o modelo de uma consciência<br />

des-apropria<strong>da</strong> (sefless conscioz~st~ess)'"'.<br />

Vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> exterior de áreas disciplinares biológicas e psicológicas,<br />

o físico e matemático R. PenroseNVefendeu que o nível e o<br />

tipo de teoria requeri<strong>do</strong>s para a explicação <strong>da</strong> consciência são totalmente<br />

diferentes <strong>do</strong>s até agora menciona<strong>do</strong>s. Quanto ao tipo<br />

de teoria, a explicação <strong>da</strong> consciência envolverá de acor<strong>do</strong> com<br />

Penrose a mecânica quântica e a lógica matemática (nomea<strong>da</strong>mente<br />

o teorema de Godel), e não neuroanatomia, neurofisiologia<br />

ou psicologia coguitiva. Quanto ao nível ou escala <strong>da</strong> teoria, o<br />

nível <strong>do</strong>s neurónios não é o nível apropria<strong>do</strong> para a explicação <strong>da</strong><br />

consciência. Segun<strong>do</strong> Penrose os neurónios apenas amplificam o<br />

nível mais baixo no qual reside a explicação física última <strong>da</strong> mente<br />

consciente. A ideia chave de Penrose é a seguinte. Os seres humanos<br />

conscientes são capazes de habili<strong>da</strong>des cognitivas que os<br />

computa<strong>do</strong>res não conseguem simular. Segue-se que o entendimento<br />

humano não pode ser um activi<strong>da</strong>de algorítmica. O teorema<br />

de Godel mostra que existem ver<strong>da</strong>des em sistemas matemáticos<br />

que não podem ser demonstra<strong>da</strong>s nesses sistemas. Uma versão<br />

específica <strong>do</strong> teorema de Godel (a irresolubili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> problema<br />

<strong>da</strong> paragem) pode ser utiliza<strong>da</strong> para provar que o comportamento<br />

humano consciente nem sequer pode ser simula<strong>do</strong> em<br />

computa<strong>do</strong>r. Ora, os neurónios são computáveis (i.e. as suas<br />

características podem ser simula<strong>da</strong>s em computa<strong>do</strong>r). Como a<br />

consciência tem características não computáveis, os neurónios<br />

não podem explicar a consciência. Para explicar a consciência é<br />

necessária qualquer coisa não computável, nomea<strong>da</strong>mente efeitos<br />

que se encontram ao nível sub-neuronal, no citoesqueleto <strong>da</strong>s<br />

células, nos microtúbulos <strong>do</strong>s neurónios. Compreender estes efeitos<br />

requererá uma revolução na física; Penrose alude a uma teoria<br />

<strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de quântica. A sua ideia acerca <strong>da</strong> consciência é portanto<br />

que esta poderia ser uma ?ilar~$stação <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s ql~ânticos ifzteilios<br />

(<strong>do</strong> citoesqz/eleto) <strong>do</strong>s ne~~ró~zios e <strong>do</strong> erzuoluinzet~to destes esta<strong>do</strong>s fza itzter-<br />

''. DA~IASIO 1999: 316.<br />

"" DA~~ÁSIO 1192.<br />

"' Cuia úicurs


acçüo entre os ntveir gz~â?itiCO e cIássico de activi<strong>da</strong>de. A hipótese de Penrose<br />

acerca <strong>da</strong> consciência convoca assim a lógica matemática e a<br />

física quânticae0.<br />

Uma vez que foram aqui enumera<strong>do</strong>s alguns marcos <strong>da</strong> investigacão<br />

empírico-especulativa <strong>da</strong> consciência, convém ain<strong>da</strong> sublinhar<br />

que foi especialmente importante para uma certa acessibili<strong>da</strong>de<br />

empírica <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> consciência o desenvolvimento recente<br />

de técnicas de imagiologia, que permitiram nomea<strong>da</strong>mente explorar<br />

a ligação entre aspectos fenomenológicos e aspectos neuronais<br />

<strong>da</strong> experiência em sujeitos vivos e conscientes, humanos e não<br />

humanos, em tempo real "".<br />

Como é suficientemente claro a partú- deste panorama breve, as<br />

sugestões especulativas quanto ao próprio teor de uma teoria <strong>da</strong><br />

consciência apresenta<strong>da</strong>s a partir <strong>do</strong> trabalho empírico são muito<br />

diferentes e mesmo incompatíveis. O próprio nível <strong>do</strong>s princípios<br />

explicativos sugeri<strong>do</strong>s (cognitivo-funcional, neurobiológico, microfísico)<br />

varia. Apenas a constatacão <strong>da</strong> enorme difusão recente <strong>do</strong><br />

interesse pelo problema é segura neste conte~to"~. No entanto,<br />

acompanhan<strong>do</strong> essa constatacão, filósofos como D. Chalmers ou J.<br />

Searle podem sempre afirmar que por mais que o tipo de teorias a<br />

que se aludiu encontrem os processos correlaciona<strong>do</strong>s com a consciência<br />

elas (i) 60 explica8 a razüopor qzle taisprocessosjZ?icos devem originar<br />

sz~bjetiui<strong>da</strong>de e (ii) ?ião elzdci<strong>da</strong>nz o carácter dessa nzesp.iza sr~bjechvi<strong>da</strong>de.<br />

As teorias referi<strong>da</strong>s apenas apontam - como uin facto bruto e uti-<br />

lizan<strong>do</strong> critérios pragmáticos como o controlo <strong>do</strong> comportamento<br />

e a capaci<strong>da</strong>de de reportar verbalmente - a correlaçüo entre determi-<br />

na<strong>do</strong>s processos físicos e a consciência. Como se verá neste capí-<br />

tulo, a teoria <strong>da</strong> consciência apresenta<strong>da</strong> por Dennett, embora se<br />

apresente como uma teoria hlosófica <strong>da</strong> consciência, faz algo de<br />

muito semelhante.<br />

"A rclqào cnrre n fisicaquànticae n consciência estabelece-se devi<strong>do</strong> iimportincin quc a consciência<br />

podc ter nas próprias fundsçõcs <strong>da</strong> tcarin quintica: o colapso du funçio dc an<strong>da</strong> seria piovocn<strong>do</strong>,<br />

de ncor<strong>do</strong> com ns intcrpreteçõcs mais comuns <strong>da</strong> teoria quinticri, peis mcdiçào, que supõe a<br />

consciência. A consciência dererminrtin indererminnções quânticas.<br />

"' Cf. BUCIQiER & PETERSEN 1998.<br />

" Dc um ponto dc vista mais sociológico c pracursn<strong>do</strong> <strong>da</strong>r conta dn ptoiifctnçio reccnrc <strong>do</strong>s<br />

debates em torno dn reoria ds consciência, essn grmde difusào mnnifestou-se por esempio nas confcrêncins<br />

dc Tuliicson, no ;ipaiecimento <strong>da</strong>s revistar Co,iscioi~~~~cs~ aiid Co~,~i/ion e]or,rtio/$ Coiiiiio~~iiirri<br />

Slttdiefe <strong>da</strong> Associrtion for dic Scicntific Snidy of Consciousncss (ASSC), etc. Pnio <strong>do</strong>is pnnaramns<br />

<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> recente <strong>do</strong> problcmr dr consci5ncir elabors<strong>do</strong>s por ÚIósofos, ct PLANAGAN 1998 e<br />

BLOCIC 1994.<br />

U7na Teoria Fisicallrta <strong>do</strong> Coi~ferin'o e ria Cor~sciê~rin<br />

3.1.2 Quilring Qz4a<strong>da</strong>.<br />

Como se ahrmou, são muitos os 6lÓsofos que, no contexto <strong>do</strong> interesse<br />

recente pelo problema <strong>da</strong> consciência, o consideram o problema<br />

limite para m~terialismo. Dennett opõe-se a esse diagn6stico e<br />

ao uso que nele é feito <strong>da</strong> nocão de gLlala. Uma parte essencial (a que<br />

se chamará desconstrutiva) <strong>da</strong> teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência é precisamente<br />

a eliminacão <strong>do</strong>s azlalia. Os aziaíia aue Dennett orocura eliminar<br />

são, à parti<strong>da</strong>, dehi<strong>do</strong>s de forma muito pouco consensu4 como<br />

proprie<strong>da</strong>des intrínsecas4", inefáveis"'. priva<strong>da</strong>s425, imediatamente<br />

& A . L<br />

(e incorrigivelmente) conheci<strong>da</strong>s"', <strong>da</strong> maneira como as coisas nos<br />

(a)parecema2'. A aniquilacão destes qz~alia'" é uma peca básica <strong>da</strong> teo-<br />

ria <strong>da</strong> consciência4". Os críticos são unânimes na classificacão <strong>da</strong> posi-<br />

cão como eliminativista. O "materialismo eliminativo" de Dennett<br />

acerca <strong>do</strong>s qz/a/ia opõe-se, segun<strong>do</strong> o próprio, a um materialismo redu-<br />

cionista, que procuraria identificar o item problemático nos termos de<br />

. A A<br />

uma teoria materialista fiin<strong>da</strong>cional. A &ferença entre materialismo<br />

eljminativo e materialismo reducionista é considera<strong>da</strong> por Dennett co-<br />

"' Entende-se poi i~,r&11riiih511110 o facto de ilyma coisa (aqui, ar q":":oliii) cxistir indcpcndentemente<br />

de quniquer interpretapio quue dclo rcja feira, sen<strong>do</strong> portanto não-rcircionai, nRo disporiciona).<br />

Quan<strong>do</strong> Dennetr nega o cnricrer intrinseco <strong>do</strong>s q":":


mo apenas táctica, mas a questão não é tão indiferente assim. Na alternativa<br />

joga-se a próp& definição <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência e arelação<br />

deste com a metafisica materialista e o problema <strong>da</strong> redução teórica.<br />

Na definição de Dennett, os qz<strong>da</strong> são proprie<strong>da</strong>des de segun<strong>da</strong><br />

ordem, proprie<strong>da</strong>des <strong>do</strong> conhecimento que os sujeitos têm <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s<br />

<strong>da</strong> sua própria experiência consciente. A experiência de um<br />

sujeito tem o qz/ale F se e só se o sujeito julga que a sua experiência tem<br />

o qzlale E O problema <strong>do</strong>s qz~a<strong>da</strong> é assim converti<strong>do</strong> num problema<br />

epistemológico acerca de autori<strong>da</strong>de introspectiva e infalibili<strong>da</strong>de, e<br />

portanto em geral num problema de (auto) acesso. Assim sen<strong>do</strong>, o eliminativismo<br />

acerca de qz~alia, a surrgr, surge por razões episteezo,ológs.<br />

No entanto, para a maio& <strong>do</strong>s autores, os qz~alia são esta<strong>do</strong>s fenomenais,<br />

liga<strong>do</strong>s ao sentimento de si, pelos quais é como alguma coisa para<br />

uma enti<strong>da</strong>de ser e é relativamente à natureza desses esta<strong>do</strong>s que se<br />

coloca a questão ontológica <strong>da</strong> redução. No primeiro caso trata-se <strong>do</strong><br />

estatuto <strong>da</strong>quilo que é reporta<strong>do</strong> mediante o acesso a si de um sistema<br />

a que se chama vulgarmente introspecção, no segun<strong>do</strong> caso o que<br />

está em causa é o facto de «o introspecta<strong>do</strong> ser senti<strong>do</strong>))"'. Repetin<strong>do</strong>,<br />

no primeiro caso o problema é epistemológico (um problema acerca<br />

<strong>do</strong> que fazemos quan<strong>do</strong> enunciamos conhecimento), no segun<strong>do</strong> caso<br />

o problema é ontológico ou metafísico (um problema acerca <strong>da</strong> locação<br />

no mun<strong>do</strong> tal como ele é de alguma coisa de real).<br />

Esclareça-se antes de mais que os <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s de consciência em<br />

causa -auto-acesso e consciência fenomenal"" - não são mutuarnente<br />

exclusivos. Um defensor <strong>da</strong> consciência fenomenal pode perfeitamente<br />

admitir que esta está usualmente liga<strong>da</strong> ao auto-acesso, sem ter<br />

necessariamente que considerar que o auto-acesso oferece conteú<strong>do</strong>s<br />

incorrigíveis. De facto, a ideia de Dennett segun<strong>do</strong> a qual os qz~aliu<br />

estariam liga<strong>do</strong>s a, ou seriam o nome para o facto de, o auto-acesso<br />

oferecer conteú<strong>do</strong>s incorrigíveis representa uma intelectudização <strong>da</strong><br />

noç" de qzculirr que não é de to<strong>do</strong> forçosa. Mais: assim como na<strong>da</strong><br />

obriga o q~alóhlo*~' a ligar ql/alia e incoríigibiii<strong>da</strong>de (ao contrásio <strong>do</strong><br />

'lCf. PINTO 1999: 118-119. i\i se nfrmn que, nn perspectiva <strong>do</strong>r fdósofos ndvcisátius de Dennem,<br />

«este fenómeno nao envolre qualquer saber dc origcd htrorpectiva, sen<strong>do</strong> nnces um facto erpcciahcntc<br />

bruto (...) pclo qual podc *parecer uma instrbikrsç" dùn coiiespondfncia entrc o publicsmente<br />

obserw<strong>do</strong> e o acontecimento priva<strong>do</strong>,).<br />

"' Cf. n distin~io de Ned Blocl; cnxe cansci6ncin dc accsso (ircrr»io>~inoitii~rri) e conscifncia<br />

fcnomcnsl (piic,~iioi,,~~iiiiraiiiBoo~iii~~~), par cxcmplo em BLOCIC 1994n.<br />

": Como é frequente nestss discussões (cf DENNEiT 1991) falnr-sc-i dc ngom cm diantc em<br />

qudófilos e qudófobos, rcspecriv~menre nquclcs que cansidcram n nos50 dc qilo/in imprescindivd<br />

nums rcoiia <strong>da</strong> cxpcriencia c aquclcs quc n rejeitam, como é o cnso de Denneo.<br />

Uma Teo,ia FisiraLsta rio Conteri~io e <strong>da</strong> Consciêircia<br />

que Dennett dá como garanti<strong>do</strong>), na<strong>da</strong> o obriga a negar que os ql/alia<br />

tenham outras proprie<strong>da</strong>des além <strong>do</strong> facto de serem senti<strong>do</strong>s em<br />

primeira pessoa (i.e. na<strong>da</strong> obriga a negar que os qz~alia tenham proprie<strong>da</strong>des<br />

não acessíveis em primeira pessoa). Evidentemente, como<br />

nota N. Block, se se permite que seja um adversário <strong>do</strong>s qz~alia (como<br />

Dennett, por exemplo) a deún-los, os qz/alia possuirão apenas a proprie<strong>da</strong>de<br />

de serem senti<strong>do</strong>s"'). Se na<strong>da</strong> obriga o qualóhlo ao "isolamento"<br />

<strong>do</strong>s qziulia, ou melhor, a considerar que existe uma diferença<br />

relevante e clara entre qz/alia e outros esta<strong>do</strong>s mentais e que os esta<strong>do</strong>s<br />

fenomenais são esta<strong>do</strong>s exclusivamente senti<strong>do</strong>s (a-conceptuais,<br />

dir-se-ia), na<strong>da</strong> o impede também i parti<strong>da</strong> de considerar que os esta<strong>do</strong>s<br />

representacionais têm proprie<strong>da</strong>des fenomenais acerca <strong>da</strong>s quais<br />

podem existir crenças e memórias enganosas sem que isso torne a<br />

noção ilegítima. Parece, em suma, que qualquer qualóhlo encontra<br />

facilmente um caminho de fuga perante a estratégia intelectualista e<br />

eliminativista de Dennett. Procurar-se-á em segui<strong>da</strong>, analisar cui<strong>da</strong><strong>do</strong>samente<br />

uma particular formulação dessa estratégia.<br />

No texto que dedica directamente i questão <strong>do</strong>s qzialia, o artigo<br />

Qz~it~itgQz~aliu, Dennett apresenta quinze casos ou ilrtz~itionpz~eizps destina<strong>do</strong>s<br />

a demonstrar que não existem ql/a/ia. Destes casos, o mais<br />

frequentemente cita<strong>do</strong> e aquele que porventura melhor evidencia o<br />

que está @ara Dennett) em causa na discussão acerca de qz/alia, é o<br />

caso de Chase e Sanborn, os prova<strong>do</strong>res de café"" Embora se vá aqui<br />

tomar este caso como exemplar, convém sublinhar que o caso clássico<br />

<strong>do</strong> espectro inverti<strong>do</strong> (intersubje~tivo)~'j, bem como a sua variação<br />

"' Cf. BLOCIC 1994.<br />

"' DENNBTl' 1997: 625.<br />

'V O r,bccIro iii~riii<strong>do</strong> é :i siruaç5o nn qual <strong>do</strong>is sujeitos expericncioin cores complemeiirnres numa<br />

mesma siniaçh, partilhan<strong>do</strong> no cntgnio o vowbul6rio par* cores e ar cnpncidndes dc discrimineçio<br />

de cores. Alyém que ndmim n i>ossibilidnde <strong>do</strong> cspccuo inrcrti<strong>do</strong> pcrdc I possibilidrdc dc crocnr<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s que permitain dccidic sc as carcs rio vistns <strong>da</strong> mesma mrncira de um sujeito pni:i o outro O<br />

proponente hicid <strong>da</strong> siniqio foi J. Lockc, que no Eriig Coi,ier~~i~>s IHtiiria U,~~ler~t~~niíi~ considerou<br />

a possibiiidsde de um mesmo objecto produzi nr mente de homens diferentes difcrentcs idcias dc<br />

cor so mesmo tempo (cf. LOCICE 1690, 1I.xnU.IS). Pan urna campilaçio <strong>da</strong>s vsriaçõcs possircis<br />

<strong>da</strong> ~imiçio,<br />

Para m a<br />

crpciiCncia dc pcnsrimento quase sempre menciona<strong>da</strong> a esre propósito (s Tcrrn Inverti<strong>da</strong> de Block),<br />

cf. BLOCIC 19971, I>ii~rrlrd Eorlii. Na ieira Inverti<strong>da</strong> de Block to<strong>da</strong>s as coisas rem a cor camplcmennr<br />

1 sua cor rerrestrc c o rocabulirio nmb&m csti hrcrti<strong>do</strong>. As duas diferenças crncclrm-sc<br />

muruamcnrc c o discurso sobre cores na Terra Invertis~~ii/iiiii.


Soja M&II~IIS<br />

contemporânea, o espectro inverti<strong>do</strong> intra-subjectivo por intervenção<br />

neurológica manipulatória, fazem parte <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s quinze casos. O<br />

propósito <strong>da</strong>s análises de Dennett é sempre o mesmo: mostrar que a<br />

diferença entre inversão <strong>do</strong>s yz~alia e inversão <strong>da</strong>s disposições reactivas<br />

<strong>do</strong>s sujeitos não poderia ser subjectivamente apercebi<strong>da</strong>. Ora, se<br />

não existe qualquer diferença apercebi<strong>da</strong> entre qz~alia e disposições<br />

reactivas, os supostos yzcalia não são senão disposições reactivas.<br />

Chase e Sanborn são <strong>do</strong>is prova<strong>do</strong>res de café cujo trabalho consiste<br />

em assegurar que o sabor <strong>do</strong> café que provam se mantém o<br />

mesmo. Ora, Chase e Sanborn afkmam ambos terem perdi<strong>do</strong> o<br />

prazer que anteriormente experimentavam com o sabor <strong>do</strong> café<br />

que provavam e que preferiam a to<strong>do</strong>s os outros cafés. Cliase pensa<br />

que deixou de aprecias o café porque se tornou um aprecia<strong>do</strong>r de<br />

café mais sofistica<strong>do</strong>, embora o café que prova mantenha o sabor<br />

inaltera<strong>do</strong>. Sanborn considera que deixou de apreciar o café não<br />

porque o saber deste se tenha altera<strong>do</strong> mas porque os seus sensores<br />

gustativos (tasters) se alteraram. Em suma, as experiências de<br />

ambos mu<strong>da</strong>ram <strong>do</strong> gosto para o "desgosto", mas a mu<strong>da</strong>nça é interpreta<strong>da</strong><br />

diferentemente. Segun<strong>do</strong> Chase foram os "conceitos"<br />

que mu<strong>da</strong>ram, segun<strong>do</strong> Sanborn foram as "intuições". O ponto de<br />

Detiriett é que nem Chase nem Sanborn podem, ao contrário <strong>do</strong><br />

que pensam, estabelecer intrasubjectivamente qual <strong>do</strong>s casos é o<br />

seu caso (o caso em que os "co.nceitos" mu<strong>da</strong>ram ou o caso em que<br />

as "intuições" mu<strong>da</strong>ram) nem exprimir a diferença entre os <strong>do</strong>is<br />

casos. 4s restantes experiências de Qzii~~iiilgQzmlia apresentam uma<br />

estrutura semelhante. Coloca-se o dilema: "O que é que se deve<br />

afirmar, A ou B?" para em segut<strong>da</strong> se afirmar que a pergunta é sem<br />

senti<strong>do</strong>. Aquilo que se passa no caso de Chase e Sanborn, passar-se-<br />

-ia também, por exemplo, no caso de uma inversão intrapessod <strong>do</strong><br />

espectro. O sujeito no qual e para o qual a mu<strong>da</strong>nça ocorresse não<br />

poderia discernir a diferença, não poderia saber se estaria a experienciar<br />

uma mu<strong>da</strong>nça nos yzíalia ou nas disposições reactivas. Dennett<br />

conclui <strong>da</strong> análise <strong>do</strong>s casos deQtcitii~gQzcalia que quan<strong>do</strong> o sujeito<br />

é incapaz de aperceber uma diferença, nenhuma diferença existe.<br />

A palavra de ordem <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>s qz<strong>da</strong> é que "Diferenças<br />

que não fazem diferença não são diferenças", i.e. simplesmente não<br />

existem. To<strong>do</strong>s os argumentos de Dennett acerca de yz~alia recaem<br />

sobre o principio segun<strong>do</strong> o qual "Quan<strong>do</strong> se trata de fenomenologia,<br />

O que não é apercebi<strong>do</strong> não existe, já que existir fenomenologicamente<br />

é ser apercebi<strong>do</strong>". O princípio fun<strong>da</strong> o operacionalis-<br />

mo em primeira pessoa meto<strong>do</strong>logicamente essencial a uma teoria<br />

<strong>da</strong> consciênciaa% é reporta<strong>do</strong> a considerações sobre a incorrigibili<strong>da</strong>de"'.<br />

É muito contestável que a fenomenologia possa ser caracteriza<strong>da</strong><br />

como incorrigibili<strong>da</strong>dea8. É perfeitamente possível que Dennett<br />

esteja certo quanto à necessi<strong>da</strong>de de eliminar ou aniquilar os<br />

gz~alia tal como os define sem que a mesma conclusão se aplique à<br />

fenomenologia. O problema de Dennett relativamente à fenomenologia<br />

é, como se verá, considerar que não existem objectos fenomenológicos<br />

reais mas apenas objectos nzeiaTizeIr2te intencionais. Esse<br />

problema aparece aliás na sequência <strong>da</strong>s ambigui<strong>da</strong>des relativas ao<br />

mun<strong>do</strong> nocional refeii<strong>da</strong>s no Capítulo 2. É pelo facto de a teoria<br />

<strong>do</strong>s yt<strong>da</strong> intencionalizar e intelectualizar a consciência que Dennett<br />

se vê obriga<strong>do</strong> a encarar o problema <strong>da</strong> consciência exclusivamente<br />

como um problema epistemológico. Para Dennett, só é possível<br />

fazer senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> fenomenologia como um espaço-lógico-cujas-proprie<strong>da</strong>des-são-consti~<strong>da</strong>s-pelas-crenças-<strong>do</strong>-sujeito.<br />

No entanto,<br />

entre aquilo que se argumenta quanto aos ytlah e aquilo que<br />

O opeiacion;iiismo em f<strong>do</strong>rofia <strong>da</strong> dência é, como se sabe, 1 posiçio cmplists de acor<strong>do</strong> com<br />

R ~URI OS conceiros reóticar sc dcfinem ruavés de operaqões cmpiricar, scn<strong>do</strong> portanto ns proposiçõ~sacercr<br />

de entidsdcs tcóricsr de facro proporições accrcn <strong>da</strong> cnpcriêncir.<br />

"' Um ligciro desvio: de acor<strong>do</strong> com o P~iloiapiiiiil~xi~o~~ compiln<strong>do</strong> poi Dcniictr c dispodvcl<br />

on-linc cin ~~nv.bl~c~~~U/pilbli~I~~~s~~~.uk/lcxio/<br />

o termo "ro,%r"aplica-sc n 'iiimri@ rq~orii", e<br />

dclc pioviria ''rorg': significan<strong>do</strong> 'iuiori.irlie'!.. Em DENNhTr 2000, Dennett refere-se a R. Rorty<br />

(ct IIORTY 1970, RORT' 1972s e RORTY 1972b), ;.e. is incursões de Rorty pcla filosofia <strong>da</strong><br />

mente nos anos 70, como scn<strong>do</strong> o nniecessor não suficicntcmcnie reconheci<strong>do</strong> em cxporiçõcs nntcrioies<br />

<strong>da</strong> sua própiir posiqlio qwnro li incarri$bilidsdc. Ilorty seria o responsivcl pclri expiora~io <strong>da</strong><br />

idcin scgun<strong>do</strong> n qurii r incortigibili<strong>da</strong>dc é n mnrcn <strong>do</strong> inenral. Como diria Rarty nos rinos 70 (ROR??'<br />

1970: 414) «


se argumenta quanto à fenomenologia vai uma larga distância. Transpô-la<br />

implica atribuis ao argumento de Dennett quanto aos qzfalia<br />

um alcance que na opinião <strong>da</strong> maioria <strong>do</strong>s críticos ele não possui.<br />

Se os argumentos de Dennett acerca de qz~alia provam alguma coisa<br />

eles provam que o auto-acesso não oferece conteú<strong>do</strong>s incorrigíveis.<br />

Ora, isso não é sequer polémico. Nenhum defensor <strong>da</strong> consciência<br />

fenomenal fica automaticamente comprometi<strong>do</strong> com a defesa <strong>da</strong><br />

incorrigibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> experiência<br />

nem aliás, ao contrário <strong>do</strong> que Dennett pressupõe, com uma distincão<br />

absoluta entre consciência e não-consciência ou com a ligação<br />

<strong>da</strong> consciência a um lugar único ou um centro no cérebro439.<br />

Como se verá neste capítulo, é <strong>da</strong> indiferenciacão estabeleci<strong>da</strong><br />

por princípio entre fenomenologia e qz~alia que nascem as várias<br />

ambigui<strong>da</strong>des <strong>da</strong> posi~ão de Dennett quanto à consciência. É essa<br />

indiferenciação que faz com que o destino <strong>do</strong>s qzfalia e o destino <strong>do</strong><br />

Teatro Cartesiano estejam liga<strong>do</strong>s. De facto, a primeira parte ou<br />

parte desconstruccionista <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência de Dennett é um<br />

caso contra os qz/alia e contra o Teatso Cartesiano. O Teatro Cartesiano<br />

é a imagem metafórica <strong>do</strong> mental como um lugar onde tu<strong>do</strong><br />

se põe conjuntamente para um sujeito. De acor<strong>do</strong> com Dennett, ou<br />

os qztalia e o Teatro Cartesiano se sustentam em conjunto ou caem<br />

em conjunto. Se os qz~alia e o Teatro Cartesiano se sustentam, as<br />

três ideias a seguis lista<strong>da</strong>s são, de acor<strong>do</strong> com Dennett, legítimas:<br />

(1) Existe uma apresentacão ou aparicão pura, a-conceptual, que<br />

estabelece uma diferença de natureza entre (a) parecer e julgar.<br />

(2) Existe um momento absoluto e um lugar único <strong>da</strong> consciência<br />

(ou nos termos de Dennett, existe uma "linha <strong>da</strong> meta", sen<strong>do</strong><br />

que a ordem de chega<strong>da</strong> a essa linha marca a entra<strong>da</strong> na consciência<br />

de um determina<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, i.e. a sua apresentacão no palco <strong>do</strong><br />

Teatro Cartesiano). A unici<strong>da</strong>de e singulari<strong>da</strong>de <strong>do</strong> fluxo de apresentacão<br />

ou aparicão ficam assim estabeleci<strong>da</strong>s, bem como uma diferenca<br />

natural entre eventos pré-expeiienciais e pós-experienciais.<br />

(3) Existe uma distinção níti<strong>da</strong> entre consciência e não-consciência,<br />

entre estar ou não estar no palco <strong>do</strong> Teatro Cartesiano.<br />

Se as três ideia não se sustentam, não há lugar para qzíalia ou<br />

Teatro Cartesiano na teoria <strong>da</strong> consciência. Resta saber se <strong>da</strong> oposicão<br />

a estas três ideias se segue realmente a eliminação <strong>da</strong> experiência<br />

fenomenal, o apagamento <strong>da</strong> consciência como sentir de si<br />

'" Cf BLOCK 1997~ pnrr uma criciw - npropcin<strong>da</strong>mente intiniladn Braii'g ihQi,riiioii ,488iiirl<br />

Phiio,iiriial Co~~iior~i~!eii - ao modclo dc conrcii.iicir dcfcndi<strong>do</strong> por Dennerr.<br />

e <strong>do</strong> pensamento, ou mesmo alguma prova <strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ideia<br />

de "teatro" como representacão disigi<strong>da</strong> para dentro, para-si, num<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> sistema cognitivo. Note-se que a existência de um senti<strong>do</strong><br />

interno produzin<strong>do</strong> tal representação não está necessariamente li-<br />

ga<strong>da</strong> a um lugar único no sistema cognitivo. Defender-se-á - a par-<br />

tir <strong>da</strong> "metade construtiva" <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência <strong>do</strong> próprio<br />

Dennett - que a resposta a to<strong>da</strong>s essas questões é negativa e, espe-<br />

cificamente, que não há na<strong>da</strong> a objectar a um "Teatro Cartesiano<br />

impreciso"'". De qualquer mo<strong>do</strong>, e para além <strong>do</strong>s problemas epis-<br />

temológicos focaliza<strong>do</strong>s por Dennett na noção de qzíalia, para os<br />

(muitos) filósofos que consideram a teoria <strong>da</strong> consciência o núcleo<br />

<strong>da</strong> teoiia <strong>da</strong> mente e a experiência fenomenal o problema limite, o<br />

problema mais importante e apaixonante que se coloca a uma con-<br />

cepcão materialista <strong>do</strong> mental e por isso mesmo um problema<br />

muito especial, a abor<strong>da</strong>gem que Dennett leva a cabo <strong>do</strong> problema<br />

<strong>da</strong> consciência é fun<strong>da</strong>mentalmente mal disigi<strong>da</strong>, não apenas por<br />

razões meto<strong>do</strong>lógicas mas por razões profun<strong>da</strong>s, relaciona<strong>da</strong>s com<br />

o que se entende por "metafísica" e por "teoria".<br />

A abor<strong>da</strong>gem dennettiana <strong>da</strong> consciência é muito pouco orto-<br />

<strong>do</strong>xa no contexto <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente. É importante compreen-<br />

der porquê, comparan<strong>do</strong>-a com outras abor<strong>da</strong>gens filosóficas,<br />

igualmente materialistas, <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência. Para muitos<br />

críticos de Dennett, por exemplo E Jaclrson""' a abor<strong>da</strong>gem que<br />

Dennett faz <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência é extravia<strong>da</strong> antes de mais<br />

porque é uma forma de evitar <strong>da</strong>r uma resposta à questão metaFísi-<br />

ca obrigatória para o materialista, aquela a que Jaclrson chama a<br />

trztb-n~aker qz~estion. Esta questão é para E Jackson a segumte: "o<br />

que é que faz com que seja ver<strong>da</strong>deiro que, num mun<strong>do</strong> tal como<br />

este mun<strong>do</strong> é, alguma enti<strong>da</strong>de seja consciente?" (ou "o que é que<br />

na natureza material de uma enti<strong>da</strong>de faz com que seja necessário<br />

que esta seja consciente?'). Uma tal questão deve, segun<strong>do</strong> Jaclrson,<br />

ser respondi<strong>da</strong> com o lugar - no quadro traca<strong>do</strong> em termos de in-<br />

gredientes Fun<strong>da</strong>mentais que uma metafísica propõe acerca <strong>da</strong>qui-


10 que existe - de alguma específica característica"'. É sobretu<strong>do</strong><br />

muito importante, segun<strong>do</strong> Jackson, não confundir a tr/~th-n~aker<br />

qztestion com o problema acerca <strong>do</strong> que estamos a fazer quan<strong>do</strong> falamos<br />

de esta<strong>do</strong>s e eventos conscientes e lhes atribuímos proprie<strong>da</strong>des.<br />

Esta última questão é apenas uma questão hguística, meto<strong>do</strong>lógica,<br />

epistemológica, não é uma questão metafísica acerca <strong>da</strong><br />

natureza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Ora Jaclison nota acerta<strong>da</strong>mente que é o problema<br />

acerca <strong>do</strong> que estamos a fazer quan<strong>do</strong> falamos de esta<strong>do</strong>s e<br />

eventos conscientes e hes atribuímos proprie<strong>da</strong>des, que ocupa Dennett<br />

em grande parte <strong>da</strong> sua teoria <strong>da</strong> consciência, pelo menos certamente<br />

na <strong>do</strong>utrina acerca de qziaha. Para Jackson isto significa que<br />

Dennett rebate uma questão metafísica sobre questões epistemológicas<br />

e linguísticas bem menos fun<strong>da</strong>mentais conseguin<strong>do</strong> assim<br />

passar ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> ver<strong>da</strong>deiro problema <strong>da</strong> consciência. É aliás essa<br />

a razão que conduz muitos <strong>do</strong>s ciíticos de Dennett a considerar<br />

que embora a teoria apresenta<strong>da</strong> faça luz sobre um grande conjunto<br />

de fenómenos cognitivos, ela não é propriamente uma teoria <strong>da</strong><br />

consciência no senti<strong>do</strong> de teoria que os filósofos tipicamente têm<br />

em mente. É exactamente essa a opinião de E Jackson. É certo que<br />

Dennett, por seu la<strong>do</strong>, pensa que oferecer uma teoria no senti<strong>do</strong><br />

que os filósofos tipicamente têm em mente, i.e. ((preencher a fórmula<br />

(x) (x tem experiência consciente se e só se ...) e defendê-la<br />

<strong>do</strong>s contra-exemplos propostos não é um bom méto<strong>do</strong> para desenvolver<br />

uma teoria <strong>da</strong> con~ciência»~". Pelo contrário, não se terá<br />

uma teoria <strong>da</strong> consciência enquanto não se tiver um modelo que<br />

"'i\ceicn <strong>do</strong> quc J:ickson entende por merafísico, cf. JIICICSON 1997: 483-484. De acor<strong>do</strong> com<br />

Jrckson, «hletsphysics is nbout wliar dicre is and wlinr ir is like» UACICSON 1997: 483). Isto signifíc:,<br />

quc a mctalisicn procura complcnidc na compreensão dí maneira total como ris coisas ria c, mdr<br />

especiúcamcntc, procura formular uma teoria ciiglobnntc dc alguma coisa (por exemplo n mente) em<br />

termos de c feanire to be eiitz~ilid by the stoiy rold in tlic fsvored terms» QACIC-<br />

SON 1997: 484. O itilico é de Jrickaon, c crm noçio de eiilailt,ir»i rrnduz um "requcrimcnta de ncccrsidnde"<br />

par* R calocagRo de uma derermuirdr carrctcdsticn. Esrc é um requerimento lógico e constio3<br />

o quadro para o uatnmcnro dn quesrzo mernfisica nos termas (dc alpina varie<strong>da</strong>de) <strong>da</strong> ruperveniêncil<br />

(cf PINTO 1999: 34-64).<br />

" DENNETl 1991: 459.<br />

Ut11la Teoria Fisicalista tio Contel?cio e rin Co~~sriêiiciu<br />

explicite as funções envolvi<strong>da</strong>s. Esse modelo é um modelo mecâ-<br />

nico, pertinente <strong>do</strong> ponto de vista científico-natural e não resulta de<br />

um trabalho flosófico de análise conceptualii4.<br />

O @elo menos suposto) extravio levaria, assim, Dennett a igno-<br />

rar a possibili<strong>da</strong>de de a teoria <strong>da</strong> consciência requerer que alguma<br />

coisa fun<strong>da</strong>mental fosse acrescenta<strong>da</strong> à ontologia. Esse "algo de fun-<br />

<strong>da</strong>mental" estaria liga<strong>do</strong> ao facto de ser como alguma coisa ser uma<br />

enti<strong>da</strong>de consciente, i.e. à característica que T. Nagel capturou com<br />

o seu célebre What ir it likc to úe ... ? H5. A questão nageliana poderia<br />

ser respondi<strong>da</strong> por certas enti<strong>da</strong>des e não por outras, sen<strong>do</strong> o facto<br />

sintomático de uma diferença ontológica importante. "Ser como al-<br />

guma coisa ser" (uma determina<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de) deve ser contrasta<strong>do</strong><br />

com o facto de o processarnento de informação, o controlo <strong>do</strong> com-<br />

portamento, o cálculo, a inferência, ou a execução de inúmeras ou-<br />

tras habili<strong>da</strong>des cognitivas não ser necessariamente senti<strong>do</strong> ou ex-<br />

periencia<strong>do</strong> como alguma coisa. A característica de "ser como algu-<br />

ma coisa ser" não é identificável com os qualia tais como Dennett<br />

os defme. Para flósofos como T. Nagel, J. Searle ou D. Chalmers a<br />

acima menciona<strong>da</strong> diferença entre ser como alguma coisa, subjec-<br />

tivamente, ser e a cognição enquanto processamento de informa-<br />

ção que pode ocorrer "no escuro", i.e. sem qualquer sentimento de<br />

"'Ao conuitio <strong>do</strong> que pensa F. Jackson, que defende com to<strong>da</strong> n clareza o papel dn nnitise concepnial<br />

na defesa e elnboraçáo <strong>do</strong> materialismo, inclusi~mente no que di~ respeito i consd6ncia (cf.<br />

JACICSON 1997 e JACICSON 1998). Assim, «AV" shodd noi rccept the necessnry n posteriori idcn~<br />

tifícations liymctopliysicnl úsr, bur rstlier ns flowing out of n piece of conccpnial snalysis combiincd<br />

with d>c rclcwnr empkicnl information. \V< thus ngree witl~ thosc phyricalisrs who see it as a prime<br />

tnsk to providç a suiinble nnalysis of consciousness ns an csscntiril prcliminary trsk to makng die<br />

pliysicslisr identifícation tlicy scck. Fart af wliat makes rhc problem of consciousness so hnrd is thut<br />

there is yet no annlysis that comcs close to holding the fiel& (BMDDON-RLi'rCI-IELL & JACIC<br />

SON 1996: 142). Evididcntemente, por mais que Dennett negue n necessi<strong>da</strong>de dc nnilisc concepnial,<br />

n sua rcorie ibot i, it ME to k..? c~mbdçcç, para Nagel, umn irredutibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ponto dc vism de pcimeira<br />

pcrros ao ponto de vista de terceira pessoa. O ponto de parti<strong>da</strong> i. o scguintc: «I'un<strong>da</strong>menm$<br />

an oignnism has conscious mentd stares if therc is somching tliíit ir is Wle to be tli;it organism -<br />

sometling ir is like for the oiganism (...) «I wmt to know wliat it is tike for n bnt to bc a bam<br />

(NAGEL 1974: 166-69). O piopásito central de ItFhrii i~ i1 likc to h n M? (NAGEL 1974) i. cstrbcieccr<br />

quc por mds que sdbrimos sobre n neurofísiologia <strong>do</strong> morccgo nunca poderemos saber, a pnrtii<br />

dcsse conliecimenro, como é ser um moiccgo (ou qualquci outra enti<strong>da</strong>de consciente). Nagel pietendc<br />

assim estabelecer a irredutibilidrdc <strong>da</strong> fcnomenologin i neurofísiologia ou a qurlqucr outra tcoiia<br />

Eisica c portanto ri (pclo menos por enqwnto) incompreensilüidsdc <strong>do</strong> físicdlsmo. Este úlrimo<br />

aspccto signiúca que, na imagem de N;i6el (NAGIIL 1974), n aúrmnçio '


ser ou percepção <strong>do</strong>s processos cognitivos próprios, é o primeiro<br />

passo para o reconhecimento de algo que Dennett simplesmente<br />

ignora ou nega e que deve ser considera<strong>do</strong> o primeiro <strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> consciência: a stlbjectiui<strong>da</strong>de. Esta poderia ser um traco irredutive1<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, apenas apercebível em primeira pessoa, não identificável<br />

com "proprie<strong>da</strong>des de segun<strong>da</strong> ordem" <strong>do</strong> apercebimento.<br />

Essa subjectivi<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s e processos mentais conscientes,<br />

uma característica que nenhum outro fenómeno natural possui,<br />

deve, de acor<strong>do</strong> com T. Nagel, ocupar «um lugar tão fun<strong>da</strong>mental<br />

em qualquer visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> credível como a matéria, a energia, o<br />

espaço, o tempo e os Nas palavras de J. Searle, devi<strong>do</strong><br />

à consciência, devi<strong>do</strong> a ser como alguma coisa ser, sabemos mais<br />

acerca de como o mun<strong>do</strong> é. Nomea<strong>da</strong>mente, sabemos que o mun<strong>do</strong><br />

é tal que contem subjectivi<strong>da</strong>de como um ((elemento h<strong>da</strong>mental<br />

(rock-bott~ppz)>))»"*~. É ilustrativo comparar estas declarações de pnncípio<br />

com a taxativa posição de Fo<strong>do</strong>r, abor<strong>da</strong><strong>da</strong> no capítulo anterior,<br />

segun<strong>do</strong> a qual se a intencionali<strong>da</strong>de é real, então deve ser<br />

outra coisa qualquer, o que abre a possibili<strong>da</strong>de de resolver a questão<br />

<strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de de forma reducionista e eliminativa. O ponto<br />

importante sublinha<strong>do</strong> pelos autores referi<strong>do</strong>s é que o mesmo<br />

não se pode afirmar <strong>da</strong> consciência: afirmar que a consciência deve<br />

ser considera<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental é admitir que ela não poderá ser expiica<strong>da</strong><br />

nos termos de alguma coisa mais simples.<br />

As posicões de Wósofos como Jackson, Chalmers, Nagel ou<br />

Searle, que procuram enfrentar o problema metafísico <strong>da</strong> consciência,<br />

não são simples formas de um novo misteriosismo (fie10 misteriatlis~n),,,.<br />

Este está, pelo menos numa primeira abor<strong>da</strong>gem, mais<br />

associa<strong>do</strong> ao pie<strong>do</strong>so pessimismo epistemológico de um Colin<br />

McGinn, para quem uma explicação adequa<strong>da</strong> <strong>da</strong> consciência estará<br />

para sempre fora <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> entendimento humano, devi<strong>do</strong><br />

ao fechamento epistemológico <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência para os<br />

humanos. McGinn compara o fechamento epistemológico <strong>do</strong> problema<br />

<strong>da</strong> consciência para os humanos, a inacessibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cons-<br />

"" NAGEL 1986:7-8.<br />

"' SBiiIU~B 1992: 93-95.<br />

"* Evididcntcmente o próprio Dennett pensaria que sim. i\ erpiessáo ",~ov>,iiii~int,i$i~~" f de Owen<br />

Flnnngan, que n uaUin por crcmplo ein KANAGAN 1992: 8-1 1 em rclação a Colin hlcGinn (Nngcl<br />

f consider;l<strong>do</strong> ngnóstico). O iii~v i~~i~ie",,nii,n opõe-se so o/d~o)flc"u,iiri,i quc É o dusiismo. NR opiiiZo<br />

de Dlen;ig;in, «Ncw misterinnism cnn be sbown to be nt lemt premanue, and perhrips some ngnostics<br />

cm be converteds (FLANAGAN 1992: 11).<br />

ciência fenomenal à explicação, com o fechamento epistemológico<br />

por princípio <strong>da</strong> mecânica quântica para um macaco4", insistin<strong>do</strong><br />

na relacãd entre a irresolubili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência devi<strong>do</strong><br />

a uma (não particularmente misteriosa, como é claro pela<br />

comparação acima) limitação epistémica (epistenzic bou~rdecilress). As<br />

posições de Jackson, Chalmers, Searle e Nagel acerca <strong>da</strong> iiredutibiii<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> consciência não dizem respeito a proprie<strong>da</strong>des de segun<strong>da</strong><br />

ordem <strong>do</strong> apercehimento nem a limitação cognitiva mas à forma<br />

como o mun<strong>do</strong> é, àquilo que fun<strong>da</strong>mentalmente existe e à trz~thíilaker<br />

qt~estio~~, na linguagem de Jackson. Ora, Dennett não encara<br />

explicitamente tais questões nas abor<strong>da</strong>gens que faz <strong>do</strong> problema<br />

<strong>da</strong> consciência.<br />

Mas a ver<strong>da</strong>deira pedra de toque <strong>da</strong> teoria proposta por Dennett,<br />

a marca máxima <strong>da</strong> hetero<strong>do</strong>xia, é a sua wlnerabili<strong>da</strong>de (ou<br />

indiferenca) perante a ameaça <strong>do</strong> ~o~ilbie. Perante modelos de cons-<br />

ciência como os de Dennett, que serão analisa<strong>do</strong>s ao longo deste<br />

capítulo, e especialmente perante o MEM, poder-se-á sempre per-<br />

guntar, como pergunta Chalmers, «W/p <strong>do</strong>esfr't all thir i@r?~zatiotz-pro-<br />

cessiqggo on ilr the <strong>da</strong>rk,j?ee a-y iltnerfeelli)'jO. A mais repeti<strong>da</strong> acu-<br />

sação à teoria <strong>da</strong> consciência de Dennett - de acor<strong>do</strong> com a qual<br />

ela pura e simplesmente passa ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência<br />

na medi<strong>da</strong> em que ignora a consciência fenomenal e a experiência<br />

senti<strong>da</strong>''' - justifica a insensibili<strong>da</strong>de de Dennett aos xo7nbies. Mas,<br />

precisamente, Dennett, ao contrário <strong>da</strong> maioria <strong>do</strong>s fuósofos inte-<br />

ressa<strong>do</strong>s no problema metafísico <strong>da</strong> consciência, não leva a sério a<br />

ameasa <strong>do</strong> xo?nbie. A sua defesa consiste em declarar que a ideia de<br />

~opubie é inconcebível, que o xonzbie é um tópico aberrante, discuti<strong>do</strong><br />

pelos filósofos com uma serie<strong>da</strong>de que envergonha a disciplina<br />

e que resume só por si uma má abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência.<br />

No artigo The Utlinlagirred Pieposteroz~s~~ess a/ Zo?ilbiesi5' a<br />

"'Cf bIcGINN [198q e McGlNN 1990. A ideia de ro8i>iii1e i/oii,rr proposta por hIcGinn É inspimdn<br />

por Nagel e Fo<strong>do</strong>r Fo<strong>do</strong>r fala de r/iir/o,iiic iio~#irdciia.<br />

4'zDENNETI 1998i.


Soja ~Vl&:ie~is<br />

questão é muito simplesmente afasta<strong>da</strong> de maneira tipica: se o xonzbie<br />

filosófico é de facto comportamentalmente indistinguível de um<br />

ser consciente, então ele é mesmo indistinguível e o defensor <strong>do</strong>s<br />

qz~alia tem que admihr que um xonzbie falará sobre os seus qr/alia e<br />

sobre como é sentir-se ser, terá crenças sobre qz<strong>da</strong>lia, sobre si próprio<br />

e sobre a sua vi<strong>da</strong> interior, etc. Ora, esse xonzbie somos nós, e<br />

portanto (uma vez que é impossível estabelecê-la) a distinção entre<br />

xonzbies e seres conscientes não é uma ver<strong>da</strong>deira distinção. Os TonLbies<br />

filosóficos são simplesmente inimagináveis enquanto distintos<br />

de seres conscientes. Ou os xoinbies são inimagináveis, ou somos to<strong>do</strong>s<br />

rombies. De qualquer mo<strong>do</strong>, o conceito é inútil, pois não existem<br />

ronzbies la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com outra coisa (os seres conscientes) de<br />

uma forma que seja pensável.<br />

Poder-se-ia caracterizar as relações difíceis de Dennett com a<br />

consciência usualmente chama<strong>da</strong> fenomenal ain<strong>da</strong> de um outro<br />

mo<strong>do</strong>. Mais <strong>do</strong> que ignorar a questão <strong>da</strong> consciência fenomenal,<br />

Dennett rebate-a pura e simplesmente sobre outras questões, nomea<strong>da</strong>mente<br />

sobre a questão <strong>do</strong> acesso a si de um sistema, que<br />

determina a disponibili<strong>da</strong>de de conteú<strong>do</strong>s para o controlo racional<br />

<strong>da</strong> acção e <strong>da</strong> fala, sobre a questão <strong>do</strong> eu, liga<strong>da</strong> ao uso de uma<br />

representação de si num sistema, e sobre a questão <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

mentais de segun<strong>da</strong> ordem."3, esta<strong>do</strong>s mentais acerca de outros esta<strong>do</strong>s<br />

mentais, cuja possibili<strong>da</strong>de se liga à monitorização interna de<br />

um sistema. Aliás e como se verá, o(s) acesso(s), o eu e os esta<strong>do</strong>s<br />

mentais de segun<strong>da</strong> ordem são assuntos trata<strong>do</strong>s de forma esclarece<strong>do</strong>ra<br />

na parte construtiva <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência, i.e. a partir de<br />

um modelo funcionalista.<br />

Dennett é o caso tipico <strong>do</strong> hlósofo qne N. Block tem em mente<br />

quan<strong>do</strong> se refere a filósofos que deslizam de forma tácita <strong>da</strong> noção<br />

de consciência fenomenal «para um ou outro destes conceitos cognitivos<br />

ou intencionais ou funcionais (de consciência)»'ji. Na ver<strong>da</strong>de,<br />

enquanto teórico <strong>da</strong> consciência, Dennett assume-se igualmente<br />

como o behaviorista- caracteriza<strong>do</strong>-por-Jacksonm, i.e. alguém<br />

que responde à trnth-nzaker qr~estion através <strong>da</strong> sz@erueniênciapsi-<br />

"'A idcia de ii&6er-orirrliioi~hi é cxplondn poi Dwid Rorcnthsl (ct por crcmplo ROSENTHAL<br />

1997) e sení de facto importante par* Dennett ern CE, corno se verá mais a frente. Todn umn pnite<br />

(l'nrtc X) ùn íntologin BLOCI


Soja M&I~~IIS<br />

dá como garanti<strong>da</strong> a superveniência 1ógca"Va consciência às proprie<strong>da</strong>des<br />

funcionais de um sistema cognitivo, o problema <strong>da</strong> consciência<br />

não chega a ser de facto um probleina. Dennett tem '&<strong>da</strong><br />

uma outra defesa perante as acnsacões de insensibili<strong>da</strong>de relativamente<br />

à experiência fenomenal e à possibili<strong>da</strong>de de ro~zbies: esta<br />

consiste em declarar que não existem questões de facto relativas à<br />

consciência fenomenal que escapem aos modelos funcion a li stas<br />

aue amesenta. A ~rofissão de fé de verificacionismo relativamente<br />

1 L L<br />

à consciência que sublaz a esta a£irmação baseia-se no facto de, no<br />

que respeita à consciência, o an-nch simplesmente ser o fi/r-nzzch. Se<br />

existll. fenomenologicamente é aparecer, na<strong>da</strong> pode haver de consciente<br />

e oculto, e Dennett considera que 9s seus modelos dão conta<br />

<strong>do</strong> estatuto de tu<strong>do</strong> aquilo que aparece. E por isso mesmo, devi<strong>do</strong><br />

a tal pretensão de exaustivi<strong>da</strong>de, que é essencial ter como referência<br />

a posição de fiiósofos que consideram o problema <strong>da</strong> experiência<br />

fenomenal o problema limite para o materialismo e que levam a<br />

sério a ameaca <strong>do</strong> roi~~bie~" para caracterizar a teoria <strong>da</strong> consciência<br />

defendi<strong>da</strong> por Dennett. A especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> posição de Dennett<br />

reside precisamente no facto de ela impedir qualquer suposi@ío de<br />

um carácter especial <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência.<br />

Concluir-se-á a presente tentativa de delinear o outro prisma de<br />

abor<strong>da</strong>gem fiiosófica <strong>da</strong> consciência com o resumo, feito por D.<br />

"" I.c. rlguCm pnin qucm a rclíi~ão de "necessitr$ào" entre as proprie<strong>da</strong>des bjsicas e ns propricdrdes<br />

supervcnientes (no caso a consciênci;!) é esplicirbvel unicamente em termos lógicos: scris mil+<br />

lrridlótio que enãdndes desctiras como ren<strong>do</strong> determinn<strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des (os hincionrimciitos que o<br />

bIEh1 cancterira) "50 fossem conscientes.<br />

'" Cf. PINTO 1999 para uma discussio abiangcnrc <strong>do</strong> problem~ <strong>da</strong> expeiêncin feciomend on<br />

fùosoús <strong>da</strong> mcntc, cstruniiadn cm torno <strong>da</strong> utUiz~$ão d:i no$ào de supervenièncis pnm cnrnctciizzi<br />

o mnteialismo e pnrn o tistamento ieúrico dn esperiêncin fenomend. Duns refcrêcicios crudriis são<br />

n obn de J. Kiin sobre a supervcniêncin (cf nomea<strong>da</strong>mcntc Iuhi 1993) c o trmmento ds fenomenolidndc<br />

<strong>da</strong> cxpcritncin por D Chalmcrs (CI-IAL.hIRRS 1999) prr& dclr. De rcoi<strong>do</strong> com o sumirio<br />

<strong>do</strong> trabnllio rcferi<strong>do</strong> (PINTO 1999: 3-4) procede-se n: (1) i\presenrn$3o <strong>do</strong> concçiro de supcrvc-<br />

~iiêncir e dns suas v;iiicdsdes, (2) i\presenm$ão <strong>do</strong> mnteiiaiiiismo ou 6sicnlismo como posisio mcta-<br />

fisicn, (3) Esposi$%o <strong>do</strong>s dilemns <strong>do</strong> hinciomlismo os fùosofia <strong>da</strong> mccitc, dilemas cstcs quc não condurcm<br />

ao sbm<strong>do</strong>no <strong>do</strong> hincionaiismo mas sim P cxplicitaçio <strong>do</strong> scu campran,.,.,,.Ii:,iii : i,? i.,i


Soja Migi~er~s<br />

Chamar-se-á em geral à teoria <strong>da</strong> consciência apresenta<strong>da</strong> por<br />

Dennett uma teoria dej7aciot~ária, i.e. uma teoria que desvaloriza ou<br />

diminui aquilo que se pensava existir. O aspecto deflacionário relaciona-se<br />

não apenas com a desconstrnção <strong>da</strong> ideia de fenomenologia<br />

e com a eliminação <strong>do</strong>s ql<strong>da</strong>lia mas também com a pretensão<br />

segun<strong>do</strong> a qual a consciência não envolve uma "descontinui<strong>da</strong>de"<br />

ou abismo relativamente ao resto <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de física. Em suma, e de<br />

novo nos termos de D. Chalmers, a estratégia de Dennett é tentar<br />

justificar que o hardprobhz <strong>da</strong> consciência fenomenal não é senão<br />

mais um "problema simples" como o são as questões respeitantes<br />

a processamento de informação, categorização, controlo de acção,<br />

acesso interno e produção de relatos verbais de esta<strong>do</strong>s internos.<br />

Não há razão para proclamar mistérios (acerca <strong>da</strong> consciência fenomenal),<br />

há sim necessi<strong>da</strong>de de elaborar modelos. Ora, quan<strong>do</strong> se<br />

trata de elaborar modelos, aquilo que a teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência<br />

oferece é, nas palavras de J. Searle, um exemplo de IA Forte.<br />

Na descrição que J. Searle faz <strong>do</strong> MEMdG7, este corresponde à pretensão<br />

segun<strong>do</strong> a qual ser consciente é implementar um programa<br />

que instala virtualmente seriali<strong>da</strong>de numa máquina paralela que<br />

evoluiu por selecção natural, o cérebro. E de facto o modelo de<br />

consciência defendi<strong>do</strong> em CE propõe que a consciência de ca<strong>da</strong><br />

indíviduo consciente consiste não numa "aparição fenomenal" mas<br />

na operação de uma Máquina VirtualdG8 instala<strong>da</strong> no cérebro (este é<br />

de rcsto mais um aspecto <strong>do</strong> "deflacionismo" dennetiano: a reali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> consciência é de acor<strong>do</strong> com o MEM de alguma forma<br />

uma reali<strong>da</strong>de uirti~a4.<br />

Ao longo de to<strong>do</strong> o presente capítulo procurar-se-á expor as<br />

proposta de Dennett quanto à consciência e avaliá-las, conceden<strong>do</strong><br />

à parti<strong>da</strong> que existem bons motivos para defender a separação <strong>do</strong><br />

tratamento teórico <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de relativamente<br />

ao tratamento <strong>da</strong> consciência. Dennett não é o único a<br />

defender esta separação: é bastante plausível pensar que a inteligência<br />

e a intencionali<strong>da</strong>de estão muito mais espalha<strong>da</strong>s <strong>do</strong> que a<br />

consciência. Uma situação como a vitória de Deep Blue sobre I


namento meto<strong>do</strong>lógico face às questão empíricas dáconsciência<br />

que estes modelos justificam e (3) as implicações <strong>do</strong> modelo mais<br />

elabora<strong>do</strong>, o modelo de CE, relativamente aos problemas fdósóficos<br />

stan<strong>da</strong>rd <strong>da</strong> consciência (formula<strong>do</strong>s em termos de qz~aha e ~ombies,<br />

eqlatzato~ g@, bard proble~n verstls eag problems, what-it's-&e,<br />

Mary-a-neurocientista-<strong>da</strong>-cor, Quarto Chinês, etc)'".<br />

A estratégia a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> por Dennett para enfrentar o problema <strong>da</strong><br />

consciência está patente na própria estrutura de CE e consiste em<br />

deixar para o fim o momento em que se encara a formulação e a discussão<br />

fiiosóficas orto<strong>do</strong>xas <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência. Dennett<br />

começa sempre pela teoria empírica, pelo ponto de vista de terceira<br />

pessoa, partin<strong>do</strong> não de análises conceptuais mas de teorias <strong>da</strong> evolução<br />

biológica <strong>da</strong> consciência e de modelos <strong>da</strong> evolução no cérebro.<br />

É certo que a teoria envolve também, ou pressupõe, um trabalho<br />

meto<strong>do</strong>lógico, e não já propriamente empírico, de análise <strong>da</strong>s relações<br />

entre os relatos verbais que os sujeitos fazem <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s<br />

mentais, e os "responsáveis causais" por esses esta<strong>do</strong>s mentais. Na<br />

forma madura de CE, esta é a função <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> heterofenomenológico,<br />

um méto<strong>do</strong> descritivo supostamente neutro. De forma revela<strong>do</strong>ra,<br />

o mun<strong>do</strong> heterofenomenológico identifica-se com o mun<strong>do</strong><br />

nocional <strong>do</strong> capítulo anterior. Além disso, de acor<strong>do</strong> com as ideias<br />

propostas, a consciência está longe de ser um traço único, especial e<br />

básico <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como o é para fiiósofos como Nagel ou Chalmers<br />

e em geral para qualquer pessoa para quem a consciência não seja o<br />

resulta<strong>do</strong> contingente <strong>da</strong> instalação de linguagens naturais emgaets<br />

biológicos de natureza local como os cérebros humanos.<br />

I<br />

3.2 Modelos de corzsciêncza e rlatzrrep <strong>da</strong>s experiêrzcias: Brainstorms<br />

(1978). 1<br />

«I-laving an inner life is (...) a matter of having a certain sort of functional<br />

organizationx (...) «I propose to construct a Fui-fledged "I" out of sub-perso-<br />

na1 parts by erploiting (...) notions of access)), Daniel Dennetti"<br />

«I siiggest that a theory of consciousness should take erperience as fun<strong>da</strong>-<br />

mentaù), David Chalmers4"<br />

'-" Terminologia dc, rcrpccU\~~mcnte,<br />

"' DIINNIITi 1978: 71, segui<strong>do</strong> de DENNETT 1978: 154.<br />

"' CHALhIDRS 1997: 19.<br />

J. Levhe, D Chrlmers, T. Nngel, F. Jncksoii e J. Senrlc.<br />

I<br />

Unia Tco>iII Fisicc~/isft(i <strong>do</strong> Co~~tezi<strong>do</strong> e (lu Co~~sciê~iCia<br />

O psicólogo Philip Johnson-Laird a6rmou uma vez que qualquer<br />

teoria <strong>da</strong> mente que se preten<strong>da</strong> cientíúca deve tratar a mente como<br />

um autómato"'. No que se segue procurar-se-á expor aquilo que<br />

Dennett faz nesse senti<strong>do</strong> com os seus modelos de consciência. Em<br />

BS4'Wennett procura aperfeiçoar a noção de consciência como<br />

auto-acesso linguisticamente apercebi<strong>do</strong> e incorrigível apresenta<strong>da</strong><br />

em C&C. O aperfeiçoamento passa pela proposta de um modelo<br />

funcionalista, explicita<strong>do</strong> em To~vard a C@tive Tbcory oj'" Conscioztsness.<br />

Dennett importa <strong>da</strong> psicologia cognitiva para a hlosofia <strong>da</strong> mente o<br />

uso de diagramas, notório em psicólogos cognitivos como Philip<br />

Johnson-Laird ou Bernard Baars"', uso esse ele próprio inspira<strong>do</strong><br />

nos fluxogramas <strong>da</strong> ciência de computa<strong>do</strong>res. O modelo apresenta<strong>do</strong><br />

em Torvard a Cognihue Tbeoy oj'" Co~zscioz~sness, com os seus sub-sistemas<br />

funcionalmente individua<strong>do</strong>s (ou módulos) e o fluxo de informação<br />

entre eles, é disso exemplo. No modelo a consciência não aparece<br />

como mais um móduio mas antes como difusão ou "publicação"<br />

<strong>do</strong>s eventos em larga medi<strong>da</strong> inconscientes que guiam o comportamento<br />

<strong>do</strong> sistema. Através <strong>do</strong> modelo apresenta<strong>do</strong>, Dennett<br />

propõe-se construir o eu consciente (ou acesso pessoal) a partir de<br />

partes sub-pessoais. A intenção que preside ao modelo é, pelo menos<br />

em parte, criticar a importância exagera<strong>da</strong> concedi<strong>da</strong> à mente consciente<br />

e à sua eficácia causal na geração <strong>da</strong> acção. Apesar disso, o<br />

"componente-controlo" tem ain<strong>da</strong> um lugar de relevo no modelo de<br />

BS, o que não acontecerá no modelo de produção por pandemónio4"<br />

de CE. Homúncuios e acessos (pessoal e sub-pessoais) são fun<strong>da</strong>mentais<br />

no modelo. A consciência é identifica<strong>da</strong> com o acesso pessoal.<br />

Este distingue-se de <strong>do</strong>is outros tipos de acesso sub-pessoal, o<br />

acesso computacional e o acesso público, que retomam a distinção<br />

estabeleci<strong>da</strong> em C&C entre apercebirnento-2 e apercebimento-l e<br />

dizem respeito a relações entre partes de sistemas (por oposição a<br />

relações entre o sistema global e esta<strong>do</strong>s de coisas no mun<strong>do</strong>).<br />

Por deúnição, (Aquilo de que eu estou consciente é aquilo a que<br />

eu tenho acesso, ou @ara colocar o ênfase no sítio devi<strong>do</strong>) aquilo a<br />

que Eu tenho acesso. Vamos chamas a este tipo de acesso o acesso <strong>da</strong><br />

consciência pessoal para acentuar que o sujeito desse acesso (que<br />

" JOHNSON-LAIRD 1983: 477.<br />

" Sobrcru<strong>do</strong> nn Wrre 111 (O&ecli COJ,~&,,IIIIII<br />

nii,/ llic Ndiim ol EEPP~~IICC)..<br />

" Cf por exemplo BMRS 1988 e JOHNSON-LAIIW 1983.<br />

'' O tcrmo 6 de Oiivcr Sclfridgc c o scu uso $cri gcnemliia<strong>do</strong> em DENNETT 1991, nomean-<br />

<strong>do</strong> anres de mais um processo nieitfra<strong>do</strong>


Soja Mig~ens<br />

exaure a consciência) é a pessoa e não alguma <strong>da</strong>s partes <strong>da</strong> pessomi".<br />

Quanto à noção de acesso computacional, a própria expressão remete<br />

para aquilo que a inspira: a programação estrutura<strong>da</strong> em sub-rotinas.<br />

O acesso computacional diz respeito ao fluxo de informação<br />

entre diferentes rotinas. O acesso computacional não se relaciona<br />

directamente com o acesso pessoal @os exemplo, una pessoa não<br />

tem acesso pessoal à informação trata<strong>da</strong> no seu sistema visual, embora<br />

o acesso computacional entre partes sub-pessoais <strong>do</strong> sistema visual<br />

deva existir para que a pessoa possa estar a ver). É sobre a nosão<br />

de acesso público (que é também um acesso sub-pessoal, entre partes<br />

<strong>do</strong> sistema) que recai agora o privilégio <strong>da</strong> linguagem na teoria <strong>da</strong><br />

consciência. Para explicar a noção de acesso público é de novo evoca<strong>da</strong><br />

a ideia de rastros de programas: t8requentemente é útil a um<br />

programa<strong>do</strong>r ter acesso ao que o computa<strong>do</strong>r está a fazer, de mo<strong>do</strong> a<br />

que o progresso <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r com o programa possa ser monitoriza<strong>do</strong>:<br />

para isto providencia-se um rastro (hzice) <strong>do</strong> programa, de<br />

mo<strong>do</strong> a que o computa<strong>do</strong>r possa imprimir, passar para fora (priitt ozlt),<br />

informação acerca <strong>do</strong>s passos intermédios <strong>da</strong>s suas próprias opera-<br />

çõe~))"~. Acesso público deste tipo envolve uma sub-rotina com aces-<br />

so computacional a determha<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processamento inter-<br />

no e utii rastro exterior desses resulta<strong>do</strong>s, no caso humano por exein-<br />

plo a fah. Embora o acesso computacional e o acesso público sejam<br />

ambos sub-pessoais, eles têm <strong>do</strong>mínios diferentes. O primeiro diz res-<br />

peito àquilo que está a ser utiliza<strong>do</strong> para controlar o comportamento<br />

<strong>do</strong> sistema, o segun<strong>do</strong> àquilo que está disponível para ser relata<strong>do</strong>.<br />

Que se trata de coisas diferentes era já, recorde-se, o ponto <strong>da</strong> disán-<br />

$20 enk apercebimento-2 e apercebimento-1. Pelo facto de sermos<br />

criaturas linguísticas, o acesso público parece-nos próximo <strong>do</strong> acesso<br />

pessoal ou mesmo idêntico a ele. Dennett defende no entanto que o<br />

"sujeito" <strong>do</strong> acesso público não é o eu (ou meihog defende que o<br />

acesso público não tem "sujeito", i.e. que o querer-dizer não é agen-<br />

cia<strong>do</strong> por um eu). Com estas três noções de acesso, parte-se para a<br />

tnodela


de fala <strong>da</strong><strong>da</strong> ao CRP, que executa a ordem e produzum acto de<br />

fala4".<br />

É claro que um item deve estar no CM para poder ser acedi<strong>do</strong><br />

pelo CRP como conteú<strong>do</strong> de uma intencão semântica (embora estar<br />

no CM não seja condição suficiente para tal). Logo, é preciso saber<br />

o que vem a estar no CM. Ora, grande parte <strong>do</strong> que está no CM<br />

chega <strong>da</strong> Percepção. O modelo necessita assim de um quarto componente,<br />

um Cofiponente Percepção, CP. Nem to<strong>do</strong> o tratamento computacional,<br />

incluin<strong>do</strong> a "geração e teste de hipóteses" que a percepção<br />

envolve e que o modelo considera, chega ao CM. A análise<br />

perceptual é aliás governa<strong>da</strong> por instruções <strong>do</strong> CC, que tem que<br />

gerir os recursos cognitivos e dirigi-los para aquilo que é mais importante.<br />

Esta adscricão de recursos cognitivos constitui a Atenção.<br />

O Conponente Atenção (CA), o quinto componente <strong>do</strong> modelo, está<br />

apenas indirectamente liga<strong>do</strong> com a consciência. Aquilo que chega<br />

ao CM <strong>do</strong> CP provem de muitos níveis <strong>da</strong> análise perceptual. Muito<br />

desse material não será sequer "publicita<strong>do</strong>" (pelo CRP). Dennett<br />

não identifica o que é apercebi<strong>do</strong> com o que pode ser "publicita<strong>do</strong>",<br />

em contraparti<strong>da</strong> estabelece que se alguma coisa pode<br />

ser "publicita<strong>da</strong>" ela foi apercebi<strong>da</strong>, i.e. regista<strong>da</strong> no CM. Além <strong>do</strong><br />

que chega de CP, chegam ao CM resulta<strong>do</strong>s de um Conlponente de<br />

Rcsob~çZo de Problenzas (CRPr, o sexto componente). O próprio CC<br />

também envia informações (planos, intenções, etc) para o CM.<br />

As condições <strong>da</strong> consciência como acesso pessoal são então as<br />

seguintes de acor<strong>do</strong> com este modelo:<br />

(1) Como já se defendera em C&C, o acesso conpz~tacio~ralpara controlo<br />

<strong>do</strong> coTTlpoI-tanento é indepet~dente <strong>do</strong> acesso conp~~taiotlalpai-a pz~bhitação. Tal<br />

facto justifica a não-fiabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> evidência introspectiva (=acesso<br />

público) quanto ao que se passa no sistema e está envolvi<strong>do</strong> no controlo<br />

<strong>do</strong> comportamento (=acesso computacional).<br />

(2) O CRP pode receber "ordens para actos de fala" e não conseguir<br />

executá-las por não ter como, por não ter por exemplo palavras.<br />

O CC pode li<strong>da</strong>r com a situação dirigin<strong>do</strong> recursos para o CP,<br />

e produzin<strong>do</strong> uma nova percepção. Um processo assim conduz ao<br />

enriquecimento perceptivo e explica a sofisticação <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de<br />

discriminação (por exemplo de um prova<strong>do</strong>r de vinhos ou de um<br />

pintor) por revisão perceptual.<br />

'"' Flanngan (FLANAGAN 1992) comenra que os relatos dc cxpcriêncin conscienre são como<br />

prm rrlee~c.~ de um poita voz gouernnmental quc csti fora <strong>do</strong> cúculo de decisão c quc C um <strong>do</strong>s úitimos<br />

n snbcr.<br />

Um Teoria Iiz~icaiista <strong>do</strong> Conte/;<strong>do</strong> e d.


em sub-sistemas ou agentes ou homúnculos com funções especializa<strong>da</strong>s<br />

(como a decomposição que o modelo de To~uard a Cogniifive<br />

Tbeory of Coizscioz~s~~ess apresenta, embora os homúnculos deste sejam<br />

ain<strong>da</strong> demasia<strong>do</strong> sofistica<strong>do</strong>s). Os agentes são por sua vez constihú<strong>do</strong>s<br />

por outros agentes mais "estúpi<strong>do</strong>s", e assim sucessivamente,<br />

até se chegar a componentes mecânicos que permitirão pura e<br />

simplesmente dispensar (disíziss) os liomúnculos ou agentes. Só uma<br />

abor<strong>da</strong>gem assim pode mostrar a solução para o problema de Hume.<br />

Quanto à questão decisiva (Seria corno a&in~a coisa ser esta organi-<br />

~açãoq Dennett defende que a resposta é afirmativa. Para alguém<br />

que li<strong>da</strong>sse com a enti<strong>da</strong>de a partir de fora, haveria certamente a<br />

percepção de que para ela é como alguma coisa ser. Ela &a como<br />

é ser e descreveria o que se passa consigo. A objecção segun<strong>do</strong> a<br />

qual a ilusão aí envolvi<strong>da</strong> se prova pelo facto de que o interior <strong>do</strong><br />

sistema é "escuro" e na<strong>da</strong> nesse interior se sente ser, Dennett responde<br />

que exactamente o mesmo acontece com o interior <strong>do</strong> nosso<br />

cérebro. Nós somos o primeú-o "modeliza<strong>do</strong>" por este modelo,<br />

uma organização que tem acesso consciente aos resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processamento<br />

cognitivo mas não aos próprios processos, e que dá por<br />

si a "querer dizer", a gerar episódios proposicionais, sem qualquer<br />

ideia acerca <strong>do</strong> que causa esses esta<strong>do</strong>s.<br />

Para Dennett - mais uma prova <strong>da</strong> persistência <strong>da</strong> inspkação ryleana<br />

no seu pensamento483 - quan<strong>do</strong> se procura comparar este modelo<br />

funcionalista com aquilo que nós somos, constatamos que o tipo de<br />

evidência de que dispomos para pensarmos naquilo que somos consiste<br />

exactamente nos nossos próprios pronunciamentos não estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s.<br />

Em geral, episódios proposicionais, pensamentos de que p, são<br />

o caminho <strong>do</strong> auto-conhecimento e esgotam o apercebimento imediato<br />

que temos de nós mesmos. Objectar-se-ia talvez que o nosso autoapercebimento<br />

imediato envolve também enti<strong>da</strong>des fenomenais, como<br />

por exemplo imagens mentais. Dennett afirma no entanto que as imagens<br />

mentais atesta<strong>da</strong>s em experiências psicológicas como as de R.<br />

Shepard4" são "supostos" (posits) análogos aos que Hume.'" considerava<br />

explicarem a continui<strong>da</strong>de e a persistência independente <strong>do</strong> pensamento<br />

(não apercebi<strong>da</strong>s) <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real exterior. Lista-se em segui<strong>da</strong><br />

os princípios gerais que suhjazem ao modelo funcionalista de BÇ:<br />

'" RYLE 194% 194.<br />

'"' Dennett rcfcre-se aqui r SHEI'ARD S; i\IETZLER 1971. Os crm<strong>da</strong>s dc imagens rncntais<br />

sciio analisa<strong>do</strong>s no ponto 3.2.2.<br />

"'> HUhlI3 [1739].<br />

Unia Teoria Fisicoli~ta rio Co~feri<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisciê~~ria<br />

(1) O apercebi~zento é nmis alarga<strong>do</strong> <strong>do</strong> qzie a 'éxperiênia consciente"e é<br />

simplesmente iderztzzcáueL com digonibili<strong>da</strong>de na menlóiia.<br />

(2) O conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> apercebimento é tu<strong>do</strong> aquilo que entra no<br />

CM. No entanto, esse contezí<strong>do</strong> pode degra<strong>da</strong>r-se ozi soj+er inteferências antes<br />

de ser recllpera<strong>do</strong>para acessopiibLco, já que a expressão ou "publicitacão"<br />

de qualquer conteú<strong>do</strong> envolve um acesso sub-pessoal entre o CM e<br />

o CRP. Logo, não é possível afirmar sem margem de dúvi<strong>da</strong> que<br />

aquilo que alguém dá por si queren<strong>do</strong> dizer mostra infalivelmente o<br />

que foi / está a ser experiencia<strong>do</strong>.<br />

(3) O acessopessoal (ou consciêlrcia) acontece atraziés <strong>do</strong> acesso entre o CM<br />

e o CRP sem obseruação interna ozi zlrtro~pecção. O sentimento de autori<strong>da</strong>de<br />

introspectiva advéin <strong>do</strong> facto de serem as intenqões semânticas<br />

(concebíveis como ten<strong>do</strong> por base a relação funcional:<br />

CC+CRP) o stan<strong>da</strong>rd pelo qual são "medi<strong>da</strong>s" as produções verbais<br />

de um sujeito. Se o sujeito diz o que quer dizer, não haverá<br />

"injustica" no acesso à vi<strong>da</strong> interior. Contra o que afirmara em<br />

C&C acerca de incorrigibiii<strong>da</strong>de, Dennett considera agora estar a<br />

explicar o facto de as pessoas pensarem que são incorrigíveis, o seu<br />

sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva, e não uma real incorrigibiii<strong>da</strong>de<br />

(i.e. uma infalibili<strong>da</strong>de).<br />

Em geral, o modelo ilustra a tese segun<strong>do</strong> a qual ter uma vi<strong>da</strong><br />

interior é uma questão de organização funcional e não de uma<br />

especial "luz acesa no interior" (esta é evidentemente uma alusão i<br />

consciência fenomenal referi<strong>da</strong> no início deste capítulo). Nas palavras<br />

<strong>do</strong> autor «O que me convence de que uma teoria cognitivista<br />

poderia capturar to<strong>da</strong>s as características que eu descubro na minha<br />

vi<strong>da</strong> interior e que me são caras, não é um argumento e nem é apenas<br />

o apelo programático a preservar assim qualquer coisa como a<br />

uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ciência, mas antes uma tentativa detalha<strong>da</strong> de descrever<br />

para mim próprio exactamente essas características <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong><br />

e a natureza <strong>do</strong> meu contacto (aqnaintance) com elas que eu citaria<br />

como fun<strong>da</strong>mentos para afirmar que eu sou - e não meramente<br />

pareço ser consciente»"'.<br />

Em concreto, o modelo de BS conduz a um posicionamento<br />

meto<strong>do</strong>lógico determina<strong>do</strong> perante o estatuto de fenomenologias<br />

empiricamente estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Em BS Dennett analisa os casos <strong>do</strong>s<br />

sonhos (no artigo Are Dreanzs Experientes?'"), <strong>da</strong>s imagens mentais<br />

'" DENNETT 1978g: 173.<br />

'" DENNFIT 1978i.


(no artigo Evo Approaches to Mental Iinages4'u) e <strong>da</strong> <strong>do</strong>r (no artigo Why<br />

E21 Can't iUake a Coizpzcter that I;èels PairtlR4.<br />

3.2.1 Ex,bcriêtzcia, nzeizória, apresentação, ex,bressão: os sonhos.<br />

A análise <strong>do</strong> estatuto de experiência <strong>do</strong>s sonhos feita em Are<br />

Drea~ns Elperiences? revela claramente o princípio verificacionista<br />

que rege a teoria <strong>da</strong> consciência e que continuará a ser explora<strong>do</strong><br />

no modelo de CE e especialmente no artigo Time and lhe Obseruer'".<br />

Os problemas abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s por meio <strong>da</strong> questão <strong>do</strong>s sonhos são por<br />

um la<strong>do</strong> a relação entre experiência, apresentação, memória e expressão<br />

e por outro o problema de saber a que evidência se pode<br />

justifica<strong>da</strong>mente apelar para determinar se uma determina<strong>da</strong> experiência<br />

existiu ou não"'. Estes são problemas gerais para uma teoria<br />

<strong>da</strong> experiência, não problemas específicos <strong>do</strong>s sonhos, e o seu<br />

núcleo é a questão <strong>do</strong>peso epistéi~~ico <strong>do</strong> sentii~~ento de aatori<strong>da</strong>de sdjectiva.<br />

Numa primeira caracterização o sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva<br />

marcaria a infalibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crenças acerca de esta<strong>do</strong>s de<br />

consciência próprios. Num âmbito mais estrito, trata-se de decidir<br />

que senti<strong>do</strong> poderia ter (se é que poderia ter senti<strong>do</strong>) uma "infuinacão"<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> de tais crenças por via <strong>da</strong> investigação empírica.<br />

6 impossível definir os sonhos como experiências que ocorrem<br />

durante o sono, como se faz vulgarmente, sem se ser obriga<strong>do</strong> a<br />

constatar que se pressupõe assim a possibili<strong>da</strong>de de ex,ber&cianuma<br />

enti<strong>da</strong>de de alguma forma inconsciente, Uma análise <strong>do</strong> alcance <strong>da</strong> defmição<br />

torna-se imperativa. Ela revelará <strong>do</strong>is pontos deseja<strong>do</strong>s por<br />

Dennett: (i) os sonhos permitem uma certa substituição <strong>da</strong> apresentação<br />

por memória, "substituição" esta que Dennett pretende<br />

alargar à teoria <strong>da</strong> experiência em geral; (i) os sonhos permitem<br />

clarificar a distinção existente entre a consciência e outras formas<br />

de apercebimento com as quais ela é frequentemente confundi<strong>da</strong>.<br />

O pretexto <strong>da</strong> análise leva<strong>da</strong> a cabo em Are Dreaizs Expetiences?<br />

são as teses defendi<strong>da</strong>s pelo filósofo N. Malcoim etn Dreaí~ing<br />

"DENNNETT 1978i.<br />

"" DENNEIT 19781.<br />

'* DENNEITMNSBOURNE 1992, sobre n rels$Zo entie o rempo e a consciincis.<br />

"'O problema dn cxisrtncia dc crpcrii.iiciu dc x rambCm rc coloca rclatirnmentc i siruaf8o de<br />

viguia. Na caso dn vi@% a quest2o <strong>da</strong> determinaç2o <strong>da</strong> erisrincia de erpcriincin coloca-sc par çscinplo<br />

em rela$io a alguma coisa visin durnnte um muito curto intervalo de tempo (por exemplo, 40<br />

milésimos de segun<strong>do</strong>).<br />

(1959)'"'. Na opinião de Dennett, na obra referi<strong>da</strong>, Malcolm apenas<br />

consegue salvar o sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva liga<strong>do</strong> ãs asserções<br />

de experiência interior ceden<strong>do</strong> a um conserva<strong>do</strong>rismo epistemológico<br />

inaceitável, de acor<strong>do</strong> com o qual qualquer investigação<br />

empírica sobre a subjectivi<strong>da</strong>de é "impertinente". Em Dnamirzg Malcoim<br />

defende, poi razões aprioiistas liga<strong>da</strong>s à sua f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> linguagem,<br />

que os sonhos não são experiências e que as investigações empíricas<br />

<strong>do</strong> sono REM (um estádio <strong>do</strong> sono assinala<strong>do</strong> por movimentos<br />

oculares rápi<strong>do</strong>^'^') não dizem respeito aos sonhos. A intenção de<br />

Dennett é mostrar o absur<strong>do</strong> destas teses ao inesmo tempo preservan<strong>do</strong><br />

aquilo que considera acerta<strong>do</strong> no verificacionismo de Malcolrn.<br />

Dennett crê que mesmo que o em-si <strong>da</strong> experiência seja por<br />

natureza um para-mim, isso não nos obriga a akirmar que o conhecimento<br />

<strong>do</strong>s fenómenos mentais só pode ser apriorista. Mas se<br />

considerações objectivas não são pertinentes para decidú- acerca <strong>da</strong><br />

presença de experiência e se ao inesmo tempo muitas vezes as convicções<br />

<strong>do</strong> sujeito não são suficientes para determinar a existência<br />

ou natureza <strong>da</strong> experiência (o que é o caso <strong>do</strong> sonho, se não se estiver<br />

disposto a decretar, por critérios linguísticas aprioristas, que os<br />

sonhos decidi<strong>da</strong>mente não são experiências), o perigo que espreita<br />

é evidentemente o de uma situação em que o teórico <strong>da</strong> consciência<br />

se vê obriga<strong>do</strong> a admitir fenómenos de subjectivi<strong>da</strong>de sem sujeito,<br />

yzcalia não apercebi<strong>do</strong>s. Para Dennett, a única alternativa pertinente<br />

é o verificacionismo em primeira pessoa.<br />

O venjcacionisino eili pIimeira pessoa é a ideia segun<strong>do</strong> a qual (i) é<br />

impossível por princípio a consciência de um estímulo na ausência<br />

de crença nessa consciência e (ü) é impossível por princípio ao<br />

sujeito decidir, relativamente à sua consciência de x, entre aparência<br />

e reali<strong>da</strong>de. A pertinência <strong>do</strong> ~erificacionismo em primeira pessoa<br />

quan<strong>do</strong> se trata de experiência interior deve-se a duas razões: (i)<br />

o em-si <strong>da</strong> experiência, a existência de experiência, só pode ser acedi<strong>do</strong><br />

como um para-mim, (ii) só a própria enti<strong>da</strong>de que se sente ser<br />

pode saber como é ser, e pelo menos no caso humano, exprimir<br />

como é para si ser, <strong>da</strong>í a sua autori<strong>da</strong>de.<br />

'" Cf inmbém híAl.COLhl1957.<br />

'" O sono REhl C um estidio <strong>do</strong> sono em que existe nctivngio cçiebisl <strong>da</strong>s ireas responsivcis<br />

pelo proccssamcnto visual c <strong>do</strong>s sisrcmas inotoms rcspnnsiveis por mouimecifos ocubres nípi<strong>do</strong>s.<br />

Suposeimenre, diirante o sono 1aM existem sensnçiies c pcrcepgõcs vívi<strong>da</strong>s, iiitcrnaincntc gera<strong>da</strong>s,<br />

pciisnmcnlos ii6gicos e bkrnrros e inovimesitos coinandn<strong>do</strong>s, embora inibi<strong>do</strong>s. O sono lEhl alterna<br />

com R \igUis c o sono n-io-REhl dc acor<strong>do</strong> com urna scqutncin rccorienre. Ct FIORSON 19992 c<br />

I-IORSON 1999b.


Soja ~Migi~et~s<br />

Há aqui no entanto um problema grave: para que alguém<br />

expresse a sua experiência interior deve haver inscrição e recuperação<br />

de informação, i.e. memória. Ora, seja o que fôr recor<strong>da</strong>r, não<br />

é ver<strong>da</strong>deiro por defmicão que o recor<strong>da</strong><strong>do</strong> tem que ter aconteci<strong>do</strong><br />

tal como é recor<strong>da</strong><strong>do</strong>, i.e. a natureza <strong>da</strong> memória não é tal que as<br />

memórias devam ser verídicas. O problema é que o sujeito ele próprio<br />

não tem qualquer possibili<strong>da</strong>de de distinguir, de entre as suas<br />

memórias, as memórias verídicas e as não verídicas, entre o que lhe<br />

parece ter si<strong>do</strong> e o que foi de facto4'". A vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s sonhos<br />

a este problema reside no facto de eles apenas serem acedi<strong>do</strong>s<br />

enquanto memórias de experiências. Como diria Malcolm, o uso <strong>da</strong><br />

frase «Estou profun<strong>da</strong>mente a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> e a sonham como assercão<br />

provocaria um sentimento de estranheza e seria de algum<br />

mo<strong>do</strong> auto-contraditório"'. Se os sonhos apenas são acedi<strong>do</strong>s por<br />

recor<strong>da</strong>cão subsequente impõe-se saber se o facto de alguém recor<strong>da</strong>r<br />

que sonhou basta ou não basta para concluir que sonhou (que<br />

experienciou, portanto). Malcolm defende que não, devi<strong>do</strong> ao seu<br />

verificacionismo, e é leva<strong>do</strong> a concluir em Drean~itzg (cujo objectivo<br />

era a análise conceptual wittgensteiniana <strong>do</strong> conceito "sonhar") que<br />

os sonhos não são experiências. Concluiu ain<strong>da</strong> que as investiga-<br />

cões científicas <strong>do</strong>s sonhos - que visam estabelecer a relação <strong>do</strong><br />

sono REM com o sonho e confirmar assim que os sonhos são<br />

"experiências que ocorrem durante o sono" - incorrem em viola-<br />

cões e peca<strong>do</strong>s conceptusiis e em última análise não dizem sequer<br />

respeito aos sonhos<br />

As investigações sobre o sonho e o sonho cuja clareza concep-<br />

tua1 Malcolm atacou continuaram e revelam que to<strong>da</strong>s as pessoas<br />

sonham, to<strong>da</strong>s as noites31


Soja ~M&II~~I<br />

contradiga o testemunho <strong>do</strong> sujeito: apenas as expressões que as<br />

pessoas produzem <strong>do</strong>s seus esta<strong>do</strong>s priva<strong>do</strong>s são critério <strong>da</strong>existência<br />

e natureza destes esta<strong>do</strong>s.<br />

Para salvar a autori<strong>da</strong>de introspectiva Malcolm viu-se no entanto<br />

obriga<strong>do</strong> a negar que os sonhos fossem experiências. O argumento<br />

é o seguinte: "experiências" são coisas tais que pode parecer-nos<br />

enganosamente que tivemos uma experiência sem a termos<br />

ti<strong>do</strong>, uma vez que faz senti<strong>do</strong> pensar em confirmar ou infirmar as<br />

asserções de experiência, independentemente <strong>da</strong> inclinação subjectiva<br />

à afumação. Pelo contrário, o único critério de uso <strong>do</strong> conceito<br />

"sonhar" é o testemunho de uma pessoa acor<strong>da</strong><strong>da</strong>, cujas asserções<br />

de experiência interior não podem, posteriormente e a partir<br />

de fora, ser confirma<strong>da</strong>s ou infirma<strong>da</strong>s. Logo, os sonhos não são<br />

"experiências". O argumento de Malcolm depende <strong>da</strong> conjugação<br />

<strong>do</strong> verificacionismo com uma teoria <strong>da</strong> significação que tem como<br />

referência a linguagem comum e de acor<strong>do</strong> com a qual (i) existem<br />

critérios para conceitos (ii) os conceitos devem ter méb<strong>do</strong>s de verificação<br />

ou não terão senti<strong>do</strong> (iu) existem casos paradigmáticos que<br />

cumprem esses critérios e nos quais se pode claramente decidir<br />

quanto i aplicação <strong>do</strong> conceito. E <strong>da</strong>qui que decorrem as conclusões<br />

quanto aos conceitos "sonhar" e "experiência".<br />

No entanto tais conclusões apenas se justificam se: (i) a análise<br />

apriorista fôr um méto<strong>do</strong> defensável para a abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

(de termos mentais e <strong>da</strong> linguagem em geral); (ii) a competência<br />

semântica <strong>da</strong>s pessoas (i.e. a forma como elas usam os conceitos)<br />

pressupuser de facto aquilo a que Putnam, analisan<strong>do</strong> as teses de<br />

Malcolm chama uma "gramática de profun~ii<strong>da</strong>de"~~. Essa gramática<br />

de profundi<strong>da</strong>de, não apercebi<strong>da</strong> pelo falante comum, revelaria a<br />

"dependência lógica" de conceitos em relacão a critérios (por exemplo<br />

a dependência lógica <strong>do</strong> conceito "sonhar" em relação ao testemunho<br />

de uma pessoa acor<strong>da</strong><strong>da</strong>) ten<strong>do</strong> como referência as Fronteiras<br />

<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> estabeleci<strong>da</strong>s pelo uso comum. É devi<strong>do</strong> a esta epistemologia<br />

que Malcolm defende que é uma extensão sem senti<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

conceito "sonhar" aquela que repousa sobre um critério fisiológico<br />

(por exemplo os movimento oculares rápi<strong>do</strong>s). O critério fisiológico<br />

envolve não apenas uma mu<strong>da</strong>nça conceptual radical como também<br />

o uso de um conceito sem méto<strong>do</strong>s de verificação.<br />

Malcol~n salua com a sua conclzisão o sctztimeíito de antori<strong>da</strong>de introqech-<br />

ua. A salvação dá-se no entanto, como já foi dito, à custa de zi~tz corrscrua-<br />

"" wiiAnr [i!162], ~~~,,,~iig iiic ~qtii G~,,,,,,J,O,:<br />

U;m Teoria Fisicalisfn <strong>do</strong> Contecicio e <strong>da</strong> Coi~sciêi~cia<br />

<strong>do</strong>rismo epirte~zológico inaceitáueLpara Dennett, que considera absur<strong>do</strong><br />

defender, como faz Malcolm, que as investigações <strong>do</strong> sono REM<br />

nem sequei. dizem respeito aos sonhos. O Facto de o em-si <strong>da</strong> expe-<br />

riência ser um para-mim não obriga a defender que o conhecimen-<br />

to <strong>do</strong>s fenómenos mentais só pode ser apriorista. Se o nosso auto-<br />

acesso não for um acesso epistémico a tipos naturais, parece dese-<br />

jável que os conceitos mentais tenham caracterizações técnicas,<br />

resultantes de investigacão empírica. E claro que o problema deste<br />

movimento é o facto de ele colocar fora <strong>da</strong> pessoa a autori<strong>da</strong>de acer-<br />

ca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> sua própria experiência.<br />

Como é óbvio a grande diferença de pressupostos entre fdóso-<br />

fos <strong>da</strong> linguagem como Wittgenstein e Malcolm e o próprio Den-<br />

nett é o facto de este considerar a análise conceptual um mau méto-<br />

<strong>do</strong> para a teoria <strong>da</strong> mente, que se traduz, no caso em causa, num<br />

impedimento arbitrário <strong>da</strong> consideracão de <strong>da</strong><strong>do</strong>s empíricos. H.<br />

Putnam ahrmara já que o principal erro <strong>da</strong> análise de Malcolm era<br />

não prever que os "critérios <strong>da</strong> significação", inclusive <strong>da</strong> significa-<br />

ção de termos mentais, se modificam ao longo <strong>do</strong> tempo, através<br />

<strong>da</strong> investigação empírica e <strong>do</strong>s novos conhecimentos. E claro que<br />

se se permitir a entra<strong>da</strong> de <strong>da</strong><strong>do</strong>s empíricos no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s termos<br />

mentais, o sentimento de autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sujeito não poderá ser ex-<br />

plica<strong>do</strong> como incorrigili<strong>da</strong>de quanto a conteú<strong>do</strong>s epistémicos. A in-<br />

corrigibili<strong>da</strong>de terá que ser explica<strong>da</strong> de outra maneira, nomea<strong>da</strong>-<br />

mente através <strong>da</strong> relação entre memória, apresentação e expressão<br />

e é precisamente esse o propósito <strong>da</strong> análise <strong>do</strong>s sonhos em Are<br />

Dreams E.yberier~ces?.<br />

Dennett considera nos sonhos processos de apresentação, me-<br />

mória e composição e o ponto que pretende explorar é o seguinte:<br />

mesmo que se admita quc acontece uma apresentação (enten<strong>da</strong>-se:<br />

consciente) <strong>da</strong>s imagens e narrativas <strong>do</strong> sonho, correspondente aos<br />

eventos neuronais durante o sono REIVI, é a memória, no senti<strong>do</strong><br />

de inscrição, armazenamento e recuperação de informação, que<br />

possibilita o relato <strong>do</strong> sonho. Ora a inscrição e o armazenamento<br />

podem por princípio ser inconscientes e são certamente indepen-<br />

dentes <strong>da</strong> (hipotética) apresentação. Assim, parece possível interfe-<br />

rir na recor<strong>da</strong>ção sem se ter interferi<strong>do</strong> na "apresentação". Interfe-<br />

rin<strong>do</strong> no armazenamento podem por exemplo ser introduzi<strong>da</strong>s<br />

memórias de sonhos não sonha<strong>do</strong>s, que serão recor<strong>da</strong><strong>da</strong>s como<br />

sen<strong>do</strong> de sonhos sonha<strong>do</strong>s. A recuperação para relato dá acesso a<br />

conteú<strong>do</strong>s mas não a garantia de que uma apresentacão aconteceu


Soja Mig~eris<br />

e nem isso pode ser avalia<strong>do</strong> pelo sujeito (foi o que Malcolm per-<br />

cebeu quan<strong>do</strong> defendeu que de "Parece-me que foi como alguma<br />

coisa sonhar" não é permiti<strong>do</strong> concluir que "Foi como alguma<br />

coisa sonhar").<br />

Esta condição (segun<strong>do</strong> a qual a recuperação para relato dá aces-<br />

so a conteú<strong>do</strong>s mas não a garantia de que uma apresentação acon-<br />

teceu) aplica-se à experiência em geral. Analisemos por exemplo<br />

uma recor<strong>da</strong>ção, reporta<strong>da</strong> por uma pessoa A, <strong>da</strong>s sua experiências<br />

relativas à entra<strong>da</strong> numa sala cheia de gente. Pergunta-se: Quantas<br />

pessoas estavam na sala? A pessoa B estava presente? No relato <strong>da</strong><br />

pessoa A, como em qualquer relato de experiência, estarão presen-<br />

tes conclusões tira<strong>da</strong>s com base em informação armazena<strong>da</strong>. Mas<br />

o que é expresso nas conclusões não tem que ter si<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>,<br />

apenas tem que ter si<strong>do</strong> inscrita e estar acessível a informação <strong>da</strong> qual<br />

decorrem essas conclusões. Se por exemplo a pessoa A afirma que<br />

a pessoa B não estava na sala cheia de gente onde entrou, não se<br />

pode <strong>da</strong>í concluir que ela apercebeu realmente uma ausência, a au-<br />

sência de B. Como diria Wittgenstein, a ausência de percepção não<br />

é percepção de uma ausência. A ausência de B não foi experiencia-<br />

<strong>da</strong> mas apenas "concluí<strong>da</strong>" a parar <strong>da</strong> informação disponível.<br />

Quanto ao terceiro processo envolvi<strong>do</strong> nos sonhos, a composi-<br />

ção <strong>da</strong>s frequentemente elabora<strong>da</strong>s narrativas e imagens <strong>do</strong> sonho,<br />

embora se considere usualmente que ela acontece durante o sono,<br />

nos perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sono REM, poder-se-ia descobrir que não é assim.<br />

Pense-se nos casos em que alguém sonha algo que encaixa perfei-<br />

tamente no que está a acontecer quan<strong>do</strong> se acor<strong>da</strong> (dá-se um gran-<br />

de estron<strong>do</strong> exterior, por exemplo, e o sonha<strong>do</strong>r acor<strong>da</strong> de um so-<br />

nho em que sonha que morreu numa explosão). Parece haver uma<br />

preparação narrativa <strong>do</strong> encaixe cotn a reali<strong>da</strong>de exterior. Excluin-<br />

<strong>do</strong> a existência de pré-cogni$o, esse encaixe poderia explicar-se,<br />

sugere Dennett, por hipóteses semelhantes a estas: talvez os so-<br />

nhos sejam compostos e apresenta<strong>do</strong>s muito rapi<strong>da</strong>mente no in-<br />

tervalo entre acor<strong>da</strong>r e estar plenamente desperto, sen<strong>do</strong> o efeito<br />

consegui<strong>do</strong> com um sistema de aeaso <strong>da</strong> percepção exterior. Ou<br />

talvez, nesse intervalo, os sonhos sejam compostos e armazena<strong>do</strong>s<br />

em ordein inverti<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong> depois recor<strong>da</strong><strong>do</strong>s na sequência pró-<br />

pria. Ou talvez exista uma biblioteca de sonhos não sonha<strong>do</strong>s no<br />

cérebro, com vários h s indexa<strong>do</strong>s, prontos a serem inscritos na<br />

memória de forma adequa<strong>da</strong> à percepção exterior, para Miem a ser<br />

relata<strong>do</strong>s. O que importa é que para o sonha<strong>do</strong>r, uma vez acor<strong>da</strong>-<br />

U//ia Teoria Fi~icalisfa <strong>do</strong> Coiite~íáo e <strong>da</strong> Coriscié'iicia<br />

<strong>do</strong> e relatan<strong>do</strong> o que lhe parece ser, será impossível por princípio<br />

perceber qualquer diferença entre memórias inseri<strong>da</strong>s de sonhos e<br />

sonhos experiencia<strong>do</strong>s.<br />

Dennett não pretende infirmar com um exemplo avulso e com<br />

hipóteses ad boc a ideia segun<strong>do</strong> a qual os sonhos são experiências,<br />

apenas analisar as implicações que a confirmação de uma hipótese<br />

empúica semelhante a estas teria. Tal confirmação atestaria que o<br />

sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva <strong>do</strong> sonha<strong>do</strong>r não lhe dá qualquer<br />

autori<strong>da</strong>de para decidir entre hipóteses relevantes. Pelo contrário,<br />

outro tipo de <strong>da</strong><strong>do</strong>s (nomea<strong>da</strong>mente neurofisiológicos) seriam<br />

mais relevantes para a decisão. E note-se que pelo menos de<br />

acor<strong>do</strong> com a última hipótese sonhar não teria si<strong>do</strong> como na<strong>da</strong>,<br />

embora viesse a parecer ter si<strong>do</strong> como alguma coisa.<br />

O objectivo <strong>do</strong> artigo Are Dreai~s Experielrcesl é defender que a<br />

questão "serão os sonhos experiências?" é uma questão teórica em<br />

aberto e não uma questão a dirigir ao soul~a<strong>do</strong>r. Não é possível<br />

decidir a resposta através <strong>do</strong> apelo à autori<strong>da</strong>de subjectiva. O caso<br />

<strong>do</strong>s sonhos mosua que, apesar <strong>do</strong> sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva<br />

que acompanha as asserçóes de experiência interior, o conteú<strong>do</strong><br />

destas é vulnerável à infirmação empírica. Dennett estende a<br />

conclusão a to<strong>da</strong> a Fenomenologia (por exemplo, como se verá à<br />

frente, ãs descricões de imagens mentais e às decisões voluntárias).<br />

O sentimento de autori<strong>da</strong>de subjectiva não assinala qualquer cotlheciliie~zto<br />

privilegia<strong>do</strong> <strong>da</strong> t/at/lrera <strong>da</strong> experiência mental, não sen<strong>do</strong><br />

sequer uma marca confivel <strong>do</strong> apercebimento num sujeito: o conteú<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> apercebimento é tu<strong>do</strong> aquilo que entra na memória e os<br />

indícios deste apercebimento não estão necessariamente ou exclusivamente<br />

liga<strong>do</strong>s ã convicção subjectiva. A haver no modelo de<br />

consciência de BS uma "relação conceptual" importante como<br />

queria Malcohn, ela é uma relação entre experiência e memória e<br />

não encce experiência e convicção subjectiva. O caso <strong>do</strong>s sonhos<br />

mostra que pode existir memória de algo apercebi<strong>do</strong> sem sequer ter<br />

havi<strong>do</strong> apresentação: basta ter havi<strong>do</strong> inscrição na memória de um<br />

conteú<strong>do</strong> que (i) guie o conlportainento actzlal. Este é um primeiro indicio<br />

<strong>do</strong> apercebimento de x (um conteú<strong>do</strong> qualquer) por um sistema.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a informação que guia o comportamento actual<br />

poderá ser objecto de acesso público, i.e. estar disponível para ser<br />

expressa. Um segun<strong>do</strong> indício <strong>do</strong> apercebimento será então (ii)<br />

poclerser expresso. Mas quan<strong>do</strong> alguém dá por si queren<strong>do</strong> emitir uma<br />

asserção de experiência interior, isso acontece por meio <strong>da</strong> memó-


Soja Mig~er~s<br />

ria (Cbí) e <strong>do</strong> "querer-dizer" (CC + CW), sem qualquer espaço de<br />

observação interno. Retoman<strong>do</strong> as conclusões de Towar<strong>da</strong> Cogr2itiue<br />

Theoly oJ Cor~.rLioz/s~iess Dennett defende que o sentimento de incorngibili<strong>da</strong>de<br />

que acompanha estas asserções é função <strong>do</strong>s acessos<br />

sub-pessoais inconscientes entre a memória e o sistemas de producão<br />

<strong>da</strong> fala e que os relatos de experiência interior são assim os próprios<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s e não relatos de <strong>da</strong><strong>do</strong>s. Precisamente os sonhos levam<br />

Dennett a alargar este segun<strong>do</strong> indício de apercebimento a um terceiro:<br />

(iu) a capab<strong>da</strong>de retrospectiva de relatar. O quarto indício serão as<br />

(iv) sahêmias jinriortais qz~e a ií~vestigaão e?zpirica descobrir (no nosso<br />

exemplo a caracterizacão <strong>do</strong> sono REW. Estes indícios podem<br />

inclusivamente chocar entre si.<br />

Assim, de acor<strong>do</strong> com a teoria verificacionista <strong>da</strong> consciência, a<br />

consciência não esgota o apercebimento. No entanto, os juízos esgotam<br />

a consciência imediata a que outros chamariam "consciência<br />

fenomenal". Não pode haver consciência de x sem crença <strong>do</strong> sujeito<br />

na consciência de x, e o sujeito será incorrigível nessa crença.<br />

Mas ele é incorrigível porque não tem "espaço de manobra" e não<br />

devi<strong>do</strong> a qualquer autori<strong>da</strong>de epistémica. Ser ilrcorriglvelnão éser figa-<br />

Kvel. Convem sublinhar, recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o início deste capih<strong>do</strong>, que<br />

Dennett pensa que apenas uma posicão verificacionista como esta<br />

"impede" ~ombies, espectros inverti<strong>do</strong>s ou epifenomenalismo, ideias<br />

que considera absur<strong>da</strong>s (<strong>da</strong>í que Dennett afxme que o "superficialismo"<br />

verificacionista não é uma posição superficial na teoria <strong>da</strong><br />

consciência). "Consciência" é apercebunento-de-que-(factos ocorrem)<br />

e algo que tem resulta<strong>do</strong>s (nomea<strong>da</strong>mente os conteú<strong>do</strong>s serem<br />

expressos). Poder-se-ia objectar dizen<strong>do</strong> que o que está a acontecer<br />

aqui é que o verificacionismo e a correlativa definição de<br />

consciência como um fenómeno de segun<strong>do</strong> grau estão a "ocupar"<br />

o lugar <strong>da</strong> consciência fenomenal. Dennett defende que um fenómeno<br />

como "consciência fenomenal, não epistémica" não existe,<br />

mas poder-se-ia contrapor que Dennett apenas pensa que tal fenómeno<br />

não existe devi<strong>do</strong> i sua "intelectualização" <strong>do</strong> apercebimento<br />

(traduzi<strong>da</strong> por exemplo numa confusão entre "aperceber maçãs"<br />

e "aperceber-se de que existem macãs"). É por esta razão que por<br />

exemplo Dretske classifica Dennett como cogmtivista, i.e. alguém<br />

para quem a própria percepção é já cognição, e ver ou ouW ou senár<br />

alguma coisa são espécies de juizos.<br />

Uma particulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teoria de Dennett é defender que no<br />

limite, em muito <strong>do</strong> apercebimento que acontece em sistemas co-<br />

mo os humanos, a pura apresentação desaparece e no seu lugar fica<br />

a memória, concebi<strong>da</strong> como registo fisico. Em Wtude desta substituição<br />

de apresentação por memória ter-se-á que somos muitos<br />

mais "apaga<strong>do</strong>s" 'O' <strong>do</strong> que aquilo que nos parece ser o caso (recorde-se<br />

comentários sarcásticos de J. Searle e T. Nagel, segun<strong>do</strong> os<br />

quais, respectivamente, se estaria, com a teoria <strong>da</strong> consciência de<br />

Dennett, a assistir a uma representação de Harnlet sem o princípe<br />

<strong>da</strong> Dinamarca, ou perante um livro sobre Picasso que não menciona<br />

ou mostra qualquer quadro). Convém no entanto ter consciência<br />

<strong>da</strong> outra leitura dessas críticas: para o próprio Dennett isso não<br />

acontece por deficiência <strong>da</strong> teoria, mas porque é assim que somos.<br />

Repita-se que neste quadro o apercebimento tem um âmbito muito<br />

maior <strong>do</strong> que a consciência (considera<strong>da</strong> como reportabiii<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

conteú<strong>do</strong>s para um eu), um âmbito a ser determina<strong>do</strong> pela investigação<br />

empírica. A autori<strong>da</strong>de subjectiva assinala apenas um certo<br />

tipo de acesso, não a presença de um género natural que seria a<br />

"consciência". Aprenden<strong>do</strong> com o absur<strong>do</strong> <strong>da</strong> posição de Malcolm,<br />

que pretendia decidir a parár <strong>do</strong> uso linguística presente se<br />

os sonhos são experiências, a conclusão de Dennett é que a noção<br />

de critérios de experiência é epistemológicamente ilegítima, deriva<strong>da</strong><br />

de uma insustentável posição apriorista perante aquilo que são<br />

questões empíricas abertas.<br />

Juntan<strong>do</strong> as conclusões de To~uar<strong>da</strong> Cog~~in'oe Theoy qf Co~~~cio~is~iess e<br />

de Are Dream Eqerierlces? obtemos o seguinte: um modelo como o proposto<br />

em BS conduz-nos a concluir que não dispomos de critérios<br />

apnoristas que garantam a existência de experiência num sistema.<br />

Assim, não podemos desde já distinguir claramente as coisas para as<br />

quais é como alguma coisa ser <strong>da</strong>s outras (aparentemente não podemos<br />

fazê-lo nem sequer sen<strong>do</strong>...). Não podemos fazê-lo porque por um la<strong>do</strong><br />

é o próprio mun<strong>do</strong> que é possivelmente vago, sem divisão abrupta<br />

entre consciência e apercebimento inconsciente, por outro porque se<br />

trata de questão empítícas abertas. As questões que deMm o reino<br />

subjectivo defendi<strong>do</strong> por Nagel são questões ((acerca <strong>da</strong>s quais a opinião<br />

subjectiva subsequente <strong>do</strong> sujeito não tem autori<strong>da</strong><strong>do</strong>~jO! Para<br />

"' Cf PINTO 199% 133 para o uso <strong>do</strong> tcrmo ':lp*.lgr<strong>do</strong>w. O termo "sp?gr<strong>do</strong>" rraduz o iermo<br />

~oi,b;e e nomeia urna ~i.~licn fiaica de um sisremn conscienre nn qual a espetiencia Eenomcnal csti<br />

msentc. Scr um apaga<strong>do</strong> ou ?o?,ibio neste sena<strong>do</strong> é evidentemcntc um caso dc ni<strong>do</strong> ou na<strong>da</strong> c ngo dc<br />

mais ou mcnos, como se esri aqui a supor. A pcrrin6ncin dc qudquei desces termos é :L captura dn<br />

situngao em que tu<strong>do</strong> dccorrcria no cscuro, enquanto Dennetr pensa que quan<strong>do</strong> se irara de erpcritncin<br />

nunca sc cstá peiantç siniagões assim 60 clnms (ou rio ercuns).<br />

" DENNElT 1978i: 143.


Dennett esta não é uma objecção e sim uma conclusão, que deve ser<br />

estendi<strong>da</strong> <strong>da</strong> análise <strong>do</strong>s sonhos à experiência em geral. A diferença<br />

entre ser e não ser como alguma coisa sonhar, e experienciar, tornou-<br />

se uma questão teórica, científica. Note-se no entanto que se é uma<br />

questão teórica em aberto saber se os sonhos caem dentro ou fora <strong>da</strong><br />

fronteira <strong>da</strong> experiência e se o propósito de Are Dreams Experientes? é<br />

alargar certas conclusões acerca <strong>do</strong>s sonhos à experiência em geral,<br />

ficar-se-á a certo ponto perante a aiirmação curiosa segun<strong>do</strong> a qual é<br />

uma questão em aberto saber se a experiência éexperiência ...<br />

A questão <strong>da</strong>s imagens mentais constitui hoje, como se pode<br />

verificar em qualquer manual, uma área clássica <strong>da</strong> ciência cognitiva,<br />

ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> objecto de acesa discussão na f<strong>do</strong>sofia e na psicologia.<br />

O dcbatc cntrc <strong>do</strong>is psicólogos cognitivos, Stephen Ijectos tiidimcnsionais de mo<strong>do</strong> a dccidircm<br />

U;II~ Teoria Fisicahita <strong>do</strong> Co~~lc~I<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~isciê~iciia<br />

iconofobia e iconoGlia ?ilet~@?itas e iconotilia e iconofobia eicnt$cas.<br />

Nomea<strong>da</strong>mente, apenas a iconofobia científica está aberta a refuta-<br />

ção. Dennett admite portanto em BS ter mistura<strong>do</strong> em C&C uma<br />

iconofobia metafísica acerta<strong>da</strong>, com uma iconofobia cientifica, que<br />

subscreve modera<strong>da</strong>mente. A análise leva<strong>da</strong> a cabo em Two Appro-<br />

aches to MentalImages pretende ser neutra na batalha entre iconófllos<br />

e iconófobos "científicos" e esclarecer o âmbito de legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

discussão acerca de imagens mentais.<br />

Os já menciona<strong>do</strong>s psicólogos S. I


logicamente descritas pelos sujeitos são apenas "epifenómenos"<br />

(um outro termo já de si po1émico)de representações de um outro<br />

tipo (único)? Iconófobos como 2. Pylyshyn defendem a existência<br />

de um tipo único de representações mentais, de "formato proposicionai"<br />

ou simbólico.<br />

É importante notar que a suposta existência de imagens mentais<br />

constitui uma objecção ao "cognitivismo simbólico clássico50n. Numa<br />

caracterização rápi<strong>da</strong> pode-se considerar que o cognitivismo<br />

simbólico clássico assenta no postula<strong>do</strong> de esta<strong>do</strong>s mentais simbólicos,<br />

com poder causal, o qual é explica<strong>do</strong> pela existência de relações<br />

funcionais / computacionais entre representações mentais e<br />

organismo. O nível simbólico <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e processos mentais, o<br />

nível <strong>da</strong>s relações computacionais, é um nível autónomo em relação<br />

ao nível físico que o implementa, e constitui uma arquitectura<br />

funci~nal'~' "cogmtivamente impenetrável" (i.e. isola<strong>da</strong> em relação<br />

a "acessos a partir de cima", não acessível ou modificável pelas<br />

crenças <strong>do</strong> sujeito que seriam o nível semântico <strong>do</strong> sistema). A ideia<br />

de níveis separa<strong>do</strong>s (físico, simbólico e semântico) é essencial a este<br />

paradigma de explicação c~gnitiva~'~. Ora, o nível simbólico é suposto<br />

ser (além de cognitivamente impenenetrável) precisamente<br />

siinbóLco (proposicional, digital, computacional) e não imagético.<br />

A discussão acerca de imagens mentais trava-se aparentemente<br />

num campo empírico, mas, de facto, um meta-problema espreita,<br />

que consiste em decidir se o problema debati<strong>do</strong> é conceptual ou<br />

empírico (note-se que o acima referi<strong>do</strong> "paradigma explicativo"<br />

não é propriamente uma descrição neutra mas uma proposta metateórica).<br />

Dividi<strong>do</strong> o campo entre iconófilos ou pictonalistas e iconófobos<br />

ou anti-pictorialistas, comecemos pelo princípio básico <strong>do</strong><br />

dc ~-el>rc~cncaçio ocontinurs e nzo discieras. Pylyshyn citn poi cxcmplo i dcfini~io quc Shcpard dá no<br />

contcrto <strong>do</strong> csni<strong>do</strong> <strong>da</strong>s imaeens " mcntnir dc um riraccsso analópico: " riara . Slie~ard C "annlówo" um<br />

processo que passa pelas mcsmos cítidios inrermCdios por que o processo iepresentn<strong>do</strong> teci* pns<br />

sa<strong>do</strong> (PYLYSFIW 1984: 203).<br />

*h Cf hL\CI-IUCO ROSA, 2002, 1. As ciéncins cognitiias cMssicrs, para uma lisragcm <strong>do</strong>s tcses<br />

ccnuais dcssc cogmiti~smo clirrica, que consirrc afinal na conurpsrte, na ciincia cogNtim, <strong>do</strong> funcioniiismo<br />

defini<strong>do</strong> filosoficrmcntc por H. Purnarn (cal como foi esposro no Capitulo I) e desenvolvi<strong>do</strong><br />

por Fo<strong>do</strong>r (nl como foi esposro no Cnpirulo 2), Z. Pylyshyn, Dblarr, etc.<br />

"A cxprcssão "nrquirccnirx funcionai" C rcoriza<strong>da</strong> por Z. l'ylyshyn (cf PYLYSMYN 1984). A<br />

questão C imporrance ncstc dcbntc.<br />

"" Por exemplo segun<strong>do</strong> D b121l;irr (hL4llil 1980) seciam distintos wn nixzel3 (fisico ou biológico),<br />

um nivcl 2 (simbólico ou funcional) e um nivcl l(scmintico). Exlstc obiiamcnrc uma correspondência<br />

enue estas idcias ccnuais na "cogniti\+smo clássico" e as noções de EF, ED e E1 rni como<br />

sào utllilira<strong>da</strong>r nn 'I'SI.<br />

anti-pictorialismo, defendi<strong>do</strong> por Z. Pylyshyn. De acor<strong>do</strong> com<br />

Pylyshyn, existe um único tipo de representações mentais. Isto não<br />

quer dizei- que as pessoas não têm imagens (fenomenologicamen-<br />

te) mas sim que as "imagens" fenomenológicas são produtos late-<br />

rais e epifenomenais, sem qualquer função cogmtiva, <strong>do</strong> processa-<br />

mento de representações simbólicas, proposicionais ou senten-<br />

ciais5". Dizer que as imagens são epifenomenais é dizer (na com-<br />

paração de ICosslyn) que (os traços descritivos <strong>da</strong>s imagens) «não<br />

têm na<strong>da</strong> a ver com a representação utiliza<strong>da</strong> para levar a cabo a<br />

tarefa, assim como as luzes acenden<strong>do</strong> e apagan<strong>do</strong> no exterior de<br />

um computa<strong>do</strong>r não têm na<strong>da</strong> a ver com o processamento interno<br />

(se forem removi<strong>da</strong>s, este continua idêntico)))'".<br />

A ideia de Pylyshyn é que processos fenomenológicos imagéti-<br />

cos dependem de conhecimento tácito. Se não existem representa-<br />

ções por semelhança mas apenas um mediai11 de representações,<br />

simbólico e não analógico, as "imagens" serão produto de inferên-<br />

cias sub<strong>do</strong>xásticas basea<strong>da</strong>s nessas representações proposicionais e<br />

não enti<strong>da</strong>des num nledit~nl analógico, obedecen<strong>do</strong> a leis "físicas".<br />

Em suma, para Pylyshyn, imagens mentais na<strong>da</strong> têm de específico<br />

relativamente a outras representações. O fulcro <strong>da</strong> tese de "picto-<br />

rialistas" como S. Iri,g iip,irio,n?. hlas as rcprcscnnsões<br />

são concieras, ~ e i ~ i > l e ~ i ~ cxpiês~õê~<br />

c - l , ~imliólicil~ num sistema simliólica ùircmo fisicamenre<br />

insinncin<strong>do</strong> (a linguagem de pçnsamenco ou meniali.5 dc Fo<strong>do</strong>i, ci,idcnremcnte). Emboca<br />

nem m<strong>do</strong> scja infcrincis nos processos que mcdciom input c aurput num sisremn cognitivo, esre C o<br />

raso caemplar, nno marca<strong>do</strong>, diz Pylysiiyn.<br />

": K0SSJ.W 1995: 383.


Nos humanos poderia ter evoluí<strong>do</strong> uma "capaci<strong>da</strong>de' imagética"<br />

com uma utili<strong>da</strong>de "ecológica" específica, servin<strong>do</strong> nomea<strong>da</strong>mente<br />

para li<strong>da</strong>r com as transformações no ambiente, a qual estaria<br />

agora instala<strong>da</strong>, permitin<strong>do</strong> os fenómenos que aparecem nos estu<strong>do</strong>s<br />

empíricos acerca de imagens.<br />

S. I


Soja Mig~leis<br />

<strong>do</strong>s pelas proprie<strong>da</strong>des intrínsecas <strong>do</strong> nredit~~n de representação em<br />

que os sujeitos imaginam. Recorde-se que a discussão entre iconó-<br />

Wos e iconófobos é acerca <strong>do</strong> que ocorre ao nível sub-pessoal<br />

quan<strong>do</strong> os sujeitos afirmam ter imagens, não acerca <strong>do</strong> que ocorre<br />

a nível pessoal.<br />

Na terminologia de Pylyshyn, a ideia de I


netráveis. A arquitectura funcionalé, recorde-se, o mecanismo de<br />

processamento de informação no sistema cognttivo, o qual,não<br />

requer qualquer caracterização "semântica" (se este lizedinm é representacional<br />

é-o no senti<strong>do</strong> sintáctico). Aquilo que requer caracterização<br />

semântica é pelo contrásio cognitivamente penetrável. O argumento<br />

básico de Pylyshyn é o seguinte: se o medinn~ analógico proposto<br />

por Icosslyn fosse parte <strong>da</strong> arquitectura funcional, os processos<br />

imagéticos não deveriam ser cognitivamente penetsáveis (assim<br />

como os processos cogmtivos de computação e inferência não são<br />

cognitivamente penetráveis). Trata-se então de interpretar o que é o<br />

caso com as imagens mentais e as leis nelas segui<strong>da</strong>s. Ora, segun<strong>do</strong><br />

Pylyshyn, aquilo que parece um processo nahlrai que se desenrola de<br />

acor<strong>do</strong> com leis imputáveis ao medinm (os princípios acima nomea<strong>do</strong>s)<br />

revela-se afinal cognttivamente penetsável. Aquilo que acontece<br />

com as imagens é manipuláx~el por meio de instrucções verbais.<br />

Resta então saber exactamente que tarefa estão os sujeitos a levar a<br />

cabo quan<strong>do</strong> imaginam numa <strong>da</strong>s situações e~perimentais~'~. Para<br />

Pylyshyn isto mostra que é conhecimento tácito (e não proprie<strong>da</strong>des<br />

de um nzedi21111 analógico) o que permite explicar a situação. Se a formação<br />

e a transformação de imagens são processos cognitivamente<br />

penetráveis, as caracteristicas desses processos não são explicáveis<br />

fazen<strong>do</strong> apelo às proprie<strong>da</strong>des <strong>do</strong> ~izediz~~~~. Pylyshyn evoca por exemplo<br />

experiências que envolvem a imaginação <strong>da</strong> resolução de problemas<br />

fisicos comuns (problemas como "de que cor serão as tsansparências<br />

sobrepostas?" ou "O que acontecerá ao nível <strong>da</strong> água<br />

se...?') mostran<strong>do</strong> que os resulta<strong>do</strong>s dependem <strong>do</strong>s conhecimentos<br />

de física <strong>do</strong>s sujeitos, não de leis <strong>do</strong> 77edil,nl. Os sujeitos que obtiveram<br />

resulta<strong>do</strong>s totalmente acerta<strong>do</strong>s nas tarefas de imaginacão eram<br />

sujeitos capazes de declarar explicitamente os princípios teóricos que<br />

justificavam esses resulta<strong>do</strong>s, como entrevistas posteriores vieram a<br />

mostrar. Pylyshyn comenta ain<strong>da</strong> a situação <strong>do</strong> mapa de Icosslyn,<br />

consideran<strong>do</strong> que também ela explora conhecimento <strong>do</strong>s sujeitos.<br />

Os resulta<strong>do</strong>s dependem de etiquetação e interpretação e não de<br />

proprie<strong>da</strong>des inuínsecas <strong>da</strong> mostração de superfície.<br />

A discussão está aberta ain<strong>da</strong> hoje. Neste momento, e consideran<strong>do</strong><br />

que a questão será retoma<strong>da</strong> mais à frente no contexto <strong>do</strong><br />

"' Pi'LYSI-IYN 1984: 233 e 235. Os rujdtos podem estar a (1) resolver um problema usan<strong>do</strong><br />

uma forma dc rcprcscnta~Eo ou ~,~BBBBBB prescrito ou n (2) tentar recrini tia prcciismentc quanto possível<br />

rs sequéncin dç eventos percepti~~os que ocorrerinin sc o cvcnto cstivcsse realmente a ser observa<strong>do</strong>.<br />

Pyl).shyn crt que as insrcuqões conduzcm ao caso 2.<br />

modelo de consciência de CE, interessa apenas especificar o que<br />

pretende Dennett aGrmar acerca de imagens mentais em Tua<br />

Approacbes to ~Mentul Iinages. Repare-se que pretender que existem<br />

imagens é uma posição tão comprometi<strong>da</strong> <strong>do</strong> ponto de vista de<br />

Dennett como pretender que existem representacões sentenciais<br />

reais. Portanto, embora Dennett se incline para o la<strong>do</strong> anti-pictorialista<br />

<strong>da</strong> discussão (o la<strong>do</strong> de Pylyshyn) ele nunca poderia assumir<br />

um compromisso com representações sentenciais identicamente<br />

realista. O propósito de TIUO Approacbes to Mental Imagely é, como o<br />

propósito de Are Dreanzs Experientes?, meto<strong>do</strong>lógico. Pretende-se<br />

antes de mais esclarecer a confusão conceptual na discussão acerca<br />

de imagens mentais. Quer no caso <strong>do</strong>s sonhos quer no caso <strong>da</strong>s<br />

imagens está-se perante o problema <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s sujeitos relativamente<br />

i sua própria fenomenologia. Embora Dennett nem<br />

sequer ponha em causa o facto de a questão <strong>da</strong>s imagens mentais<br />

ser empísica, ele defende que a controvérsia não pode ser resolvi<strong>da</strong><br />

por meio de mais <strong>da</strong><strong>do</strong>s empísicos: trata-se de um problema conceptual.<br />

A questão <strong>da</strong> existência e natureza <strong>da</strong>s imagens mentais é<br />

empírica na medi<strong>da</strong> em que se uma pessoa afirmar que as imagens<br />

mentais não são eventos físicos ou estrumas no cérebro e sim<br />

items no espaço fenomenal que obedecem a uma lógica diferente<br />

<strong>da</strong> lógica <strong>do</strong> espaço físico, há razão suficiente para afirmar com<br />

segurança que essa pessoa está erra<strong>da</strong>. Não é preciso ciência mas<br />

apenas filosofia para prová-lo. O trabalho <strong>da</strong> filosofia é precisamente<br />

afastar <strong>do</strong>utsinas como essa, de~uan<strong>do</strong> o caminho desimpedi<strong>do</strong><br />

para a discussão entre a iconofilia e o iconofobia cientificas. O<br />

que gera afirmações como a menciona<strong>da</strong>, e afinal constitui o problema<br />

para o filósofo, é a presunção de autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas<br />

acerca <strong>da</strong>s suas imagens mentais, a presunção de poderem decidir<br />

acerca de si próprias se têm ou não têm imagens mentais. Ora,<br />

como se viu através de 2. Pylyshyn, a abor<strong>da</strong>gem científica <strong>da</strong>s imagens<br />

mentais está tão prepara<strong>da</strong> «para encontrar imagens mentais<br />

não imagéticas como os físicos estavam prepara<strong>do</strong>s para descobrir<br />

átomos divi~íveis»~". Dennett propõe-se portanto combater a intuição<br />

segun<strong>do</strong> a qual o que quer que a ciência descubra, o sujeito tem<br />

o direito de defender a to<strong>do</strong> o custo que tem imagens mentais. A<br />

sua proposta é um behaviorismo lógico interno, a que dá a seguinte<br />

formulação: "dizer estou a ter imagens mentais significa dizer


que estou a ter uma certa multiplici<strong>da</strong>de-p. A multiplici<strong>da</strong>de-a é o<br />

"efeito psicológico de a", a diferença que a existência de a faz na<br />

vi<strong>da</strong> cognitiva, seja o que fôr a. A letra a é usa<strong>da</strong> como termo neutro<br />

para "imagem mental que o sujeito acredita ter", sem qualquer<br />

compromisso acerca <strong>da</strong> existência de representações mentais imagéticas.<br />

É possível assim definir imagens mentais como consuutos<br />

lógicos a parar <strong>da</strong> multiplici<strong>da</strong>de-a, definin<strong>do</strong> multiplici<strong>da</strong>de-P de<br />

uma forma neutra, como sen<strong>do</strong> a diferenca cognitiva (mas não<br />

imagética) que ter uma imagem mental faz no sujeito. O que é<br />

importante aqui é que as imagens assim defini<strong>da</strong>s não têm que ter<br />

car?cterísticas imagéticas (ser "image-kke")<br />

E no contexto <strong>da</strong> discussão acerca de imagens mentais que se inicia<br />

em BS a sistematização <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> que Wá a ser em CE<br />

o méto<strong>do</strong> heterofenomenológico. O problema é saber que estatuto<br />

conceder àquilo que as pessoas afirmam acerca <strong>da</strong>s suas imagens<br />

mentais. As assercões <strong>da</strong>s pessoas são trata<strong>da</strong>s intencionalmente e<br />

não, por exemplo, como sons. Mas a abor<strong>da</strong>gem científica <strong>da</strong>s fenomenologias<br />

difere <strong>da</strong> comunicação normal, pois supõe, ao contrário<br />

<strong>da</strong> comunicação normal, especulacão acerca <strong>da</strong> causa <strong>da</strong>s crenças<br />

expressas. A abor<strong>da</strong>gem científica <strong>da</strong>s fenomenologias requer a introdução<br />

<strong>da</strong> noção de crente-como-cria<strong>do</strong>r-de-um-mun<strong>do</strong>. O exemplo<br />

proposto é o exemplo de Feenoman, o deus de uma tribo estu<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

por antropólogos. Para o crente, Feenoman existe. Para o antropólogo,<br />

aquilo que existe seguramente é a crença em Feenoman.<br />

A descrição <strong>da</strong>s crenças pode conduzir o antropólogo a ver<strong>da</strong>des<br />

acerca <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental <strong>do</strong>s crentes. No entanto, para o antropólogo<br />

deve manter-se claro que a crença em Feenoman estabelece a reali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> feenomanisino (entendi<strong>do</strong> como crença em Feenoman) e<br />

não a reali<strong>da</strong>de de Feenoman. No mun<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> pelo crente «não<br />

existem objectos reais mas apenas objectos intencionai~»j'~. A abor<strong>da</strong>gem<br />

fenomenológica substitui assim as "causas" procura<strong>da</strong>s na<br />

abor<strong>da</strong>gem científica pela descrição <strong>do</strong>s objectos intencionais.<br />

A abor<strong>da</strong>gem feilomenológica tem como objectivo racionalizar<br />

as multiplici<strong>da</strong>des-a <strong>da</strong>s pessoas descreven<strong>do</strong> objectos intencionais.<br />

Pode como tal ignorar <strong>da</strong><strong>do</strong>s empii-icos acerca <strong>do</strong> suporte físico <strong>da</strong><br />

cognição, regen<strong>do</strong>-se apenas pelo "texto", i.e. pelos protocolos <strong>do</strong>s<br />

sujeitos, pelas declarações introspectivas acerca de imagens mentais.<br />

A atitude <strong>do</strong> @etero) fenomenólogo será por definição diferente <strong>da</strong><br />

U/na Teoria FisicnlisIa <strong>do</strong> Coi//ei<strong>do</strong> c <strong>da</strong> Co/irciêiicia<br />

atitude <strong>do</strong>s sujeitos, para quem aquilo que é acredita<strong>do</strong> é ti<strong>do</strong> como<br />

ver<strong>da</strong>deiro. Para o fenomenólogo aquilo que é acredita<strong>do</strong> podem ser<br />

"meros objectos intencionais" que o sujeito toma como reais.<br />

Está-se perante as duas abor<strong>da</strong>gens que se procurava: de acor<strong>do</strong><br />

com a abor<strong>da</strong>gem A, as imagens mentais são constituí<strong>da</strong>s com auton<strong>da</strong>de<br />

pelas multiplici<strong>da</strong>des-P (obtem-se assim a fenomenologia), de<br />

acor<strong>do</strong> com a abor<strong>da</strong>gem B, as imagens mentais são as causas normais<br />

<strong>da</strong>s multiplici<strong>da</strong>des-a. Além destas duas abor<strong>da</strong>gens lgiti~~iilas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

mental uma terceira abor<strong>da</strong>gem ilegítima aflora continuamente, a qual<br />

reúne a "autori<strong>da</strong>de" <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem A com a procura <strong>da</strong> "causali<strong>da</strong>de"<br />

<strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem B, obten<strong>do</strong> a ideia de "imagens mentais incorrigivelmente<br />

conheci<strong>da</strong>s e causalmente eficazes, num n/edi/n~ que é um espaço<br />

fenomenal". Assim se gera a inabaiável convicção de que as pessoas<br />

teiiam autori<strong>da</strong>de introspectiva acerca <strong>do</strong> que as suas imagens realmente<br />

são. Das uês abor<strong>da</strong>gens referi<strong>da</strong>s, @?Ias esta ziltim é esp;naa<br />

É claro que a discussão entre os psicólogos S. I.i<strong>da</strong>de sobre a flatltrep <strong>da</strong>s caz/.ras <strong>da</strong>s imagens íne~ztuis que dizeni<br />

ter co~ilo têm a~itori<strong>da</strong>de sobre a natllrexa qz/i~izica <strong>do</strong>s se~cs geíres, i e. nelrhrima.<br />

Por sua vez uma abor<strong>da</strong>gem "fenomenológica" não põe em<br />

causa as credenciais epistérnicas <strong>do</strong>s sujeitos que afitinam ter unagens:<br />

a autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s sujeitos defme um mun<strong>do</strong>. Simplesmente, as<br />

'" imagens mentais" não são aqui considera<strong>da</strong>s como causas normais<br />

<strong>da</strong>s multiplici<strong>da</strong>des-a mas sim como objectos intencionais. A<br />

abor<strong>da</strong>gem fenomenológica é independente <strong>da</strong> investigação <strong>da</strong>s


causas <strong>da</strong>s multiplici<strong>da</strong>de-P, e pode mesmo permitir-se ignorar<br />

resulta<strong>do</strong>s experimentais (embora isso não seja recomendável). A<br />

" existência" <strong>da</strong>s imagens mentais como construtos lógicos está<br />

garanti<strong>da</strong>: nesse senti<strong>do</strong> as imagens mentais têm precisamente os<br />

tracos que os sujeitos acreditam que elas têm.<br />

Neste quadro, apenas a disputa entre o iconófilo e o iconófobo<br />

científicos têm significa<strong>do</strong> ontológico (num senti<strong>do</strong> vagamente qui-<br />

neano de ontologia em que se trata de clarificar compromissos com<br />

a existência de alguma coisa no âmbito de uma teoria, sen<strong>do</strong> que o<br />

que está aqui em causa é a natureza <strong>do</strong>s veículos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> ima-<br />

gético). Na previsão <strong>do</strong> iconófilo científico, as causas normais <strong>do</strong><br />

facto de termos imagens são estruturas de informacão com carac-<br />

terísticas imagéticas, na previsão <strong>do</strong> iconófobo, as causas normais<br />

no cérebro não têm caracteristicas imagéticas. Assim sen<strong>do</strong>, aquilo<br />

que cai por terra por não ter justificação é a intuição que nos incli-<br />

na a afirmar "Seja o que for que a ciência cognitiva descubra, eu<br />

tenho imagens porque sei com to<strong>da</strong> a certeza que tenho imagens<br />

mentais". De resto, a conten<strong>da</strong> entre iconofuia e iconofobia apenas<br />

podcrá ser decidi<strong>da</strong> por descobertas empísicas.<br />

3.2.3 A <strong>do</strong>i: serrh'r-se ser e sii11z<strong>da</strong>çZo<br />

Enquanto tqo de mentali<strong>da</strong>de sensiente, a <strong>do</strong>r aparentemente<br />

resiste ao modelo funcionalista de consciência proposto em BS. A<br />

natuseza <strong>da</strong> <strong>do</strong>r parece ser "resistente a programa" Prograiz iesist~gJ. O<br />

propósito <strong>da</strong> distinção entre características mentais progranz txsistant<br />

(sensientes) eprogram recephve (inteligentes) não era, no entanto, declarar<br />

a impossibili<strong>da</strong>de de simulação <strong>da</strong>s primeiras. A distinção foi proposta<br />

com a findi<strong>da</strong>de de argumentas que se os sucessos na simulação<br />

computacional se têm restangi<strong>do</strong> a determina<strong>da</strong>s casactesísticas mentais<br />

(as caractei


econheci<strong>da</strong>mente problemático a6rmar ou negar que sob hipnose<br />

ou durante o sono é senti<strong>da</strong> <strong>do</strong>r. Será então que to<strong>da</strong>s as "<strong>do</strong>res"<br />

unifica<strong>da</strong>s pelo uso <strong>do</strong> termo comum "<strong>do</strong>r" são <strong>do</strong>res, sen<strong>do</strong> que,<br />

no limite e por reunião dessas caracteristicas, é concebível uma<br />

"<strong>do</strong>r" que não é nem senti<strong>da</strong> (por anestesia), nem expressa (por<br />

impossibili<strong>da</strong>de de movimento) nem recor<strong>da</strong><strong>da</strong> (por amnésia)?<br />

Dennett não pretende, obviamente, regressar à análise conceptua1<br />

nem tomar o uso <strong>da</strong> palvra "<strong>do</strong>r" como guia para a natureza <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>r (como Malcolm fuera com o sonho em Dreaí~~inlg). No entanto<br />

estes exemplos mostram que os problemas venficacionistas <strong>do</strong>s<br />

sonhos e <strong>da</strong>s imagens se repetem no caso <strong>da</strong> <strong>do</strong>r. Como poderíamos<br />

saber, por exemplo, que o efeito <strong>do</strong>s anestésicos comummente<br />

utiliza<strong>do</strong>s não resulta <strong>da</strong> conjugação <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de expressão<br />

corporal com a amnésia? Certamente não podemos, por<br />

princípio, sabê-lo em primeira pessoa, mesmo que sejamos nós<br />

próprios os anestesia<strong>do</strong>s inexpressivos e amnésicos. A questão <strong>da</strong><br />

de£ínição de "<strong>do</strong>r" não tem solução apnonsta possível: os tracos<br />

que pareciam conceptualmente inseparáveis na noção de <strong>do</strong>r (como<br />

localização, modificação de fins, efeito aversivo) não o são. De<br />

novo, como acontecera com as imagens mentais e os sonhos, Dennett<br />

dissolve o problema recomen<strong>da</strong>n<strong>do</strong> que se desista de encontrar<br />

por auto-exame e análise conceptual os traços essenciais <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>r. Supor que se pode conhecer de forma incorrigível a natureza<br />

<strong>da</strong> <strong>do</strong>r através <strong>do</strong> auto-acesso é quimérico. "Dor" será o que a neurofisiologia<br />

descobrir que produz os efeitos normais e não um<br />

facto bruto na consciência que dá acesso epistémico a um tipo natural.<br />

A conclusão <strong>do</strong> artigo Why Yon Can'tMake a Conlputer that Feels<br />

Pai12 é que é essa razão, conjuntamente com o facto de para se construir<br />

um modelo de A ser necessária uma teona de A, que subjaz à<br />

recalcitrância <strong>da</strong> <strong>do</strong>r à realização artificial e não uma (de resto inexplica<strong>da</strong>)<br />

impossibili<strong>da</strong>de por princípio de simulação <strong>da</strong> sensiência.<br />

3.3 Modelos de cor/scitncia e r~atz~rexa <strong>da</strong>s experhciar: Consciousness<br />

Explained (1771) e o <strong>do</strong>se up <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r.<br />

~These additions are perfectly real, but they are just more text - not made<br />

of íigment but made of judgment. Tliere is nothing more to<br />

phenornenology than thab,, Daniel Dennetti"<br />

DENNI7TT 1991: 366.<br />

É em Conscions~zess Explail~ed (1991) que Dennett desenvolve plenamente<br />

a sua teona filosófica <strong>da</strong> consciência. A teona funcionalista<br />

que lhe subjaz é apresenta<strong>da</strong> como um produto <strong>da</strong> ciência<br />

cognitiva e conjuga várias aportacões <strong>da</strong> investigação empírica, <strong>da</strong>s<br />

quais proWia um consenso emergente. Dois pontos desse consenso<br />

são: (i) a ideia de mente como socie<strong>da</strong>de de especialistas não<br />

inteligentes tal como é defendi<strong>da</strong> por exemplo na obra de M.<br />

híinsky The Sacie@ of Mit18~' e (ii) a inexistência de um centro unifica<strong>do</strong>s<br />

nos sistemas cognitivos. A especialização <strong>do</strong>s agentesizi, a<br />

inexistência de um centro unifica<strong>do</strong>r e a sobreposição mais ou<br />

menos adhoc de activi<strong>da</strong>des de agentes são ideias casas não apenas<br />

a teóricos <strong>da</strong> IA como M. Minsky como também aos psicólogos<br />

evolucionistas. A intuição partilha<strong>da</strong> é que uma abor<strong>da</strong>gem profícua<br />

<strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des mentais deverá considerar estas como o resulta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> funcionamento independente de mecanismos especializa<strong>do</strong>s,<br />

reuni<strong>do</strong>s como que por bricolage, produzin<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente<br />

no caso biológico, efeitos inespera<strong>do</strong>s.<br />

Uma primeira contribuição específica <strong>da</strong> teoria dennettiana para<br />

além <strong>do</strong>s pontos consensuais é a ideia de virtt~abdude (e portanto,<br />

num certo senti<strong>do</strong>, de não reali<strong>da</strong>de) <strong>da</strong> co~~sciC~/cia. Mais especifica-<br />

mente, a consciência é, de acor<strong>do</strong> com o modelo de CE, a ilusão <strong>do</strong><br />

utiiiza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual implementa<strong>da</strong> em cérebros nos<br />

quais "agentes" em competição realizam as suas tarefas específicas.<br />

A terminologia é revela<strong>do</strong>ra: são conceitos funcionais, oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong><br />

ciência de computa<strong>do</strong>res, que permitem, no âmbito <strong>do</strong> MEM, estabelecer<br />

uma ponte entre a fenomenologia e as neurociências e de<br />

algum mo<strong>do</strong> explicar a forma <strong>da</strong> consciência.<br />

O close zp <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r leva<strong>do</strong> a cabo em CE tem como finali<strong>da</strong>de<br />

explicitar as consequências filosóficas <strong>do</strong> consenso emergente<br />

na ciência cognitiva. De acor<strong>do</strong> com Dennett, a primeira<br />

consequência desse consenso é a des??ilontage?z du ideia de rn?rsciência<br />

con~o Teatro Curtesiano. A ideia de "Teatro Cartesiano surge quan<strong>do</strong><br />

"" Como diz hl. hhsky, «Tlis book assiimcs dint iny brsui, mncliine oi arlicr tliing thar hns a<br />

mind must be composed of sm;iUer rliings tlint cannot think ar ali) @IINSICY 1985: 322). O isolamento<br />

c n relativa independencia <strong>da</strong>s muitas parres <strong>do</strong> limo dc Alinsky (262 pnrres + apêndices)<br />

reflecrem esrrururahcntc o cstnniro <strong>da</strong>s agcnrcs "nio inreligenrci" quc compõcm n iiircligèncin (<strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de) <strong>da</strong> mente.<br />

'" '>lgenres" na cerminologin de búnsky siio psites ou processos simples dr mente cuja inrciac-<br />

~ão produz piocessos muito mais complexos. húnsky defende um* particular idcà acel-cn de ngcntes<br />

que será muito importante no modelo de CE: ~Tlicre is nothing peculiar sbout &c idca ot scnsing<br />

evenrs inside rhe brain. Agenrs are qenrs-nnd iris ss ersr for an agent o be wked ro derect a br&~<br />

caused event ar to dctcct R WOI~~-C~USC~ brain eveno> @IINSICY 1985: 151).


se leva longe demais conceitos perfeitamente operacionais ao nível<br />

<strong>da</strong> psicologia de senso comum, nomea<strong>da</strong>mente a ideia de um agente<br />

inteligente unifica<strong>do</strong>. Dennett considera impossível tomar a uni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> consciência num sistema e a unificação <strong>do</strong> fluxo fenomenológico<br />

ao longo <strong>do</strong> tempo como <strong>da</strong><strong>da</strong>s: elas terão pelo contrário<br />

que ser eqkca<strong>da</strong>~. Essa necessi<strong>da</strong>de de explicacão não é óbvia: de<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, um certo cartesianismo tácito distorce perigosamente<br />

a imapação <strong>da</strong> maior parte <strong>do</strong>s teóricos <strong>da</strong> cognição,<br />

mesmo que apareça sob a forma de materialismo. "Materialismo<br />

Cartesimo" é de resto o epíteto que Dennett aplica às teorias cognitivas<br />

que, contra as suas próprias evidências, continuam a utiiizar<br />

implicitamente a ideia de um "centro" <strong>da</strong> expesencia associa<strong>do</strong> ao<br />

controlo <strong>do</strong> comportamentos'! Se um observa<strong>do</strong>r pode, ao nível<br />

macroscópico, ser considera<strong>do</strong> (e considerar-se) como um ponto<br />

de vista único e um centro, em micro-escala a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r<br />

e <strong>do</strong> Teatro colapsam e o ponto de vista fragmenta-se em agentes<br />

trabalhan<strong>do</strong> isola<strong>da</strong>mente e produzin<strong>do</strong> "esboços múltiplos".<br />

Em CE Dennett propõe-se retkar to<strong>da</strong>s as consequências que esta<br />

situação tem sobre as noções de experiência, controlo, eu e uni<strong>da</strong>de<br />

agrega<strong>da</strong>s no conceito de mente.<br />

O modelo de consciência apresenta<strong>do</strong> em CE é chama<strong>do</strong> Modelo<br />

<strong>do</strong>s Esboços Múltiplos ou <strong>da</strong>s Versões Nlúltiplas (Mz~laple Drgts<br />

Mootiel). Procuran<strong>do</strong> uma teoria <strong>da</strong> consciência capaz de capturar a<br />

natureza nas suas articulações, o modelo revelará algo que se aproxima<br />

mais de um híbri<strong>do</strong> deselegante <strong>do</strong> que de um simples meta-<br />

Bsico ou de um medittnz para o qual que seriam traduzi<strong>do</strong>s os processameritos<br />

cognitivos inconscientes. A mensagem central <strong>da</strong> teoria<br />

dennettiana <strong>da</strong> consciência é precisamente que a consciência<br />

não é um nredi~~ni~'. Pelo contrário, e esta é uma segun<strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> teoria apresenta<strong>da</strong>, de acor<strong>do</strong> com o modelo de CE a consciência<br />

não é por princípio algo de diferente <strong>do</strong> processamento de<br />

informação inconsciente pelos vários agentes. Ser um item na<br />

consciência, utilizan<strong>do</strong> uma imagem de Dennett, não é comparável<br />

com "estar na televisão": a televisão é precisamente um medit~nz<br />

específico, e o tempo exacto <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> de um conteú<strong>do</strong> nesse<br />

"L Scgun<strong>do</strong> Denn~rt, os filósofos npcnss incorrem mcnos vczcs na rentqáo de cartesinnismo<br />

porquc nio rr~balham em modclos rlo específicos de fcnámenos cognitivos. Quanto nos rcsinntcs<br />

teóricos <strong>da</strong> cogni~io aplica-se o comentário dc i\ntónio Dambio à id<strong>da</strong> de marcri$lismo csrresinno:<br />

«Tliis notioii which D&IC rnodesdy refer to rs n prcvailing view is far worse clian thnt: ir informs \Irruzlly<br />

rU ieseaich an mind 2nd brain, c~plicidy md impÙcidp> (DA~~ÁsIo 1992: 208-209).<br />

'- Cf. DBNNETI' 1993~. Thc Mr_rii~e ;i Thrrc ir no lilcdi~~i.<br />

nleliitím pode também ser específico. De acor<strong>do</strong> com o NIEhI, a<br />

consciência é uma espécie de celebri<strong>da</strong>de cerebral gz~e stpõe vitória nzmza<br />

coízpetição.Assim como não é possível ser famoso durante cinco<br />

segun<strong>do</strong>s, não pode existir consciência de um conteú<strong>do</strong> C que dure<br />

poi exemplo alguns milésimos de segun<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong><br />

depois esqueci<strong>do</strong>. Os conteú<strong>do</strong>s conscientes são, por deEuiicão e de<br />

acor<strong>do</strong> com o MEIvI, aqueles que perseveram de mo<strong>do</strong> a ter efeitos<br />

vários na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> organismo, nomea<strong>da</strong>mente o efeito de marcar a<br />

memória de mo<strong>do</strong> a virem a ser reporta<strong>do</strong>s. Ao sublinhar que a<br />

consciência não é um nzedizinz, Dennett combate a admissão (implícita)<br />

de uma matéria mental, de um espaço fenomenal para as quali<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong>s experiências, os sonhos, as imagens mentais, um espaço<br />

fenomenal no qual existiria, retoman<strong>do</strong> um exemplo <strong>do</strong> autor, uma<br />

vaca roxa imagina<strong>da</strong> que difere <strong>da</strong> vaca amarela imapa<strong>da</strong>528.<br />

Os "esboços múltiplos" <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência são eventos de<br />

fixação de conteú<strong>do</strong> que ocorrem em vários lugares e tempos no<br />

cérebro. Tais eventos de ftyação de conteú<strong>do</strong> são compara<strong>do</strong>s com<br />

actos de fala, embora não sejam actos de fala de ninguém'". Dennett<br />

considera as fmacões de conteú<strong>do</strong> semelhantes a actos de fala<br />

na medi<strong>da</strong> em que quer nuns quer noutros se trata de "efectuação".<br />

Fixações de conteú<strong>do</strong> são, por metáfora, juízos rapidíssimos de si<br />

para si <strong>do</strong> Intenciona<strong>do</strong>r Central (ou seriam, se este existisse ...)530.<br />

=' DENNElT 1991: 27-28.<br />

"" Sáo como ncroi dc f<strong>da</strong> mas sem i\cror e scm Fala! 6 csta r exdmm"gáo indigna<strong>da</strong> dc Otio, o<br />

inrerlocutor imaginário (que vános críticos conridcrrm ser s "consciCncia2' <strong>do</strong> autor) cujo pspel em<br />

CB C mzis % frente cspiicn<strong>do</strong>, perancc n nogáo de actos de fdr (cC DBNNETT 1991: 365). Nesrc<br />

pcqucno ponto joga-se evidcntcmente to<strong>da</strong> n reoiia <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> nnniiss<strong>da</strong> no capitulo inceriar As<br />

pressuposigUes deste moi-cnto estratégico sáo jusuóca<strong>da</strong>s cm CE no AppeiidixJor- Phi/ioipbtri<br />

(DENNErl'1991: 457).<br />

'- Cf. DBNNETT 1991: 364


Soja 1~4&~1c~ls<br />

No entanto o Intenciona<strong>do</strong>r Central não existe - essa é uma <strong>da</strong>s<br />

principais teses associa<strong>da</strong>s ao MEM. A ideia que substitui o Intenciona<strong>do</strong>s<br />

Central no híEM é a ideia de "produção por pandemónio",<br />

acentra<strong>da</strong> e não previamente determina<strong>da</strong>.<br />

Uma outra ideia deflacionária central no modelo vem já de C&C<br />

e BS. Segun<strong>do</strong> o MEM, um sistema cognitivo tem apenas que fazer<br />

o trabalho suficiente para "matar a fome epistémica". Isto significa<br />

por exemplo que se "ninguém" pergunta (algo), não é necessário<br />

que existam respostas prepara<strong>da</strong>s e que "cenários" bastam para<br />

criar a ilusão de uma reali<strong>da</strong>de "completa". Uma <strong>da</strong>s imagens utiliza<strong>da</strong>s<br />

em CE para ilustrar esta ideia são as visitas de Catarina-a-<br />

-Grande aos seus <strong>do</strong>mínios, encontran<strong>do</strong> as aldeias de Potemkine:<br />

a ilusão só tem que poder sustentar-se lá, nos pontos para onde o<br />

"ilusiona<strong>do</strong>" olha. A esta característica está associa<strong>da</strong> uma outra ilusão<br />

além <strong>da</strong> ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s, a que Dennett se referirá como a<br />

"ilusão <strong>da</strong> imanência".<br />

Não há na<strong>da</strong> dc original, no contexto <strong>da</strong> ciência cognitiva, na<br />

ideia de processamento cognitivo paralelo e distribuí<strong>do</strong>, inconsciente,<br />

contrastan<strong>do</strong> com a seriali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> "fluxo <strong>da</strong> consciência".<br />

O que é novo e polémico é afirmar que o MEM é um modelo <strong>do</strong>s<br />

próprios eventos conscientes e não um modelo <strong>do</strong>s eventos inconscientes<br />

que precedem o envio de resulta<strong>do</strong>s para a consciência.<br />

Assim encara<strong>do</strong>, o MEM representa a negação <strong>da</strong> singulari<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> unici<strong>da</strong>de "naturais" <strong>da</strong> consciência (o MEM propõe que o fluxo<br />

de consciência apenasparece ao próprio sujeito consciente único<br />

e unifica<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> a uma instalação virtual de seriali<strong>da</strong>de no hard-<br />

1uare cerebral paralelo e nos processos que ai decorrem), a negação<br />

<strong>da</strong> diferença ou divisão entre uma preparação cognitiva pré-consciente<br />

ou inconsciente de conteú<strong>do</strong>s e a consciência ela mesma e<br />

em última análise a tzegafZ0 de t17a d@re?zça de género et~tre consciê??cia e<br />

II~O-cor~sciÉlrcia.<br />

O Teatro Cartesiano traz inevitavelmente consigo, além <strong>do</strong> postula<strong>do</strong><br />

de uma relação essencial entre consciência, apresentação e<br />

unificação, que o liga à noção de qualia, pressupostos quanto à relação<br />

entre consciência e tempo. Nomea<strong>da</strong>mente, o Teatro Cartesiano<br />

permite supor uma correspondência natural entre o tempo <strong>do</strong>s<br />

eventos cerebrais causalmente "responsáveis" pelo fluxo de conteú<strong>do</strong>s<br />

na consciência e o tempo fenomenológico, i.e. entre sequências<br />

temporais de eventos neuronais e a sucessão <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s<br />

fenomenológicos. Mas se, uma vez feito o close-z@, o (suposto, e<br />

num certo nível real) ponto de vista único se revela distribuí<strong>do</strong>, a<br />

defesa dessa correspondência torna-se insustentável: «Se o ponto<br />

de vista <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r tem que ser espalha<strong>do</strong> pelo volume bastan-<br />

te razoável <strong>do</strong> cérebro <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r, o senti<strong>do</strong> subjectivo de se-<br />

quência e simultanei<strong>da</strong>de <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r tem que ser determina<strong>do</strong><br />

por outra coisa que não a "ordem de chega<strong>da</strong>", uma vez que a or-<br />

dem de chega<strong>da</strong> está incompletamente defini<strong>da</strong> até o destino rele-<br />

vante ser especifica<strong>do</strong>»j3'. O tempo <strong>da</strong> consciência não é assim o<br />

tempo "real", <strong>do</strong>s eventos Físicos, mas tempo representa<strong>do</strong>. A con-<br />

clusão tem iepercussões importantes na teoria <strong>da</strong> consciência.<br />

Como se tem &<strong>do</strong> a afirmar desde o início deste trabalho, a<br />

suposição cartesiana <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de e unici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aparição não<br />

tem que aparecer de forma óbvia nas teorias <strong>da</strong> cognição, sen<strong>do</strong> re-<br />

vela<strong>da</strong> pelo uso de termos banais e inabdicáveis como input e out-<br />

put, aferente e eferente, controlos, coman<strong>do</strong>s, etc. O uso de tais ter-<br />

mos supõe implicitamente um ponto de viragem, um t/írningpoizt,<br />

que marca a disponibili<strong>da</strong>de central de um conteú<strong>do</strong> e a passagem<br />

à consciência e a um papel executivo. Ora, se de facto existisse um<br />

tz~rnillg point <strong>do</strong> processamento inconsciente para a consciência,<br />

estaria naturalmente determina<strong>da</strong> a ordem experiencia<strong>da</strong>, o antes e<br />

o depois no tempo <strong>da</strong> consciência. Se pelo contrário não existe um<br />

lugar e um tempo onde tu<strong>do</strong> é posto conjuntamente, se as fixações<br />

de conteú<strong>do</strong> constantemente acontecem, muitas delas sem deixa-<br />

rem qualquer rastro na consciência, deixa de ser legítimo pressupor<br />

reali<strong>da</strong>des como "disponibili<strong>da</strong>de central" ou "início <strong>da</strong> consciên-<br />

cia de um conteú<strong>do</strong> x".<br />

Uma terceira especifi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> MEM é a forma como ele configura<br />

o papel <strong>da</strong> linguagem na consciência. De acor<strong>do</strong> com o modelo, os<br />

esboços múltiplos são gera<strong>do</strong>s pelos "especialistas básicos" que com-<br />

põem o cérebro, que «são parte <strong>da</strong> nossa herança animal (e que) não<br />

se desenvolveram para cumprir acções peculiarmente humanas como<br />

ler e escrever mas antes para cumprir acções como baixar-se, evitar<br />

pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res, reconhecer faces, agarra, ahrar (. . .) e outras tarefas essen-<br />

"' DIINNIITT 1991: 107. Também esta ideia é rcporu<strong>da</strong> a hI. hlúisky (cf MINSICY 1985: 61).<br />

No pndgrafo 6.6. (iMo~~ioiio~i\I~~~/ni~~~~c)<br />

dc Thc Sonng iMii>d hlinsky faz virias afirmsGõcs impor<br />

rnntes a respeiro <strong>do</strong> rempo <strong>da</strong> consdéncia, nomeadnmencc ns seguintes: (1) se psm a "pcnsri<strong>do</strong>r giob;il"<br />

o senti<strong>do</strong> de "sgoia" é bastante clnio, ele é muito mcnos claro pan um agente dentro de uma<br />

socicdndc, (2) icvr rempo pan que mu<strong>da</strong>nqns nuino parte dr mente afecrem ourrns pxrres e par isso<br />

l?i sempre algum nirsso, (3) ncniiumn agincia dn menre pode saber m<strong>do</strong> o quc csti n acanrccer ao<br />

mesmo tempo em ro<strong>da</strong>r as aums sgèncins e (4) ca<strong>da</strong> diferente agenic <strong>da</strong> mcnte ~ive num mun<strong>do</strong> de<br />

tempo iigciramcnte diferenrc.


ciais» (no entanto eles foram depois) ((frequentemente recruta<strong>do</strong>s de<br />

forma oportunista para novas tarefas, às quais os seus talentos inatos<br />

mais ou menos se a<strong>da</strong>ptm>i32. Ora, a linguagem natural é grandemente<br />

responsável pela unificação <strong>da</strong> consciência em cérebros humanos<br />

constituí<strong>do</strong>s por agentes especialistas conjuga<strong>do</strong>s de forma ad hoc e<br />

produzin<strong>do</strong> esboços múltiplos. Esta insistência na importância <strong>da</strong> linguagem<br />

para a unificação não é identificável com a tese banal - que<br />

por exemplo N. Bl~d


elatos fenomenológicos de que os humanos são capazes. O esta-<br />

tuto <strong>do</strong>s relatos fenomenológicos preocupa Dennett desde C&C, e<br />

constituiu o objecto <strong>da</strong>s análises <strong>do</strong>s sonhos, <strong>da</strong>s imagens mentais<br />

e <strong>da</strong> <strong>do</strong>r em BS. Em CE a teorização meto<strong>do</strong>lógica foi aperfeiçoa-<br />

<strong>da</strong> e adquiriu um nome: heter~enon;etzologia.<br />

Coloca<strong>do</strong> em primeira pessoa, o problema que a heterofenome-<br />

nologia se propõe abor<strong>da</strong>r consiste em saber como tomar descri-<br />

ções fenomenológicas como esta: «Eu tinha aparentemente apenas<br />

levanta<strong>do</strong> os olhos <strong>do</strong> livro que lia e tinha esta<strong>do</strong> primeiro a olhar<br />

pela janela sem ver, quan<strong>do</strong> a beleza <strong>do</strong> que estava i minha volta<br />

me distraiu <strong>da</strong>s minhas deatnbulações teóricas. Luz <strong>do</strong> sol verde<br />

<strong>do</strong>ura<strong>da</strong> entrava fluin<strong>do</strong> pela janela nesse dia de início de primave-<br />

ra, e os milhares de ramos (...) entrelaça<strong>do</strong>s <strong>da</strong> árvore i minha fren-<br />

te eram ain<strong>da</strong> claramente visíveis por entre uma nuvem de botões<br />

verdes que despontavam, forinan<strong>do</strong> um elegante padrão maravi-<br />

lhosamente inuinca<strong>do</strong>S3'». Dennett considera necessário um méto-<br />

<strong>do</strong> neutro para tomar cstc tipo de relatos como evidência. Esse mé-<br />

to<strong>do</strong> deve partir <strong>do</strong> material recolhi<strong>do</strong> (por exemplo: a gravação <strong>do</strong><br />

som <strong>da</strong> voz de um humano que fala) e interpretá-lo como actos de<br />

fala. Tal procedimento pressupõe encarar a fonte <strong>do</strong>s actos como<br />

um agente racional, a partir <strong>da</strong> EI. O texto <strong>do</strong> sujeito não é um<br />

acontecimento natural, mas algo já toma<strong>do</strong> por um intérprete (por<br />

<strong>do</strong>is intérpretes, no caso de ser recolhi<strong>do</strong>, o próprio e quem o reco-<br />

ihe). De facto (Aquilo que existe (...) são eventos de Eutação de con-<br />

teú<strong>do</strong> ocorren<strong>do</strong> em vários lugares e em vários tempos no cérebro.<br />

Estes não são os actos de fala de ninguém (embora sejam) «de<br />

alguma maneira como actos de fala (pois) têm conteú<strong>do</strong> e têm o<br />

efeito de informar vários processos com este conteú<strong>do</strong>»53s.<br />

Relatos de experiências são os <strong>da</strong><strong>do</strong>s originários <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

mente, até certo ponto toma<strong>do</strong>s como a Úlha palavra. No entan-<br />

to, o teórico <strong>da</strong> mente não se permite qualquer certeza a priori de<br />

que estes relatos sejam relatos de acontecimentos reais. Segun<strong>do</strong><br />

Dennett, o heterofenoinenólogo abor<strong>da</strong> os textos <strong>do</strong>s sujeitos com<br />

uma disposição idêntica à <strong>do</strong> leitor de uma obra de ficcão ou i <strong>do</strong><br />

antropólogo que estu<strong>da</strong> a crença num deus. A interpretação de um<br />

texto de ficção pode conduzir a "ver<strong>da</strong>des" ficcionais (por exemplo<br />

ver<strong>da</strong>des acerca <strong>da</strong> Londres dc Sherlock Holrnes ou ver<strong>da</strong>des acer-<br />

ca <strong>da</strong> crença em Feenoinan, no exemplo que já fora introduzi<strong>do</strong> no<br />

"DENNE'IT 1971: 26.<br />

"'DI?NNETT 1991: 365.<br />

Uma Teoria Fisicalista rio Cor~tezi<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~i~ciêxcio<br />

artigo TIPO<br />

Approaches to Mentallmages). Mas, como Dennett afirma-<br />

ra já em BS, aquilo que a crença em Feenoman estabelece é a reali-<br />

<strong>da</strong>de <strong>da</strong> crenca em Feenoman, não a reali<strong>da</strong>de de Feenoman.<br />

O mun<strong>do</strong> heterofenomenológico é uma descrição em terceira<br />

pessoa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tal como este aparece e é experiencia<strong>do</strong> em pri-<br />

meira pessoa (T. Nagel comenta aliás, laconicamente, que com o<br />

méto<strong>do</strong> heterofenomenológico Dennett se limita a repetir a confu-<br />

são behaviorista acerca <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de: embora preten<strong>da</strong> poder<br />

passar sem a primeira pessoa, o méto<strong>do</strong> depende implicitamente <strong>do</strong><br />

entendimento em primeira pessoa <strong>da</strong> consciênciai34. Ora, se o<br />

mun<strong>do</strong> nocional era desde logo considera<strong>do</strong>, no âmbito <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, como uma noção sem qualquer referência ã causali-<br />

<strong>da</strong>de, Dennett agora faz algumas afirmações menos claras acerca<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> heterofenomenológico. Precisamente, o MEM admite<br />

relações entre o mun<strong>do</strong> heterofenomenológico de um sujeito e<br />

acontecimentos no cérebro <strong>do</strong> mesmo sujeito, i.e. as "Eutaqões de<br />

conteú<strong>do</strong>" que aí decorrem. Chega mesmo a afirmar que o teórico<br />

<strong>da</strong> consciência procurará descobrir como é que os mun<strong>do</strong>s hetero-<br />

fenomenológicos se mapeiam em eventos no cérebro. É a isto que<br />

L. Rudder Balrer chama "teste <strong>do</strong> mapeamento ~erebral"'.'~.<br />

O méto<strong>do</strong> heterofenoinenológico sanciona descrições total-<br />

mente livres <strong>do</strong> fluxo de consciência. Para manter a neutrali<strong>da</strong>de,<br />

parte-se <strong>do</strong>s casos não polémicos <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s de seres plenamen-<br />

te conscientes, os humanos adultos (deixan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> por exemplo<br />

bebés e criaturas não linguísticas). Estes são aliás os sujeitos usuais<br />

de psicólogos e neurocientistas em situações experimentais (cujas<br />

instrucções são, note-se, forneci<strong>da</strong>s linguisticamente, e cujos resul-<br />

ta<strong>do</strong>s são também reporta<strong>do</strong>s linguisticamente). De facto, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, o méto<strong>do</strong> heterofenomenológico não é mais <strong>do</strong> que a<br />

explicitação <strong>do</strong>s princípios que orientam o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong><br />

consciência nas várias ciências cognitivas e na antropologia. De<br />

qualquer mo<strong>do</strong>, constitui um problema para o méto<strong>do</strong> heterofeno-<br />

menológico saber em que consiste a confirmação (e sobretu<strong>do</strong> a<br />

infirmação) <strong>da</strong>s crenças <strong>do</strong>s sujeitos na sua própria fenomenologia.<br />

O espaço para "conficmação" e "infirmação" <strong>da</strong> fenomenologia<br />

fica aberto pela neutrali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> méto<strong>do</strong>, mas é evidentemente mais<br />

premente saber como se deverá conceber o tipo de situação em que<br />

a fenomenologia <strong>do</strong> sujeitos difere totalmente <strong>do</strong>s seus "reais refe-<br />

"' NAGEL 199jù: 87.<br />

"" RUDDBR Bt\lU?R 1794.


entes". De certo mo<strong>do</strong>, o estatuto de ficção frequentemente atribuí<strong>do</strong><br />

por Dennett ao texto hete~ofenomenológico significa que<br />

não existe "fenomenologia reaP'jN. Apetece perguntar ao autor que<br />

defendia em C&C que os cérebros não pensam e que apenas as<br />

pessoas pensam, o que é que existe se não existe fenomenologia:<br />

cérebros-que-não-pensam? De facto, de acor<strong>do</strong> com algumas formulações<br />

<strong>do</strong> bEM, fica aberta a possibili<strong>da</strong>de de o texto fenomenológico<br />

ser "sobre na<strong>da</strong>", poden<strong>do</strong> nesse caso acontecer que pareça<br />

haver fenomenologia sem que exista realmente fenomenologia.<br />

Esta possibili<strong>da</strong>de tem que ser encara<strong>da</strong>, como Dennett diria, c11m<br />

granz~~z saks, pois ela joga com uma ambigui<strong>da</strong>de na interpretação <strong>da</strong><br />

afirmação segun<strong>do</strong> a qual "não há real fenomenologia". De facto,<br />

Dennett nãopode querer d&r qtte não existej~zonzenologia, ele só pode<br />

querer dizer que algo na noção dejnonierzologia real (enten<strong>da</strong>-se: e@enpca,<br />

dctcrmina<strong>da</strong>jrzão fax sc~ztirio.<br />

A possibili<strong>da</strong>de de não existis uma fenomenologia real em casos<br />

em que existe uma "aparente fenomenologia" é exemplifica<strong>da</strong> em<br />

CE através <strong>do</strong> caso <strong>do</strong> robô Shalrey'"?, capaz de identificar "visualmente"<br />

formas e de levar a cabo instruções. Shakey era uma caixa<br />

com ro<strong>da</strong>s e um olho de T\! liga<strong>do</strong> por rádio a um computa<strong>do</strong>r.<br />

Shalrey "via" e cumpria instruções, introduzi<strong>da</strong>s num terminal, relativas<br />

aos objectos que via. As instsucções podiam ser algo como<br />

"PUSH THE BOX OFF THE PLATFORniI". O interesse de Shakey<br />

para Dennett reside na fõrina como ele é capaz de distuigw<br />

visualmente por exemplo uma caixa de uma pirâmide: observa<strong>do</strong>res<br />

exteriores, num monitor, podem observar em Shakey um processo<br />

de transformação de imagens que Shalrey obviamente não vê<br />

(aliás Shakey não observa o seu processo de análise perceptual, e o<br />

monitor para o qual os observa<strong>do</strong>res olham pode evidentemente<br />

ser desliga<strong>do</strong> continuan<strong>do</strong> o processo a decorrer em Shakey). O<br />

que os observa<strong>do</strong>res vêem é o seguinte: uma imagem completa de<br />

televisão, um arranjo de pixels (<strong>do</strong>s quais inúmeras combinacões<br />

podem acontecer) começa por aparecer no monitor, sen<strong>do</strong> depois<br />

rectifica<strong>da</strong>, "purifica<strong>da</strong>" e transforma<strong>da</strong> num desenho com linhas,<br />

'


sol;. 1~I&ue11s<br />

gia. Ora, se as pretensões <strong>do</strong> sujeito quanto a "como lhe parece ser"<br />

são invioláveis, pretensões explicativas já não o são, na medi<strong>da</strong> em<br />

que é possível através de investigação empírica descobrir algo de<br />

"outro" em relação às enti<strong>da</strong>des <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> heterofenomenológico<br />

assim gera<strong>do</strong>, ou mesmo descobrir que os objectos que constituem<br />

esse mun<strong>do</strong> "não são feitos de na<strong>da</strong>". Esta possibili<strong>da</strong>de é muito<br />

importante em CE.<br />

O ponto <strong>da</strong> transposição de fantasias tecnológicas para a des-<br />

crição fenomenológica de humanos é mostrar que os sujeitos<br />

humanos podem estar a dizer exactamente como hes parece ser<br />

quan<strong>do</strong> fazem descrições fenomenológicas sem que haja qualquer<br />

relação simples entre esses relatos e aquilo que é causalmente res-<br />

ponsável pela fenomenologia. O que as pessoas dizem acerca <strong>do</strong><br />

seu fluxo fenomenológico é admiti<strong>do</strong> como evidência, deve ser to-<br />

ma<strong>do</strong> como <strong>da</strong><strong>do</strong>, mas a evidência só faz prova <strong>da</strong> maneira como<br />

as coisas parecem ser. O problema é que parece não haver, assim,<br />

nenhum resíduo irredutivel de reali<strong>da</strong>de num parecer que fosse,<br />

hipoteticamente, enganoso5*'. No iimite, Dennett defenderá que é<br />

possível que pareça existir uma fenomenologia, sem que exista qual-<br />

quer fenomenologia. Mesmo sem chegar a esse extremo é uma<br />

suposição básica <strong>do</strong> MEM que aquilo que parece ser a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

consciência para o sujeito consciente pode não ser reali<strong>da</strong>de alguma<br />

e que a consciência, longe de ser um pleno, é intervala<strong>da</strong> e esparsa,<br />

sen<strong>do</strong> conscientes muito menos coisas <strong>do</strong> que usualmente se pensa.<br />

3.3.2 O Modelo <strong>do</strong>s Esboços Mzíltiplos.<br />

Procura-se em segui<strong>da</strong> listar os princípios <strong>do</strong> MEM em conjun-<br />

to com os factos de neurociência cognitiva que os fun<strong>da</strong>mentam:<br />

(1) O processamento cognitivo é cumpri<strong>do</strong> no cérebro por pro-<br />

cessos paralelos e distribz/i<strong>do</strong>s que têm uma dziração temporal disánta de<br />

zero. Esses processos são responsáveis pelas (ou idênticos às) Jxa-<br />

a fi esse o propósito <strong>do</strong> e\emplo dc cfciio dc "cspallinmcnto nCon", um cfeito dc indugio dc<br />

cor crcmpliGcs<strong>do</strong> pelo "úrculo rosa" d:i conttacspri de CE, cujo estaniro i. comenta<strong>do</strong> no dihlogo<br />

com Otto (DENNETT 1991: 362-364). A discussso gim em toriio <strong>do</strong> seguinte: parece h mr um cir-<br />

culo rornbnlliante, mas n5o 1iU ncnlium circuio rosa billlinnte (i.c o "circulo rasa" njo existe na Ggu-<br />

ir, o quc existe é uma greilia delinhas perpendiculares. sen<strong>do</strong> as linlias negras c vctmclhas, scm qud-<br />

quer preenchimento rosn em foimn de cúculo). N5o existe rosa nn imagem reãniinn, dfm <strong>da</strong>s Linhas<br />

vcrmelhrs. O c6rebro é induzi<strong>do</strong> o dirtlnguii uino rcgi5o dciùnitndn, com contornos suljccuvos, que<br />

f "ctiqucta<strong>da</strong>" como sen<strong>do</strong> rosa pelos circuitos especi;iiiea<strong>do</strong>s em cor (DENNETi 1991: 351-353).<br />

U71m Teoria liisicniisfa <strong>do</strong> Confe~i<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coriscié~~cin<br />

cões de conteri<strong>do</strong>. Toman<strong>do</strong> como exemplo uma determina<strong>da</strong> experiência<br />

visual, as fixações de conteú<strong>do</strong> que lhe correspondem acontecem<br />

em diferentes tempos e lugares no cérebro. "Fixações de conteú<strong>do</strong>"<br />

acontecem quan<strong>do</strong> partes <strong>do</strong> cérebro entram em esta<strong>do</strong>s que<br />

respondem diferencialmente a diferentes traços, desde "início <strong>do</strong><br />

esamulo" a, por exemplo, traços de "cor" e "movimento" no ambiente.<br />

Estas fxações de conteú<strong>do</strong> localiza<strong>da</strong>s "transferem" os seus<br />

efeitos para outras localizações contribuin<strong>do</strong> para mais discntninações.<br />

É um processo deste género que explica as disposições reactivas<br />

<strong>do</strong> sistema global. Dos esta<strong>do</strong>s com conteú<strong>do</strong> assim fixa<strong>do</strong>s e<br />

distribuí<strong>do</strong>s, alguns desaparecerão sem rastro, outros deixarão raswo<br />

em relatos subsequentes, em esta<strong>do</strong>s emocionais, na prontidão semântica,<br />

etc. Ao longo <strong>do</strong> tempo (não negligenciável) <strong>do</strong> processamento<br />

várias interferências sobre os conteú<strong>do</strong>s fixa<strong>do</strong>s podem ocorrer<br />

(na terminologia de Dennett, acontecem constantementeprocessos<br />

editoriais de alteração, incorporação, substituição, apagamento).<br />

(2) Logo que alguma fixação de conteú<strong>do</strong> acontece, ela pode ter<br />

&tos (por exemplo, intervir no controlo <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> sistema<br />

global). I\/Ias o facto de os conteú<strong>do</strong>s terem si<strong>do</strong> fixa<strong>do</strong>s e<br />

poderem provocar efeitos não significa que eles "tenham entra<strong>do</strong>"<br />

na consciência.<br />

(3) To<strong>da</strong>s as teorias <strong>da</strong> percepção admitem que as pessoas não<br />

experimentam directamente nem o que acontece nas suas terminações<br />

sensoriais nem o processamento interno de informação. Aquilo<br />

que elas experienciam é o resulta<strong>do</strong> de fxações de conteú<strong>do</strong>s,<br />

processos editoriais e son<strong>da</strong>s. O que é específico <strong>do</strong> MEM é acentuar<br />

que as discriminações referi<strong>da</strong>s são feitas apertas zlma vex e que<br />

os conteú<strong>do</strong>s fixa<strong>do</strong>s não têm que ser envia<strong>do</strong>s para um "supervisor<br />

central" para uma (re) "apresentação".<br />

(4) Em qz~a/qzterilistarzte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cognitiva de um sistema, existem<br />

esboços nlzijhi5los em várias fases de edição, sen<strong>do</strong> uma questão em<br />

aberto saber se um conteú<strong>do</strong> fma<strong>do</strong> resultante de informação processa<strong>da</strong>,<br />

virá a ser consciente. Isso depende por exemplo <strong>da</strong> existência<br />

de son<strong>da</strong>s (probes). Citan<strong>do</strong> um exemplo de Dennett, se alguém<br />

está senta<strong>do</strong> numa sala a ler, concentra<strong>do</strong>, e se se lhe pergunta<br />

se o relógio acabou de bater as horas, essa pessoa será provavelmente<br />

capaz de reconstituir a situação imediatamente passa<strong>da</strong> e<br />

dizer que sim, e que foram cinco ba<strong>da</strong>la<strong>da</strong>~j'~. Mas se na<strong>da</strong> for per-


Soja Migireiis<br />

gunta<strong>do</strong>, na<strong>da</strong> será relata<strong>do</strong>. Supor que nesta situação ou a pessoa<br />

esteve ou não esteve consciente <strong>da</strong>s cinco ba<strong>da</strong>la<strong>da</strong>s é uma suposição<br />

ilegitimamente absolutista e anuopomorhsta. Devi<strong>do</strong> aos esboços<br />

múltiplos e à necessi<strong>da</strong>de de son<strong>da</strong>s não é legítimo, como se<br />

verá, perguntar qt~at~<strong>do</strong> ou onde é que um determina<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> se<br />

torna consciente.<br />

(5) Discriminações e fmações de conteú<strong>do</strong> são as condições<br />

de constituição <strong>da</strong> "sequência narrativa" <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental consciente.<br />

Mas a vi<strong>da</strong> mental consciente apenas se assemelha a uma<br />

sequência narrativa, i.e. ela não é única como a sequência narrativa,<br />

devi<strong>do</strong> i mt(lt$lici<strong>da</strong>de de versões que circulam em ca<strong>da</strong> instante.<br />

A interferência ou son<strong>da</strong>gem feita em diferentes ocasiões<br />

precipita diferentes narrativas fenomenológicas (e uma intervenção<br />

muito adia<strong>da</strong> pode já não encontrar na<strong>da</strong>). Não se pode, por<br />

isso, falar de algo como a "narrativa canónica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental<br />

consciente de um sujeito". No entanto, qualquer narrativa provoca<strong>da</strong><br />

dá lugar a uma "linha <strong>do</strong> tempo" (i.e. uma sequência subjectiva<br />

de eventos <strong>do</strong> ponto de vista de um observa<strong>do</strong>r). Como<br />

se verá, esta pode ser divergente relativamente ao tempo <strong>do</strong>s<br />

eventos neuronais (os veículos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>) que fixam os conteú<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> fluxo fenomenológico.<br />

(6) Um observa<strong>do</strong>r é assim constihú<strong>do</strong> por (ou consiste em)<br />

uma porção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que compõe narrativas "unifica<strong>da</strong>s" cujo<br />

conteú<strong>do</strong> explícito está dependente de son<strong>da</strong>s disigi<strong>da</strong>s a essa porção<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Estes princípios traduzem a orientação verificacionista <strong>da</strong> teoria.<br />

O verificacionismo, de acor<strong>do</strong> com o qual a experiência consciente<br />

não tem reali<strong>da</strong>de independentemente de efeitos na acção subsequente,<br />

é a única forma de evitar noções bizarras como qr~aíia não<br />

apercebi<strong>do</strong>s ou fenomenologias sem sujeito.<br />

A principal aplicação e primeiro teste <strong>do</strong> Modelo <strong>do</strong>s Esboços<br />

Ivíúltiplos em CE é a interpretação de várias anomalias temporais<br />

'M l'sralclsmcntc a DENNElT 1991, ri tcoria <strong>da</strong>s rels~ões enue tempo c consciènci~ foi npresentsdr<br />

em DBNNETi&ICINSBOUIWE 19g2. Ti1118 niid:i>e Olrrri,tr. um nrtieo riublica<strong>do</strong> na ievis-<br />

no fluxo <strong>da</strong> consciência (o fenómeno phi com co?", o meta-con-<br />

trastejJ8, o coelho cutâneoi44 os fenómenos de "referência para trás<br />

no tempo'" de "atraso <strong>da</strong> consciência de intenção" estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s por<br />

B. Libetijo e o carreto de sues pré-cogniúvo de W Grey Walter). A<br />

O fcnómcno plii com cor é uma vcrrio <strong>do</strong> fenómeno phi ou peicepgão de mo\imento spsrenre<br />

desde há muiro (desde o inicio <strong>do</strong> século zXX) ccsru<strong>da</strong><strong>do</strong> pclar psicólogos. O fenómeno plii é o responsivcl<br />

pela conMui<strong>da</strong>de dn consciência iIsunl <strong>do</strong> movimento (quan<strong>do</strong> íc vè por uemplo um fhe,<br />

~ U "no C mun<strong>do</strong>'' cansisrc não em movimento continuo mas "2 projecyio sequcncid dc tun <strong>da</strong><strong>do</strong><br />

núrnero dc imagens por scgun<strong>do</strong>). No cxcmplo m;iir iin~les <strong>do</strong> fenómeno phi, o sujeiro percebe n e$jeccória-de-ma-mesmi-iuz<br />

qun<strong>do</strong> de facro, "no mun<strong>do</strong>" crteriar, erisrcm <strong>do</strong>is/s~be.er, pprjecr~<strong>do</strong>s<br />

succrsiwncnrc, com um úiccra<strong>do</strong> cemponl muiro curto e uma distãndn ingular muiio pcqucnn. O<br />

fcnómcno icvou o Giósofo N. Gaodman a dcsaGai o psicólogo P Ii,,,tr luz, que desta vez rnu<strong>da</strong>a dc cor a meio dr tnjectória (i;iginárin!).<br />

Rm IVqr 6 IWor/dill,&,g, Nelson Goodmnn analisa o fmómcno (GOODhLlN 1978: 71, Api&<br />

~iúofii . dmeptiori). . . O ftnbmcno plii com cor parece" dderer-se n wns cstnnliissima pré-comi<strong>do</strong> . -. <strong>do</strong><br />

segun<strong>do</strong>j7016 (por exemplo vcrde) ou a um ridiamcnro <strong>da</strong> consciênci~ <strong>do</strong> ptímeiioJ016 (vermelho) até<br />

a scgim<strong>do</strong>/inb ter si<strong>do</strong> percebi<strong>do</strong>, Iiwen<strong>do</strong> depois uma projccgio "pnn eis no rcmpo" <strong>do</strong> que viria n<br />

sci perccbi<strong>do</strong>. Escluin<strong>do</strong> a "ré-coznição. . - . inmitivamente parece claro. no minúno. guc o céicbro não<br />

pode s eajecróiil iiusóxia nté rcr rcccbi<strong>do</strong> o segun<strong>do</strong> esúmulo (senão como "sribcria" o cérebro<br />

que a scgundr luz ia ser exncramenre verde e nio, por cxcmplo, roxa?). Poinnro, o cérebro rem que<br />

"saber" que há uma segun<strong>da</strong> lui, e que ela é esncrnmente verde, antcs dc comcgnr a criar n ilusão, o que<br />

signiGcri quc tcm quc "cspcrir" nré podei perceber o ro<strong>do</strong> dn siruqio hlas sc cxiítc uma "capcra"<br />

como C possircl "apapr" o quc cnucnnto foi pcrçcbi<strong>do</strong> (uma i.er que o inrervrio de tempo envoivi~<br />

<strong>do</strong> cins expeiièncUs - 200 ndésimos de segun<strong>do</strong> - é <strong>da</strong>nasin<strong>do</strong> gnnde pai2 pnssai despercebi<strong>do</strong>)?<br />

"9 fcenómeno <strong>do</strong> mera-concrasre nconrece numa sirua~io cm quc um esúmulo (por exemplo<br />

um circulo) C piojccru<strong>do</strong> nuin écrnci, segui<strong>do</strong>, após um pequeno inrcrvrlo, por ouuo csúmulo (por<br />

exemplo iirn rnci, cujo bor<strong>do</strong> inrcrioi coircspandc no bor<strong>do</strong> enrerior <strong>do</strong> circulo) quc o "ocultx". Apenas<br />

o segun<strong>do</strong> estímulo (o anel) é iccoi<strong>da</strong><strong>do</strong> c rcportn<strong>do</strong> pclo sujeito como ren<strong>do</strong> si<strong>do</strong> experiencia<strong>do</strong>,<br />

o circulo rpnienremenre desrparece <strong>da</strong> memóM <strong>do</strong> sujcita (cf DENNElT 1991: 141-144). O<br />

ercmplo é também utikra<strong>do</strong> em DENNKIT 1996g. Coit~ioitrr~r~i. Moir Li& ITo,iie í%o~ Elc~irioi, e<br />

DENNETi&ICINSUOURNE 1992.<br />

%'' Cf DENNETi 1!l91: 142-144. O "cocllio cutinco" é o efeito cria<strong>do</strong> nn pcrcep~io de sujei^<br />

ros por grupos de leves pnnca<strong>da</strong>s sucessivas no biap (pulso, cotoxdq nnrebmço), com inrerv;ilos<br />

tcmporais c disrjncias reguhrcs enuc elas. As pana<strong>da</strong>s são peicebiòris coma scn<strong>do</strong> piovocn<strong>da</strong>s pelos<br />

passos dc um animal quc sobc pclo bmqo acima. O cfeiro foi pela primeirri vcz csni<strong>da</strong><strong>da</strong> cm 1972<br />

pelos psicólogos 1' Gei<strong>da</strong>id e C. Slierrick.<br />

'" Ambas rs siruaqões são crin<strong>da</strong>s e analisa<strong>da</strong>s pclo ncurociciitisrn Benjniriin Liber. Nuiii primuro<br />

caso, Libcr (cf L1ERT 1979 e LIBEi' 1981) prerendeu compara1 n indu~ão de experiência nciasensurinl<br />

por lia normal, por cxcinpla csuinuiuila~io numa mio, com n indiiqh ddc umri crpcrièncin má-<br />

Ioga por estímular2o dirccra <strong>do</strong> córter somatosscnroiid. No primeiro caso, a disrãncia dc uanrinis~<br />

são ncc~~osa é longa, no segun<strong>do</strong> muiro mnis curci. iApeszr disso, Libct chegou R conclusão de que<br />

cmboir cm smboí as caros dccorrn um tempo dercrminr<strong>do</strong> desde o inicio <strong>da</strong> csúmimulu$io aré i "adequa@~<br />

neuronal", no


aplicação <strong>do</strong> MEI\/I às anomalias temporais foi provavelmente o<br />

aspecto mais discuti<strong>do</strong> <strong>do</strong> modelojj'.<br />

O problema <strong>do</strong> tempo é importante e especial na teoria <strong>da</strong> consciência<br />

antes de mais porque é d$il disting~~ir o te~@~ conu contei<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

consciEncia (o tempo representa<strong>do</strong>) <strong>do</strong> aspecto tevnporal <strong>do</strong>s veic1/1os <strong>da</strong><br />

reprcsefttação (i.e. <strong>do</strong> acontecimento temporalmente situa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s veículos<br />

de conteú<strong>do</strong>s temporais). A questão é obviamente relevante<br />

quan<strong>do</strong> se trata de decidir o que é "reai" no flmo <strong>da</strong> consciência.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, divergências entre tempo apercebi<strong>do</strong> e tempo <strong>do</strong>s<br />

eventos cerebrais, impossibilitan<strong>do</strong> a identificação entre eventos<br />

mentais e eventos neuronais, parecem deixar aberta a porta ao dualismo.<br />

Dennett, que não nega que em alguns aspectos a sua teoria <strong>da</strong><br />

consciência identifica a experiência consciente com eventos porta<strong>do</strong>res<br />

de informação no cérebro, sabe que certas «proprie<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s<br />

items heterofenomenológicos podem ser considera<strong>da</strong>s essenciais -<br />

tais como a posição que os items têm na sequência temporal subjectiva,<br />

e nesse caso eles não poderiam ser identifica<strong>do</strong>s com os<br />

eventos cerebrais disponíveis, que podem acontecer numa diferente<br />

sequência, sem violar a Lei de Leibniz»ji2.<br />

Acrescentan<strong>do</strong> à reconheci<strong>da</strong> dispari<strong>da</strong>de entre tempo fenomenológico<br />

e tempo <strong>do</strong>s eventos cerebrais o princípio scgun<strong>do</strong> o qual<br />

os eventos neuronais causalmente responsáveis pela f~ação <strong>do</strong>s<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> consciência são processos paralelos e distribuí<strong>do</strong>s, está<br />

gera<strong>do</strong> o problema. To<strong>do</strong>s os casos práticos para a análise <strong>do</strong><br />

problema <strong>do</strong> tempo em CE dizem respeito a anomalias temporais<br />

na Çenomenologia <strong>do</strong>s sujeitos e mesmo (aparentes) manipulações<br />

<strong>do</strong> tempo pela mente consciente. Essas anomalias temporais con-<br />

volunráiia c a relngáo desrn com a iniciagáo cerebral inconsciente <strong>da</strong> acgia (cf. LIBET 1985, tJ,iio,iri#,,$<br />

iereb,a/irNio/i'u itiidri,c m/e 4 co~zrinnni iii/li>i ~vh(i,/ny niliar~). Para isso zêgi~tou B acflvidild~ cortical<br />

corrcspondcntc P iniciq50 <strong>da</strong> ;


To<strong>da</strong>s as situacões atrás descritas (o fenómeno phi,o meta-contraste,<br />

o coelho cutâneo, etc) são susceptíveis de uma leitura orwelliana<br />

e de uma leitura estalinista. O argumento que ~ennett contrapõe<br />

à possibili<strong>da</strong>de de dupla interpretação é o seguinte. Se existisse<br />

um "lugar" único <strong>da</strong> consciência de um particular conteú<strong>do</strong><br />

poder-se-ia justifica<strong>da</strong>mente pretender conhecer o momento <strong>da</strong><br />

consciência desse conteú<strong>do</strong>. No entanto, e como de acor<strong>do</strong> com o<br />

MEM não existe esse lugar único, não tem senti<strong>do</strong> procurar um tal<br />

momento. O pressuposto <strong>do</strong> momento absoluto <strong>da</strong> consciência e a<br />

consideração <strong>da</strong> alternativa entre interpretação orweliana e interpretacão<br />

estalinista <strong>da</strong>s anomalias temporais como exaustiva são<br />

sintomas de um indefensável i~ateiialisnzo cartesiano.<br />

O caso <strong>da</strong> mulher que passa é um <strong>do</strong>s exetnplos introdutórios<br />

<strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> MEM em CE. Alguém, que está a<br />

pensar numa mulher de cabelo curto e de óculos, vê uma mulher<br />

passar a correr. Quan<strong>do</strong> lhe perguntam como era a mulher, responde<br />

sinceramente que ela tinha cabelo curto e óculos. O observa<strong>do</strong>r<br />

exterior sabe que a mulher que passou não tinha cabelo curto<br />

e óculos. Como se justifica então o relato sincero <strong>do</strong> sujeito? Será<br />

que ele percebeu e esqueceu a mulher que 'biu" ou será que ele<br />

nem chegou a percebê-la, pois a interferência de uma recor<strong>da</strong>ção<br />

anterior no processamento deu-se antes <strong>da</strong> experiência? O ponto<br />

de Dennett é que esta alternativa entre uma revisão orwelliana e<br />

uma revisão estalinista, que tem, sem dúvi<strong>da</strong>, senti<strong>do</strong> por exemplo<br />

numa macro-escala de acontecimentos históricos não tem senti<strong>do</strong><br />

na micro-escala etn causa. De novo, a boa interpretação <strong>do</strong> caso<br />

segue os moldes <strong>da</strong> interpretação <strong>do</strong> fenómeno phi, o exemplo elementar<br />

de to<strong>do</strong>s casos referi<strong>do</strong>s. Recapitulan<strong>do</strong>: <strong>da</strong><strong>da</strong> uma anomalia<br />

temporal, coloca-se uma aparente alternativa entre uma explicatão<br />

por revisão estalinista e uma explicação por revisão orwelliana.<br />

A primeira vista é plausível considerar que a alternativa se coloca<br />

assim para o próprio sujeito <strong>da</strong> experiência, quan<strong>do</strong> quer saber o<br />

que se passou consigo, e mesmo para cientistas que usassein mecanismos<br />

de scanning <strong>do</strong>s veículos de conteú<strong>do</strong> no cérebro. No entanto,<br />

em ambos os casos, na tentativa de auto-conhecimento pelo<br />

sujeito e na inspecção <strong>do</strong> seu cérebro por meios tecnológicos,<br />

ambas as interpretacries, onveiliana e estalinista, só se configuram<br />

pressupon<strong>do</strong> uma Grande Divisão entre consciência e processamento<br />

ain<strong>da</strong> inconsciente. Ora, esta divisão é inadmissível de acor<strong>do</strong><br />

com os princípios <strong>do</strong> MEM. A distinção entre esquecimentos<br />

Urna Teoria ~isicai~ta <strong>do</strong> Contwi<strong>do</strong> c <strong>do</strong> Cor~~ciê~iia<br />

imediatos por um la<strong>do</strong> e preenchimentos e projecções para trás no<br />

temposs7 por outro só faria senti<strong>do</strong> se se concedesse a distinção<br />

absoluta entre consciência e não-consciência. O MEM, que não<br />

concede a referi<strong>da</strong> distinção, permite uma outra explicagão <strong>do</strong> caso.<br />

O que se passa no fenómeno phi, no caso <strong>da</strong> mulher que passa e<br />

nas anomalias temporais em geral, é simplesmente que o teinpo szdjeciiuo<br />

(o conteú<strong>do</strong> temporal pensa<strong>do</strong>) não corespo~onde ao teíopo <strong>do</strong>procesme~zto<br />

(que diz respeito aos veículos <strong>da</strong> representação e à situação<br />

destes no espaço-tempo físico). Assim, para a criação retrospectiva<br />

de contezi<strong>do</strong>, que de facto acontece nestes casos, o cérebro<br />

não tem que fazer qualquer preenchimento ao nível <strong>do</strong>s veículos,<br />

mas apenas que "concluir" em termos de conteú<strong>do</strong>. Não existem<br />

portanto preenchimentos e projecções ao nível <strong>do</strong>s veículos, apenas<br />

um "saber-que", que cumpre essa função.<br />

Dennett e IGnsbourne utilizam uma história ilustrativa <strong>do</strong>s princípos<br />

de des&n através <strong>do</strong> quais o cérebro li<strong>da</strong> com este tipo de dispari<strong>da</strong>des<br />

entre tempo fenomenológico e tempo físicoiiR. Eles af~- mam que perguntar quan<strong>do</strong> é que alguém se tornou consciente de<br />

um conteú<strong>do</strong> A é como pergunta5 no contexto <strong>da</strong> história que se<br />

segue, quan<strong>do</strong> é que o Império Biitânico se tornou consciente <strong>da</strong><br />

trégua. Em 8 de Janeiro de 1815 houve em New Orleans uma batalha<br />

na qual morreram desnecessariamente (uma vez que já tinha<br />

si<strong>do</strong> assina<strong>da</strong> a trégua na Europa) mais de mil sol<strong>da</strong><strong>do</strong>s ingleses.<br />

Imagine-se a coinunicação <strong>da</strong>s notícias no Império Britânico antes<br />

<strong>da</strong> rádio e <strong>do</strong> telésrafo: a notícia <strong>da</strong> trégua parte <strong>da</strong> Europa para a<br />

América, para a India e para África. Enquanto a notícia segue, a<br />

batalha de New Orleans é trava<strong>da</strong> e as notícias <strong>da</strong> derrota são por<br />

sua vez envia<strong>da</strong>s para a Europa, para a Índia, etc. O coman<strong>da</strong>nte <strong>do</strong><br />

exército em Calcutá recebe primeiro a noticia <strong>da</strong> derrota de Nexv<br />

Orleans, depois a noticia <strong>da</strong> trégua assina<strong>da</strong> na Europa. O coman<strong>da</strong>nte<br />

<strong>do</strong> exército em Calcutá só não pensa que a batalha foi trava<strong>da</strong><br />

antes de o trata<strong>do</strong> de trégua ter si<strong>do</strong> assina<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à prática de<br />

<strong>da</strong>tar as cartas que transportam a informação. Ora, <strong>da</strong>tar uma carta<br />

é precisamente incluir uma representacão de informação temporal<br />

(i.e. um conteú<strong>do</strong> temporal) nuin veículo de conteú<strong>do</strong> que tem ele<br />

próprio uma <strong>da</strong><strong>da</strong> situagão espaço-temporal totalmente diferente.<br />

" "ProjeqZo para rir no rcinpo" é uma erpl-essHo iisri<strong>da</strong> quer por B. 1.iber quer por N. Good-<br />

maii. S<strong>do</strong> csws as inrcrpietqòei que N. Goodmrn fm <strong>do</strong> fenúineno plii com cor (cf Dciincrt 1991:<br />

127), e Deniietr ensaia a irnnsposiqlo para o casa <strong>da</strong> mullicr quc passa.<br />

''" DENNErr à IUNSI?OURNE 1992. A Iiistória nHo é veridicn em ro<strong>do</strong>s os porinenores.


O conteú<strong>do</strong> temporal disàngue-se <strong>do</strong> tempo (por exemplo <strong>do</strong> tempo<br />

de chega<strong>da</strong> a um ponto A) <strong>do</strong> veículo de conteú<strong>do</strong>. No caso <strong>da</strong> his-<br />

tória apresenta<strong>da</strong>, a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> carta às mãos <strong>do</strong> coman-<br />

<strong>da</strong>nte é totalmente irrelevante no que respeita à informação tem-<br />

poral que transporta. Dennett sugere que algo de semelhante se<br />

passa no cérebro.<br />

E a distinção entre tempo <strong>da</strong> representação e tempo representa-<br />

<strong>do</strong> (que nào é senão uma instância <strong>da</strong> distinção entre veículos de<br />

conteú<strong>do</strong> e conteú<strong>do</strong>s representa<strong>do</strong>s) que subjaz às (aparentes) ano-<br />

malias temporais nos casos referi<strong>do</strong>s. Eventos neuronais são even-<br />

tos em tempo real, a sequência temporal na consciência é uma ques-<br />

tão de conteú<strong>do</strong>. De resto, a representação de conteú<strong>do</strong> temporal<br />

pelo cérebro não utiliza sequer necessariamente tempo no cérebro.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, o cérebro pode inserir elementos retrospectivos (de<br />

conteú<strong>do</strong>) sem qualquer causação "retrospectiva" ou projecção para<br />

trás (backivards, no termo de B. Libet e de N. Goodman) no tempo.<br />

A conclusão é que as proprie<strong>da</strong>des temporais <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s responsá-<br />

veis pela discsiminação, os esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s veículos de conteú<strong>do</strong>, cuja<br />

situação espaço-temporal pode ser determina<strong>da</strong> no cérebro, não<br />

determinam as proprie<strong>da</strong>des temporais <strong>da</strong> expenencia subjectiva<br />

(i.e. a "temporalização"). Assim, a furação <strong>da</strong> situação temporal um<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> temporal não é função de uma ordem de chega<strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>s veículos de conteú<strong>do</strong> a algum ponto A (no caso, no cérebro).<br />

Voltan<strong>do</strong> aos casos <strong>do</strong> meta-contraste e <strong>do</strong> coelho cutâneo, eles<br />

são exemplos de "torções espaço-temporais" explicáveis por meio<br />

<strong>da</strong> distinção entre conteú<strong>do</strong> e veículo de conteú<strong>do</strong> numa situação<br />

em que existem esboços múltiplos e vitória de uma interpretação.<br />

O fenómeno <strong>do</strong> meta-contraste é usualmente interpreta<strong>do</strong> de<br />

forma estalinista (i.e. considera-se que o segun<strong>do</strong> estímulo, o único<br />

que os sujeitos afirmam ver, impede a percepção <strong>do</strong> psimeiro). O<br />

que o MEM sugere é que o cérebro, ten<strong>do</strong> que li<strong>da</strong>r a ca<strong>da</strong> instan-<br />

te com muitos acontecimentos, e portanto fazen<strong>do</strong> suposições sim-<br />

plifica<strong>do</strong>ras sobre os esboços múltiplos, avança uma corrchsão con-<br />

serva<strong>do</strong>ra em termos de cofrtezí<strong>do</strong>, de saber-que, segun<strong>do</strong> a qual só exis-<br />

te um anel, "converten<strong>do</strong>" assim o contorno exterior <strong>do</strong> circulo no<br />

contorno interior <strong>do</strong> anel. Não há razão para afirmar que o pri-<br />

meiro estímulo (o círculo) chegou a ser percebi<strong>do</strong> consdentemen-<br />

te pelo facto de esboços relativos a ele terem chega<strong>do</strong> a circular<br />

(eles poderiam até ter efeitos inconscientes). Esses esboços "saíram<br />

de circulação", i.e. foram venci<strong>do</strong>s e substituí<strong>do</strong>s pela versão revis-<br />

ta (no caso, pela conclusão conserva<strong>do</strong>ra "só existe o anel"). Tam-<br />

bém o fenómeno <strong>do</strong> "coelho cutâneo" é explicável mediante esta<br />

ideia de "suposição simplifica<strong>do</strong>ra". No caso <strong>do</strong> coelho cutâneo a<br />

suposição simplifica<strong>do</strong>ra assume uma distribuição regular <strong>da</strong>s pan-<br />

ca<strong>da</strong>s no braço (os passos <strong>do</strong> "animal"), assim sen<strong>do</strong> venci<strong>da</strong>s<br />

interpretações parciais anteriores (esboços que chegaram a circular)<br />

relativos a grupos de panca<strong>da</strong>s em lugares particulares. Evidente-<br />

mente, só depois de to<strong>da</strong>s as panca<strong>da</strong>s acontecerem é que o cére-<br />

bro pode a<strong>do</strong>ptar a versão final. No entanto, quan<strong>do</strong> o faz as outras<br />

versões são pura e simplesmente venci<strong>da</strong>s (embora possam deixar<br />

rastros, efeitos laterais).<br />

A interpretação <strong>do</strong>s problemáticos casos de Benjamin Libet de<br />

referência para tsás no tempo (backivards referral i12 time) e de atraso<br />

<strong>da</strong> consciência subjectiva de intenção é uma prova particularmente<br />

decisiva para as capaci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> bEM. Numa <strong>da</strong>s suas experiências,<br />

Libet pretendeu comparar os tempo envolvi<strong>do</strong>s respectivamente na<br />

indução de expenência sensorial por via normal (por exemplo, esti-<br />

mulação numa mão com um breve choque) e na indução directa de<br />

uma experiência análoga por esúmulação <strong>do</strong> córtex somatossenso-<br />

rial. Os sujeitos são pacientes de neurocirurgia despertos e capazes<br />

de fazer relatos <strong>da</strong> estimulação. Repare-se que se no primeiro caso<br />

(a estimulação normal) a distância para a transmissão nervosa é<br />

longa e no segun<strong>do</strong> (a estimulação cortical directa) ela é muito mais<br />

curta. Apesar disso, perguntan<strong>do</strong> aos pacientes qual sensação foi<br />

senti<strong>da</strong> primeiro e analisan<strong>do</strong> as suas respostas, Libet chegou às<br />

seguintes conclusões:<br />

(1) Em ambos os casos decorre um tempo determina<strong>do</strong> desde<br />

o início <strong>da</strong> estimulação até à "adequação neuronal" (na linguagem<br />

de B. Libet a adequação neuronal acontece no momento em que<br />

existe experiência consciente <strong>do</strong> estímulo). Há portanto um atraso<br />

(delay) <strong>da</strong> consciência relativamente à estimulação que Libet estima<br />

em cerca de 500 milésimos de segun<strong>do</strong>.<br />

(2) Seria natural, <strong>da</strong><strong>da</strong> a diferença <strong>da</strong>s distâncias, que a adequa-<br />

ção neuronal subsequente à esàmulação cortical directa aconteces-<br />

se mais rapi<strong>da</strong>mente <strong>do</strong> que a adequação neuronal subsequente à<br />

estimulação normal. Não foi isso que (de acor<strong>do</strong> com as interpre-<br />

tações que Libet faz <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong>s sujeitos) se verificou nas expe-<br />

riências de Libet. A adequação neuronal foi atingi<strong>da</strong> mais ce<strong>do</strong> no<br />

caso <strong>da</strong> estimulação normal. Numa outra expenência, em que o<br />

córtex somatossensorial esquer<strong>do</strong> foi estimula<strong>do</strong> antes <strong>da</strong> mão


Soja ~Migz~ii~s<br />

esquer<strong>da</strong> (de uma forma que, esperava-se, origmaria a sequência<br />

subjectiva "sensação na mão direita segui<strong>da</strong> por sensação na mão<br />

esquer<strong>da</strong>") a sequência reporta<strong>da</strong> pelo sujeito é "sensação na mão<br />

esquer<strong>da</strong> segui<strong>da</strong> por sensação na mão direita".<br />

(3) Para a experiência normalmente induzi<strong>da</strong> ser senti<strong>da</strong> como<br />

ten<strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong> "antes" <strong>da</strong> experiência produzi<strong>da</strong> por estimulação<br />

cortical, ela teve que ser referi<strong>da</strong> "para trás no tempo" (backzuards<br />

in tii~~e), de uma forma que é, segun<strong>do</strong> Libet, "automática".<br />

Na terminologia de Dennett, o modelo de Libet é "estalúiista":<br />

os processo editoriais de revisão acontecem atltes <strong>do</strong> momento <strong>da</strong><br />

adequação neuronal. Parte <strong>da</strong> excitação associa<strong>da</strong> a estes casos<br />

deve-se ao facto de Libet tender por vezes a considerá-los como<br />

provas <strong>da</strong> dissociação existente entre tempo mental e tempo físico<br />

e base para argumentos dualistas. Isto foi aproveita<strong>do</strong> por alguns<br />

autores como ponto de parti<strong>da</strong> para especulações acerca de capaci<strong>da</strong>des<br />

neurofisiologicamente inexplicáveis <strong>da</strong> mente auto-consciente.<br />

As interpretações de Libet foram contesta<strong>da</strong>s por várias razões5jq<br />

ou simplesmente afasta<strong>da</strong>s cepticamente. Dennett pensa que é<br />

antes de mais importante pôr em relevo as suposições implícitas<br />

que ihes subjazem. Antes de mais, na<strong>da</strong> haveria de anormal nos<br />

casos de Libet se não estivessem a ser considera<strong>do</strong>s os relatos verbais<br />

que os sujeitos fazem <strong>do</strong>s seus juízos temporais. Libet chega às<br />

suas conclusões procuran<strong>do</strong> estabelecer correspondências entre a<br />

sequência de eventos no cérebro e sequências subjectivas relata<strong>da</strong>s<br />

pelos sujeitos. To<strong>do</strong> o caso pode portanto ser rebati<strong>do</strong> sobre a<br />

correcta interpretação <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong>s sujeitos. Ora os relatos <strong>do</strong>s<br />

sujeitos, considera<strong>do</strong>s enquanto enunciações significativas e não<br />

enquanto sons, acontecimentos físicos, são construtos teóricos<br />

resultantes de uma interpretaçio dupla, a <strong>do</strong> próprio sujeito e a <strong>do</strong><br />

'"Por cxemplo Pstticis Cliur~liland (CkIURCHLAND 1981 a c CHURCMLAND 1981b) mpctiu<br />

ns expciiincias dc Liber, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> diferenies insuugõe~ so sujeiros, pcdiii<strong>do</strong>~üics nomcr<strong>do</strong>incntc<br />

pata direi "go? quan<strong>do</strong> sentissem - i.c. estii,essem conscietices de - o esúmulo norrnnlmenre induzi<strong>do</strong><br />

De ncor<strong>do</strong> com Chiircliland rr dispnridndcr de Libct n%io sc rerihwm. Liber replicou que o<br />

"ga!" ~>odcrip ser inconscienrernenre inicia<strong>do</strong>, c quc, dc qurlqucr mo<strong>do</strong>, o dcacniio <strong>da</strong> cxpe~itncin de<br />

Cliiircliland cn forga<strong>do</strong>, pois os sujeitos deveinm cer o tempo que quisessem psm examinar introspecuvnmenre<br />

n eildincia (ct LIBI-T 1981 e DENNI-17' 1991: 160 pnin um comendtio). Libet<br />

crocn um privilégio ile escoll>a <strong>do</strong> momcnro <strong>da</strong> son<strong>da</strong>gcin pelos sujeitos, mas nlo rem argumentos<br />

qvc sustcntcm C S prp'ecensáo ~ No entanto, se~pn<strong>do</strong> Dçnnett, tambim Patricia Cliurcliland não distingue,<br />

nas suas intciprctaçõcs, o tempo drt represenr~çío <strong>do</strong> rempo representn<strong>do</strong> embora "ore acçrw<strong>da</strong>incnre<br />

que na<strong>da</strong> diskyc estas Uusõcs tcml>oiiir <strong>da</strong>s espncinis. Isro significa que quer Liber quer<br />

Cliurciilrnd pressupõem nquiio que segun<strong>do</strong> Dennett e de acor<strong>do</strong> com o AEM não podcm Icgitimamenre<br />

pressupoi: iii,i moi,ic,~fo oiisoh<strong>do</strong> iioli, rntisiii,iiii


momento absoluto <strong>da</strong> consciência é uma questão de facto. Para<br />

Dennett o interesse destas experiências é o facto de elas li<strong>da</strong>rem<br />

com a uohnta~e<strong>da</strong>de ~~~ental. As experiências, como foi atrás exposto,<br />

comparam a consciência subjectiva de intenção com a iniciação<br />

cortical <strong>da</strong> acção e concluem que existe um atraso <strong>da</strong> consciência<br />

subjectiva relativamente à iniciação cerebral, medi<strong>da</strong> com eléctro<strong>do</strong>s,<br />

que de acor<strong>do</strong> com Libet registariam os eventos neuronais que<br />

determinam a iniciação <strong>da</strong> performance <strong>da</strong> acção. De acor<strong>do</strong> com<br />

as experiências de Libet, a decisão consciente <strong>do</strong> sujeito, a sua consciência<br />

subjectiva de decisão, acontece postjkctz~~ii, o que evidentemente<br />

nega o estatuto de decisão consciente, e, em geral, o papel<br />

executivo puro <strong>da</strong> consciência.<br />

Mais uma vez, Dennett sublinha o quanto os resulta<strong>do</strong>s de Libet<br />

(que pretende comparar o instante tem que os sujeitos pensam que<br />

decidem com o instante t-1 <strong>do</strong>s eventos neuronais que determinam<br />

a iniciação <strong>da</strong> acção) dependem dejeos de si~iultanei<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

próprios sujeitos. Nas referi<strong>da</strong>s experiências, Libet pede aos sujeitos<br />

que tomem uma decisão (flectir a mão, por exemplo) e que nesse<br />

instante registem a posição de uma marca num dispositivo que<br />

serve de relógio. Assim, os sujeitos deverão poder reportar qual era<br />

a posição <strong>da</strong> marca no instante <strong>da</strong> sua decisão. Sem a relação estabeleci<strong>da</strong><br />

pelos relatos <strong>do</strong>s sujeitos, os quais envolvem representações<br />

mentais de tempo, não haveria na<strong>da</strong> a interpretar. No entanto,<br />

e para não falar na pseu<strong>do</strong>-aleatorie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s actos voluntários estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s,<br />

o problema é que apesar de Libet começar por distingnir o<br />

que é representa<strong>do</strong> (o conteú<strong>do</strong>) <strong>do</strong> momento em que o conteú<strong>do</strong><br />

é representa<strong>do</strong> (uma característica <strong>do</strong> veículo <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>), ele alcanca<br />

a conclusão acima cita<strong>da</strong> (sem<strong>do</strong> ," a aual a iniciacão inconsciente<br />

precede a decisão consciente) partin<strong>do</strong> de premissas relativas<br />

ao que é seoresenta<strong>do</strong> (o conteú<strong>do</strong>) e chegan<strong>do</strong> a conclusões acerca<br />

<strong>do</strong> veículo <strong>da</strong> representação (o momento <strong>da</strong> representação). O<br />

problema subjacente a to<strong>do</strong>s estes casos é, desde logo, o de saber<br />

o que significa "o tempo de ocorrência" de uma representação interna<br />

(no caso, marca<strong>da</strong> pela posição no relógio), uma vez que ela<br />

não é "una" em termos de veículos, nem espacial nem temporalmente.<br />

E aliás a tarefa pedi<strong>da</strong> ao sujeito (determinar onde estava a<br />

marca quan<strong>do</strong> foi toma<strong>da</strong> a decisão) requer ela própria uma decisão<br />

voluntária. Em geral, Dennett considera estas experiências de Libet<br />

pouco esclarece<strong>do</strong>ras devi<strong>do</strong> ao carácter pouco natural <strong>do</strong> seu desenho:<br />

juízos de temporali<strong>da</strong>de como aqueles que são pedi<strong>do</strong>s na<br />

situação de Libet não têm um papel no controlo <strong>do</strong> comportamento<br />

normal.<br />

Uma experiência também ela relativa à consciência de intenção<br />

e de iniciação de uma acção e que, segun<strong>do</strong> Dennett, permite evidenciar<br />

de uma forma mais simples as conclusões que se impõem,<br />

é a experiência de aparente pré-cognição que Gray Walter realizou<br />

com um carreto de slidesi", na qual o avanço deste é provoca<strong>do</strong> pela<br />

amplificação <strong>do</strong> sinal de um eléctro<strong>do</strong> implanta<strong>do</strong> no córtex motor<br />

<strong>do</strong> sujeito e não pelo movimento <strong>do</strong> de<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeito, ao contrário<br />

<strong>do</strong> que este crê. O efeito é de uma aparente arztea$agão <strong>do</strong> alto 2 decisão<br />

sz~bjectiua. A surpresa <strong>do</strong>s sujeitos deve-se, segun<strong>do</strong> Dennett, à<br />

normal monitorização que acompanha a iniciação de tarefas: o<br />

cérebro esperajed-back <strong>da</strong>s acqões inicia<strong>da</strong>s, que neste caso chega<br />

ce<strong>do</strong> demais. A diferença (muito importante) relativamente aos<br />

casos de Libet é que neste caso, o juízo temporal <strong>do</strong> sujeito (acerca<br />

de quan<strong>do</strong> foi inicia<strong>do</strong> o quê) não é artificialmente sequeti<strong>do</strong>,<br />

nem é obviamente delibera<strong>do</strong>. A exploração de experiências como<br />

esta pode produzir conclusões acerca <strong>do</strong> normal atraso espera<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> jed-back visual relativo a uma acção inicia<strong>da</strong>, mas não conclusões<br />

acerca <strong>da</strong> situação temporal real <strong>da</strong> decisão: simplesmente não<br />

é isso que está em causa.<br />

Em geral, a razão para os fenómenos de torção <strong>do</strong> tempo representa<strong>do</strong><br />

relativamente ao tempo <strong>do</strong>s veículos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é o facto<br />

de os cérebros '(viverem" pressiona<strong>do</strong>s pelo tempo na sua tarefa de<br />

controlar um corpo num ambiente de condições em constante variação<br />

- um cérebro tem que extsais informação relevante em tempo<br />

útil, para a usar nomea<strong>da</strong>mente em antecipações, os canais de<br />

tratamento de informação são vários, a comunicação entre agentes<br />

não é a melhor e por melhor que fosse ocuparia sempre tempo, há<br />

muita coisa para perceber, muitas acções para iniciar a tempo, etc.<br />

O problema empírico consiste em saber como são possíveis estes<br />

fenómenos de temporalização, i.e. de fxação de uma sequência<br />

temporal pensa<strong>da</strong>. A sugestão de Dennett é que o cérebro procede<br />

em casos como os referi<strong>do</strong>s por a<strong>da</strong>ptações sensíveis ao conteú<strong>do</strong><br />

(content-sefzsitiue setti~gs): as inferências temporais envolvi<strong>da</strong>s nos arranjos<br />

e simultaneizações poderiam ser consegui<strong>da</strong>s comparan<strong>do</strong><br />

correspondências de conteú<strong>do</strong> de baixo nível de vários arranjos de<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s.


Soja A4&11eells<br />

O objectivo geral <strong>da</strong> análise que Dennett faz destes casos de<br />

(supostas) anomalias temporais é reiterar o princípio básico <strong>do</strong> hEM<br />

segun<strong>do</strong> o qual é impossível falar <strong>da</strong> consciência como uma questão<br />

de tu<strong>do</strong> ou na<strong>da</strong>, apenas sen<strong>do</strong> possível fazer senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> (suposto)<br />

espap j'éno7nenal <strong>do</strong>s acontecimentos pensa<strong>do</strong>s ou relata<strong>do</strong>s pelos<br />

sujeitos como um espaço Iógco, cujas proprie<strong>da</strong>des são constituí<strong>da</strong>s<br />

pelas crencas <strong>do</strong>s sujeitos. O grande problema após o primeiro teste<br />

ao &íEM que as "anomalias temporais" representam é evidentemente<br />

o resto constituí<strong>do</strong> pela ideia de son<strong>da</strong>s qnepreu$itanl narraIivas. A<br />

ideia de seFprobe ou auto-son<strong>da</strong> e a sua selacão com a fixação <strong>do</strong>s<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental própria determina<strong>da</strong> e explícita é essencial<br />

na teoiia dennettiana <strong>da</strong> consciência. O problema é que ela parece<br />

reintroduzit a azito-i~~iciaçüo. Para além disso, e ain<strong>da</strong> no que respeita<br />

ao tempo, persiste a intuicão forte de que «as nossas experiências de<br />

eventos ocorrem na mesma ordem na qual as expenenciamos a ocorrer.<br />

Se alguém pensa o pensamento "Um, <strong>do</strong>is, três, quatro, cinco" o<br />

seu pensamento de "um" ocorre antes <strong>do</strong> seu pensamento de "<strong>do</strong>is"<br />

e assim por diante))'"'. Dennett admite a ver<strong>da</strong>de <strong>do</strong> princípio ao nível<br />

macroscópico, o nível <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r (niesmo que se trate <strong>do</strong> autoobserva<strong>do</strong>r<br />

e <strong>da</strong> sua fenomenologia). Tu<strong>do</strong> o que o MEM pretende<br />

estabelecer é que ao niuel mnicmsc@ico o p%c$io nüo ten/ senti<strong>do</strong>. No<br />

entanto, como N. Block nota5", tu<strong>do</strong> nas análises dennetianas <strong>da</strong>s<br />

anomalias temporais depende <strong>da</strong> suposicão implícita de que a consciência<br />

fenomenal não existe. De facto, na<strong>da</strong> no processamento paralelo<br />

distsibuí<strong>do</strong> nos impede de considerar que alguns eventos mentais<br />

no sistema são fenomenalmente conscientes enquanto outros<br />

não o são. Um defensor <strong>da</strong> consciência fenomenal não é obriga<strong>do</strong> ao<br />

compromisso com um lugar único no cérebro que correspon<strong>da</strong> ã<br />

"passagem" de conteú<strong>do</strong>s para a consciência nem com memórias<br />

infalíveis. Aliás, e quanto ao facto de o registo e a memória serem no<br />

hEM criteriais a consciência, de mo<strong>do</strong> que se algo não fica<br />

regista<strong>do</strong> não é considera<strong>do</strong> real, poder-se-ia objectar que inúmeras<br />

coisas reais desaparecem sem rastro, i.e duram muito pouco (por<br />

exemplo certas partículas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos físicos) não sen<strong>do</strong> por isso<br />

menos reais. Porque não poderia ser esse o caso <strong>da</strong> consciência fenomenal<br />

de determina<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s? Pensar o contriiio faz depender<br />

a consciência fenomenal <strong>da</strong> forma como nós podemos pensar os<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> conscitncia, faz depender a reali<strong>da</strong>de de alguma coisa<br />

<strong>do</strong>s limites <strong>da</strong> nossa própria forma de apercebermos a reali<strong>da</strong>de. E<br />

claro que neste caso, se a consciência fenomenal existe e se ela não é<br />

uma questão de juizos, deixa de ser arbitrjria a fixação <strong>do</strong> momento<br />

<strong>da</strong> consciência como Dennett pretende, i.e. deixa de ser "impertinente"<br />

a diferença entre revisões orweilianas e estaiinistas. Ned<br />

Blocks" faz notar a propósito que Dennett e IQnsbourne conhindem,<br />

nas suas ciíticas aos autores que procuraram interpretar as<br />

anomalias temporais, um compromisso com a existência de consciência<br />

fenomenal com uma confusão entre tempo representa<strong>do</strong> e<br />

tempo <strong>da</strong> representasão. Segun<strong>do</strong> Block, por exemplo Patricia<br />

Churchland não faz confusão nenhuma na discussão <strong>do</strong>s casos de<br />

Libet: o que ela faz (de uma forma aparentemente inadmissível para<br />

Dennett, mas totalmente correcta para Blocli) é simplesmente adn~itir<br />

a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> corisciê~zcia JElrome~~al.<br />

3.3.4 De novo apartir de dentro e fie baixo. A evoI,~çüu <strong>da</strong> consriCnria <strong>do</strong><br />

ponto de vista <strong>da</strong> terceira pessoa e evitan<strong>do</strong> corderar a represer~taçüo <strong>do</strong> q~~e<br />

qner qz~e s+. Fro~onteiras, ra~ões, serisiêr~cia ehttiro. Evoh~çüo no cérebro.<br />

Mcíqz~inas Virtz~ais ir~stala<strong>da</strong>s.<br />

Como se viu, O &EM tem como primeira aplicacão a interpre-<br />

tação de aparentes anomalias temporais na fenomenologia de sujei-<br />

tos. No entanto, o que em última análise justifica o modelo são teo-<br />

rias <strong>da</strong> evolução (<strong>do</strong> cérebro e no cérebro). De resto, grande parte<br />

<strong>do</strong>s conceitos básicos <strong>do</strong> modelo de consciência proposto por<br />

Dennett - conceitos como socie<strong>da</strong>de de agentes, Máquina Virtual,<br />

ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r, etc - provêm <strong>do</strong> pensamento sobre máquinas<br />

computacionais artificiais"


Na análise feita a partir de dentro e de baixo <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong><br />

consciência não está em causa o mun<strong>do</strong>-texto <strong>do</strong>s sujeitos mas sim<br />

a passagem de enti<strong>da</strong>des físicas não-conscientes a enti<strong>da</strong>des conscientes,<br />

por um processo evolutivo5". A história <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong><br />

consciência apresenta<strong>da</strong> por Dennett em CE não é original, antes<br />

resultan<strong>do</strong> de contribuições de inúmeros teóricos <strong>da</strong> mente, desde<br />

A. Turing e J. T7on Neumann a M. Minsky, A. Newell, D. Hofstadter,<br />

G. Edelman, VI! Calvin, J.Holland e VI! Leveltib6 e sen<strong>do</strong> um<br />

aperfeiçoamento <strong>do</strong>s princípios esboça<strong>do</strong>s em C&C. A ideia chave<br />

é a necessi<strong>da</strong>de, que terá si<strong>do</strong> experimenta<strong>da</strong> pelos sistemas cognitivos,<br />

de uma melhor comunicação interna de informação, a qual<br />

terá conduzi<strong>do</strong> à criação de hábitos de azrto-exortação, que são os<br />

"substitutos mecânicos" <strong>do</strong> olhar interno frequentemente identifica<strong>do</strong><br />

com a consciência. Em geral Dennett considera que o desigi<br />

para a consciência resulta <strong>da</strong> sucessão de três processos a que<br />

chama (1) o aparecimento <strong>da</strong>s fronteiras e <strong>da</strong>s razões, (2) a produção<br />

de futuro e (3) a evolução no cérebro e o Efeito Baldwin.<br />

O início <strong>da</strong> narrativa remonta ao ponto que não existiam razões<br />

mas apenas causas. Não existem "razões" enquanto não existem<br />

enti<strong>da</strong>des com interesses. e estes aoarecerão a oartir <strong>do</strong> interesse de<br />

replica<strong>do</strong>res na auto-replicação. A partii <strong>do</strong> momento em que existem<br />

revlica<strong>do</strong>res "interessa<strong>do</strong>s" na revlicacão avarece a divisão<br />

<strong>da</strong>quilo que existe em "bom" e "mau", relativamente ao interesse<br />

<strong>do</strong> replica<strong>do</strong>r. Com o interesse na auto-preservação as fronteiras<br />

tornain-se importantes e passam a exisár processos que têm como<br />

função fazer perseverar interesses e frontekas. Passa assim a haver<br />

'C<br />

razões" (i.e. fins-para-um-interior), e não apenas causas de movimentos.<br />

Essas razões não são no entanto "aprecia<strong>da</strong>s": elas são<br />

razões em enti<strong>da</strong>des, e não razões para as enti<strong>da</strong>des, que seriam<br />

representa<strong>da</strong>s explicitamente por elas para elas. Dennett chamalhes<br />

fieejloatitg ratioilales.<br />

Os factos primordias <strong>da</strong> história evolutiva <strong>da</strong> consciência são<br />

assim: (1) a existência de "razões" para reconhecer, (2) a existência<br />

de "pontos de vista" para avaliar essas razões, (3) a existência de<br />

"agentes" que distinguem um interior de um exterior, (4) a efec-<br />

"' Uinn <strong>da</strong>s inspiracíies mcto<strong>do</strong>iógicas dc Dcnnctt para 1 nbord;igem <strong>do</strong> probkma dr conscien-<br />

cix n pnrtir dc dcntco e de bniro s%o, de resto, os ''ensnias dc psicologia sintétici", de TCBrnitcnberg<br />

Os ensnios de psicologiz sintética enrolvern uma série de rnccanismos, qucvia desde enti<strong>da</strong>des clara-<br />

rnentc nGo vivas até enti<strong>da</strong>dci aparcnrcrnciite biológicas e psicoiógicns (cf. BMITENBERG 1784).<br />

Cf. por crcmplo i\LINSI


Soja Migrenr<br />

precisos e ver<strong>da</strong>deiros mas para serem rápi<strong>do</strong>s e económicos. São<br />

por isso despoleta<strong>do</strong>s muito facilmente, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> frequentemente<br />

lugar a falsos alarmes e pon<strong>do</strong>, além <strong>do</strong> mais, em conjunto (i.e.<br />

categorizan<strong>do</strong> como "o mesmo") uma ~rrotley crezu, na expressão de<br />

Dennett, i.e. um conjunto heteróclito de elementos (e não elementos<br />

de categorias naturais bem delimita<strong>da</strong>s que seriam assim reconheci<strong>da</strong>s).<br />

Um funcionamento grosseiro é suficientemente bom se<br />

um número suficiente de vezes, na situação para que foram feitos<br />

os mecanismos, for gera<strong>da</strong> a acção apropria<strong>da</strong>.<br />

A atenção de psicólogos e~~olucionistas e filósofos tem si<strong>do</strong><br />

atraí<strong>da</strong>, na análise destas questões, pela ligação <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s de<br />

consciência de organismos a este tipo de alarmes filogenéticamente<br />

antigosi6', conduzin<strong>do</strong> à hipótese segun<strong>do</strong> a qual nãopoderia haver<br />

esta<strong>do</strong>s de sef~siêticia emocionalnzente rzerrtros. A natureza não faria<br />

máquinas epistémicas, máquinas de pensar a partir de fora, "como<br />

se não fosse na<strong>da</strong> com o organismo" que pensa, pois não teria<br />

razão para isso. Criaturas biológicas não poderiam subitamente<br />

tornar-se simplesmente «recolhe<strong>do</strong>ras desinteressa<strong>da</strong>s de informaçáon<br />

hensantes-observa<strong>do</strong>res) porque «os repórteres nelas são os .<br />

alarmes e os excita<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s seus antepassa<strong>do</strong>s, nunca envian<strong>do</strong><br />

uma mensagem intacta, mas sempre com algum vestígio de torção<br />

editorial positiva ou negati\~a»'"". A razão de ser <strong>da</strong> evolução <strong>do</strong>s<br />

sistemas sensoriais, e posteriormente <strong>do</strong>s sistemas nervosos, que<br />

estabelecem as ligações entre o interior e o exterior de enti<strong>da</strong>des,<br />

não é a detecção de categorias naturais, inas a sobrevivência <strong>do</strong>s<br />

organismos. Estes sistemas servem para manter os organismos<br />

vivos: eles têm um propósito narcisista e não um propósito epistémico.<br />

Antes de qualquer controlo "futurizante" existir, a maior<br />

parte <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des era controla<strong>da</strong> em "piloto-automático":<br />

os vários controlas especializa<strong>do</strong>s funcionavam separa<strong>da</strong>mente<br />

sem mobilização de to<strong>do</strong>s os recursos <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. No<br />

entanto, as respostas de antecipação - que podiam ser alarmes -<br />

traduziram-se na possibili<strong>da</strong>de de mobilizar to<strong>do</strong>s os recursos <strong>da</strong><br />

enti<strong>da</strong>de para li<strong>da</strong>r com uma emergência, abrin<strong>do</strong> uma arena cefztraíixa<strong>da</strong><br />

tezporáriapara o controlo. De acor<strong>do</strong> com Dennett, estes episódios<br />

breves de vigilância aumenta<strong>da</strong> por interrupção <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de<br />

em curso <strong>do</strong> organismo são provavelmente os precursores<br />

evolutivos <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s conscientes5". Teriam começa<strong>do</strong> por ser<br />

reacções a sinais de alarme, interrupções liga<strong>da</strong>s a situações de<br />

emergência nas quais seria conveniente a mobilização geral na<br />

enti<strong>da</strong>de. Da<strong>da</strong> a sua utili<strong>da</strong>de para uma actualizacão geral <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> organismo, os animais começaram a entrar nesses mo<strong>do</strong>s<br />

mais frequentemente. Esta vigilância torna<strong>da</strong> usual permitiu a evolução<br />

de um novo tipo de comportamento em certas criaturas, os<br />

"informívoros" (na expressão <strong>do</strong> psicólogo George Miller)'", que<br />

exploram regularmente, e nos quais os esta<strong>do</strong>s de vigilância se tornam<br />

um hábito. Eles adquirem informação pela informação, já não<br />

necessariamente apenas de forma despoleta<strong>da</strong> pelo exterior e à<br />

medi<strong>da</strong> que é necessária, mas de forma internamente inicia<strong>da</strong>.<br />

Mesmo assim, e <strong>da</strong><strong>da</strong>s as origens <strong>do</strong> comportamento, o errlotional<br />

ouertone desta "vigdância para a informacão" manter-se-á.<br />

Até aqui está em causa a história evolutiva <strong>do</strong>s sistemas nervosos,<br />

de acor<strong>do</strong> com os princípios gerais <strong>da</strong> evolução por selecção<br />

natural. O passo seguinte <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> consciência diz respeito<br />

ao funcionamento <strong>da</strong> selecção natural nos interiores não inteiramente<br />

fixa<strong>do</strong>s (hard-~uirerl) <strong>do</strong>s próprios sistemas nervosos. Começa<br />

então a evolução no cérebro, terceira etapa para a evolução <strong>da</strong><br />

consciência. A plastici<strong>da</strong>de que a evolução no cérebro supõe teria<br />

evoluí<strong>do</strong> de forma aproxima<strong>da</strong>mente contemporânea <strong>do</strong> processo<br />

acima descrito. Apareceram no entanto nesta via <strong>do</strong>is ?tzedia para<br />

uma evolução muitíssimo mais rápi<strong>da</strong> <strong>do</strong> que a evolução <strong>do</strong>s organismos:<br />

os cérebros e os memes (o termo "meme" é de R. Dawkinsi7',<br />

que o utiliza para nomear replica<strong>do</strong>res que não são as moléculas<br />

de ADN, mas que estão sujeitos a um processo de evolução<br />

considera<strong>do</strong> análogo). O <strong>da</strong>nvinismo neuronal - na expressão de<br />

G.Edeln~an~'~ - aqui em causa tem si<strong>do</strong> explora<strong>do</strong> teoricamente por<br />

vários autores, como J.P.Changeux, WCalvin, J.Holiand com os<br />

seus algoritmos genéticos, bem como pelo próprio G. Edelman.<br />

Independentemente <strong>da</strong> particular teoria, o que é importante para<br />

Dennett é conceber os princípios que regem os mecanismo neuro-<br />

"? DENNETT 1991: 180. Estas são as "rcsnosrar dc orienracio" ou inreiruncões <strong>da</strong> nctiviidnde<br />

correcite. A rencgão i detecqZo de eixos de simetriz verticais sciia uin crcmplo. O psicólogo O Neumsnn<br />

sugcrc quc as respostas de orienrngio sZo o nn4logo biológico <strong>da</strong>r sinia$ões com o li<strong>da</strong>r dc uma<br />

siruacão dc cmcrrincia numa embsrcacão com uma ordem de "Todn n eenre nam o convés!" IDEN-<br />

. .


nais <strong>da</strong> aprendizagem assim possibilita<strong>da</strong>. Ora, a capaci<strong>da</strong>de de<br />

antecipar depende de uma aposta humeana na regulari<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

processos no ambiente que são importantes para os organismos.<br />

As instalações de antecipação "referem-se" a essas regulari<strong>da</strong>des.<br />

Há no entanto processos que interessam a organismos e que não<br />

são processos regulares. Os sistemas que melhor li<strong>da</strong>rão com esses<br />

processos serão organismos capazes de se re-desenharem, i.e. organismos<br />

capazes de aprendizagem. Dennett chama a esta possibili<strong>da</strong>de<br />

fixação pós-natal <strong>do</strong> des&n. A fmação pós-natal <strong>do</strong> des&iz dá-se<br />

em virtude de um processo idêntico ao processo "pré-natal" de<br />

fixação de desig~: i.e. em virtude de um processo de evolução por<br />

selecção, que neste caso acontece no interior. Os selectores têm que<br />

ser já fma<strong>do</strong>s, e a eles se apresentarão candi<strong>da</strong>tos à selec~ão (estruturas<br />

cerebrais que controlam comportamentos). Estes processos<br />

evolucionistas são hoje objecto de modelizações em computa<strong>do</strong>r<br />

(de resto, de acor<strong>do</strong> com Dennett, tais modelos, mais <strong>do</strong> que simulações<br />

de processos cerebrais são realizações num suporte diferente<br />

de processos fun<strong>da</strong>mentalmente idênticos "3.<br />

Cérebros plásticos e capazes de se reorganizarem a<strong>da</strong>ptativamente<br />

constituem um novo medizlm para a evolução, que dá lugar a<br />

uma aceleração desta. "Efeito Baldwitt" é o nome para o fenómeno<br />

de aceleração: populações de organismos cujo sistema nervoso é<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de plastici<strong>da</strong>de detêm uma vantagem sobre os seus parentes<br />

"rígi<strong>do</strong>s". Dennett exemplifica o processo com o "Bom Truque",<br />

um qualquer talento comportamental útil. Imagine-se uma<br />

população na qual existe uma grande variação na instalação (wiri~d<br />

<strong>do</strong>s cérebros à nascença. Apenas uma <strong>da</strong>s instalações dá ao organismo<br />

capaci<strong>da</strong>de para o Bom Truque comportamental, que o favorece.<br />

To<strong>da</strong>s as outras são indiferentes (a situação representa-se por<br />

meio de paisagens de aptidão -jtizess landscapes). No entanto os indivíduos,<br />

mesmo os que não nasceram com essa instalação, podem<br />

mover-se no espaço <strong>do</strong> des&n graças à plastid<strong>da</strong>de e to<strong>do</strong>s tendem<br />

a aprender o Bom Truque. Sem a plastici<strong>da</strong>de, "a niiss is asgood as a<br />

tniLe", é indiferente falhar por pouco ou por muito. Com a plastici<strong>da</strong>de,<br />

a geração seguinte terá mais indivíduos mais pró.ximos <strong>do</strong> alvo<br />

(a instalação para o Bom Truque). O processo conhuará até à<br />

'" Cf. acerca de modelos, hIACHUC0 ROSA 2002 (Psire 11, Sistemas Atenua<strong>do</strong>s, nomea<strong>da</strong>mente<br />

os sub-c;ipinilos: 1. Sistemas Dinjmicos, 2 Fcnómenos crkicor e redes de ipi,~, 3. Redes neuronnis<br />

artificiais, 4. A Nova Robótica c 4.3.1. O conccito dc hoirdiore cvolutivo).<br />

Uma Teoria Fisirrilisto <strong>do</strong> Contei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coirsciêt~cio<br />

população ter fixa<strong>do</strong> geneticamente o Bom Truque, que pode assim<br />

ser passa<strong>do</strong> de forma relativamente rápi<strong>da</strong> às gerações futuras.<br />

Até mesmo no cérebro de um animal como a rã, por exemplo,<br />

a evolução interna é muito mais rápi<strong>da</strong> <strong>do</strong> que a evolução por selecção<br />

natural de organismos: as "gerações" podem durar segun<strong>do</strong>s e<br />

não dias, meses ou anos. É no entanto num tipo de controlo poderoso<br />

consegui<strong>do</strong> com ajustamentos <strong>da</strong> ordem <strong>do</strong>s milésimos de<br />

segun<strong>do</strong>s que os humanos são melhores auto-controla<strong>do</strong>res <strong>do</strong> que<br />

quaisquer outros organismos que também se auto-controlam, mas<br />

cuja atenção focaliza<strong>da</strong> é curta e cuja capaci<strong>da</strong>de de planeamento<br />

não alcança um longo prazo. Ora, as chaves dessa habili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

humanos são, segun<strong>do</strong> Dennett, a partilha de sdfhvare, a auto-estimulação<br />

(nomea<strong>da</strong>mente a auto-estimulação linguística), e, em geral,<br />

as ligações virtuais assim consegui<strong>da</strong>s e em particular o estabelecimento<br />

de um centro de coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema.<br />

Para Dennett, as lgaçôes uvitziais são a pedra de toque <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem<br />

<strong>da</strong> consciência feita a partir de baixo e de dentro e têm um<br />

papel muito importante na transformação <strong>do</strong> problema geral que se<br />

coloca aos agentes (o problema "O que é que hei-de fazer a<br />

seguir?') no meta-problema "O que é que hei-de pensar a seguir!".<br />

Este problema está relaciona<strong>do</strong> com a necessi<strong>da</strong>de de controlo de<br />

alto nível <strong>do</strong> fluxo de informação no sistema de controlo <strong>do</strong> organismo.<br />

Para conceber o controlo, a função executiva, Dennett vai<br />

buscar a Oliver Selfridge, o precursor de modelos descentraliza<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>s processos cogmtivos, a ideia de "Pandemónio": «Como o nome<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> por Selfridge é tão apto, vou utilizá-lo de forma generaliza<strong>da</strong><br />

no livro para to<strong>do</strong>s os seus descendentes»574. Para se chegar à concepção<br />

correcta <strong>da</strong> e~~olução <strong>da</strong> consciência, a ideia de paizdenió~~io<br />

terá que ser conjuga<strong>da</strong> com a ideia de um controlo cet~@aS?a<strong>do</strong> uinzlal.<br />

Um terceiro nrcdit~ni <strong>da</strong> evolução interna é constituí<strong>do</strong> pelos<br />

memes, coisas não vivas mas que satisfazem a definição de evolução<br />

através <strong>do</strong>s parâmetros <strong>da</strong> variação, replicação e aptidão @t~zess)<br />

diferencial. A evolução <strong>do</strong>s memes rege-se ain<strong>da</strong> pelo princípio<br />

segun<strong>do</strong> o qual replicação não é necessariamente boa para qualquer<br />

coisa mas sim "cega". Os três processos referi<strong>do</strong>s (evolução genética,<br />

evolução neuronal <strong>da</strong><strong>da</strong> a plastici<strong>da</strong>de fenotipica e evolução<br />

memética) têm veloci<strong>da</strong>des crescentes. A evolução cultural é em<br />

-' DENNETT 1991: 189. O. Selfridge 6 um <strong>do</strong>r primeiros explora<strong>do</strong>res dc redes ncuronais e<br />

el;iborou o modelo <strong>do</strong> pandemónia para o rcconhccimcnto pcrccptivo. Cf BECHTEL & GMHAhl<br />

1998: 489-491 c 771. Cf. ain<strong>da</strong> BECHTEL, ABMtll\hlSEN & GMFIAM 1998:11-13.


Soja M&IIC?IJ<br />

grande medi<strong>da</strong> responsável pela instalação <strong>da</strong> Máquina Virtual <strong>da</strong><br />

consciência. Este é um ponto que 'muitos críticos de Dennett consideram<br />

inconcebível: Dennett concede um papel tão importante à<br />

linguagem no seu modelo de consciência que, saben<strong>do</strong>-se que esta<br />

é relativamente e que o espantoso crescimento <strong>do</strong> cérebro<br />

humano estava concluí<strong>do</strong> antes <strong>da</strong> existência de linguagem, fica<br />

aberta a hipótese de terem existi<strong>do</strong> humanos neurofisiologicamente<br />

semelhantes a nós e não conscientes. A hipótese liga-se à recepção<br />

particularmente calorosa que Dennett faz <strong>da</strong> ideia <strong>do</strong> psicólogo<br />

Julian Jaynes acerca <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> consciência5'? Se os nossos<br />

cérebros não são fun<strong>da</strong>mentalmente diferentes, <strong>do</strong> ponto de vista<br />

anatómico, <strong>do</strong>s cérebros <strong>do</strong>s humanos de há 10.000 anos, por hipótese,<br />

e se no entanto nós somos mais inteligentes, a nossa maior<br />

inteligência deve ser uma questão de s4uarc, e de parálha de softluare<br />

e não de hardware. A arquitectura funcional cria<strong>da</strong> por infestações<br />

de memes ein cérebros humanos não será portanto capturável<br />

neurofisiologicamente, mas apenas a um nível de descrição mais<br />

abstracto, análogo ao nível <strong>do</strong> sq'?hvare nos computa<strong>do</strong>res. O problema<br />

<strong>da</strong> consciência torna-se então no problema de saber como é<br />

que a consciência humana pode ser realiza<strong>da</strong> através <strong>da</strong> operação<br />

de Máquinas Virtuais em cérebros humanos. O que é preciso compreender<br />

é o processo de geração e selecção de padrões neuronais<br />

e, segun<strong>do</strong> Dennett, só se conseguirá fazer senti<strong>do</strong> desse processo<br />

a um nível bastante mais abstracto <strong>do</strong> que o nível neurofisiológico,<br />

já que aquilo que é necessário analisar são os &tos <strong>da</strong> ling~/agem e <strong>da</strong><br />

auto-estimulacão lir"g//istica nos cérebrws hnnzaxos. Para Dennett, o<br />

momento histórico matricial teria si<strong>do</strong> o momento em que um<br />

pedi<strong>do</strong> de informação ou de aju<strong>da</strong> (num estádio anterior <strong>da</strong> linguagem<br />

usualmente utiliza<strong>do</strong> em direcção a outros humanos, de mo<strong>do</strong><br />

a despoletar os efeitos deseja<strong>do</strong>s, de mo<strong>do</strong> talvez análogo ao que se<br />

passa hoje com as vocalizações de certos animais) foi ouvi<strong>do</strong> pelo<br />

próprio, na ausência de outros. Este teria si<strong>do</strong> o início <strong>da</strong> exploração<br />

<strong>da</strong> auto-estimulação linguística, liga<strong>da</strong> ao pensamento voluntário,<br />

que é custoso e lento relativamente a processamentos cognitivos<br />

inconscientes, mas é uma inovacão essencial em criaturas em<br />

cujos cérebros o acesso interno é menos <strong>do</strong> que óptimo. Em ciia-<br />

" Dennerr consider* por e>iemplo (DENNETT 1991: 190) quc ar cspccializaq6es innes clioms-<br />

kgnnnr sio aquisisães rccenres c apioveiemenros de circuitos antctiores, junrrrnenre com o Efeito<br />

Uald\vin.<br />

Jl\YNES 1976. CC DENNEIT 1998c,].]q~~~e,rrS~l~~~rcArch~olo~):<br />

turas assim, são muitas as situações nas quais especialistas cerebrais<br />

determina<strong>do</strong>s podem possuir uma informação determina<strong>da</strong> sem<br />

estarem liga<strong>do</strong>s aos especialistas que necessitam dessa informação.<br />

A auto-estimulação linguística "serve para" sulcar, nestas circunstâncias,<br />

vias de comunica$io interna não instala<strong>da</strong>s (uma capaci<strong>da</strong>de<br />

ain<strong>da</strong> notória nos humanos, por exemplo em casos de recuperação<br />

após lesões cerebrais).<br />

h no contexto defini<strong>do</strong> por este quadro evolucionista que Dennett<br />

introduz a seguinte definição de consciência: «A consciência<br />

humana é um enorme complexo de memes (ou melhor, de efeitos<br />

de memes em cérebros) e a melhor maneira de compreendê-la é vêla<br />

como a operacão de uma Máquina Virtual "à maneira de Von<br />

Neumann", implementa<strong>da</strong> na arquitectura paralela de um cérebro,<br />

que não foi projecta<strong>do</strong> para activi<strong>da</strong>des tais. Os poderes desta<br />

Máquina Virtual favorecem vastamente os poderes <strong>do</strong> hanuare<br />

orgânico subjacente no qual corre, mas ao mesmo tempo algumas<br />

<strong>da</strong>s suas caracteristicas mais curiosas, e especialmente limitações,<br />

podem ser explica<strong>da</strong>s como produtos laterais (bprodncts) <strong>do</strong>s klz~dgeji7'<br />

que tornam possível esta curiosa mas eficaz reutilização de um<br />

orgão para um novo propósito»578. Aparentemente não se poderia<br />

estar mais longe <strong>da</strong> fuosofia. J. Searle considera esta teoria uma versão<br />

<strong>da</strong> IA Forte que passa totalmente ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> problema fuosófico<br />

<strong>da</strong> consciência5".<br />

Vários <strong>do</strong>s conceitos utiliza<strong>do</strong>s na definição anterior só ficaram<br />

disponíveis para aju<strong>da</strong>r a pensar sobre o pensamento graças às<br />

máquinas computacionais: por exemplo a Máquina Virtual como<br />

estrutura temporária5x0 e a seriali<strong>da</strong>de (o efeito "gargalo de garrafa"<br />

<strong>da</strong> arquitectura de Von Neumann, design <strong>do</strong> qual to<strong>do</strong>s os computa<strong>do</strong>res<br />

digitais são descendentes directo^)^^'. A ideia de Máquina<br />

Virtual, ou máquina que se comporta como outra máquina remonta<br />

à ideia de Máquina de Turing. Para Dennett, no entanto, a ideia<br />

de Máquina de Turing é demasia<strong>do</strong> rigorosa para ser um modelo<br />

"O tcrino Obbb&rb i uin tcrmo utiliza<strong>do</strong> poi iiiicksr para rcfcrir maneiras o


ealista para a vi<strong>da</strong> mental humana. Ela é "substituí<strong>da</strong>" em CE pela<br />

ideia de Máqz~ina Jqceaxa. O conceito de Máquina Joyceana não é<br />

obviamente um conceito técnico como o conceito de Máquina de<br />

Tusing, mas uma forma de chamar a atenção para as marcas <strong>da</strong><br />

implementação de Máquinas Virtuais em mecanismos resultantes<br />

de evolução biológica. A ideia original de Turing (que afinal fazia<br />

lógica matemática quan<strong>do</strong> criou o conceito de Máquina de Tusing<br />

e procurava formalizar a noção de algoriuno e não pensar uma<br />

máquina real e muito menos um cérebro) é biologicamente irrealista.<br />

Utiliza<strong>da</strong> fora <strong>do</strong> seu contexto, como modelo psicológico, nomea<strong>da</strong>mente<br />

pelo funcionalismo, produz uma imagem intelectualista<br />

<strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de. O fluxo de consciência <strong>do</strong>s humanos não corresponde<br />

ao esquema de Turing: não é um processo serial num espaço<br />

de trabalho restringi<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong> uma célula de ca<strong>da</strong> vez, um<br />

processo para o qual <strong>da</strong><strong>do</strong>s e instruções são trazi<strong>do</strong>s a partis de<br />

uma memóiia inerte e absolutamente confiável (a "fita") sen<strong>do</strong><br />

então cumpri<strong>da</strong>s operações. O irrealismo <strong>da</strong> Máquina de Tusing<br />

como modelo psicológico não obsta a que existam nela <strong>do</strong>is pontos<br />

importantes e definitivos: (1) a ideia de que passos mecânicos<br />

podem constituir to<strong>do</strong>s os processos inteligentes e (2) a ideia de<br />

que uma Máquina Universal se pode tornar virtualmente outra máquina.<br />

As Máquinas Virtuais são precisamente «conjuntos temporários<br />

de regulari<strong>da</strong>des altamente estrutura<strong>da</strong>s impostas ao bardware<br />

subjacente por um programa; uma receita estrutura<strong>da</strong> de centenas<br />

de milhares de instruções que dão ao bardzuare um enorme e entrelaça<strong>do</strong><br />

conjunto de hábitos e disposições reactiva~»~~'. Embora a<br />

fenomenologia humana não se identifique com a proposta de<br />

Tusing, Dennett propõe que a consciência é uma Máquina Wtual<br />

mas uma máquina Wtual joyceana, que não está desde o início instala<strong>da</strong><br />

no sistema e que por isso mesmo vem a "aperceber" o seu<br />

próprio funcionamento. De que forma se passa isso?<br />

Nós temos acesso a um fluxo fenomenológico que parece serial.<br />

O problema que se coloca é conceber a forma como uma máquina<br />

paralela (o cérebro) pode W a implementar uma Máquina Vistual<br />

serial (a consciência). A diferença entre arquitecturas seriais e paralelas<br />

não é necessariamente muito relevante <strong>do</strong> ponto de vista teórico<br />

quan<strong>do</strong> se trata de encarar o problema, já que a ideia de Máquina<br />

de Turing Universal serve precisamente para estabelecer a pos-<br />

sibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> encaixe de máquinas Wtuais sucessivas, por hipótese<br />

com arquitecturas diferentes, ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s quais poderá ser reconheci<strong>da</strong><br />

por meio de um determina<strong>do</strong> ilrterfàce. A essa "apresentação"<br />

chama-se a i/zdsão <strong>do</strong> zltili~a<strong>do</strong>r. Olhan<strong>do</strong> para o detalhe <strong>da</strong>s inscruções<br />

que constituem os programas ou máquinas Wtuais, é possível<br />

"não ver na<strong>da</strong>". No entanto, a um nível mais abstracto, surgem<br />

enti<strong>da</strong>des Wtuais perfeitamente determina<strong>da</strong>s.<br />

O problema consiste, como se disse, em saber como será possível<br />

obter uma "máquina de uma coisa de ca<strong>da</strong> vez" (uma máquina<br />

serial) a partir de uma "máquina de muitas coisas ao mesmo<br />

tempo" (uma máquina paralela). A proposta de Dennett é a seguuite:<br />

<strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que é possível simular estruturas paralelas em<br />

máquinas seriais, o que foi reconheci<strong>do</strong> desde o início <strong>da</strong> era <strong>do</strong>s<br />

computa<strong>do</strong>resis3, é possível simular uma máquina serial, uma<br />

Máquina de Von Neumann, numa estrutura paralela. De facto, «as<br />

mentes conscientes são máquinas Wtuais mais ou menos seriais<br />

ineficientemente implementa<strong>da</strong>s no bard~oare paralelo com que a<br />

natureza nos <strong>do</strong>tow)j8'. O que seriam então os "programas" que se<br />

instalam nas redes neuronais (cerebrais)? Da<strong>da</strong> a plastici<strong>da</strong>de, poderão<br />

ser instala<strong>do</strong>s rnicro-hábitos (conexões entre neurónios), que<br />

constituirão macro-hábitos para o bardware e regulari<strong>da</strong>des no comportamento<br />

<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. O problema seguinte é saber como são<br />

instala<strong>do</strong>s esses programas. Se nas máquinas artificiais um programa<br />

pode ser instala<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>zu~zload <strong>do</strong> programa para a<br />

memória (e assim o computa<strong>do</strong>r ganha imediatamente "novos<br />

hábitos cognitiv~s"~"), num cérebro é necessário treino, nomea<strong>da</strong>mente<br />

auto-estimulação repetitiva, para a instalação de novos hábitos<br />

cognitivos. Se a CPU de um computa<strong>do</strong>r é ngi<strong>da</strong> no tratamento<br />

de instruções, formula<strong>da</strong>s numa linguagem <strong>da</strong> máquina que é<br />

fma, não há no entanto razões, no que toca a cérebros, para pensar<br />

que <strong>do</strong>is cérebros diferentes terão o mesmo sistema de interconexões<br />

(este é de novo o problema <strong>da</strong> Linguagem de Pensamento, o<br />

problema de Fo<strong>do</strong>r, trata<strong>do</strong> no capítulo 2). Assim, se <strong>do</strong>is cérebros<br />

'" Cf. bícCULLOCH 8; PITTS 1943, e o Perccprron dc E Roscnblart PECHTEL, ABRrI-<br />

HAhlSEN 8; GRAHAhl 1998: 32-33).<br />

'U O orolilema <strong>da</strong> velocidndc (acerca <strong>do</strong> 4ud . r . oram de Tunnc - na<strong>da</strong> di~) . 6 imooctarrnnce . "are Dcnnctr<br />

aqui c também nn iefurqão <strong>do</strong> Qurrio CliinEs, cf DIINNErr 19871, Euf Tiiiiihitg.<br />

'X' Que a neurociéncin compurnciannl hmra vcnhn ri podcr faze1 o mesmo em liumanos é uma<br />

hipórese muiro prercntc nn ficgão cicntiúca cinemrtognífica. Recoide-se de novo filmes como E*$-<br />

I C , ~ (Croncnbcrg) ou Af111rix (Irmãos \Vachowsky). Neste úlrimo é poi cxcmpla fcito o d011111fl~zd de<br />

um programa para "saber guiar um hciicáptcro" nn pcrsonqcm Triniry


vão parùlhar softwarc, e a aposta <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência de Dennett<br />

é afirmar que vão, não poderão fazê-lo através de um processo<br />

tão simples como o <strong>do</strong>w~<strong>do</strong>ad de um mesmo programa nas memórias<br />

de ambos. Aliás, a própria separação estrutural entre memória<br />

e CPU também não tem análogo em cérebros. É o próprio Dennett<br />

quem aponta to<strong>da</strong>s estas diferenqas, consideran<strong>do</strong> no entanto<br />

que a analogia funcionalista entre consciência e s@ware, mesmo<br />

imperfeita, continua incontornável por várias razões e nomea<strong>da</strong>mente<br />

porque: (1) a consciência é demasia<strong>do</strong> recente em termos<br />

evolutivos para ser uma "instalação" inata; (2) efeitos "culturais",<br />

exteriormente disponibiliza<strong>do</strong>s, são muito importantes na constituição<br />

de um fluxo de consciência de tipo humano; (3) os traços<br />

funcionalmente importantes para a consciência são invisíveis ao<br />

escrutínio neuroauatómico já que resultam de inúmeras micro-instalações<br />

na plastici<strong>da</strong>de <strong>do</strong> cérebro; (4) a ideia de ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r<br />

de uma Máquina Virtual é boa para conceber a consciência: o<br />

nosso acesso consciente ao que se passa no nosso cérebroiR6 é nulo.<br />

A ideia segun<strong>do</strong> a qual a consciência é uma ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r<br />

de uma Máquina Virtual instala<strong>da</strong> num cérebro, o cérebro <strong>do</strong> corpo<br />

a que chamamos nosso, é um ponto <strong>do</strong> MEM difícil de assimilar. E<br />

o ponto no qual ca<strong>da</strong> um de nós é obriga<strong>do</strong> a perguntar se ser consciente<br />

poderá de facto consistir numa ih~~no. Quan<strong>do</strong> se fala de ilusão<br />

<strong>do</strong> utiiiza<strong>do</strong>r relativamente a um <strong>da</strong><strong>do</strong> programa, "cá fora"<br />

existe alguém que reconhece o interface num computa<strong>do</strong>r, i.e. existe<br />

um z/tiíixa<strong>do</strong>r propriamente dito, uma pessoa. O problema com a<br />

transposição <strong>da</strong> ideia é, obviamente, saber para benefício de quem<br />

se <strong>da</strong>ria a ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r. Ora, se o lugar de oiigem <strong>da</strong> ideia de<br />

ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual é a interacção de uma<br />

pessoa com um computa<strong>do</strong>r (o particular programa ao qual corresponde<br />

uma determina<strong>da</strong> ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r, recorde-se, é a Máquina<br />

Virtual por oposição ã máquina física) o que poderá significar a<br />

ideia de que a consciência corresponde à ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de<br />

uma Máquina TJirtual?<br />

Antes de mais, a ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual<br />

alude ao facto de o utiliza<strong>do</strong>r não poder dizer como é, a nível de<br />

L" Cérebro? Ou ourrn coisa qiialqucra Como o sabcihmos?<br />

harcl~ruare, a particular Máquina Virtual com que li<strong>da</strong>, como está im-<br />

plementa<strong>da</strong> ou a quantos níveis de distância <strong>do</strong> hardware se encon-<br />

tra. A aplicação <strong>da</strong> ideia a nós próprios (ou a qualquer ser cons-<br />

ciente) produz o seguinte quadro: afirmar que pensar que eu sou<br />

consciente é uma ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual é<br />

afirmar que eu não sei, ao ser consciente, como está essa máquina<br />

implementa<strong>da</strong> no cérebro nem a quantos níveis de "dist2ncia" (por<br />

exemplo <strong>do</strong> nível <strong>do</strong>s neurónios - ou outro hardware qualquer). O<br />

problema maior é que de certo mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> essa ilusão (com as<br />

suas características de controlo, de seriali<strong>da</strong>de, etc) uma ilusão, ela<br />

"h-existe", e com ela to<strong>da</strong> a minha vi<strong>da</strong> consciente (e eu com ela).<br />

O que podem tais ideias significar?<br />

Para a ideia de Máquina Virtual (e a correspondente ideia de in-<br />

terface) ser legítima, o des<strong>do</strong>bramento entre utiiiza<strong>do</strong>r e "apresen-<br />

tação" que existe na interacção que acontece "cá fora" não pode<br />

deixar de estar presente. Dennett admite-o"". O que Dennett nega é<br />

que o utiiiza<strong>do</strong>r tenha que ser um observa<strong>do</strong>r consciente, um agen-<br />

te cognitivo global; ele propõe que o "observa<strong>do</strong>r" está incorpora-<br />

<strong>do</strong> no próprio sistema, sen<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> por ((pe<strong>da</strong>ços de interface<br />

cujos vários formatos continuam a constranger os tipos de questões<br />

que podem ser respondi<strong>da</strong>s constrangen<strong>do</strong> assim os conteú<strong>do</strong>s que<br />

podem ser expressos»is! A ideia é portanto que o interface é cons-<br />

tituí<strong>do</strong> pelo formato <strong>da</strong>s interacções entre partes <strong>do</strong> sistema.<br />

Afirmou-se atrás que os humanos partilham sofhare por apren-<br />

dizagem, imitação e reforço. Ca<strong>da</strong> um instala hábitos mentais orga-<br />

niza<strong>do</strong>s e pré-testa<strong>do</strong>s. Ném <strong>do</strong> mais, o cérebro faz Load-@de mui-<br />

tos <strong>do</strong>s <strong>da</strong><strong>do</strong>s necessários à prática desses hábitos mentais em ht/jirer.r<br />

<strong>do</strong> ambiente (o que significa que o lugar e os materiais <strong>do</strong> pensa-<br />

mento humano não são totalmente interiores: são muitos os huma-<br />

nos que não conseguem, por exemplo, executar cálculos complica-<br />

<strong>do</strong>s nem pensamentos sofistica<strong>do</strong>s sem o apoio de símbolos escritos<br />

e diagramatizar$es). Escrita é um bom nome (de resto já utiliza<strong>do</strong> ...)<br />

para essa exteriorização e despossessão <strong>do</strong> mental. Mas o que no<br />

âmbito <strong>do</strong> hEhI se sugere é que essa exteriorização foi "interioriza-<br />

<strong>da</strong>" de uma forma que foi importante para a consciência humana<br />

poder existir. Nomea<strong>da</strong>mente, um <strong>do</strong>s hábitos que os humanos<br />

adquiriram foi o hábito de falarem consigo próprios, i.e. de utiliza-<br />

DENNETr 1991: 312 «How could tiiere be n User Iiiusion witliaur tliis sepnrnllon? Tliere<br />

couidn't hei,.<br />

"DENNI71i' 1991: 312.


em hguas naturais para a estruturação e controlo <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s<br />

mentais. É certo que capaci<strong>da</strong>des como a auto-exortação à recor<strong>da</strong>ção<br />

parecem essenciais no mo<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong> humano e impossíveis sem<br />

a consciência, sem uma capaci<strong>da</strong>de geral de supervisão e de contso-<br />

10 de sistemas cognitivos que permite son<strong>da</strong>r, encontrar defeitos no<br />

sistema e corrigi-los, reunii- ou centralizar recussos separa<strong>do</strong>s. Ora,<br />

segun<strong>do</strong> Dennett, subjacente a to<strong>da</strong>s estas habili<strong>da</strong>des está uma capaci<strong>da</strong>de<br />

básica de tratar o meta-problema "o que pensar a seguir?"<br />

com apoio na linguagem. Como se armou atrás, este problema é o<br />

problema sucessor <strong>do</strong> problema "o que fazer a seguir?" que se coloca<br />

aos organismos. O recrutamento geral em situação de emergência<br />

(nas respostas de orientação vistas atrás) não é suficientepara o considerar<br />

resolvi<strong>do</strong>, pode até <strong>da</strong>r lugar a excesso e caos. E necessásio<br />

um controlo central e uma recuperação de conhecunentos bem dirigi<strong>da</strong>.<br />

Dennett chama a este problema o problema <strong>do</strong>s pássaros de<br />

Platãoj8" transposto para o cérebro. As respostas de orientação atrás<br />

referi<strong>da</strong>s precisam de "quem" as organize. E preciso um contsolo<br />

global <strong>do</strong>s especialistas separa<strong>do</strong>s: (Aprender a raciocinar é aprender<br />

estratégias de recuperação de conhecimentos para a superúcie<br />

mentabjO% é aqui que aparece a necessi<strong>da</strong>de de hábitos mentais,<br />

cuja vantagem consiste em mol<strong>da</strong>r "passagens de pensamento"jW. A<br />

veia ryleana de Dennett revela-se de novo no tratamento desta questão.<br />

Nomea<strong>da</strong>mente, G. Ryle sugeriu (e 'antes de Ryle, uin grande<br />

número de Glósofos) que pensar é falar consigo próprio5". Trata-se<br />

então de auto-estimulação. Técnicas de auto-estimulação s- ao essenciais<br />

para o pensamento sofistica<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente para o raciocínio<br />

explícito para o raciocina<strong>do</strong>r. Por exemplo, a nossa memória não<br />

é uma memória RAM, não vamos n<strong>da</strong> onde queremos e quan<strong>do</strong><br />

queremos, de forma 6ável. Daí, a necessi<strong>da</strong>de de maneiras ad hoc de<br />

pôr as coisas a funcionar, hábitos individuais de auto-estimulação<br />

como ensaios, innemónicas, ritmos, sons, gestos, coçar a cabeça, Gm-<br />

'" Cf. PI.KI'À0, TmteIo, 197-198 a, onde o problema i saber se o conliecimento i qunlquer coisn<br />

~ Ux C pode possuir sem té-10 junto n nós. Foique nào basta ter os pbssaras, i prcciso quc o p6ssam<br />

certo venlin quan<strong>do</strong> é chama<strong>do</strong>..<br />

'*DENNNETI 1991: 223.<br />

"' Como Dennctt nora, ati incrrno um humsno coiitcmporiiieq um penrn<strong>do</strong>i sofistica<strong>do</strong> nio<br />

conseye inasitci dc formn ilimita<strong>da</strong> r atenç" ppresn uo problemn que tr;ibalh;i. No entanto, somos<br />

cspnres dc li<strong>da</strong>r com proùlcmas que demoram muito mais <strong>do</strong> qvc esse tempo curto n smcrn rero1~<strong>do</strong>s<br />

Dai n neccssi<strong>da</strong>dr de cstt.~tEgias como rec;lpirula$õcs e descri$õcs para nós prúprios, cnínios<br />

pós ensxios. O cfcito C lançar para s mcmárin, sulcar, cfccniar uma B,ii,,i,o# pmpositsdn, utlüzan<strong>do</strong><br />

o termo dc Freud.<br />

'" RYLB 1979.<br />

zir o sobrolho, etc. Trata-se de sustenta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> processo de pensamento,<br />

marcas, ancoragens talvez não tão aleatórias quanto parecem.<br />

São aifuial as marcas <strong>da</strong> a<strong>do</strong>pção idissincrática <strong>da</strong> Máquina Tiirtual<br />

e <strong>da</strong> imposição de uma disciplina no cérebro individual em<br />

causa. Sen<strong>do</strong> estas as condicões <strong>da</strong> instalação de uma Máquina Virtual<br />

num cérebro humano, justifica-se que Dennett chame a esta<br />

máquina uma Máquina "Joyceana".<br />

A grande questão a colocar é obviamente a seguinte: porque é que<br />

os mecanismos descritos haveriam de ser conscientes? E a resposta<br />

de Dennett é que a máquina não estava já pronta, instala<strong>da</strong> de forma<br />

maximamente eficiente desde o início, e que o funcionamento <strong>da</strong><br />

Máquina Joyceana é tão perceptível como qualquer <strong>da</strong>s coisas no<br />

mun<strong>do</strong> que ela foi projecta<strong>da</strong> para perceber. Como nota também por<br />

exemplo M. híinslq perceber "dentro" não é, nestas circunstâncias,<br />

mais diílcil <strong>do</strong> que (ou diferente por natureza de) perceber "fora".<br />

É com este "jogo de espelhos" que a parte construtiva <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> consciência de CE culmina. 6, assim, um erro pensar que o<br />

modelo de CE, apesar de pretender eliminar o Teatro Cartesiano,<br />

elunina completamente apeicgyão interior a ideia de uma Máquina<br />

Virtual instala<strong>da</strong> no cérebro e que apercebe o seu próprio funcionamento<br />

é uma ideia acerca de percepção interior. A metade construtiva<br />

<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> consciência de CE é, assim, além de um ~ilodelo<br />

j/mio~zulista, uma teoria ciaperc@$ão iviterior, que supõe um des<strong>do</strong>bramento<br />

entre audiência e "palco", mesmo que o teatro seja um teatro<br />

impreciso, não envolven<strong>do</strong> distinção absoluta entre consciência<br />

e não-consciência. Só a percepção interior permite compreender a<br />

ideia de ilusão <strong>do</strong> uiiiiza<strong>do</strong>r. Esta por sua vez "dá" como características<br />

<strong>da</strong> consciência determina<strong>do</strong>s traços (como o controlo, a<br />

seriali<strong>da</strong>de e a continui<strong>da</strong>de) que não se encontram nos processos<br />

neuronais subiacentes.<br />

([Whatever we ma), want to sa): we probably won't say just thab>,<br />

'71 "tuiZ ar-se-6 esn forma vcrb:il corno tradu$iio <strong>do</strong> verbo inglis to ~/ir,iii<br />


A grande possibilita<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> tipo humano de mentes (e para Dennett<br />

<strong>do</strong> único tipo de consciência no pleno senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo que<br />

conhecemos) é a linguagem natural. Nietzsche defendeu na Guia<br />

CiEni2" que os humanos podem pensar e agir sem ter consciência e<br />

que a co7lsciêflrcia se desetruolvet[ sob apressão <strong>da</strong> tecess si <strong>da</strong> de de conltclicação. O<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong> consciência an<strong>da</strong>riam assim a<br />

par. Em CE Dennett defende algo de análogo. De acor<strong>do</strong> com o que<br />

foi dito atrás, é sofi2are no cérebro que cria aq* a que Dennett<br />

chama um milagre poiítico interno, i.e que propicia o aparecimento<br />

de um coman<strong>da</strong>nte <strong>do</strong>s especialistas ou agentes sub-pessoais. De um<br />

ponto de vista exterior e global sabemos que controlo e decisão<br />

acontecem nos e pelos sistemas cogmtix7os. O problema é conceber<br />

a forma como Máquinas Virtuais instala<strong>da</strong>s em cérebros criam centros<br />

que à parti<strong>da</strong> não estão lá e aos quais está associa<strong>do</strong> o controlo execdvo<br />

<strong>do</strong> con@orta~~letlrto. Um <strong>do</strong>s aspectos <strong>do</strong> encerramento <strong>do</strong> Teatro<br />

Cartesiano é o fim <strong>do</strong> Intenciona<strong>do</strong>r Central, o centro <strong>do</strong> qual o controlo<br />

<strong>da</strong>s intenções na acçào, inclusive as intenções semânticas, proviria.<br />

Qual é então, em geral, a fonte <strong>do</strong> controlo? Qual é, em parti<strong>da</strong>r,<br />

a fonte <strong>do</strong>s actos de fala? Esta questão constitui o objecto <strong>da</strong><br />

secção Hoiu Words Do Thgs WW Us de CE.<br />

Recorde-se as identificações feitas por Shakey, referi<strong>da</strong>s no ponto<br />

3.3.1 <strong>do</strong> presente capítulo. Elas eram "comunica<strong>da</strong>s ao exterior" de<br />

uma forma semelh,ante à forma como um PC "utiliza" a linguagem<br />

quan<strong>do</strong> nos pergunta solicitamente "tem a certeza que quer pôr isso<br />

no lixo?". Otto, o crítico <strong>do</strong> IvfEM, &a que é ilegítimo conceber o<br />

uso humano de linguagem à imagem <strong>do</strong>s relatos de Shakey ou <strong>da</strong>s<br />

"perguntas" "endereça<strong>da</strong>s" pelo PC ao seu utiiiza<strong>do</strong>r: quan<strong>do</strong> humanos<br />

falam, eles querem-dizer (í/ea~2) aquilo que dizem. Quan<strong>do</strong> humanos<br />

formulam frases, eles mol<strong>da</strong>m-nas de mo<strong>do</strong> a exprimi com acui<strong>da</strong>de<br />

aq~ilo que querem-dizer. Isto seria consegui<strong>do</strong> prestan<strong>do</strong> atenção<br />

à experiência consciente própiia e ajuizan<strong>do</strong> acerca <strong>da</strong>s palavias<br />

que mais justiça fazem a essa experiência. Na<strong>da</strong> disso se passa com<br />

Shaliey ou com o PC: eles não têtn interior nenhum, o input e o output<br />

estão liga<strong>do</strong>s <strong>da</strong> maneira erra<strong>da</strong>, não "fica" um observa<strong>do</strong>r no<br />

meio que possa querer-dizer antes de os relatos serem produzi<strong>do</strong>s,<br />

não existe um pensamento determina<strong>do</strong> i espera de ser posto em<br />

palavras. Para Otto, Shalcey é um ~o~i~b-ic e <strong>da</strong> mesma maneira que<br />

constitui um erro conceber as imagens mentais à imagem <strong>da</strong>s "ima-<br />

gens" de Shakey, é um erro conceber o querer-dizer 2 imagem <strong>da</strong> utilização<br />

de linguagem por Shalq Pelo contrário, a primeira coisa que<br />

o uso de linguagem por humanos revela é que quan<strong>do</strong> um humano<br />

fala, ele sabe o que quer-dizer, trata-se de pôr em público a vi<strong>da</strong> consciente,<br />

que está antes ou atrás, e cuja expressào pode aliás ser mais ou<br />

menos perfeitamente consegui<strong>da</strong>. Como sempre, a ideia de Dennett<br />

é que o parecer-ser pode e deve ser toma<strong>do</strong> como <strong>da</strong><strong>do</strong> mas não sustenta<br />

qualquer pretensão teórica acerca <strong>do</strong> que se passa. A produ~ão<br />

<strong>da</strong> fala é um problema sério para a Iingui'stica, que aliás, de forma<br />

revela<strong>do</strong>ra, o trata menos <strong>do</strong> que trata a anáiise <strong>da</strong> fala. Encarar a<br />

produção <strong>da</strong> fala supõe que se lide com a questão <strong>da</strong> iniciação e <strong>do</strong><br />

controlo, e, logo, com o problema <strong>do</strong> Intenciona<strong>do</strong>r Central.<br />

Em CE Dennett trabalha sobre o modelo <strong>do</strong> psicoiinguista holandês<br />

Wi!iem LeveltsqG. 0 modelo de Levelt prevê um lugar para o<br />

"Conceptualiza<strong>do</strong>r", que cria o que o sistema vai dizer e decide que<br />

isso seja dito. De acor<strong>do</strong> com o modelo de Levelt, a fala não é produzi<strong>da</strong><br />

palavra a palavra: existe uma certa previsão global <strong>do</strong> que vai<br />

ser dito (que existe uma certa previsão é visível por exemplo no<br />

fenómeno <strong>da</strong> prosódia, i.e. na entoação e distribuição desta pela<br />

frase). Vários erros de fala como Jpoonerismosi"' são sugestivos <strong>do</strong><br />

mo<strong>do</strong> como é feita a selecção de palavras. Aliás, erros de fala só<br />

podem ser considera<strong>do</strong>s erros se puderem de alguma forma ser<br />

considera<strong>do</strong>s diferentes <strong>da</strong>quilo que o falante queria-dizer. Se tais<br />

fenómenos ocorrem é porque existe uma determinação <strong>do</strong> quererdizer,<br />

apesar <strong>da</strong>s interferências possíveis. Essa determinação é tarefa<br />

<strong>do</strong> "conceptuaiiza<strong>do</strong>r", admiti<strong>do</strong> por Levelt como uma reificação<br />

provisória que precisa de ser explica<strong>da</strong>. O conceptualiza<strong>do</strong>r<br />

decide pela perforinance de um acto de fala, envia uma ordem para<br />

a burocracia sob o seu controlo, a qual inclui as partes <strong>do</strong> modelo<br />

que são o formula<strong>do</strong>r e o articula<strong>do</strong>r, bem como as Relações Públicas<br />

que escolhem as palavras apropria<strong>da</strong>s, as tornam gramaticais,<br />

combinam o tom de voz e executam o acto.<br />

O Conccpninliza<strong>do</strong>r O ucto de fdii<br />

z=-<br />

Decidir o que ani ser dito, de forma<br />

derciininads, com prcvisio global<br />

FIG. 4 0 Conceptualiza<strong>do</strong>r<br />

'* LEVELT 1989.<br />

"' "Spoonerismos" sBo uocas de ordcm nos componentes <strong>da</strong>s paiwns piodu~in<strong>do</strong> pnlwrns<br />

iiicristcntcs mos quc dcksm pcifdnmcnrc pcrccber n "intcn~ão" que Ihcs deu origcm.


Soja M~~IICIIS<br />

É evidentemente problemáaco dizer em que linguagem é <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

a ordem <strong>do</strong> conceptualiza<strong>do</strong>r. Para Levelt, a ordem (apenas para actos<br />

de fala e não para to<strong>da</strong>s as activi<strong>da</strong>des cognitivas) é <strong>da</strong><strong>da</strong> numa<br />

Linguagem <strong>do</strong> Pensamento. Este modelo de originação <strong>da</strong> fala corresponde<br />

à ideia de processamento através de uma hierarquia de rotinas,<br />

agentes e sub-agentes. Em alternativa Dennett propõe que a<br />

produção <strong>do</strong>s actos de fala deve ser concebi<strong>da</strong> a partir de um processo<br />

de pandemónio5" e que o eventual emparelhamento de conteú<strong>do</strong>s<br />

com expressões é o resulta<strong>do</strong> final de competições, <strong>do</strong> fazer<br />

e desfazer de coligações. Tu<strong>do</strong> começa com mo<strong>do</strong>s de fazer ruí<strong>do</strong><br />

vocal, sem razão. Este ruí<strong>do</strong> excita agentes, (na metáfora de Dennett<br />

pe<strong>da</strong>ços de palavras a dizer "deixa-me ser eu!") que "procurarão"<br />

modulá-lo. O resulta<strong>do</strong> é incompreensível (mas é já, por<br />

exemplo, inglês-incompreensível). Outros agentes mol<strong>da</strong>m em palavras<br />

o fluxo de inglês-incompreensíxrel. Várias frases-candi<strong>da</strong>tas<br />

emergem, uma será pronuncia<strong>da</strong>, a vence<strong>do</strong>ra, mas logo a seguir a<br />

disputa será retoma<strong>da</strong> e o falante ficará a ponderar sobre aquilo que<br />

deveria ter dito. No entanto, a pessoa que produz a enunciação<br />

asseverará que disse aquilo que queria-dizer. De acor<strong>do</strong> com o<br />

modelo <strong>do</strong> pandemónio dizer aquilo que se quer-dizer não envolve<br />

a existência de um Intenciona<strong>do</strong>r Central. A "apropriação" de uma<br />

frase pelo falante acontece num cenário de geração por processamento<br />

paralelo e de trabalho de agentes anónimos: essa é a fonte<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, não uma ordem dita<strong>da</strong> ex t~ihilo e ex cathedra pelo Intenciona<strong>do</strong>r<br />

Central. A ideia de Dennett quanto à produção <strong>da</strong> fala<br />

retoma a história de abertura de CE, o "jogo de socie<strong>da</strong>de chama<strong>do</strong><br />

psi~anáiise"~"~. O jogo tem como resulta<strong>do</strong> uma história, e no<br />

entanto não existe um autor <strong>da</strong> história, apenas um processo <strong>do</strong><br />

qual a história emerge sob o questionamento incessante de questiona<strong>do</strong>res.<br />

A ideia segun<strong>do</strong> a qual o pensa<strong>do</strong>r de um pensamento<br />

não parte para a expressão desse pensamento com uma intenção<br />

determina<strong>da</strong> e o Intenciona<strong>do</strong>r Central de~e ser substituí<strong>do</strong> por um<br />

"W ttermo "demónio" 6 u8iizn<strong>do</strong> no contexto <strong>da</strong> teoria cognitivn com o significa<strong>do</strong> de ngcntc<br />

de recanhccimento, intervin<strong>do</strong> cm circunstinci~s dctcimina<strong>da</strong>s.<br />

'n DENNETi 1991: 10-16. O objectivo <strong>do</strong> jogo é rcconstcuir um sonlio que suposrrmentc<br />

existiu. Diz-sç a um joga<strong>do</strong>r que quan<strong>do</strong> ele saiu <strong>da</strong> sala, ;ilb"iém conrou o sonlio aos rcstnnies paiticiprntcs.<br />

Ele deve então fazci perguntas ncercn <strong>do</strong> sonllo. Obtém depois respostas (sim ou nio) alc~<br />

arórias pair as suas quesrões, resposms que são gcrudns par uma icgia como "Responder sim se r<br />

última letn dn úlha pnlsvn <strong>da</strong> pergunta órer parte <strong>da</strong> ptimeira metsdc <strong>do</strong> alfabcto e não em caso<br />

contriiio". O joga<strong>do</strong>r vai assim "recoiirtcuin<strong>do</strong>" uma hisiórin quç nSo existiu e tcnta ritcnvés dcla<br />

identificar o íonl~a<strong>do</strong>r de tal sonho.<br />

processo evolutivo de geração provem <strong>da</strong> investigação em Inteligência<br />

Artificial, nomea<strong>da</strong>mente <strong>do</strong> trabalho de téoricos como M.<br />

nilinskyb"0 e D. Hofstadter"'. Como diz M. bíinsky na citação em<br />

epígrafe, o que quer que queiramos-dizer, provavelmente não queremos-dizer<br />

exactamente isso, i.e. não existe uma determinacão<br />

prévia concebi<strong>da</strong> <strong>do</strong> querer-dizer.<br />

Um argumento a favor <strong>do</strong> modelo de produção por pandemónio<br />

é o facto de intenções não concor<strong>da</strong>ntes de realizar actos de fala<br />

poderem (co) existir num mesmo indivíduo. Como prova disso<br />

mesmo, Dennett refere experiências realiza<strong>da</strong>s pelo psicólogo<br />

inglês Anthony Marcel nas quais são <strong>da</strong><strong>da</strong>s instruções a um padente<br />

com visão cega para realizar um determina<strong>do</strong> acta de fala (dizer<br />

quan<strong>do</strong> vê um &h de luz) através de três acções determina<strong>da</strong>s<br />

(dizer "sim", premir um botão, piscar Ora, frequentemente,<br />

as três accões <strong>do</strong> paciente não vão no mesmo senti<strong>do</strong>.<br />

Várias patologias neuropsicológicas parecem também conkmar<br />

uma tal "ramificação" de intenções: na afasia de jargãom3 os<br />

pacientes (cuja inteligência é normal) produzem performances verbais<br />

gramaticais mas totalmente descontrola<strong>da</strong>s, enquanto que pacientes<br />

com síndroma de I


teriam que situar-se de um la<strong>do</strong> ou outro <strong>da</strong> linha, quesena logica<br />

e funcionalmente clara (mesmo que fosse neurologicamente indiscernível).<br />

Dennett considera agora que a ideia é insustentável quan<strong>do</strong><br />

se trata <strong>da</strong> produção de fala (e <strong>do</strong> controlo <strong>da</strong> acção em geral):<br />

embora deva hcver um stan<strong>da</strong>rcl para a correcção de erros na produção<br />

<strong>da</strong> fala, aquilo que funciona como stanclarclnão tem que manter-se<br />

idêntico nem sequer durante a produção de um único acto de<br />

fala. A conclusão geral <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> fala resume-<br />

-se através de uma ideia sempre reitera<strong>da</strong> de Dennett: frequentemente<br />

só descobrimos o que queremos dizer dizen<strong>do</strong>-o. Isto contradiz<br />

a existência de uma intenção prévia ao acto de fala e afasta a<br />

ideia <strong>do</strong> Componente Controlo claramente demarca<strong>do</strong> <strong>do</strong> modelo<br />

de BS. O nloclelo <strong>da</strong> prodnção por Pandemónio é evidclrte~nente generalixáve/<br />

2s acções intencionais e171geral. E, assim, evocan<strong>do</strong> a confluência de trabalhos<br />

empíricos sobre processamento paralelo e distribuí<strong>do</strong> e<br />

sobre agentes especialistas semi-independentes que Dennett defende<br />

a inexistência de um fluxo de consciência único e definitivo6"'. A<br />

singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência é substituí<strong>da</strong> por ((canais múltiplos nos<br />

quais circuitos especialistas em pandemónios paralelos fazem as<br />

suas várias coisas, crian<strong>do</strong> esboços múltiplos ii medi<strong>da</strong> que avançam.<br />

A maioria destes esboços de narrativa tem vi<strong>da</strong> curta na<br />

modulação <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de corrente <strong>do</strong> organismo mas alguns são<br />

promovi<strong>do</strong>s a outros papéis funcionais, em rapi<strong>da</strong> sucessão, pela<br />

Máquina Virtual <strong>do</strong> cérebro (...) O resulta<strong>do</strong> só não é uma confusão<br />

porque as tendências impostas em to<strong>da</strong> esta activi<strong>da</strong>de são elas<br />

próprias resultantes de cles&, algum inato e partilha<strong>do</strong> com outros<br />

animais»6u! 0 modelo proposto pode ser esquematiza<strong>do</strong> em traços<br />

largos <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />

O hli3Ll como explornçào destx ideia coiijugi virias npormçõc'~: a idcia sepn<strong>do</strong> s qunl n<br />

consciènciu C conseyi<strong>da</strong> por uma sociedndc dc crpccioliíns disuibui<strong>do</strong>s, eqiiipa<strong>da</strong> com uma memóiir<br />

dc wab;iUio, Ù~amadn espaço dc rrnbdho globrii, cujos conteú<strong>do</strong>s podem ser emiti<strong>do</strong>s para o ristema<br />

como um to<strong>do</strong> C, como se i?" no inicio <strong>do</strong> presente c;ipituIo, i ideia de B.Banrí. Baars sugere<br />

nindn que C n próprin lentidào <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de mencd consciente quc mseenta s Iiipótcsc dc que o cérebro<br />

nio seria para sei seriai. A ideia de esboços múltiplos C comum ciii iA bcm como as esuuturns<br />

dc <strong>da</strong><strong>do</strong>s projcctidus para reprcscntnr scquèncias temporais. Na f<strong>do</strong>sofin Gareth Evnns C responshvel<br />

pclo deseni~olvitnenra dc idciss pnrnlclas (E\rIWS 1982). Na neurobiologia \WCslvin pretcndcu<br />

o mesmo com n máquinn <strong>da</strong>nvinisrn. i\ idei* de consciència como h.lhquúir Virmal há muito tempo<br />

~ U C ~iicuh, segun<strong>do</strong> Dennect. A ideia de especinliscas bhricos quc conshiiiem a mente cem uma<br />

importincia óbvia no ocstu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s mcntes nnimais, que sào por vezes defini<strong>da</strong>s como "qi~ilf? de IRhlí<br />

(iiiimie rrlea~e >,irriia,iii,,,r/ c Ft\I>Ss Wx~d ur~io~~po~lei~,i). fi pírtdha<strong>da</strong> por ercmplo por h1 Grizzsnige<br />

que considera que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s défices neuopsicológicos icicls qvc ri mcntc C um fcixc de agèncias<br />

scmi-indcpciideiiccs, poi Fo<strong>do</strong>i, com a sua dcfcsa <strong>da</strong> modulari<strong>da</strong>de (FGDGR 1983). por hlinsky com<br />

os agentes em Th So&p oj iblind PLINSKY 1985), etc.<br />

" DENNI-TT 1991: 253-254.<br />

(Conreú<strong>do</strong>s <strong>do</strong>) A<br />

Fluxo unifica<strong>do</strong> e cenrnlirn<strong>do</strong> dí consciència, senti<strong>do</strong> de conrrolo c dc sctialidndc<br />

(Nívcl <strong>da</strong> Lláquinn Viituril, nível <strong>do</strong> npcrccl>úncnto)<br />

(incxistèncin dc distinçio enrrc rpciccbimcnto c mcmócia)<br />

Agcnres especialira<strong>do</strong>s pioduiin<strong>do</strong> Esboços hlúltiplos, Competiçio e \'i'iró"n numa competiçio<br />

(Nixd <strong>da</strong> pricolo@a cogniuva sub-pessoal)<br />

(i'~~ccsso dc Pandcmónio)<br />

Processnmenro Parslelo Disuibui<strong>do</strong><br />

(Nivel <strong>do</strong> h01djvi7rr)<br />

FIG 5. O inodelo funcionalista de CE<br />

Tweedledum: You're only one of tlie things in his dream!.<br />

You know very weii you are not real.<br />

I am real! said Alice and began to<br />

Lewis Carroii, Tiira~gh ihe Lookirig Glass<br />

Afirmou-se no início deste capitulo que os críticos de Dennett<br />

o acusam de rebater a consciência sobre noções funcionais tais como<br />

o acesso, o eu e esta<strong>do</strong>s mentais de segun<strong>da</strong> ordem. Ora um com-<br />

ponente essencial <strong>do</strong> modelo de consciência apresenta<strong>do</strong> em CE é<br />

precisamente uma teoria <strong>do</strong> Eu. A ideia básica é que a existência de<br />

'O Estn qucstio rcrá retoma<strong>da</strong> iio próxúno capitulo, cspccifics<strong>da</strong> cntão rclntivmenre i identi<strong>da</strong>de<br />

pessoal. Ct i\IINSKY 1985, Cnpimlo 4 (The Se& Capitulo 5 (18idir.idir,Lg), Cripirulo 6 (I>,s~hi orid<br />

Jnfroqetfio!~), c Capic<strong>do</strong> 22 (Expra~$io~r).<br />

"TARROLL 1995: 116.


um Eu num sistema cognitivo físico resulta de uma passagem de<br />

agentes especialistas que "falam entre si" ao nível sub-pessoal para<br />

uma enti<strong>da</strong>de que "fala consigo própria", que se toma a si própria<br />

como unifica<strong>da</strong> e autora <strong>da</strong>s acções de um corpo. De acor<strong>do</strong> com<br />

Dennett, uma tal passagem envolve a instituicão de um centro de<br />

controlo Wtual a partir de uma (auto) representação. Essa auto-<br />

representação serve, na metáfora que Dennett vai buscar à física,<br />

como "centro de gravi<strong>da</strong>de" <strong>da</strong> narrativa biográfica produzi<strong>da</strong> h -<br />

guisucamente pelo sistema.<br />

O Eu é posterior ao se& o senti<strong>do</strong>-de-si existente mesmo em sis-<br />

temas biológicos não linguísticas, que acompanha a fronteira entre<br />

si e não-si instaura<strong>da</strong> por uma enti<strong>da</strong>de viva. Saber que coisa no<br />

mun<strong>do</strong> se é, é indispensável a to<strong>do</strong> o agente ou proto-agente e per-<br />

mitir um tal "conhecimento" é a função <strong>do</strong> se& Os selues correspon-<br />

dem portanto a limites-de-si reconheci<strong>do</strong>s e manti<strong>do</strong>s por uma or-<br />

ganização, embora não sejam coisas nem lugares. Os limites-de-si<br />

são no entanto plisticos, extensíveis e retraíveis nas criaturas bioló-<br />

gicas e o Eu humano é precisamente uma extensão hguística e<br />

narrativa <strong>do</strong> se& A narrativa biográfica constitui, tanto como os sei-<br />

ues estendi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s outros animais (por exemplo as carapaças <strong>do</strong>s<br />

caranguejos ou as barragens <strong>do</strong>s castores), uma auto-protecção. Ela<br />

surge "como se" saísse de uma só fonte, que seria o Eu. No entan-<br />

to, a proveniência e o correspondente senti<strong>do</strong> de autoria são de<br />

alguma forma ilusórios: o Eu é produto e não fonte <strong>da</strong> narrativa.<br />

Mais precisamente, o Eu é um "centro de gravi<strong>da</strong>de narrativo",<br />

constituí<strong>do</strong> na e pela narrativa, ela própria produzi<strong>da</strong> de acor<strong>do</strong><br />

com o modelo <strong>do</strong> pandemónio atrás referi<strong>do</strong>. Na situação em que<br />

uma pessoa diz por exemplo "Eu sou o João" ou "Eu sou a Alice"<br />

esses efeitos não são causa<strong>do</strong>s por um autor com intenções. Den-<br />

nett utiliza a imagem ilustrativa de uma máquina que escreve<br />

romances. Imagine-se que um romance está a ser escrito pela refe-<br />

ri<strong>da</strong> máquina e que nesse romance existe uma personagem que diz<br />

"Call me Gilbert" (como acontece no Moly Dick de H. Melville,<br />

quan<strong>do</strong> Ishmael diz "Call me Ishmael"). A pergunta a fazer aqui é:<br />

"quem fala?', ou "o que é isso que fala?". Dennett sugere que<br />

quem fala é Gilbert, uma personagem cria<strong>da</strong> através de uma narra-<br />

tiva ficcional involuntária a partir de activi<strong>da</strong>des não inteligentes e<br />

não mentais. Ora, o que acontece com os humanos é exactamente<br />

análogo: também as narrativas biográficas <strong>do</strong>s humanos, cuja per-<br />

sonagem central é o Eu, são feitas exisur por processos não cons-<br />

cientes e não inteligentes. Quanto ã metáfora <strong>do</strong> centro de gravi<strong>da</strong>de<br />

narrativo, ela significa o seguinte: o centro de gravi<strong>da</strong>de de um<br />

corpo é um ponto imaginário, um exemplo <strong>da</strong>quilo a que H. Reichenbach<br />

chama um abstract~~n~, não uma coisa real a mais para além<br />

<strong>da</strong>s partículas que constituem o corpo. Como abskactz~tz, ele não está<br />

sujeito a constrangimentos físicos, por exemplo constrangimentos<br />

à deslocação: o seu movimento pode por exemplo ser descontínuo.<br />

Mas ao contrário <strong>do</strong> centro de gravi<strong>da</strong>de de um objecto, cuja<br />

única proprie<strong>da</strong>de é precisamente uma posicão espaco-temporal,<br />

um Eu não tem uma posição espaço-temporal, a não ser grosseiramente<br />

defini<strong>da</strong>. O que o Eu e o centro de gravi<strong>da</strong>de têm em<br />

comum é o facto de serem ficção úteis e operantes e também de<br />

certa forma iizdete~n~ii~a<strong>do</strong>s, como qualquer enti<strong>da</strong>de ficcional. Se se<br />

perguntar relativamente a uma personagem ficcional "naquele dia<br />

19 de Outubro em que o crime aconteceu, antes de partir para a<br />

investigação, Sherlock Holmes tomou ou não tomou o pequeno<br />

almoço?'e se na<strong>da</strong> acerca disto está menciona<strong>do</strong> no romance, não<br />

há, nem tem que haver resposta para tal questão; ora uma indeterminação<br />

análoga é característica <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal humanab". É<br />

a indeterminação que distingue os abs~racta de outro tipo de objectos<br />

teóricos, a que Reichenbach chamou illata, enti<strong>da</strong>des inferi<strong>da</strong>s,<br />

como átomos ou neutrinos. A indeterminagão advem <strong>do</strong> facto de<br />

os abstracta só possuírem exactamente as proprie<strong>da</strong>des que a teoria<br />

em que figuram Ihes auibui. Além disso, e mostrá-lo é o propósito<br />

<strong>da</strong> imagem <strong>da</strong> "máquina que escreve romances", uma ficção não<br />

tem que ser cria<strong>da</strong> por uma enti<strong>da</strong>de não ficcional, agin<strong>do</strong> intencionalmente,<br />

pode ser cria<strong>da</strong> por uin dispositivo que não sabe o que<br />

faz, como um cérebro humano.<br />

Os seres humanos são assim auto-intérpretes automáticos, produtores<br />

e produtos de uma narrativa em constante reescrita, que<br />

pode inclusivamente conter inconsistências. No caso normal, <strong>da</strong><br />

producão narrativa emerge um único Eu. No entanto não é possível<br />

a£irmar que deve necessariamente existir um único Eu por ser<br />

humano. Segun<strong>do</strong> Dennett, não é mais bizarra a existência de<br />

vários Eus <strong>do</strong> que a existência de um só EuC'"e, de resto, nem a mais<br />

" Cf por cxmplo PARFIT 1984. Esta ideia só pode evidcntcmcnrc sci coinprccndids no imbi~<br />

to de umn L~YO rtn'itioi~irin <strong>do</strong> idei>li<strong>do</strong>depessod segun<strong>do</strong> n qual segun<strong>do</strong> n qual "50 existe alguma entidsdc<br />

previa 1 elccnin$lo <strong>da</strong> idcciri<strong>da</strong>dc pcssonl por nigurn tipo de continui<strong>da</strong>de (psicol6@cic;i, por<br />

çxemplo).<br />

b'" DENNETr & FIUMPHRBY 1989.


Soja Migiiei?~<br />

unifica<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas é totalmente auto-possuí<strong>da</strong> e una. I!? certo que<br />

as várias desunificações <strong>do</strong> Eu que foram sen<strong>do</strong> explora<strong>da</strong>s pelos<br />

teóricos <strong>da</strong> mente (desde o cérebro dividi<strong>do</strong>"~té à Desordem de<br />

Personali<strong>da</strong>de Múltipla6", para não falar <strong>do</strong>s casos mais clássicos de<br />

esquizofrenia ou paranóia, de akrasia e de auto-engano) colocam,<br />

como Nagel notou, o problema de decidir o que fazer com as funções<br />

morais e metafisicas associa<strong>da</strong>s ao conceito tradicional de um<br />

Eu unifica<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> a ca<strong>da</strong> pessoa, uma vez que elas parecem<br />

ficar de algum mo<strong>do</strong> estilhaça<strong>da</strong>s e impedi<strong>da</strong>s por estas considerações<br />

funcionaisu3. Mas <strong>do</strong> ponto de vista cognitivo o que importa é<br />

que o Eu a quem é atribuí<strong>da</strong> a autoria <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental e o controlo<br />

<strong>da</strong>s intenções é apenas uma representação de uni<strong>da</strong>de global <strong>do</strong> sistema,<br />

resultante <strong>da</strong> vitória numa competição e não uma "uni<strong>da</strong>de<br />

prévia" a essa competição ou de uma outra ordem. A questão <strong>do</strong> Eu<br />

enquadra-se <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong> no modelo acima proposto (o esquema<br />

focaliza o nível sub-pessoal e o nível <strong>do</strong> apercebimento):<br />

FIG. 6 O Eu<br />

u centro virrun e narrsuva<br />

auroòiogriúca -t Identidsdc<br />

"' Chama-sc cércbro dividi<strong>do</strong> ($Li-brdin) a fcnómcnas provow<strong>do</strong>s pclo coite <strong>do</strong> corpo cnloso<br />

(comissuioromia), urna piáticr diip<strong>da</strong> iiomerdnmcntc ao conrrolo <strong>da</strong> cpilepsis. Esses fcniimenos<br />

consistem naquilo que parece rcr um* consciencia (<strong>do</strong>s campos visuril e ruditivo) "scpnra<strong>da</strong>" nas<br />

merades esquer<strong>da</strong> e dil-eitn <strong>do</strong> cérebro Esta scPrri$5o é provoca<strong>da</strong> nrtiúcialmcntc, "segregan<strong>do</strong>" a<br />

inpur para os <strong>do</strong>is hcmisfé~ios cereòmis. Os indivíduos tem de resto um controlo normal <strong>do</strong> scu<br />

compoitomciito.<br />

"': Esta condiç", cliama<strong>da</strong> Dii~oii~


Soja M@eiis<br />

Wtuais, defini<strong>do</strong>s por coordena<strong>da</strong>s, e o ponto de vista <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r<br />

é mais um ponto defini<strong>do</strong> por coordena<strong>da</strong>s no mesmo espaço.<br />

Da<strong>do</strong>s acerca de proprie<strong>da</strong>des de cor, opaci<strong>da</strong>de, textura são igualmente<br />

armazena<strong>do</strong>s como informação codifica<strong>da</strong>. A rotação de um<br />

objecto como um objecto de Shepardm'j neste sistema consiste num<br />

cálculo de coordena<strong>da</strong>s e as conclusões acerca de superfícies visíveis<br />

e de ocultações são conclusões geométricas. Estes cálculos podem<br />

inclusivamente servis para criar movimento no écran. No entanto,<br />

tais sistemas que manipulam objectos uidimensionais virtuais<br />

são segun<strong>do</strong> Dennett algo de nouo na natzdrexa, não reprodqeiz o<br />

q~~e se passa no cérebro hnmano. Vários problemas espaciais, aparentemente<br />

não mais complica<strong>do</strong>s (em termos <strong>do</strong> cálculo envolvi<strong>do</strong>) <strong>do</strong><br />

que os casos estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos psicólogos, provam-no, na medi<strong>da</strong><br />

em que são irresolúveis mentalmente.<br />

O "argumento" de Dennett é de novo uma experiência mental.<br />

Dennett propõe que se imagine um sistema CAD para engenheiros<br />

cegos, a que chama CADBLIND. O sistema resolveria questões<br />

acerca de imagens e produziria output num formato não visual (como<br />

por exemplo linguagem Braiüe ou voz sintetiza<strong>da</strong>). Quan<strong>do</strong> uin<br />

engenheiro cego se confrontasse com um problema tal como "a superfície<br />

A <strong>do</strong> sóli<strong>do</strong> S será ou não visível para o observa<strong>do</strong>r O após<br />

a rotação R?" ele colocaria a questão ao sistema e esperaria pela resposta.<br />

Como se pode prever, o objectivo de Dennett é provar que<br />

há um senti<strong>do</strong> em que o que se passa no interior <strong>do</strong> cérebro para<br />

haver imagens é um "dizer" e não um mostrar, precisamente como<br />

2. Pylyshyn defendeu contra S. I


com essa finali<strong>da</strong>de que Dennett retoma em CE a disunqão entre<br />

reportar e eqrimiir desenvolvi<strong>da</strong> por David Rosenthal na sua teoria<br />

<strong>da</strong> consciência"'.<br />

Antes de mais, Rosenthal distingue consciência de esta<strong>do</strong> (state<br />

conscioz~sness) de consciência de criatura (creatrrre co~~sci~~szess). Esta<br />

última consiste em estar desperto e sensiente e não é o que é necessário<br />

explicar. A consciência de esta<strong>do</strong> pressupõe a consciência de<br />

criatura e é o que é necessário explicar, pois é o que faz com que os<br />

esta<strong>do</strong>s mentais conscientes diham <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s não conscientes.<br />

Se to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s mentais fossem conscientes não poderia haver<br />

explicação <strong>da</strong> consciência de esta<strong>do</strong>, no entanto não é esse o caso.<br />

A ideia de Rosenthal é que é possível explicar o que é para um esta<strong>do</strong><br />

mental ser consciente através de esta<strong>do</strong>s mentais que não são<br />

eles próprios conscientes. Estes esta<strong>do</strong>s mentais não conscientes<br />

serão depois explica<strong>do</strong>s em termos não mentais. Note-se que<br />

Rosenthal explica assim a proprie<strong>da</strong>de de "ser consciente" de um<br />

esta<strong>do</strong> mental como uma proprie<strong>da</strong>de relaciona1 (e não "inu-inseca")<br />

desse esta<strong>do</strong>.<br />

Rosenthal parte de uma diferença relativa à consciência de esta<strong>do</strong>,<br />

uma diferença entre consciência transitiva e ser-intransitivamente-consciente.<br />

Que um esta<strong>do</strong> seja intransitivamente consciente<br />

não é uma proprie<strong>da</strong>de intrínseca desse esta<strong>do</strong>: esta<strong>do</strong>s mentais<br />

são intransitivamente conscientes se uma criatura for transitivamente<br />

consciente deles. A consciência transitiva, por sua vez, não é<br />

um tipo de consciência de esta<strong>do</strong> mas um tipo de consciência de<br />

criatura. Daqui se obtém a def~ção com a qual Rosenthal se propõe<br />

resolver o problema de parti<strong>da</strong> quanto ã consciência de esta<strong>do</strong>:<br />

um esta<strong>do</strong> mental é consciente se fôr acompanha<strong>do</strong> por um pensamento<br />

de ordem superior (higher order thozgbt, ou H013 acerca<br />

dele. Como estes pensamentos de ordem superior não são usualmente<br />

pensamentos conscientes, não nos apercebemos <strong>da</strong>quilo em<br />

que consiste a consciência de esta<strong>do</strong>.<br />

É neste âmbito que Rosenthal introduz a distinção entre reportar<br />

e exprhiiresta<strong>do</strong>s mentais que lhe servirá para caracterizar o que se<br />

passa quan<strong>do</strong> uma criatura descreve a sua vi<strong>da</strong> mental. Basicamente,<br />

quan<strong>do</strong> se trata de expri~~ir esta<strong>do</strong>s mentais trata-se de dizer os<br />

esta<strong>do</strong>s mentais sem nos referirmos a eles. Quan<strong>do</strong> se trata de repor-<br />

o/ ioii~rioriririririeir.<br />

'" D Rorenciirl é um <strong>do</strong>s proponentes <strong>da</strong>s chnmadss h&hcrordcr iiio,,iiiri~ lhro~es<br />

Cf BLOCK PLANAGAN S; GUZELDERE 1997, Parte X. Cf. mmbém ROSENTHAL 1993 e<br />

ROSIIN'CFIAI. 1997.<br />

U?I/O Tealio Fisicahrto <strong>do</strong> Conferi<strong>do</strong> e lia Co>isiêi~cio<br />

tar esta<strong>do</strong>s mentais trata-se de fazer relatos acerca <strong>do</strong>s (nossos) esta<strong>do</strong>s<br />

mentais, referin<strong>do</strong>-os. Ora, é o reportar que tem uma ligação<br />

com a consciência: quan<strong>do</strong> alguém reporfa um esta<strong>do</strong> mental próprio,<br />

o seu acto de fala expressa o "pensamento de ordem superior"<br />

(higher o~der thotght) de que está nesse esta<strong>do</strong> mental. Exprime-se<br />

esta<strong>do</strong>s mentais de muitas maneiras, até com comportamentos. No<br />

entanto só é possível reportar através de actos de fala. O que é importante<br />

para Rosenthal é encontrar a pedra de toque <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

(intransitivamente) conscientes e essa pedra de toque consiste em<br />

ser acompanha<strong>do</strong> por pensamentos de ordem superior (que não<br />

têm que ser conscientes) para que o seu objecto seja cons~iente~'~.<br />

Segun<strong>do</strong> Dennett, a distinção de Rosenthal mostra claramente<br />

que quan<strong>do</strong> alguém diz aquilo que pensa, essa pessoa não exprime<br />

directamente as suas crenças de ordem superior (i.e. as crenças sobre<br />

crenças). O que acontece é antes que as suas crenças (que poderiam<br />

jazer não convoca<strong>da</strong>s há muito tempo) geram uin pensamento<br />

episódico de ordem superior e é esse o pensamento que é expresso.<br />

Não se presta atenqão ou focaliza o pensamento que se<br />

exprime e sim aquilo acerca de que esse pensamento é. O pensamento<br />

expresso pode portanto ser inconsciente, e é esse aliás o<br />

estatuto, de acor<strong>do</strong> com Rosenthal, <strong>da</strong> maioria <strong>do</strong>s pensamentos de<br />

ordem superior, exceptuan<strong>do</strong> os pensamentos introspectivos (que<br />

não constituem a maioria <strong>do</strong>s pensamentos de ordem superior).<br />

Embora a teoria <strong>da</strong> consciência de Dennett seja por vezes posta<br />

em paralelo com teorias <strong>da</strong> auto-monitorização como a de Rosenthal,<br />

Dennett crê que Rosenthal sugere apenas uma útil análise conceptual,<br />

não uma teoria. As distinções de Rosenthal são introduzi<strong>da</strong>s<br />

em CE com propósitos bem específicos: a teoria de Rosenthal<br />

é, conjuntamente com a interpretação <strong>da</strong> visão cega que a seguir se<br />

analisará, um <strong>do</strong>s apoios fun<strong>da</strong>mentais para o ataque à noção de<br />

~ombic que é essencial à teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência. De facto,<br />

a teoria de Rosenthal permite pensar que a consciência é uma ques-<br />

tão relativa à ocorrência de pensamentos de ordem superior. Para<br />

Rosenthal um esta<strong>do</strong> é consciente se é acompanha<strong>do</strong> por um pen-<br />

samento relativo a estar-se nesse esta<strong>do</strong>, o qual pode ser incons-<br />

ciente. O ângulo a partir <strong>do</strong> qual Rosenthal abor<strong>da</strong> o problema <strong>da</strong><br />

consciência permite assim pôr totalmente de la<strong>do</strong> a intui~ão<br />

comum acerca <strong>do</strong> relatos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> interior de acor<strong>do</strong> com a qual<br />

"'' Si0 OS pensamenros inuospechvos, cstn<strong>do</strong>s de 1eiceir;i ordcrn sobre esta<strong>do</strong>s de segun<strong>da</strong><br />

oidem, que scrio aísiin.


Sofia iMig~/ir~s<br />

estes pressuporiam apreensões internas prévias. A parár de Rosenthal,<br />

Dennett sugere que se acrescente ao sistema até agora proposto<br />

-um sistema capaz de ter imagens mentais e de querer-dizer<br />

mas que pode apesar de tu<strong>do</strong> ser um xui>ibie- a capaci<strong>da</strong>de de executar<br />

actos de fala que exprimem esta<strong>do</strong>s de consciência, e a capaci<strong>da</strong>de<br />

de ter pensamentos de ordem superior, no senti<strong>do</strong> de Rosenthal.<br />

Dennett chama a este sistema um zimbo: «Um zimbo é um<br />

xunibie que em resulta<strong>do</strong> de auto-monitorização tem esta<strong>do</strong>s iuformacionais<br />

internos de ordem superior (embora inconscientes) que<br />

são acerca de outros esta<strong>do</strong>s informacionais de ordem inferio~)~".<br />

Os zimbos pensam que são conscientes e que têm qi~aha. Infelizmente<br />

estão erra<strong>do</strong>s mas nem eles próprios nem ninguém poderá<br />

alguma vez vir a descobrir esse facto. Se o ad~~ersário, o defensor<br />

<strong>do</strong> runzbic, admite esta noção de zimbo, é a própria noção de xun~bie<br />

que cai por terra: o defensor <strong>do</strong> xombie teria que demonstrar que a<br />

diferença que propõe entre 7ui11bies e não-xumbics não existiria igualmente<br />

entre estes zimbos, o que seria, de acor<strong>do</strong> com Dennett,<br />

impossível. É a sofisticação <strong>do</strong>s mecanismos <strong>do</strong> zimbo - a sua<br />

arquitectura cognitiva - a responsável por aquilo a que se chama<br />

"consciência". A teoria <strong>da</strong> consciência de Rosenthal serve como<br />

um elemento para a prova de que um ta1 xumhie é su~lplesmeute um<br />

ser consciente.<br />

Neste momento tem-se a seguinte situação: ou a análise de<br />

Rosenthal se sustenta e a ideia de yoinbie cai, ou a ideia se xonzbie se<br />

sustenta e nesse caso é preciso mostrar que a análise de Rosentl~al<br />

falha. É fácil imaginar em que senti<strong>do</strong> se inclina Dennett. Ele pensa<br />

que a análise de Rosenthal se sustenta. No entanto, Dennett considera<br />

aquilo que Rosenthal faz é apenas uma análise lógica <strong>do</strong> conceito<br />

comum de consciência e o facto de não existirem pensamentos<br />

de ordem superior salie11tes e i~~dependentes constitui um problema.<br />

Evocan<strong>do</strong> de novo o modelo <strong>da</strong> produção por Pandemónio, o que<br />

de facto acontece, segun<strong>do</strong> Dennett, quan<strong>do</strong> alguém relata o que se<br />

passa consigo numa "situação de Rosenthal" «não é entrar num<br />

esta<strong>do</strong> de auto-observação de ordem superior, criar um pensamento<br />

de ordem superior, de mo<strong>do</strong> a poder reportar o pensamento de<br />

ordem inferior exprimin<strong>do</strong> o pensamento de ordem superior. O<br />

que acontece é antes que o esta<strong>do</strong> de segun<strong>da</strong> ordem (...) vem a ser<br />

cria<strong>do</strong> pelo próprio processo de enquadrar o relato (ii.ai>ze the repor+.<br />

Nós não apreendemos primeiro a nossa experiência no Teatro Car-<br />

tesiano e depois, com base no conhecimento adquiri<strong>do</strong>, possuímos<br />

a habili<strong>da</strong>de de enquadrar relatos para exprimir, o nosso sermos ca-<br />

pazes de dizer como é, é a base para as crenças de ordem supe-<br />

rion>"'". É, em suma, a "emergência" <strong>da</strong> expressão que !%a o con-<br />

teú<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento de ordem superior, não tem que exisík um<br />

pensamento episódico a mais.<br />

De tu<strong>do</strong> isto retenha-se especialmente que, de acor<strong>do</strong> com a teo-<br />

ria <strong>da</strong> consciência defendi<strong>da</strong> em CE, a coinplexi<strong>da</strong>de funcional <strong>do</strong>s<br />

xunzbies-zimbos, nomea<strong>da</strong>mente a sua capaci<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s infor-<br />

macionais de ordem eleva<strong>da</strong>, é o que está em causa na consciência.<br />

Na<strong>da</strong> poderá ser comportamentalmente idêntico a um humano se<br />

não for funcionalmente complexo desta forma. E se algo for fun-<br />

cionalmente complexo desta forma será necessariamente consciente.<br />

3.3.6.3 Quebrar a barreira <strong>da</strong> teste~iztí*~ba: z,nla ilrtcrpretaçãu <strong>da</strong> visão cega.<br />

A visão cega constitui à primeira vista uma objecção importan-<br />

te à convicção de Deuuett segun<strong>do</strong> a qual a consciência não é iso-<br />

lável <strong>da</strong> cogniçáo em geral. Essa convicção é, como se tem vin<strong>do</strong> a<br />

notar, a principal razão pela qual, para Dennett, os xoinbies são lugi-<br />

canlente inqossiveis. No entanto, sujeitos com visão cega seriam "~UPI-<br />

bies parciais" reais (a fortiori possíveis): neles a função cognitiva<br />

está presente e a consciência ausente. Surpreendentemente, Den-<br />

nett defende em CE que longe de sustentar o conceito de xombie, o<br />

fenómeno <strong>da</strong> visão cega o destrói. Em conjunto com a ideia de<br />

pensamentos de ordem mais eleva<strong>da</strong>, a interpretação <strong>da</strong> visão cega<br />

constitui o núcleo <strong>do</strong> caso ergui<strong>do</strong> em CE contra a noção de xonz-<br />

bie. A visão cega consiste, recorde-se, na situação em que pacientes<br />

são capazes de "adivinhar" estímulos visuais (como flashes de luz,<br />

formas geométricas, movimentos) que declaram taxativamente não<br />

ver. Nnguém nega que os sujeitos recebam informação visual, até<br />

porque o seu sistema visual, exceptuan<strong>do</strong> o cortical, está intacto.<br />

Ninguém nega também que os sujeitos reportem sinceramente que<br />

não apercebem o que quer que seja. O que acontece é que os sujei-<br />

" DENNElT 1991: 315. Dennctt considera cstar n esclnrecer com estas nniliscs o quc nntciiormentc<br />

aúrmam em C&C acerca <strong>da</strong> nnblise snscombirnii <strong>da</strong> iitcn~So e o que núrmnra acerca <strong>do</strong><br />

camponenre IW no contcxta <strong>do</strong> modclo de BS.


Soja Mig~er~s<br />

tos precisam de "pistas" (cries) para <strong>da</strong>rem as respostas que os experimenta<strong>do</strong>res<br />

procuram. Sem pistas na<strong>da</strong> acontecerá. Esta é uma<br />

diferença muito grande relativamente à visão normal, na qual as<br />

pessoas não precisam de "pistas": um paciente com visão cega que<br />

espontaneamente "adivinhasse", i.e. que não precisasse de pistas,<br />

geraria grandes dúvi<strong>da</strong>s acerca <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong>. Uma pessoa com<br />

visão normal é capaz de utiiizar a informação forneci<strong>da</strong> pelos seus<br />

próprios olhos sem pistas, enquanto que a pessoa com visão cega é<br />

caracteriza<strong>da</strong> precisamente por necessitar de pistas para utilizar a<br />

informação. Ela necessita de ser força<strong>da</strong> a adivinhar.<br />

O estatuto <strong>da</strong>s pistas neste tipo de situações é complica<strong>do</strong>. Não<br />

teria por exemplo senti<strong>do</strong> instruir um sujeito <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />

«quan<strong>do</strong> estiver consciente <strong>da</strong> luz, pressione o botão <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> a luz se acender mas não estiver co?zsciente, pressione o botão <strong>da</strong><br />

direitm"'. O que interessa Dennett, no entanto, é que o estatuto <strong>do</strong><br />

controlo "inconsciente" pode ser altera<strong>do</strong>. Dennett sugere que se<br />

imagine um sujeito com visão cega treina<strong>do</strong> para <strong>da</strong>r pistas a si próprio<br />

(se~prornptiig). Ele seria assim capaz de reconhecer quan<strong>do</strong> é o<br />

momento propício para adivinhar. Segun<strong>do</strong> Dennett, apenas empiricamente<br />

se poderá decidir se isso é possível ou não. O problema<br />

de Dennett é saber se o sujeito se tornaria assim consciente <strong>do</strong>s estimulas<br />

em causa. A arrisca<strong>da</strong> sugestão, central nesta interpretação, é<br />

que o sujeito se tornaria de facto "consciente" <strong>do</strong>s esamulos. Otto,<br />

o critico, contrapõe que desenvolver um talento-conscientementecontrola<strong>do</strong>-de-adivinhar-quan<strong>do</strong>-adivinhar<br />

não é idêntico a estar<br />

directamente consciente <strong>do</strong> evento sobre o qual se "adivinha": no<br />

pnineiro caso falta alguma coisa para existir consciência visual (de<br />

acor<strong>do</strong> com Otto faltam os qz<strong>da</strong>, evidentemente).<br />

Mas Dennett, como se sabe, não concede à parti<strong>da</strong> uma tal diferença.<br />

Pelo contrário, ele defende que aquilo a que se chama consciência<br />

fenomenal ou qrtalia, cuja ausência se evoca, é apenas riqueza<br />

de informação disponível e acessibili<strong>da</strong>de pronta dessa informação<br />

situação. A diferença entre o paciente com visão cega "normal"<br />

e o paciente que aprende a adivinhar quan<strong>do</strong> adivinhar imagina<strong>do</strong><br />

por Dennett é uma diferença de grau, e é apenas nisso que consiste<br />

a diferenca entre a (suposta) consciência fenomenal e outros tipos<br />

de apercebimento. Dennett exemplifica esta proposta com uma<br />

situação, o jogo de "esconder o de<strong>da</strong>l" (bide tbe thimble). De acor<strong>do</strong><br />

com as regras, o de<strong>da</strong>l tem que ser escondi<strong>do</strong> à vista, simplesmente<br />

quan<strong>do</strong> alguém entra no quarto e o procura não o vê. Ou melhor,<br />

não-o-vê-embora-o-veja. Tu<strong>do</strong> o que a distinção entre a primeira<br />

situação (ver sem ver) e a segun<strong>da</strong> (ver) envolve é uma intensificacão<br />

<strong>da</strong> consciência (cotrscioz~s~~es~ iaisi@ e Dennett sugere que<br />

seria exactamente isso o que se passaria no caso <strong>da</strong> visão cega<br />

'C<br />

auto-controla<strong>da</strong>". A "consciência" <strong>do</strong> indivíduo com visão cega<br />

não vem <strong>do</strong> na<strong>da</strong>: os esta<strong>do</strong>s informacionais em causa estão já presentes,<br />

no "fun<strong>do</strong>" de apercebimento (como no caso <strong>do</strong> jogo de<br />

esconder o de<strong>da</strong>l). A ideia é que uma ligação mais forte poderia ser<br />

construí<strong>da</strong> no paciente com visão cega, uma ligação que intensificasse<br />

a consciência, como se intensifica a consciência de um prova<strong>do</strong>r<br />

de vinhos que aprende a distinguir vinhos ou a consciência<br />

<strong>da</strong> criança que de súbito vê o de<strong>da</strong>l.<br />

Otto objecta que ain<strong>da</strong> que se isso se verificasse essa consciência<br />

não seria consciência visz~al, pois os qz~aha visuais estariam ausentes.<br />

Dennett introduz então o caso <strong>da</strong> visão dérmica"" o caso de<br />

experiência com pacientes cegos em que estes são estimula<strong>do</strong>s<br />

numa área (no ventre ou nas costas) por uma "imagem" (um arranjo<br />

espacial de pontos). Também aqui, como na questão <strong>do</strong> imagina<strong>do</strong><br />

treino <strong>do</strong> sujeito com visão cega, a questão é saber se se trata<br />

realmente de um 'ber", <strong>da</strong><strong>da</strong> a estranheza <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de obtenção<br />

<strong>da</strong>s "imagens". O facto é que os sujeitos vêm a ser capazes de reconhecer<br />

imagens, isto é, vêm a ser capazes de interpretar como<br />

imagens de objectos os arranjos de toques na pele. No entanto, a<br />

questão quanto ao carácter "visual" <strong>da</strong> experiência permanece. Ora,<br />

de acor<strong>do</strong> com Dennett, a única razão para não se falar aqui de<br />

"ver" no senti<strong>do</strong> usual <strong>do</strong> termo é a pobreza relativa <strong>da</strong> informação.<br />

O facto de a visão não ser nestes casos acompanha<strong>da</strong>, nomea<strong>da</strong>mente,<br />

por efeitos por exemplo emocionais, é explica<strong>do</strong> por<br />

Dennett em termos <strong>da</strong> diferença de quanti<strong>da</strong>de no fluxo de informa~ão~~.<br />

Também na visão cega se trata apenas de menor quanti<strong>da</strong>de<br />

de informação e a sugestão de Dennett é que é precisamente<br />

a diferença de quanti<strong>da</strong>de que explica o facto de a informação, ser<br />

DENNI3TT 1991: 339, Dennerr hls de pro~liirlic ririo?, (vir50 protésica). A capress5o vis50<br />

d6imica é usndn por N. I-lumpl>iey em FIUhIPFIlIEY 1995:85. 1' Bach-).-Rito, o cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> aparelho<br />

de "substicuiç5o scnsarial" rúrma quc os pacientes adquirem percepqXo visual (c nao tbctii) ji quc ni<br />

percepçZo os informa ncercn <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des espncisis <strong>da</strong>s coisas no ambienre.<br />

" ilm DBNNDTi' 1991: 341 Dennea cita o caso <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is rzpuzcs ccgos nos qunis fornm mostra<strong>da</strong>s<br />

por incio <strong>do</strong> aparclho fatognõas <strong>da</strong> rcvism I3hi~b


senti<strong>da</strong> tão diferentemente (nomea<strong>da</strong>mente não ser serzti<strong>da</strong> conzo ex-<br />

periência visual).<br />

3.3.6.4 Ver é ~aber?<br />

De mo<strong>do</strong> a reforçar os princípios que regem a análise <strong>da</strong> experiência<br />

- neste momento poderíamos considerar que tais princípios<br />

são não apenas, em geral, ~~nionalisizo mas também o itztelectz~alissnzo<br />

e oprhc@io <strong>da</strong>presença virtz~al- e continuan<strong>do</strong> a ter como<br />

referência a visão, Dennett chama a atencão para o funcionamento<br />

<strong>do</strong> ponto cego na visão normal. O ponto cego não é apercebi<strong>do</strong><br />

pelo ';videnten, i.e. este não apercebe uma descontinui<strong>da</strong>de nas<br />

imagens. O facto é usualmente explica<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> apelo a umpreenchi~izento.<br />

Para Dennet, como se sabe, a ideia de preenchimento é<br />

homuncular. Ele sugere então que o que acontece é que a região<br />

na qual "cai" o ponto cego não corresponde a uma falta no campo<br />

visual porque a região está já etiqueta<strong>da</strong>. A região é representa<strong>da</strong><br />

(embora não individua<strong>da</strong>mente) sem que esteja actualmente a ser<br />

recebi<strong>da</strong> informação6'?".<br />

Ora, assim como não tem que existis preenchimento actual <strong>do</strong><br />

"<br />

ponto cego" numa imagem, nem to<strong>da</strong>s as maneiras de representar<br />

cores necessitam de representar actualmente e individua<strong>da</strong>mente<br />

a cor que representam. Fora <strong>do</strong>s cérebros humanos, existem aliás<br />

maneiras diferentes de representar cores: por exemplo um sistema<br />

CAD pode representas cores associan<strong>do</strong> um número de cor a ca<strong>da</strong><br />

pixel. A eficiência <strong>da</strong> representacão <strong>da</strong> cor por números assenta no<br />

facto de não terem que ser preenchi<strong>do</strong>s explicitamente os valores<br />

para ca<strong>da</strong> pixel. O "preenchimento" pode ser puramente informacional<br />

e em massa. Dennett não pretende defender que o cérebro<br />

humano utiliza um sistema de cores-por-números para representar<br />

cores. No entanto "números" são evidentemente magnitudes<br />

quaisquer. Falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> cérebro falar-se-á por exemplo de um sistema<br />

de vectores para a codificação de cores"', e as magnitudes em<br />

causa serão qualquer variacão física (por exemplo as frequências de<br />

disparos neuronais) suficiente para a codificação. O ponto de Dennett<br />

é que uma codificação semelhante não requer uma descodifi-<br />

c" h prccisamcntc um caso dc rcpresçnr>i~ào de picsensa rc,,zprt~c,,~o dic r~p~t~e~,ii(üào eqei@ins. Os qundi<strong>do</strong>s ou células defini<strong>do</strong>s pelas hlias perpendiculares sào toinlmenre<br />

brancos (embora nno isso sc 14. o vc i spnmntcincntc um tom cordc-roiri pic~<br />

enche n zon* circulsi<br />

"'Aí intcrprcmsòes de Dennett n5o slo de to<strong>do</strong> coiisensunis. Cf. CFIURCHLAND & Rl\hL


<strong>do</strong> ponto cego é exemplar, não ter nenhuma evidência não é o<br />

mesmo que ter evidência contraditória, que perturbe e despolete o<br />

reajustamento. Concretamente, como no cérebro não existem precedentes<br />

de recepção de informação proveniente <strong>do</strong> ponto cego,<br />

também não existem "agentes ansiosos por essa informação". Logo,<br />

embora a informação não chegue, não há "reclamação" e a sua<br />

"falta" não é senti<strong>da</strong>. Como diz Dennett, o ponto cego é um caso<br />

de negligênciaGz8 sem problemas, um caso em que to<strong>da</strong>s as pessoas<br />

com visão normal sofrem de anosognosia, i.e. não se apercebem <strong>do</strong><br />

seu próprio défice. O que Dennett pretende com os princípios <strong>da</strong><br />

presença Wtual e <strong>do</strong> intelectualismo é generalizar uma tal "negligència"<br />

i nossa normal consciência de conteú<strong>do</strong>s. Em suma, nos<br />

supostos casos de preenchimento, o cérebro não preenche, antes<br />

ignora. De novo Dennett reencontra um princípio sugeri<strong>do</strong> por M.<br />

hhslry em The Sociezj of Mi11d"" de acor<strong>do</strong> com o qual "Na<strong>da</strong> pode<br />

parecer x a não ser que seja representa<strong>do</strong> como x". O MEM tem<br />

absoluta necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ideia de negligência, que o principio de<br />

Minsliy reforça. É ela que sustenta a substituição <strong>da</strong> Testemunha<br />

pelos especialistas: os especialistas ou agentes procuram apenas o<br />

seu próprio objecto e na<strong>da</strong> mais. Evidentemente isto parece estar a<br />

deixar de fora (relegan<strong>do</strong>-as por exemplo para esta<strong>do</strong>s mentais imateriais)<br />

as Marilyns que são vistas mas que não existem no cérebro.<br />

Elas realmente (a) parecem e não parece ser possível negá-las a não<br />

ser que esteja a ser nega<strong>do</strong>, contra to<strong>da</strong>s as evidências, aquilo que<br />

existe. A última palavra de Dennett é que se trata de presença W-<br />

tual, de um "saber" disponível no caso de alguma "pergunta" ser<br />

feita. Assim, não é ver<strong>da</strong>de, ao contrário <strong>do</strong> que objecta Otto, que<br />

o que não está lá no cérebro tenha que estar lá, algures, na mente<br />

consciente, quan<strong>do</strong> uma tal presença faz diferença na experiência.<br />

De facto, nós, os "utiliza<strong>do</strong>res" <strong>do</strong>s nossos próprios cérebros, não<br />

somos capazes de distinguir por introspecção entre "o que sempre<br />

esteve lá, na memória, armazena<strong>do</strong> sob a forma correcta" e "o que<br />

é disponibiliza<strong>do</strong> para apresentação pelos agentes" apenas quan<strong>do</strong><br />

uma "pergunta" é feita. Pensar que seríamos capazes de tal distinção<br />

é esquecer que a nossa experiência presente se dá de acor<strong>do</strong><br />

com aquilo a que M. nilinslry chama a illsão <strong>da</strong> inlanêf~cid'".<br />

"" Nos sindromss ncuropsicológicos de negligèiicia ar pessanr dcixam por cxcmplo de "apodcmrlcaiisidcrnt'<br />

como suas partcs <strong>do</strong> (seu) pióprio corpo.<br />

" ALINSKY 1985: 287.<br />

"out a noticeable delay, ir<br />

secmr as though the nnswer were alrcady nctivc in pur mind» (311NSICY 1985: 155).<br />

3.3.6.5 A Cor, de trouo (e ZIIIS certosgoxos e desgostos lga<strong>do</strong>s aos qualiay.<br />

«But, Dan, qrtahn are what make life worth living!)), Wiifrid Seliars6'"<br />

«If ali I want when I diinlc fine wine is inforination about its chemical pro-<br />

perties, why <strong>do</strong>n't I just read tlie labelh, Sidney Shoemakerb"<br />

Para além de procurar desconstruir as ideias de mostração e<br />

de querer-dizer coman<strong>da</strong><strong>do</strong> por um Intenciona<strong>do</strong>r Central, o<br />

modelo de CE procura ain<strong>da</strong> desconstruir com uma teoria funcionalista<br />

e evolucionista <strong>da</strong> cor a ideia de espaço fenomenal, a<br />

que estaria associa<strong>da</strong> uma distinção entre apareciíile~to e setrtz?ilel1fo<br />

por ZI?~<br />

la<strong>do</strong> e di@osiçôes reactivaspor ozltro. As cores são exemplos<br />

por excelência <strong>do</strong>s q~calia. A ciência física mostra que as cores não<br />

estão "lá fora" no mun<strong>do</strong>. No entanto, como nós experienciamos<br />

o mun<strong>do</strong> colori<strong>do</strong>, as cores têm, aparentemente, que estar "cá<br />

dentro na mente" como quali<strong>da</strong>des fenomenais, proprie<strong>da</strong>des<br />

intrínsecas de experiências conscientes (não se vai afirmar que<br />

elas não existem!).<br />

A questão <strong>da</strong> cor tinha si<strong>do</strong> abor<strong>da</strong><strong>da</strong> brevemente por Dennett<br />

em C&C. Fora então proposto que as cores eram proprie<strong>da</strong>des fun-<br />

cionais, por oposição a proprie<strong>da</strong>des físicas primárias e a proprie-<br />

<strong>da</strong>des fenomenais. Na altura, a ideia era defini<strong>da</strong> <strong>da</strong> seguinte manei-<br />

ra: ( ma coisa é vermelha se e só se quan<strong>do</strong> é vista em condições<br />

normais por humanos normais lhes parece vermelha, o que signifi-<br />

ca: há utiliza<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s termos para cores demonstravelmente não<br />

excêntricos e eles dizem sinceramente que a coisa parece vermelha.<br />

Que eles digam isso não depende de alguma quali<strong>da</strong>de interna mas<br />

<strong>da</strong> sua percepção <strong>do</strong> objecto, <strong>do</strong> facto de aperceberem-l que a<br />

coisa é vermelhad"". Isto significa que se to<strong>do</strong>s os seres humanos<br />

fossem cegos i distinção entre vermelho e verde «seria conheci-<br />

mento comum que os rubis e as esmeral<strong>da</strong>s eram ambos "gred" -<br />

pois afinal pareciam a observa<strong>do</strong>res normais exactamente como as<br />

outras coisas "gred": carros de bombeiros, relva<strong>do</strong>s (...), maçãs ver-<br />

'" Para fund;imcnnr n discussào


Sofia lvlgrlcfls<br />

des e maçãs Pessoas que vissem a distinção entre verde<br />

e vermelho não poderiam chegar ao pé dessas outras pessoas e afismar<br />

que o seu sistema de visão era "mais ver<strong>da</strong>deiro". Em CE<br />

Dennett continua a elaborar uma teoria funcionalista, apoia<strong>da</strong> em<br />

bases evoluc~onistas.<br />

De mo<strong>do</strong> a tornar os "qualófilos" mais sóbrios Dennett faz<br />

notar que por exemplo os insectos têm visão <strong>da</strong> cor 7 ninguém<br />

mostra especial vontade de lhes auibuir cons~iência"~". E portanto<br />

razoável pensar que visão de cores sem consciência é não apenas<br />

possível como actual. O debate filosófico em torno <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong><br />

cor estrutura-se usualmente como um debate entre subjectivistas e<br />

~bjectivistas~~'. Saber se as cores são objectivas é saber se é possível<br />

afismar que elas existem como existem a massa e o movimento,<br />

i.e. como proprie<strong>da</strong>des de objectos no mun<strong>do</strong>. Como não é legítimo<br />

afirmar simplesmente que as cores não existem no mun<strong>do</strong><br />

mas apenas para o observa<strong>do</strong>r (não é legítimo pois este faz parte<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>) trata-se antes de considerar, quan<strong>do</strong> se discute a objectivi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s cores, se elas serão as cazlsas <strong>do</strong> facto de os objectos<br />

"'DENNEIT 1991: 379.<br />

1U OENNETT IWI: 377. Fclo concdrio vdzios mamifeios nos quais roilos nos sçnfunos tcntfl<strong>do</strong>s<br />

n atribuir consciéncis (como cáes e gatos) nào têm urna wsão dc cores rào iicr com n nossa (são<br />

dicrornatas), enquanto pissuos, peixes, iCpteis e os dudi<strong>do</strong>s inscctos (por excmplo abelhas), têm sirtcmas<br />

visuais trlcromiticos semclhnntes nos hummos e +uns têm mesmo uma visão dc coses mds<br />

zica <strong>do</strong> que a <strong>do</strong>s humsnos (por cxemplo pentacromática). A drssikagio i feira em fun5ão <strong>do</strong>s npos<br />

difccenrcs dc pigmentos nos cones (células fotossensivdí d:i retina, quc deceimimm n gnmi dc radi-<br />

5" oclcctrm;lgnCtica i qual o sistema C sensivcl). Enue os mimifcios, %penar os pzimnrar possuem<br />

visco de cores, embora com muitas difcren$ns eiim si. É iim problema teórico p~ra n biologia evolucionisrr<br />

snbcr por que rarão tem visão de cor eracramenrc as espécics que r têm.<br />

"' A cxpo~i5ão que se acgue baseia-rc sobretu<strong>do</strong> cm HARDIN 1988, FIARDIN 1993, 'TOLLI-<br />

T'ER 1994 e HUAIPI-IREY 19'32, para dém de DENNETr 1991, Capinilo 12, Qidi


soja I ~ / ~ I I S<br />

prie<strong>da</strong>de que acontece quan<strong>do</strong> objectos (a)parecem vermelhos. O<br />

problema regressa então sob a seguinte forma: não há uma fenomenologia<br />

determina<strong>da</strong> <strong>da</strong> cor à qual ligar as coresbio. Se a intuição<br />

subjectivista fosse ver<strong>da</strong>deira, as cores deveriam depender de experiências<br />

de cor estáveis. Ora não se encontra uma tal estabili<strong>da</strong>de na<br />

experiência de cor.<br />

A posição objectivistu, relacio~íal e evob(cio~zistu de Dennett acerca<br />

<strong>da</strong>s cores parte <strong>da</strong> seguinte ideia: algumas coisas na natureza precisavam<br />

de ser vistas, outras precisavam de ver e assim as cores foram<br />

feitas para serem vistas por aqueles que foram feitos para as ver. O<br />

que a ciência física e biológica mostra é que as proprie<strong>da</strong>des que os<br />

objectos têm de reflectir a luz fazem com que criaturas entrem em<br />

((esta<strong>do</strong>s discriminativos, disuibuí<strong>do</strong>s nos seus cérebros, e subjazen<strong>do</strong><br />

a um conjunto de disposições inatas e hábitos aprendi<strong>do</strong>s de<br />

complexi<strong>da</strong>de variável (...) estes esta<strong>do</strong>s discriminativos <strong>do</strong>s cérebros<br />

de observa<strong>do</strong>res têm várias proprie<strong>da</strong>des primárias (...) e em<br />

virtude destas proprie<strong>da</strong>des primárias têm várias proprie<strong>da</strong>des<br />

secundárias meramente disposicionais. Em criaturas humanas com<br />

linguagem (...) estes esta<strong>do</strong>s discriminativos (...) eventualmente dispõem<br />

as criaturas a exprimir juizos verbais aludin<strong>do</strong> à "cor" de diversas<br />

coisas. Quan<strong>do</strong> alguém diz "eu sei que o anel não é realmente<br />

cor-de-rosa, mas realmente parece cor-de-rosa" a primeiira<br />

cláusula exprime um juízo acerca de alguma coisa no mun<strong>do</strong> e a<br />

segun<strong>da</strong> cláusula exprime um juízo de segun<strong>da</strong> ordem acerca de um<br />

esta<strong>do</strong> discriminativo acerca de alguma coisa no mun<strong>do</strong>. A semântica<br />

de tais asserções torna claro o que as cores supostamente são:<br />

proprie<strong>da</strong>des reflexivas <strong>da</strong>s superfícies de objectos (...) e é isto que<br />

elas são de facto - embora dizer exactamente quais proprie<strong>da</strong>des<br />

reflexivas são sejam baste complica<strong>do</strong> (tii~ky))"~')).<br />

"O CL os problcinas Icx~aiiw<strong>do</strong>s pelo mernmeiismo e n definiqão de cor corno vista por um observa<strong>do</strong>r<br />

normnl em condições standrrd em I-IARDIN 1993.<br />

*' DENNE'TT 1991: 372-373. O prablcma, quan<strong>do</strong> se tnta dc &zcr uzctamenre quais propiie<strong>da</strong>des<br />

sio, é que acolors are not "nnniral kinds" preciselg bccause thcy nrc rhc producr of biolo-<br />

@cal evolution, wlicli has n rolerance for sloppy boun<strong>da</strong>"es when mnking cniegotics that would<br />

Iiorrify nny philosoplicr bcnr on goad clcan dcúnitioiis. If some creinire's life depended on lumping<br />

togctlici tlic moon, blue clieese and bicgcles, ).ou cm be prcrt). surc that Alatlicr Nanil-e would tind<br />

n wvny for ir ro "scc" tlionc as "inruicively jusc rhe same kind of rhing'n (DENNfiTT 1991: 381). Estl<br />

razão csplicn ;iiizís em paitc poi quc as q":":":":S~


vistas (nem <strong>do</strong> "ponto de vista" <strong>do</strong> vidente nem <strong>da</strong> coisa vista).<br />

Esse "bónus lateral" provavelmente dá conta, de acor<strong>do</strong> com Dennett,<br />

<strong>do</strong> estatuto de quase tu<strong>do</strong> o que a visão de cor humana actualmente<br />

nos dá, num ambiente em que a significação natural <strong>da</strong>s<br />

cores praticamente desapareceu. No entanto continua a ser possível<br />

a significação artificial de acor<strong>do</strong> com os mesmos princípios,<br />

como o mostram vários exemplos6", embora seja certo que a mesmi<strong>da</strong>de<br />

de cor (entre uma maçã vermelha e um vesti<strong>do</strong> vermelho,<br />

por exemplo) é na maioria <strong>da</strong>s vezes uma coincidência e não já algo<br />

de ecologicamente significativo.<br />

Resta esclarecer um úIho ponto quanto i objectivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

cores. Embora os factos acerca de quali<strong>da</strong>des secundárias estejam por<br />

natureza liga<strong>do</strong>s a um grupo específico de observa<strong>do</strong>res, há maneiras<br />

fortes e fracas de conceber essa relação. Na terminologia de Dennett,<br />

pode-se dizer que quali<strong>da</strong>des secundárias são ou louejJ ou suqect.<br />

Supostamente alguém poderia ser lave& sem nunca ter si<strong>do</strong> observa<strong>do</strong><br />

pelo tipo de observa<strong>do</strong>r que o julgaria lave& (as disposições estão<br />

lá embora a quali<strong>da</strong>de vá depender <strong>da</strong> observação). No entanto, M-<br />

guém poderia ser szlqect sem qualquer relação com alguém que o considerasse<br />

szq~ect (i.e. a quali<strong>da</strong>de nunca poderia ser detini<strong>da</strong> sem já ter<br />

existi<strong>do</strong> uma determina<strong>da</strong> relação com um observa<strong>do</strong>r). Ora as cores<br />

são, segun<strong>do</strong> Dennett, quali<strong>da</strong>des lovejJ (i.e. subjectivas de forma<br />

forte, no senti<strong>do</strong> não "subjectivista"): a intuição de que uma esmeral<strong>da</strong><br />

não observa<strong>da</strong> é "já" verde não tem que ser nega<strong>da</strong>.<br />

O facto de as cores e os cheiros serem feitos para serem vistos<br />

e cheira<strong>do</strong>s introduz a questão <strong>do</strong> gosto e desgosto senti<strong>do</strong>s pelas<br />

criaturas que os experimentam. Gostos e desgostos não acontecem<br />

por acaso: eles têm razões evolutivas. Os detectores de quali<strong>da</strong>des<br />

não são "repórteres desinteressa<strong>do</strong>s" mas sinaliza<strong>do</strong>res. O que queremos<br />

não é ser informa<strong>do</strong>s mas «ser informa<strong>do</strong>s <strong>da</strong> nossa maneira<br />

favorita (...) e as nossas preferências baseiam-se em inclinações<br />

(biases) que ain<strong>da</strong> estão instala<strong>da</strong>s nos nossos sistemas nervosos<br />

embora a sua significação ecológica possa ter desapareci<strong>do</strong> há milhões<br />

de anos»"ii. O que não faz senti<strong>do</strong> é pensar que uma proprie<strong>da</strong>de<br />

intrínseca explicaria estas reacções.<br />

Por exemplo rs cores <strong>do</strong>s cabos de npirelhos eicctrónicos ou as cores nos corre<strong>do</strong>res dc cdificios<br />

comolexos como " erandes hosnitair . ouc . tornam oossivel disiineuir. " . reconliccci c sceuk ". pela cor<br />

(DIINNETT 1991: 377).<br />

"'D!3NNETT 1991: 384. O psicólogo N. I-Iumphrcy relsrr cxpc"éncia com cores em macacos<br />

e humanos em F1UhlPFIRI-I 1995.<br />

Um Teoria Eiicaiisffri <strong>do</strong> Cotlteil<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~~sriPii~iia<br />

Otto rejeita totalmente que a maneira como as coisas aparecem<br />

seja desta forma identificável com disposições reactivas idiossincráticas<br />

<strong>do</strong> sistema nervoso de criaturas confronta<strong>da</strong>s com um padrão<br />

de esámulação. No entanto, segun<strong>do</strong> Dennett, é exactamente isso e<br />

apenas isso que é referi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se afirma "estes são os meus qz~a-<br />

W. O que interessa aqui, uma vez que as cores são talvez o exemplo<br />

mais frequentemente uùliza<strong>do</strong> nas experiências mentais acerca<br />

de qualia, é ver de que mo<strong>do</strong> esta teoria <strong>da</strong>s cores se comporta no<br />

confronto com tais experiências. A questão é importante pois é em<br />

intuicões acerca de qualia (ausentes em ~o~zbies, inverti<strong>do</strong>s em casos<br />

de espectro inverti<strong>do</strong>, não possuí<strong>do</strong>s por Mary, etc) que os adversários<br />

de Dennett apoiam as suas teorias <strong>da</strong> consciência. Ora, toman<strong>do</strong><br />

como exemplo as fantasias fiiosóficas de inversão <strong>do</strong>s qztalia- um<br />

<strong>do</strong>s tipos de argumentos que suportam intuições opostas às de Dennett<br />

- o que se vê é que tais cenários pura e simplesmente pressupõem<br />

que as "disposições reactivas" e a "maneira como as coisas<br />

parecem ser" são separáveis e tu<strong>do</strong> o que foi aqui afirma<strong>do</strong> acerca<br />

de cores mostra que Dennett se atem ao princípio central deQliir~ing<br />

Qz~alia segun<strong>do</strong> o qual não é possível uma comparação <strong>do</strong>s qzlalia, já<br />

que a comparacão (seja entre sujeitos, seja intrasubjectiva) pressupona<br />

(injustifica<strong>da</strong>mente) a referi<strong>da</strong> separabili<strong>da</strong>de. Toman<strong>do</strong> um caso<br />

intrapessoal de espectro inverti<strong>do</strong>, teríamos por exemplo uma pessoa<br />

que acor<strong>da</strong> um dia com os qz/alia inverti<strong>do</strong>s (a erva ficou vermelha,<br />

o céu amarelo, etc). Como mais ninguém nota na<strong>da</strong> de anormal<br />

(seria importante que a diferença fosse súbita e não gradual para<br />

ser nota<strong>da</strong> pela própria pessoa), o problema deve estar na própria<br />

pessoa, que conclui que algum neurocientista maligno deve ter "troca<strong>do</strong><br />

os cabos". Ora, Dennett pretende que se de facto to<strong>da</strong>s as disposições<br />

reactivas tivessem si<strong>do</strong> troca<strong>da</strong>s, o comportamento relaciona<strong>do</strong><br />

com cores e a discriminação por cores também teria si<strong>do</strong> altera<strong>do</strong>:<br />

não é possível imaginar que apenas se interfere com os qz/alia<br />

e que a pessoa apercebe a situação <strong>da</strong> maneira descrita. Dennett ilustra<br />

a sua posicão com o exemplo <strong>do</strong> carro pinta<strong>do</strong> <strong>da</strong> exacta tonali<strong>da</strong>de<br />

de azul <strong>do</strong> carro em que alguém uma vez teve um acidente. Feitas<br />

as trocas, no início não se reagbia ao azul-inverti<strong>do</strong> (amarelo,<br />

suponha-se) mas, uma vez estan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> no sítio, voltariam as disposições<br />

reactivas e, nomea<strong>da</strong>mente, perante a pergunta "o carro <strong>do</strong><br />

acidente de que cor era!" dir-se-ia "azul como isto" sem hesitar.<br />

As experiências imaginárias com q~<strong>da</strong> inverti<strong>do</strong>s costumam<br />

supor duas 'Linversões", uma <strong>da</strong>s quais restauraria o esta<strong>do</strong> inicial


(por exemplo por habituação). A finali<strong>da</strong>de de tais experiências<br />

imaginárias é descrever um caso no qual seja óbvio que os qr/ah<br />

estariam inverti<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> as disposições reactivas estivessem normaliza<strong>da</strong>~<br />

e de facto muitas pessoas tendem a pensar que são concebíveis<br />

casos assim. Dennett pensa que a "intuição" existe porque<br />

essas pessoas pensam que a a<strong>da</strong>ptação ocorreupós-e*cperiencialnze~~te.<br />

No entanto para Dennett não é possível isolar proprie<strong>da</strong>des apresenta<strong>da</strong>s<br />

na consciência <strong>da</strong>s reacções múltiplas <strong>do</strong> cérebro às discriminações<br />

destas. Enquanto exemplo típico de consciência, as<br />

cores mostram que o está em causa é o que ê apercebi<strong>do</strong> no apercebimento,<br />

o que é discrimina<strong>do</strong> em virtude <strong>da</strong>s funções <strong>do</strong> sistema,<br />

e não alguma coisa para além disso.<br />

3.3.6.6 Maíy e os zombies. OQtiar10 Chilzês. O morcego.<br />

A teoria dennetiana <strong>da</strong> consciência recai em úluma análise sobre<br />

os problemas que consistem em (1) saber coi~o se sabe qzie se é cotzscietzte<br />

e (2) saber o qz~e se sabe qz~ar<strong>do</strong> se sabe qz~e se é cor~sciente. Segun<strong>do</strong> Dennett<br />

a resposta só pode ser "continuista", i.e. ela deve ser <strong>da</strong><strong>da</strong> sem<br />

admitir àparti<strong>da</strong> uma distinção de natureza entre conteú<strong>do</strong> e consciência.<br />

E com base nestes pressupostos que Dennett pretende<br />

afastar o epifenomenismo, a possibili<strong>da</strong>de de tu<strong>do</strong> o que foi dito<br />

na<strong>da</strong> dizer ain<strong>da</strong> sobre consciência, a qual poderia \.ir ou não a juntar-se<br />

aos funcionamentos descritos de uma forma que não faria<br />

diferença causal mas constituiria uma outra reali<strong>da</strong>de. Embora o<br />

caso ergui<strong>do</strong> contra o ~oonzbic tenha uma função análoga, é especialmente<br />

sobre a avaliação <strong>do</strong> Argumento <strong>do</strong> Conhecimento de E<br />

Jaclrson que recai em CE a função crucial de afastar o epifenomenismo.<br />

Este seria a grande alternativa ao modelo de consciência<br />

proposto em CE e apenas demonstran<strong>do</strong> que ele é absur<strong>do</strong> se consoli<strong>da</strong><br />

a proposta.<br />

Dennett reconhece que o Argumento <strong>do</strong> Conhecimento de E<br />

Jackson convoca irresistíveis intuições acerca de qz~alin servin<strong>do</strong>-<br />

-se precisamente <strong>da</strong> experiência de cor. Considera no entanto<br />

que tais intuições - que levam a pensar que mesmo conhecen<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>s os factos físicos Mary aprenderia alguma coisa no momen-<br />

to em que pela primeira vez experienciasse a cor - por mais irre-<br />

sistiveis que sejam, estão erra<strong>da</strong>s. De acor<strong>do</strong> com Dennett, iMary<br />

não aprenderia na<strong>da</strong>. Antes de mais, a conclusão <strong>do</strong> argumento<br />

de Jackson segun<strong>do</strong> a qual Mary aprenderia qualquei coisa sain<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> quarto (nomea<strong>da</strong>mente, como-é-experienciar-cores) decorre<br />

de ummau entendimento <strong>da</strong>s premissas. Na situação de Jackson,<br />

Mary conhece supostamente to<strong>do</strong>s os factos físicos, nomea<strong>da</strong>mente<br />

neurofisiológicos, sobre o que acontece quan<strong>do</strong> ocorre<br />

visão de cor, mas nunca experienciou cores. Ora Dennett declara<br />

antes de mais que a ideia segun<strong>do</strong> a qual Mary tem to<strong>da</strong> a<br />

informação física, conhece to<strong>do</strong>s os factos, acerca <strong>da</strong> causas e<br />

efeitos <strong>da</strong> visão de cor é pura e simplesmente inimaginável. Aquilo<br />

que se imagina para configurar a situação de Jackson é outra<br />

coisa, por exemplo to<strong>do</strong> o conhecimento actzlal acerca <strong>da</strong> neurofisiologia<br />

<strong>da</strong> cor.<br />

E certo que, numa imaginação razoável <strong>do</strong> caso, sair <strong>do</strong> quarto<br />

mostraria a Mary algo de novo. No entanto, precisamente, numa<br />

imaginação razoável <strong>do</strong> caso, IMary nunca poderia "ter to<strong>da</strong> a informação<br />

física". Por outro la<strong>do</strong>, Jackson evita explorar o que Mary<br />

saberia fazer e reconhecer quanto a objectos colori<strong>do</strong>s, <strong>da</strong><strong>do</strong> to<strong>do</strong><br />

o conhecimento que ela é suposta possuir. Se se explorasse tal aspecto<br />

concluir-se-ia por exemplo que perante objectos Mary diria<br />

talvez "Isto é azul e é diferente disto, que é vermelho". Ela fá-10-ia<br />

a partir <strong>do</strong> seu conhecimento neuiofisiológico, aplica<strong>do</strong> às suas<br />

próprias disposições reactivas perante tais objectos em situações<br />

concretas. Ter to<strong>do</strong> o conhecimento neurofisiológico significaria<br />

necessariamente conhecer os efeitos neuionais que o confronto<br />

com a proprie<strong>da</strong>de "ser azul" provocaria.<br />

A grande aceitação que a conclusão <strong>do</strong> caso de Mary encontra é<br />

para Dennett um clássico caso <strong>do</strong> síndroma filosófico que consiste<br />

em "tomar uma falha <strong>da</strong> imaginação por um i~zs&ht acerca de necessi<strong>da</strong>de".<br />

Confrontan<strong>do</strong> Mary com o modelo de CE, Dennett<br />

defende que Mary não aprenderia na<strong>da</strong> de novo ao sair <strong>do</strong> quarto:<br />

ela poderia utilizar o seu conhecimento neurofisiológico para<br />

reconhecer que um objecto vermelho é vermelho quan<strong>do</strong> o visse<br />

notan<strong>do</strong> os efeitos <strong>da</strong> visão <strong>do</strong> objecto nas suas próprias disposições<br />

reactivas.<br />

Como se sabe, o caso de Mary permite a Jaclison concluir pela<br />

j'ül<strong>da</strong>de <strong>do</strong>fisicalis?iilo (defini<strong>do</strong> como a <strong>do</strong>utrina segun<strong>do</strong> a qual conhecer<br />

to<strong>do</strong>s os factos físicos é conhecer tu<strong>do</strong> o que há para conhecer)<br />

e a favor <strong>do</strong> epiJenoínetzisi~zo (ao conhecer to<strong>da</strong> a informação física<br />

Mary não conhece tu<strong>do</strong> o que há para conhecer porque há mais<br />

qualquer coisa, i.e. existem qzialia epifenomenais). Ora segun<strong>do</strong>


Dennett o epifenomenismo é uma <strong>do</strong>utrina absur<strong>da</strong>6"": de resto<br />

por considerar o epifenomenismo uma <strong>do</strong>utrina absur<strong>da</strong> e por con-<br />

siderar que ele está intimamente liga<strong>do</strong> com a figura <strong>do</strong> Zo?ilbie que<br />

Dennett considera de forma tão evasiva a importância deste em<br />

experiências mentais acerca <strong>da</strong> consciência. Importa portanto, de<br />

mo<strong>do</strong> a esclarecer a proposta metafísica de CE, compreender exac-<br />

tamente o que é o epifenomenismo e porque é que este é (ou não<br />

é) assim tão absur<strong>do</strong>.<br />

Em geral o epifenomenismo é a concepção <strong>do</strong> mental de acor-<br />

<strong>do</strong> com a qual este não tem por si poderes causais e portanto não<br />

tem efeitos físicos, é "um efeito sem efeitos", o que proíbe desde<br />

logo pelo menos uma interacção de género cartesiano, e especifica-<br />

mente qualquer eficácia causal <strong>do</strong> mental sobre o Bsico. A isto pode<br />

acrescentar-se a convicção de que to<strong>do</strong>s os efeitos são físicos, indu-<br />

sive os acontecimentos mentais. De acor<strong>do</strong> com autores como<br />

Jaclrson, o epifenomenismo é também a tese segun<strong>do</strong> a qual factos<br />

sobre a experiência consciente não sobrevêm aos factos físicos.<br />

Para Dennett há <strong>do</strong>is conceitos de "epifenomenal" a considerar,<br />

um filosófico e um psicológico. O conceito Wosófico de epifeno-<br />

menal nomeia aquilo que não tem efeitos físicos no mun<strong>do</strong>, que é<br />

causalmente irrelevante e portanto irrelevante para a explicasão; o<br />

conceito psicológico de epifenomenal nomeia um efeito lateral ou<br />

proprie<strong>da</strong>de não funcional. Para Dennett o primeiro é um concei-<br />

to ilegítimo: não pode haver qualquer evidência <strong>do</strong> que quer que<br />

seja de epifenomenal no senti<strong>do</strong> hlosófico já que o que não tem<br />

efeitos é indetectável. Quanto a epifenómenos no senti<strong>do</strong> psicoló-<br />

gico, características que têm efeitos mas não fazem diferença fun-<br />

cional, a vi<strong>da</strong> mental está cheia deles (como atrás se viu por exem-<br />

plo com as disposições reactivas face is cores e a persistência<br />

<strong>da</strong>quiio que foi ecologicamente pertinente, mas não é mais). Sun-<br />

plesmente, tais epifenómenos não são problemáticos, ao contrário<br />

<strong>do</strong> que supostamente acontece com os qz~nlia epifenomenais de<br />

Jackson. A confusão entre os <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s é, aliás, o problema não<br />

apenas de Mary mas também <strong>do</strong>s xo?fibies. A confusão entre os <strong>do</strong>is<br />

"" Isto é 1190 que Dcnnert admite prsticnmenrc scrn ilçumcntos. No entanto, o epifciiomenis-<br />

mo oodc rcr cncrcnrcmenre defcndi<strong>do</strong> e imnpinn<strong>do</strong>. embora rein nnm muitos nurores uma conccp-<br />

. - ..<br />

dc la<strong>do</strong> sem mais coiisidcra~õe~ como o pampriquismo, o epifcnomenaiismo e o internccionismo nia<br />

sào assim tio &sur<strong>da</strong>s quan<strong>do</strong> cst6 em causa o lugar <strong>da</strong> consciEnci~ no mun<strong>do</strong> dc acor<strong>do</strong> com uma<br />

perspectiva fisicalista.<br />

Um Teoria Fi~icalisto <strong>do</strong> Coi~tcii<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Corisciêricia<br />

senti<strong>do</strong>s (filosófico e psicológico) de "epifenomenal" está inscrita<br />

no próprio termo xombie. Para ser possível aikmar que um ~o~zbie é<br />

indistinguivel de uma enti<strong>da</strong>de consciente é necessário supor ã parti<strong>da</strong><br />

que a consciência é epifenomenal no senti<strong>do</strong> hlosófi~o, o senti<strong>do</strong><br />

de epifenomenal que não tem senti<strong>do</strong> para Dennett. E aliás no<br />

âmbito desta crítica que Dennett faz aquela que se poderia considerar<br />

a akmação emblemática <strong>da</strong> sua teoria <strong>da</strong> consciência: «os<br />

~o~nbies são possíveis? Eles não são apenas possíveis, eles são reais.<br />

Nós somos to<strong>do</strong>s ~o~~zbien)"'. Noutras palavras. é imoossível distingiir<br />

iiiii ;I~III/IIP LIC iiin ser c~~ii,cic~irc .;c111 p1ir;i c siinplcsinciltc pressiil>ot<br />

a ~~~iic~i~ri~cii:~li~Ii~~Ic (rio scnri<strong>do</strong> 1ilo.;6rico' dii coiisciiiici:~.<br />

se-o xo~zbie for imagina<strong>do</strong> como funcionalmente complexo e capaz<br />

de esta<strong>do</strong>s informacionais reflexivos, esse xonzbie somos nós.<br />

Um fenómeno semelhante, relativamente ã "falha <strong>da</strong> imaginação",<br />

ao que subjaz ao caso de Mary ocorre com a experiência<br />

mental <strong>do</strong> Quarto Chinês de Searle, que pretende, também ela, provar<br />

que há algo que falta em qualquer entendimento em terceira<br />

pessoa <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de. Já no capítulo anterior foi menciona<strong>do</strong> que<br />

Dennett pensa que Searle oculta, com a sua parábola, o ifrs2ht central<br />

de quaiquer teoria materialista <strong>da</strong> mente, i.e. a possibili<strong>da</strong>de de<br />

uma interpretação mecânica <strong>do</strong> cérebro ou de outro hardware. De<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, Searle procura forçar a admissão de que para<br />

haver entendimento genuíno teria que haver alguma testemunha<br />

<strong>do</strong>s eventos que constituem o entendimento. De novo Dennett<br />

pretende que o Quarto Chinês apenas conduz à pretendi<strong>da</strong> conclusão<br />

(a ausência de entendimento genuíno no sistema) mediante<br />

uma falta de detalhes <strong>da</strong> imaginação (nomea<strong>da</strong>mente uma falta de<br />

detalhes relativos ao comportamento verbal, em chinês, <strong>do</strong> Quarto<br />

Chinês). Em CE Dennett elabora um exemplo <strong>do</strong> que seria esse<br />

comportamento""s argumentan<strong>do</strong> que um programa que correspondesse<br />

ãs especificações de Searle, seria um sofistica<strong>do</strong> sistema<br />

cognitivo que possuiria meta-meta- conhecimento acerca <strong>do</strong> seu<br />

próprio comportamento e acerca <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e que a imaginação<br />

detalha<strong>da</strong> <strong>do</strong> sistema pura e simplesmente impediria a "intuição"<br />

pretendi<strong>da</strong>. Na<strong>da</strong> poderia ser funcionalmente e informacionalmente<br />

coinplexo <strong>da</strong> forma comportamental evidencia<strong>da</strong> e não ser consciente.<br />

Só porque vemos que no caso de um programa curto e simples<br />

a instanciação física não gera entendimento não temos legiti-<br />

"" DENNi?TT 1991: 406.<br />

"" DENNlilT 1991: 456.457.


mi<strong>da</strong>de para generalizar a um caso com a complexi<strong>da</strong>de requeri<strong>da</strong><br />

pela situação de Searle a conclusão segun<strong>do</strong> a qual nenhuma orga-<br />

nização funcional seria por si só suficiente para a consciência.<br />

Exactamente como sucede com o caso de Mary, o Quarto Chinês<br />

só persuade aqueles que não obedecem às instrucções <strong>da</strong> situacão.<br />

Quanto ao wlrat-it's &e nageliano, toma<strong>do</strong> como critério fmal e<br />

definitivo <strong>da</strong> presenca de experiência senti<strong>da</strong> e ao mesmo tempo<br />

como prova de que o conhecimento <strong>da</strong> fisiologia ou de qualquer<br />

suporte na<strong>da</strong> nos diria acerca <strong>da</strong> fenomenologia <strong>do</strong> sistema, Den-<br />

nett considera que o modelo apresenta<strong>do</strong> em CE mostra que é sim-<br />

plesmente falso que o conhecimento em terceira pessoa não possa<br />

dizer-nos na<strong>da</strong> quanto a "como é ser uma determina<strong>da</strong> criatura".<br />

Aliás, o caso de Nagel baseia-se ele próprio em conhecimento em<br />

terceira pessoa acerca <strong>da</strong> ecolocalização <strong>do</strong>s morcegos. Para Den-<br />

nett, um modelo como o M3M, com a sua proposta de uma Máqui-<br />

na Virtual implementa<strong>da</strong> no cérebro como sistema de controlo,<br />

avança no senti<strong>do</strong> de preencher o abismo nageliano entre fisiologia<br />

e fenomenologia.<br />

Os posicionamentos de Dennett face a to<strong>da</strong>s estas experiências<br />

mentais pressupõem (i) uma concepção funcionalista e (ii) a crença<br />

na superveniência lógica <strong>da</strong> consciência aos funcionamentos descri-<br />

tos. Noutras palavras, em organizações com a complexi<strong>da</strong>de descri-<br />

ta pelo MEM, a consciência estará necessariamente presente como<br />

papel funcional, sen<strong>do</strong> logicamente impossível que tal não aconteça.<br />

3.3.7 Ciência cgt~itiua ozl teoriaJlosoj5ca du co~isciêrrcia? O clroqzie de<br />

inti~ições qzian~o à $/n<strong>da</strong>~i~eritali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cotrsciE,i~ia: Dermett verszis Searle,<br />

Nagel, Chahners e Jacksoll. O concebivel e o iriconcebivci.<br />

Em geral, os filósofos tendem a considerar CE como uma<br />

obra de ciência cognitiva, onde são feitas interessantes observa-<br />

ções sobre processamento cognitivo, mas um quase deserto de<br />

argumentos filosóficos explícitos. Existem no entanto arguinen-<br />

tos em CE, qye correspondem a uma determina<strong>da</strong> metafísica <strong>da</strong><br />

consciência. E certo que para os advcrsários de Dennett a maio-<br />

ria <strong>do</strong>s argumentos decorre de uma petição de princípio, já que<br />

Dennett simplesmente presume que tu<strong>do</strong> o que é necessário<br />

explicar para explicar a consciência são funções, disposições<br />

reactivas e juizos. A primeira vista, e de forma análoga àquilo que<br />

fazem os cientistas cujas teorias empírico-especulativas foram<br />

descritas no início deste capítulo, aquilo que Dennett faz com o<br />

seu modelo de consciência é considerar os processos cerebrais<br />

correlaciona<strong>do</strong>s com a consciência - de acor<strong>do</strong> com o MEM<br />

mais propriamente processos <strong>do</strong> nível funcional <strong>da</strong> Máquina Virtual<br />

<strong>do</strong> que processos neurobiológicos - e tomar a correlação<br />

entre esses processos cerebrais e a consciência como um facto<br />

bruto. Por outro la<strong>do</strong>, utiliza critérios pragmáticos (nomea<strong>da</strong>mente<br />

a capaci<strong>da</strong>de de reportar e controlar o comportamento)<br />

para assegurar a presença <strong>da</strong> consciência num sistema. Para a<br />

maioria <strong>do</strong>s críticos isto significa que o MEM pura e simplesmente<br />

passa ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> "Questão" para uma metafísica materialista,<br />

a questão <strong>da</strong> locação <strong>da</strong> consciência, com a sua subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

na natureza. Dennett, no entanto, afirma que colocar que<br />

uma questão semelhante acerca <strong>da</strong> relação entre a subjectivi<strong>da</strong>de<br />

e os processos que a originam é comparável com a situação em<br />

que um vitalista pergunta "porque é que o ADN origina a vi<strong>da</strong>?"'".<br />

Nenhuma <strong>da</strong>s questões tem objecto.<br />

Apesar <strong>do</strong> desentendimento enue Dennett e os flósofos que<br />

se ocupam com o problema metafísico <strong>da</strong> consciência, é possível<br />

explicitar a metafísica <strong>da</strong> consciência correspondente i teoria<br />

funcionalista de CE. No MEM não estão em causa apenas qnestões<br />

epistemológicas relativas a incorrigibili<strong>da</strong>de e questões fenomenológicas<br />

relativas ã distinção entre veículos <strong>da</strong> representacão<br />

e aquilo que é representa<strong>do</strong>: o modelo corresponde também à<br />

defesa de uma posição fisicalista funcionalista e <strong>da</strong> szlperuerliê~icia<br />

Iógca <strong>da</strong> consciêmia. De resto e apesar <strong>da</strong> semelhança <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem<br />

dennettiana com abor<strong>da</strong>gens empíricas, o debate filosófico recente<br />

acerca <strong>da</strong> consciência transparece em vários pontos de CE. Por<br />

exemplo, num diálogo com Otto"' afirma-se explicitamente que,<br />

ao contrário <strong>do</strong> que é usualmente admiti<strong>do</strong> no debate filosófico,<br />

na<strong>da</strong> mais há a explicar numa teoria <strong>da</strong> consciência quan<strong>do</strong> se<br />

explica o parecer (seem) em termos de disposicões reactivas. Dennett<br />

exclui assim, com a sua afirmação, que algo como uma aparição<br />

fenomenal possa não ser idêntico a um juizo sobre um conteú<strong>do</strong><br />

de experiência. É o já referi<strong>do</strong> contG~ziis~i~o entre apercebimento<br />

e consciência que sustenta tal posição. Foi aliás notório<br />

que se tratou neste capítulo muito mais de co~~terí<strong>do</strong>s conscientes<br />

"' DENNE?T 1997.<br />

DENNETI 1991: 362.368.


<strong>do</strong>. que de qualquer coisa específica que seria a "consciência",<br />

crian<strong>do</strong> mesmo uma quase sobrebosição temática com o Capítulo<br />

2. Assim, aquilo que o MEM caracteriza a partir de baixo e a<br />

partir de dentro, acaba por ser o mesmo que a TSI caracteriza a<br />

partii de fora e a partir de cima: a intet~cionali<strong>da</strong>de. A noção de<br />

mun<strong>do</strong> nocional ou mun<strong>do</strong> heterofenomenológico, fun<strong>da</strong>mental<br />

quer na TSI quer no MEM, acaba por ser a prova mais óbvia de<br />

uma tal confluência ou sobreposição. No entanto, para o próprio<br />

Dennett não se trata de uma confusão conceptual. O que isto significa<br />

é que Dennett, ao contrário de fdósofos como Jaclrson ou<br />

Chalmers, considera que é desnecessário introduzir um primiti~o<br />

bruto na teoria <strong>da</strong> consciência, que isso (experiências-cotno-juízos,<br />

i.e. conteú<strong>do</strong>) é o que a consciência é. Um primitivo bruto<br />

apenas estaria justifica<strong>do</strong> se houvesse uma divisão ontológica<br />

entre consciência e não-consciência e to<strong>do</strong> o MEM constitui um<br />

caso contra tal divisão. Comecar a teoria <strong>da</strong> consciência com a<br />

introdução de um primitivo supõe admitir a impossibili<strong>da</strong>de de<br />

uma análise não circular <strong>da</strong> consciência e admitir que a consciência<br />

é algo de absolutamente distinto <strong>da</strong> não-consciência. Poder-seia<br />

contrapor que a consciência que Dennett explica de forma não<br />

circular não passa de apercebimento-de. Na<strong>da</strong> mais é admiti<strong>do</strong><br />

senão graus de apercebimento-de. Ora, nestas circunstâncias, de<br />

facto, de certo mo<strong>do</strong>, não há como evitar a conclusão segun<strong>do</strong> a<br />

qual somos to<strong>do</strong>s 70%oíl16-ies e isso não faz diferença nenhuma. Notese<br />

no entanto que na<strong>da</strong> nesta posição envolve qualquer coisa<br />

como uma abolicão <strong>do</strong> sujeito: afinal, o MEM explica características<br />

<strong>do</strong> sujeito tais como a uni<strong>da</strong>de, a centrali<strong>da</strong>de e o auto-apercebimento.<br />

A única coisa que é de facto bani<strong>da</strong> é um sentir-se ser<br />

sem mais qualificações, comum a to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des conscientes,<br />

por hipótese com vi<strong>da</strong>s mentais muito diferentes entre si, que<br />

corresponderia a uma descontinui<strong>da</strong>de no mun<strong>do</strong> e a algum tipo<br />

de dualismo. A ideia de uma tal forma comum inespecifica<strong>da</strong>, cuja<br />

pedra de toque seria o ~vhat-it-ir-Me, é bani<strong>da</strong> mas não as características<br />

de "forma" <strong>da</strong> primeira pessoa. E certo que se pode considerar<br />

que o facto de algo como a "consciência fenomenal" não<br />

poder ser introduzi<strong>do</strong> de forma não circular não constitui só por<br />

si razão para a excluir ou para negar a sua existência. Na<strong>da</strong> exclui<br />

a reali<strong>da</strong>de de características apenas apercebi<strong>da</strong>s em primeira pessoa.<br />

Mas, precisamente, Dennett não exclui a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> apercebimento<br />

em primeira pessoa, tu<strong>do</strong> o que nega são os qualia como<br />

U?na Teoia Fisicahsta rio Cotiteti<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~sciêiiciri<br />

qualificativo epistemológico e a descontinui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de<br />

consciente relativamente ao resto.<br />

Como já se afirmou, as conclusões pretendi<strong>da</strong>s por Dennett no<br />

âmbito <strong>do</strong> MEM (quer quanto a qy~b-ies, quer quanto a qzcalia, quer<br />

quanto ao Argumento <strong>do</strong> Conhecimento) só se seguem se já tiver<br />

si<strong>do</strong> aceite a "análise conceptual" <strong>da</strong> experiência em termos de hnções,<br />

disposições reactivas e juizos. É de resto de acor<strong>do</strong> com essa<br />

análise que é possível pretender que o epifenomenismo é uma posição<br />

absur<strong>da</strong>. No entanto o epifenomenismo, a ideia segun<strong>do</strong> a qual<br />

proprie<strong>da</strong>des fenomenais, embora causalmente irrelevantes, definitivamente<br />

existem, é para muitos fuósofos - que não são nem reducionistas<br />

nem negam a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência, como por exemplo<br />

precisamente E Jackson - a posição correcta quanto i consciência.<br />

A sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> metafísica e <strong>da</strong> análise conceptual<br />

implícitas no MEM vai portanto ter i questão: será o epifenomenismo<br />

defmitivamente absur<strong>do</strong>, como Dennett pretende? A resposta<br />

envolve convicções acerca <strong>do</strong> que é fun<strong>da</strong>mental no mun<strong>do</strong><br />

tal como ele é.<br />

A abor<strong>da</strong>gem que por exemplo D. Chalmers faz <strong>do</strong> problema<br />

<strong>da</strong> consciência é um bom exemplo <strong>do</strong> facto de ser um choque de<br />

intuições quanto ao que é fun<strong>da</strong>mental que está em causa no diferen<strong>do</strong><br />

entre filósofos que se dedicam i metafísica <strong>da</strong> consciência,<br />

mesmo que a concordância quanto i natureza <strong>da</strong> cognição seja<br />

grande. Em The Cotz~cio~ls Mit~d, Chalmers analisa os vários argumentos<br />

encobertos apresenta<strong>do</strong>s em CE e o pressuposto básico<br />

de tais argumentos. O MEM, com o seu absolutismo <strong>da</strong> terceira<br />

pessoa, pressupõe que a consciência não é fun<strong>da</strong>mental, que ela<br />

deve ser caracteriza<strong>da</strong> em termos de funções, disposições reactivas<br />

e efeitos. Um tal movimento não é mais <strong>do</strong> que uma intencionalização<br />

<strong>da</strong> noção de consciência"'. Por seu la<strong>do</strong>, teóricos "hn<strong>da</strong>mentalistas"<br />

<strong>da</strong> consciência (como Chalmers, Nagel, Searle e<br />

Jackson) pura e simplesmente admitem que a teoria <strong>da</strong> consciência<br />

parte <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de uma dehnição não circular desta e que<br />

alguém como Dennett apenas disfarça a utilização implícita <strong>da</strong><br />

experiência em primeira pessoa. Evidentemente, a posição de<br />

Dennett não lhe permite reconhecer que está em jogo um choque<br />

de intuições quanto i fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência e ele continua<br />

a insistir no absur<strong>do</strong> <strong>da</strong>s posições a que os qualófilos são<br />

'" Conium por exemplo na uadigio fcnomcnai6@cn.


conduzi<strong>do</strong>s6j2. De facto as duas partes <strong>da</strong> discussão não se com-<br />

preendem e falam de coisas diferentes. De acor<strong>do</strong> com o MEM,<br />

aquilo de que se fala quan<strong>do</strong> se fala de fenomenologia não é senão<br />

apercebimento com características determina<strong>da</strong>s, juízo e texto,<br />

especificação e fixação de conteú<strong>do</strong>s representa<strong>do</strong>s. De acor<strong>do</strong><br />

com os defensores <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência aquilo de<br />

que se fala "põe-se" a si próprio, não pode ser introduzi<strong>do</strong> nos ter-<br />

mos de outra coisa e deve portanto ser um primitivo <strong>da</strong> teoria.<br />

Como Chalmers afuma, ((Dennett lanca-me o desafio de oferecer<br />

evidência independente para se postular a experiência @resumi-<br />

velmente evidência comportamental ou funcional). Mas isto é fa-<br />

lhar completamente o ponto: a experiência consciente não é pos-<br />

tula<strong>da</strong> para por sua vez explicar outros fenómenos. Ela é um fenó-<br />

meno de direito, para ser explica<strong>do</strong> por si próprio. E se vier a veri-<br />

ficar-se que ela não pode ser explica<strong>da</strong> em termos de enti<strong>da</strong>des<br />

mais básicas, então ela deverá ser considera<strong>da</strong> irredutivel, exacta-<br />

mente como acontece com categorias como espaço e tempo. De<br />

novo, o desafio de Dennett pressupõe que os únicos explanan<strong>da</strong><br />

que contam são funções. Ji agora, eu gostaria de ver a versão de<br />

Dennett <strong>da</strong> evidência independente que leva os físicos a introdu-<br />

zirem as categorias fun<strong>da</strong>mentais de espaço e tempo. Parece-me<br />

que a evidência relevante é espacial e temporal de fio a pavio,<br />

assim como a evidência de experiência é experiencial de fio a<br />

pavio»653.<br />

Uma última palavra relativa a modelos cognitivos, já que é isso<br />

afinal que o bE3M é antes de mais. Mesmo consideran<strong>do</strong> o MEM<br />

exclusivamente como um modelo cognitivo é possível argumentar<br />

que na<strong>da</strong> nele afasta uma noção funcional de Teatro Cartesiano<br />

(que evidentemente não se identifica com uma noção neuroanató-<br />

mica, "localizacionista"). De facto, a teona apresenta<strong>da</strong> inclui uma<br />

explicação <strong>da</strong> unificação liga<strong>da</strong> à consciência relacionan<strong>do</strong>-a com a<br />

percepcão interna. Ora, parte <strong>do</strong> que se entende por Teatro Carte-<br />

siano é exactamente essa unificação e percepção interna, que exis-<br />

"4 ~videnre que essas pori~õcs nào apareccm como absur<strong>da</strong>s aos scus defensores. AliRs Dcnnert<br />

por veres exti~i conícquincias <strong>da</strong>s posiqões <strong>do</strong>s adversirios quc literalmente nZo sso nccitcs poi<br />

estes, coma par ~ ~~mplo q~sn<strong>do</strong> nssumc quc um qudóf<strong>do</strong> tcri necesss~nmente quc dcfcndei que<br />

uma m6quinr computscionnl nio podcrR nunca ter cxpcriincins (o próprio Dcnneti defende quc<br />

pode). Ors, poi exemplo D Cli;ihcrs admite sem problemns que uma miqiiúla computncionsl poderi<br />

ter erpcriincinr - ncsse rispecro é t ~o funcioniilisrr como Dcnnctt - sem que tal o obrigue a abdicar<br />

<strong>do</strong> defesa ds hindnmentali<strong>da</strong>de dn ~~peiiência no mxin<strong>do</strong> tal como ele é.<br />

"' CCFIALhIIIRS 1997: 385.<br />

te na vi<strong>da</strong> mental humana (ou os esboços múltiplos em circulação<br />

conduziriam normalmente a vi<strong>da</strong>s mentais múltiplas por ca<strong>da</strong> sistema<br />

cognitvo, o que não é normalmente o caso). Alguma coisa como<br />

uma teoria <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> interno sobrevive portanto ao colapso<br />

<strong>do</strong> materialismo cartesiano. Isto mostra, como notam B. Baars e M.<br />

Fehlingb", que o MEbI vai longe demais na negação de uma função<br />

integra<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> consciência, que é perfeitamente compatível com o<br />

processamento paralelo distribuí<strong>do</strong> e com a socie<strong>da</strong>de de agentes.<br />

Do que foi dito no presente capítulo conclui-se para já que<br />

enquanto teoria <strong>da</strong> consciência, o MEM não é eliminativista acerca<br />

<strong>da</strong> consciência (o eliminativismo resuinee-se aos arcalia. defini<strong>do</strong>s<br />

u<br />

de forma muito particular) nem pretende abolir a subjectivi<strong>da</strong>de<br />

[antes explica características desta como a uni<strong>da</strong>de. a centrali<strong>da</strong>de e<br />

o auto-apercebimento) e que apesar de tu<strong>do</strong> a explicação <strong>da</strong> consciência<br />

proposta em CE não é apenas uma investigação <strong>da</strong>s correspondências<br />

entre fisiologia ou funcionamentos fisiologicamente<br />

basea<strong>do</strong>s e fenomenologia mas uma proposta metafísica acerca <strong>do</strong><br />

lugar <strong>da</strong> consciência no mun<strong>do</strong>, à qual caberia chamar d@a <strong>da</strong><br />

szperuer1iê12eia lógica. Quanto ao pretenso eliminativismo, trata-se<br />

antes de intelectualismo, identificação <strong>do</strong> apercebimento com apercebimento-de.<br />

É o intelectualismo que provoca a rasura <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>quilo a que muitos chamam "consciência fenomenal", e<br />

que aqui se tem chama<strong>do</strong> sentir-se ser. De resto, o que está sobretu<strong>do</strong><br />

em causa na teona dennettiana <strong>da</strong> consciência é a negação <strong>do</strong><br />

"<br />

abismo" ontológico entre consciência e não-consciência (o que<br />

não é idêntico a negar o sujeito nem a unici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental<br />

deste). Em termos de argumentação, o caso entre Dennett e os filósofos<br />

que se ocupam <strong>da</strong> metafisica <strong>da</strong> consciência redun<strong>da</strong> num<br />

dzjéren<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> que Épossiuel e inlpossiuel imagirlar. De acor<strong>do</strong> com o<br />

MEbl, é logicamente impossível imaginar ~ombies, espectros inverti<strong>do</strong>s,<br />

que Mary apren<strong>da</strong> ou que exista algo de irredutível no facto<br />

de morcegos se sentirem ser. De acor<strong>do</strong> com os adversários, tal<br />

postura é injustifica<strong>da</strong>.<br />

'" UMRS & FPHLING 1992.


As Pessoas e as suas Acyõé~: aJilosoja <strong>da</strong> mente e os fun-<br />

<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong>$losoja moral<br />


lista e gradualista acerca de pessoas e acções. A prinieira consequência<br />

geral <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é a nornzatiui<strong>da</strong>de de tais conceitos.<br />

A análise desse aspecto normativo repartir-se-á pelas análise<br />

<strong>da</strong>s condições de pessoali<strong>da</strong>de Ipersonhoo~)~j' e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal.<br />

Entende-se por condições de pessoali<strong>da</strong>de determina<strong>da</strong>s características<br />

em função <strong>da</strong>s quais uma enti<strong>da</strong>de será ou não uma<br />

pessoa. A noção de "condições de pessoali<strong>da</strong>de" opõe-se desde<br />

logo a uma concepção absoluta de pessoa segun<strong>do</strong> a qual por<br />

exemplo um ser humano é sempre e em qualquer circunstância<br />

uma pessoa. A dissociação (ou pelo menos a distinção de conceitos)<br />

entre ser humano e pessoa tem a sua origem em J. Loclre"jB.<br />

Concepções absolutas de pessoa e de acção traduzem-se em rigorosas<br />

distinções entre pessoa e não-pessoa, acção e não-acção, que<br />

Dennett não aceita. É isso que o conduz à posição gradualista de<br />

acor<strong>do</strong> com a qual é impossível separar um conceito a que se pode-<br />

Dennerr como fuicr:iis pia a rua posigão gemi cm reoria <strong>da</strong> mente (i\lrihi,uiiii,i oiid Rc.~o~~rii6iLg c<br />

Cw~dilion~ o/ P~IIo,,~ow& a ER c DDI.<br />

'" O rermoprrio~i6odi introduzi<strong>do</strong> cm DENNEIT 1978n, Coridiiiom o/ Pirrorihood Recordc-sc<br />

no enmnto que Dciincrt defende dcsdc C&C que o problema <strong>da</strong> mcnte não podc ser sepnia<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

piobiems <strong>da</strong>s pcssons, c que a cficici* de rr~õcs na controlo <strong>da</strong> nqào é fundsmcnrd para a própria<br />

esisttncin dc pessoas. Dc BS vcm uma nova contribuiçio par* esta resc - de ncor<strong>do</strong> com r qual n<br />

~lunariednde é uma condição <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de -nomcad~menre n distingão enue cicnçr e juizo (cf.<br />

DENNE'I-r 1978q. lioii, !o Chctigc l'oidl, já caincntadn no Capitulo 2. Recoide-se que r intcn-<br />

$50 <strong>do</strong> artigo loiz,io Ch~i~c Yoiril4iiid, no qual crsa discinglo é proposta, é marcar a difercnçn enue<br />

csrn<strong>do</strong>s cagnitivos atribui<strong>do</strong>r no imbiro <strong>da</strong> TSI nus SI cin gcrd (as crengus) c rs opiniões, carncre-<br />

Mticas <strong>da</strong> vi


as éticas <strong>da</strong> maximização racional mas sim reflectir internamente os<br />

constrangimentos práticos <strong>da</strong> situação de deliberação.<br />

Poder-se-ia considerar, de forma aliás tradicional na hlosofia,<br />

que o problema geral que unifica to<strong>da</strong>s as questões <strong>da</strong> razão práti-<br />

ca é o problema <strong>da</strong> vontade livre. No entanto, a estratégia a<strong>do</strong>pta-<br />

<strong>da</strong> por Dennett relativamente à vontade é idêntica à estratégia<br />

a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> face à consciência: a vontade não é rim problema, mas<br />

vários problemas, relativos nomea<strong>da</strong>mente ao controlo, ao Eu, à<br />

decisão, às razões na acção, ao "poder ter feito de outra maneira",<br />

às atribuições de culpa, que se interpenetram com os problemas <strong>da</strong><br />

consciência e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. Na corrente dedica<strong>da</strong> às questões <strong>da</strong><br />

razão prática que atravessa a obra de Dennett o livro EIbow Rooílr -<br />

Tbe Varieties 4 Frec Will Wortl, Watztirrzg @R)'" ocupa uma posição<br />

central e constituirá por essa razão uma referência importante neste<br />

capítulo. Em ER Dennett propõe-se explicitar a possibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

agente livre a partir de uma teoria cognitiva <strong>da</strong> agência (agerry). Na<br />

medi<strong>da</strong> em que a análise cognitiva <strong>da</strong> agência estabelece a possibi-<br />

li<strong>da</strong>de de delibera<strong>do</strong>res deterministas, a questão <strong>da</strong> vontade é afas-<br />

ta<strong>da</strong> <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong> determinismo físico para o âmbito <strong>da</strong> interpre-<br />

tação intencional. Se, como Dennett sugere em ER, aquilo que que-<br />

remos quan<strong>do</strong> queremos vontade livre é ter controlo e auto-con-<br />

trolo, não tem que existir qualquer incompatibili<strong>da</strong>de ou contraste<br />

entre o determinismo físico e a liber<strong>da</strong>de. O naturalismo gradualis-<br />

ta é assim uma forma de compatibilismo e em ER Dennett acaba<br />

por caracterizar a vontade livre de delibera<strong>do</strong>res deterministas<br />

como auto-coiitrolo meta-rejlxivo e aualiaçãofort~".<br />

Um último ponto de referência para o percurso que se segue no<br />

presente capítulo é o artigo Thc Mora/ First-Aid Mat~iiaP'; no qual<br />

Dennett critica a falta de pertinência psicológica e cognitiva <strong>da</strong>s éti-<br />

cas <strong>da</strong> maximização racional, propon<strong>do</strong> como alternativa uma ética<br />

centra<strong>da</strong> na ideia de prudência naturaliza<strong>da</strong>.<br />

A convicção que subjaz ao percurso <strong>do</strong> presente capítulo é que<br />

é possível retirar <strong>da</strong>s teorias <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência conclu-<br />

" DENNETT 1983.<br />

""i\ idcin de nvalingão forre C repoirr<strong>da</strong> is idcias dc C. Tayloi nccrcn <strong>da</strong> responsabüidsde pela<br />

idcnridnde própria (cf TAYLOR 197t 281). Um m.,.rli~


Sofia Mig~~eiri<br />

argumentos que envolvem o teorcma de Godel. As questões <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de e responsabili<strong>da</strong>de de humanos são questões de macronível,<br />

dizem respeito a um particular entendimento ou interpretação<br />

de eventos físicos como acções"' e não ao ii~iro-~iivel <strong>do</strong> sistema,<br />

explica<strong>do</strong> pela teoria física. O esclarecimento <strong>do</strong> estatuto de acções<br />

de certos eventos não passa assim nem pela física nem pela lógica<br />

matemática, mas apenas pela teoria (normativa) <strong>da</strong> mente.<br />

Em Mecha~llsi?~ aiid Repolrsabiliv Dennett pretende mostrar que<br />

o determinismo suposto na explicação científica não é nem seriamente<br />

contestável nem incompatível com a responsabili<strong>da</strong>de. Responsabili<strong>da</strong>de<br />

num mun<strong>do</strong> determinista diz respeito ã relação de<br />

descrições intencionais com explicações físicas. Ora, tais descrições<br />

e explicações apenas aparentemente são conflituais. De acor<strong>do</strong><br />

com a TSI descrições intencionais pressupõem uma atribuição holista<br />

de racionali<strong>da</strong>de. Não existem sistemas perfeitamente racionais<br />

e muitos sistemas não humanos podem ser considera<strong>do</strong>s como<br />

racionais (até mesmo termostatos ...) no senti<strong>do</strong> em que podem ser<br />

previstos através de atribuições de crenças e desejos. Isto poderia<br />

conduzir a concluir que "razões", sen<strong>do</strong> interpretativas e atributivas,<br />

são meramente epifenomenais e em Úlha análise elimináveis,<br />

não fazen<strong>do</strong> qualquer diferença naquilo que acontece (a alternativa<br />

ao epifenomenalismo parece ser a consideração de to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des<br />

intencionalmente descritíveis como responsáveis, o que parece<br />

ain<strong>da</strong> mais absur<strong>do</strong>).<br />

É ver<strong>da</strong>de que Dennett nunca abdica <strong>da</strong> ideia segun<strong>do</strong> a qual a<br />

EI é ~rnlapré-cotzrlição <strong>do</strong> estatuto iiloral de mti<strong>da</strong>des 710 im~i<strong>do</strong>. No entanto,<br />

em lugar de essa dependência mostrar a arbitrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> "estratégia<br />

moral," ela mostra a necessi<strong>da</strong>de de transpor para a teoria <strong>da</strong><br />

acção ideias acerca <strong>da</strong> relação entre descrições intencionais e explicações<br />

fisicas de sistemas. Como se sabe, de acor<strong>do</strong> com a TSI, a E1<br />

e a EF não são alternativas mutuamente exclusivas. Isto impossibilita<br />

desde logo uma concepção absoluta de acção, mas não a existência<br />

de acçoes. O possível detertninismo <strong>da</strong> explicação física apenas<br />

se traduz na irrelevância <strong>da</strong>s descrições intencionais se se pressupuser<br />

o incompatibilismo, i.e. a ideia segun<strong>do</strong> a qual liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

vontade e deterministno são incompatíveis. Existem, evidentetnen-<br />

"' Hstn é umí posifào semelhanrc por crcmplo h de P. Suawson, quc dcfcndcu que clinmamos<br />

&um PS coisas ~ U cstimos C p~cpaii<strong>do</strong>s para con~idccil~ como te~pon~4~çi~ mas que nào existe ncnhuiiis<br />

caracterka$ào "$0 normntiw <strong>do</strong> que CSSPS coisas liviçs ç iesponsiveis possam scr<br />

'.' DHI\'NHTi 1978m.<br />

Uma Teoria liisirolistc <strong>do</strong> Coiite~i<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coiisciêi~cto<br />

te, pelo menos <strong>do</strong>is @os de i,rcon@atibilisi~zo: alguns incompatibilistas<br />

defendem que a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade livre prova que a falsi<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

determinismo, outros que o determinismo prova que não existe<br />

liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade. Os incompatibilistas <strong>do</strong> primeiro tipo serão<br />

<strong>da</strong>qui em diante referi<strong>do</strong>s como liberrários (íibertatiaf~s)). Para a TSI,<br />

sen<strong>do</strong> a explicação física a única edyblicação, a única atitude possível<br />

perante a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade é o coinpatibilisvzo, i.e. a ideia segun<strong>do</strong><br />

a qual a única concepção razoável de vontade livre a mostrará como<br />

compatível com o determinismo. No entanto, no artigo On Giuiag<br />

the Libertaiat~s What Thcy Sgi Thg WUIIP", Dennett defende que é<br />

possível conceder aos libertários (que são incompatibilistas) o que<br />

eles afirmam querer, nomea<strong>da</strong>mente uma indeterminacão anterior à<br />

decisão ou i formação <strong>da</strong> intenção na ausência <strong>da</strong> qual nunca poderia<br />

existir liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade.<br />

É usualmente objecta<strong>do</strong> aos libertátios que se se considera que<br />

as acções livres dependem assim <strong>da</strong> aleatorie<strong>da</strong>de, como ninguém<br />

pode ser responsável por algo que acontece aleatoriamente, ninguém<br />

é livre. Os libertários auto-refutar-se-iam ao quererem proteger<br />

a to<strong>do</strong> o custo a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade. É certo que na sua tentativa<br />

de conceber a vontade livre os libertários se inclinam para<br />

fora <strong>da</strong> natureza: de acor<strong>do</strong> com a <strong>do</strong>utrina <strong>da</strong> causação <strong>do</strong> agente<br />

(agent-cuz~satio~z), nomea<strong>da</strong>mente, agir seria provocar determina<strong>do</strong>s<br />

eventos sem que o agente fosse causa<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> a causar esses<br />

eventos. Da<strong>da</strong> esta irrupção <strong>do</strong> agente, a sua insubrnissão à causa-<br />

li<strong>da</strong>de, seria possível um agente "movi<strong>do</strong>" exclusivamente por<br />

razões. Ora, Dennett considera a ideia de um agente puramente<br />

movi<strong>do</strong> a razões a vários títulos indefensável: «A perfeita vontade<br />

kantiana, que seria capaz de responder com perfeita fideli<strong>da</strong>de a<br />

to<strong>da</strong>s as boas razões, é uma impossibili<strong>da</strong>de física; nem o determi-<br />

nismo nem o indeterminisino poderiam acomodá-la»"'. A indeter-<br />

minação deseja<strong>da</strong> pelos libertários não tein que supor na<strong>da</strong> disso: a<br />

indeterminação deseja<strong>da</strong> pelos libertários não é nem o indetermi-<br />

nismo microfísico nein sintoma de uma vontade livre numénica. A<br />

indeterminação que importa para a acção é apenas a aleatorie<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> inexistência de padrões, perfeitamente possível num mun<strong>do</strong><br />

determinista. Antes de mais, aquilo que interessa quan<strong>do</strong> se trata de<br />

vontade livre não são movimentos de partículas e nem sequer<br />

movimentos esqueléticos de humanos, mas sim acções. Ora, acon-<br />

'.' DHNNIIT 1978p.<br />

"' DBNNIITT 1983: 49.


tecimentos só podem ser considera<strong>do</strong>s como acções através de<br />

descrições inerttalistas, logo normativas. O comportamento humano<br />

poderá por isso ser, de forma independente, determina<strong>do</strong> ou inde-<br />

termina<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto de vista físico e previsível ou imprevisível in-<br />

tencionalmente, Uma acção pode intencionalmente previsível mes-<br />

mo que consista numa descricão de eventos resultantes de indeter-<br />

minismo físico, e um agente pode ser intencionalmente imprevisí-<br />

vel mesmo que o determinismo físico seja ver<strong>da</strong>deiro. Em On<br />

Giving Lbeitariarzs What Thq Sq thy Wartt Dennett imagina uma<br />

experiência ilustrativa exemplo destas tese. Trata-se <strong>do</strong> comporta-<br />

mento de uma caixa de respostas"', um dispositivo electrónico ima-<br />

ginário que regista respostas de pessoas a questões simples. O dis-<br />

positivo tem <strong>do</strong>is botões (sim e não) e <strong>do</strong>is pe<strong>da</strong>is (sim e não) e um<br />

écran dividi<strong>do</strong> ao meio, onde aparece de um la<strong>do</strong> a instrução "use<br />

os botões" e <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> a instrução "use os pe<strong>da</strong>is". Apenas<br />

metade <strong>do</strong> écran é ilumina<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> vez na situação experimental<br />

e o sujeito é exposto a questões simples, às quais responder "sim"<br />

ou "não", seguin<strong>do</strong> as instruccões <strong>do</strong> écran. A "escolha" <strong>da</strong> meta-<br />

de <strong>do</strong> écran que está em causa de ca<strong>da</strong> vez resulta, de ca<strong>da</strong> vez, de<br />

um processo aleatório no interior <strong>do</strong> dispositivo. É prometi<strong>do</strong> ao<br />

sujeito um bónus pelas respostas correctas.<br />

FIG 7. A caia de respostas<br />

Ecriin<br />

"Use os "Use os<br />

botões" pe<strong>da</strong>is"<br />

Botões:<br />

Pedd Pe<strong>da</strong>l<br />

srnr NÃO<br />

O problema consiste em saber ein que situação estariam um físi-<br />

co e um "teórico intencional" no que respeita à previsão <strong>do</strong> com-<br />

U~tin Tcoria Fisica/ist(i <strong>do</strong> Corifeií<strong>do</strong> c <strong>da</strong> Cori~tiê~~rio<br />

portamento <strong>do</strong> sujeito (supon<strong>do</strong> que este é um sistema fisicamen-<br />

te determinista afecta<strong>do</strong> pela aleatori<strong>da</strong>de de um processo). A ideia<br />

de Dennett é que o teórico intencional prevê melhor, não porque a<br />

sua teoria seja melhor mas porque aquilo que interessa não são<br />

movimentos físicos e sim acções. Dennett defende que processos<br />

semelhantes aos <strong>da</strong> caixa de respostas (processos indetermina<strong>do</strong>s<br />

ou mesmo indeterministas que são intencionalmente previsíveis)<br />

subjazem às decisões humanas. Uma acção é implentável de diver-<br />

sas maneiras e factores aleatórios determinam a maneira particular<br />

de realizar uma acção intenciona<strong>da</strong>. Nomea<strong>da</strong>mente, existem "pon-<br />

tos de escolha" possivelmente ubíquos a nível inconsciente que não<br />

aparecem fenomenologicamente. Por exemplo, quan<strong>do</strong> se trata de<br />

escolher uma de entre as mil macãs que estão na minha frente<br />

quan<strong>do</strong> eu penso "quero uma maçã", não fico dias a ponderar e a<br />

calcular qual será a melhor maçã particular que satisfaz o meu que-<br />

rer-uma-maçã. Ora, o facto de a impleinentação de qualquer acção<br />

supor vários destes pontos de escolha indetermina<strong>do</strong>s não torna o<br />

agente intencionalmente imprevisível.<br />

A proposta de Dennett é que é precisamente a exploração inte-<br />

ligente <strong>da</strong> aleatorie<strong>da</strong>de num mun<strong>do</strong> determinista a responsável<br />

pelo espaço de manobra (eLbolu roont) para a acção que queremos<br />

quan<strong>do</strong> queremos vontade livre. O espaço de manobra não se iden-<br />

tifica assim nem com o indeterminismo físico nem com uma von-<br />

tade livre não física. O modelo <strong>da</strong> deliberação e decisão que Den-<br />

nett propõe é esquematicamente o seguinte:<br />

(1) Prodzdção aleatória. Para que exista comportamento de decisão<br />

deve existir geração de uma varie<strong>da</strong>de de alternativas.<br />

(2) Sclecção iiitehger~te. É a avaliação inteligente <strong>da</strong>s alternativas ge-<br />

ra<strong>da</strong>s que determina que indeterminações microscópicas serão am-<br />

plifica<strong>da</strong>s em determina<strong>do</strong>res tnacroscópicos de comportamento.<br />

(3) Piessão temporal como condição e proce&tcntos bez~risticos<br />

como estratégia. Agentes sob pressão temporal (como os huma-<br />

nos) são incapazes de considerar exaustivamente as alternativas<br />

gera<strong>da</strong>s. É necessária a utilização de procedimentos heurísticos de<br />

decisão.<br />

A exploração de tnodelos de decisão não é um exclusivo de filó-<br />

sofos morais e o modelo de decisão acima esquematiza<strong>do</strong> é,<br />

segun<strong>do</strong> Dennett, um bom modelo por razões totalmente inde-<br />

pendentes <strong>do</strong> tratamento filosófico <strong>da</strong> vontade livre. De resto, o<br />

problema <strong>da</strong> decisão tem uma longa história teórica, que passa


nomea<strong>da</strong>mente pelo cálculo de probabili<strong>da</strong>des, pela teoria <strong>do</strong>s<br />

jogos e pela lógica temporal. Trata-se de um problema geral de<br />

ciência cognitiva, mais trata<strong>do</strong> até hoje por economistas e estatísticos<br />

<strong>do</strong> que por psicólogos e filósofos. Evidentemente, para além<br />

<strong>do</strong> problema <strong>do</strong> modelo correcto para o comportamento de decisão<br />

de um agente, põe-se ain<strong>da</strong> o problema (fenomenológico) de<br />

saber o qz/e constitt~i o nosso senti~tze>lto de sermos agentes livres. Esta é nos<br />

termos de Dennett, a questão de saber coino é que um processo<br />

sub-pessoal aparece ao nível pessoal. Está fora de questão que as<br />

toma<strong>da</strong>s de decisão apareçam ao agente sob a forma <strong>do</strong> processo<br />

snb-pessoal no qual de certo mo<strong>do</strong> consistem. Por exemplo, o<br />

agente considera muitas vezes retrospectivamente que existe z47na<br />

rqão para a sua decisão. Ora, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> gera<strong>da</strong> por um processo<br />

como o descrito, essa razão não será a Razão st/b specie aeterrritutis<br />

ou, numa perspectiva de maximização racional, a razão única.<br />

Dennett sugere que o senti<strong>do</strong> de liber<strong>da</strong>de <strong>do</strong> agente a nível pessoal<br />

(a ceitai~z loooei~ess, mais o sentimento de a ter determina<strong>do</strong>)<br />

depende menos <strong>da</strong> decisão toma<strong>da</strong> ela própria <strong>do</strong> que de decisões<br />

subsidiárias coino a decisão de terminar a deliberaqão, ignorar<br />

outras considerações e passar ao acto.<br />

4.3 A lihei<strong>da</strong>de 111/112 im1r2<strong>do</strong> deterinirzista: aleatose<strong>da</strong>de, controlo,<br />

espaço de í11a71obra (elbow roond e desctição ~~terzcior~al.<br />

Mesmo que venha a ser possível considerar certos eventos como<br />

acções por meio <strong>da</strong> descrição intencional e escolhas livres devi<strong>do</strong> à<br />

aleatori<strong>da</strong>de, a constatação que se impõe antes de mais a partir <strong>do</strong><br />

ponto de vista naturalista é que os comportamentos humanos, na<br />

medi<strong>da</strong> em que são eventos físicos e comportamentos de enti<strong>da</strong>des<br />

biológicas determina<strong>da</strong>s, são de certo mo<strong>do</strong> limita<strong>do</strong>s, fxos e ngi<strong>do</strong>s<br />

e portanto o exacto oposto de livres. Para nomear esta úitima<br />

condição Dennett fala <strong>da</strong> sphexishne~?'~ <strong>do</strong> comportamento, em referência<br />

à fMdez revela<strong>da</strong> no comportamento animal, mesmo no<br />

comportamento animal aparentemente inteligente. O exemplo<br />

dessa fixidez an ER é um comportamento de uma vespa. A revelação<br />

<strong>da</strong> limitação <strong>da</strong> inteligência <strong>da</strong> vespa escava<strong>do</strong>ra Sphoc ichnerl-<br />

~ilor~ez~s dá-se quan<strong>do</strong> se interfere com os passos rotineiros <strong>do</strong> seu<br />

"O turno foi proposio por Douglns Hofstudtcr, cf DDNNIiIT 1!l83: 11<br />

UI?~ Teoria Fisicaliiia <strong>do</strong> Contecí<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coiisrit/~Lia<br />

c~mportamento"~. A vespa, quan<strong>do</strong> está na altura de pôr os ovos,<br />

escava um buraco e procura um grilo que pica de mo<strong>do</strong> a paralisá-<br />

-10 sem o matar. A seguir coloca-o no buraco, com os ovos à volta,<br />

de mo<strong>do</strong> a que as larvas venham a poder ahentar-se <strong>do</strong> giilo paralisa<strong>do</strong>.<br />

O comportamento parece elabora<strong>do</strong> e inteligente. No entanto,<br />

se os experimenta<strong>do</strong>res retiram o grilo <strong>da</strong> bor<strong>da</strong> <strong>do</strong> buraco, interferin<strong>do</strong><br />

na rotina <strong>da</strong> vespa, que consiste em descer primeiro, deixan<strong>do</strong>-o<br />

aii e voltar para o vir buscar após ter verifica<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

interior <strong>do</strong> buraco, to<strong>do</strong> o comportamento de verificação <strong>da</strong> vespa<br />

é reinicia<strong>do</strong>. O grilo é trazi<strong>do</strong> de novo para a bor<strong>da</strong> <strong>do</strong> buraco, e isto<br />

acontece tantas vezes quantas for necessário, sem que a vespa alguma<br />

vez "pense" e resolva trazer o animal imediatamente para o interior<br />

já verifica<strong>do</strong> <strong>do</strong> buraco. Esta Etuidez, esta repetição <strong>da</strong>s rotinas<br />

defini<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> comportamento, existe em qualquer organismo, em<br />

maior ou menor grau - para não falar em máquinas e programas,<br />

sen<strong>do</strong> exactamente esta uma objecção constantemente levanta<strong>da</strong> em<br />

rela~ão à simulação de inteligência em máquinas. A fixidez e a repetição<br />

tornam-se, de resto, ain<strong>da</strong> mais óbvias nas mentes humanas<br />

em situações patológicas, por exemplo de mania e obsessão.<br />

4.3.1 A @de% o espaço de naarzobra e o contlalo. Comiições <strong>da</strong> acçüo: deterininzsnzo~sico,<br />

deternzit~ação <strong>do</strong> desigz, iin~itaçães cogi~itivas. A i?npossibili<strong>da</strong>de<br />

Jsica <strong>da</strong> vontade pz~ru e a sua sr,bsjitz~içâopelap~dêtz~a.<br />

O filósofo moral tem, assim, que li<strong>da</strong>r com o facto de haver uma<br />

grande rigidez naquilo que somos pelo facto de sermos seres físicos<br />

e organismos, o que se traduz numa dehtação a pnori <strong>da</strong>s pos-<br />

sibiii<strong>da</strong>des de movimento e comportamento. Um sistema físico de-<br />

termina<strong>do</strong>, por exemplo um animal terrestre A de pequenas dimen-<br />

sões, não pode fazer não importa o quê (não pode voar, vencer a<br />

gravi<strong>da</strong>de, respirar debaixo de água, suportar pesos de 10 tonela<strong>da</strong>s,<br />

sobreviver sem se alimentar). I? a p enas no seio de uma determina-<br />

ção inicial, função <strong>da</strong>quilo que o sistema é enquanto sistema físico e<br />

sistema desenha<strong>do</strong>, que ele pode ter mais ou menos espaço de<br />

manobra (elboiu roonz). A noção de espaqo de manobra diz respeito à<br />

existência de mais ou menos alternativas possíveis de acção. Se um<br />

humano tem muito mais elbotv ioom para o seu coinportainento <strong>do</strong>


4.4 Das teoria <strong>do</strong> controlo ao auto-controlo ?neta-refle3nvo e à ava-<br />

LaçãoJOrte.<br />

Uma vez reporta<strong>da</strong>s as ideias de acção e responsabili<strong>da</strong>de ao<br />

apercebimento <strong>da</strong>s razões e ao envolvimento destas no controlo <strong>do</strong><br />

comportamento, importa saber em que consiste o controlo e qual<br />

é a sua relação com a causacão e o deterrninismo de forma a vis a<br />

compreender como é que sistemas cognitivos podem vir a ser<br />

caracteriza<strong>do</strong>s como "livres". Dennett pergunta o que pensaríamos<br />

se assistíssemos ao desenvolvimento de um sistema capaz de alte-<br />

rar e coman<strong>da</strong>r o seu comportamento em virtude <strong>da</strong> representação<br />

de razões para si próprio. Chamar-lhe-íamos um agente racional ou<br />

considerá-lo-íamos uma enti<strong>da</strong>de meramente capaz de pensamento<br />

inconsciente, de "pensamento comportamental"? E fácil prever o<br />

senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> resposta.<br />

4.4.1 Deliberação, decisão, oportz~~~i<strong>da</strong>de. Preuisibzli<strong>da</strong>de e inqreuisibili<strong>da</strong>de.<br />

A deliberação e a decisão: va?ztagetls <strong>da</strong> iflsensibilz<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> arbitra~ie<strong>da</strong>de.<br />

Deliberação e possibili<strong>da</strong>de epistémica.<br />

A ideia básica de controlo com que se inicia a teoria <strong>do</strong> agente<br />

racional é a seguinte:<br />

Dehi~ão: A controla B sse a relação entre A e B é tal que A<br />

pode conduzir (diivt) B a qualquer esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> leque de esta<strong>do</strong>s de<br />

B que A deseje. O controlo de A sobre B testa-se verifican<strong>do</strong> se<br />

A consegue ou não conduzir B ao esta<strong>do</strong> que A deseja para B<br />

De acor<strong>do</strong> com a definição, para algo ser controla<strong>do</strong> precisa de<br />

ter uma varie<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s possíveis e para algo controlar precisa<br />

de ter deseios acerca <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s de qualquer outra coisa. Af~mar<br />

que A controla B não é idêntico a af~mar que A pode fazer com<br />

que B faça o que quer que seja: só é possível controlar os esta<strong>do</strong>s<br />

de uma enti<strong>da</strong>de que pertencem ao leque <strong>do</strong>s "graus de liber<strong>da</strong>de"<br />

desta. Constituem pré-requisitos de um agente racional a existência<br />

de graus de liber<strong>da</strong>de e o controlo.<br />

Um outro problema consiste em saber como é que pode vis a<br />

haver conhecimento <strong>do</strong> controlo. No caso <strong>do</strong> agente individual, só<br />

por experiência e variação ele descobrirá se controla e o que é que<br />

controla. Mesmo assim, é conveniente levar em conta o facto de<br />

que, quan<strong>do</strong> se controla alguma coisa (quan<strong>do</strong> por exemplo um piloto<br />

controla um avião) não se controla to<strong>da</strong>s as causas que influenciam<br />

esta (o piloto não controla por exemplo a gravi<strong>da</strong>de ou os<br />

ventos): o controlo é consegui<strong>do</strong> através <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de previsão<br />

@reknowle&e) e atsavés <strong>do</strong> contacto com a coisa controla<strong>da</strong>. Além<br />

disso, a coisa só é controla<strong>da</strong> se existejêedback que informa o controla<strong>do</strong>r<br />

<strong>da</strong> eficácia <strong>do</strong>s seus empreendimentos. O que interessa<br />

retisar <strong>da</strong>qui é que o ?ontro/a<strong>do</strong>r"pode tomar ?neta-deksões de mo<strong>do</strong> a<br />

azcnlentar o co?ztrolo (por exemplo, o piloto não conduz o avião em<br />

direcção i tempestade, onde o seu espaco de controlo seria muito<br />

menor). Este tipo de decisões são estratégias de maximização <strong>do</strong><br />

elbo~v roam.<br />

A dehiçâo de controlo acima apresenta<strong>da</strong> apresenta este como<br />

uma relação entre enti<strong>da</strong>des individuais. No entanto, o controlo remonta<br />

a um ponto anterior à existência de agentes. Psicólogos behavioristas,<br />

nomea<strong>da</strong>mente B. E Skinner, falam de controlo <strong>do</strong> comportamento<br />

de um organismo pelo ambiente. Ora, o ambiente não<br />

é um agente nem tem desejos e na defuiição apresenta<strong>da</strong> acima a<br />

posse de desejos era criterial. Quan<strong>do</strong> um behaviorista fala de comportamentos<br />

"sob o controlo de estímulos" rcfcre-se a controlo<br />

"sem agente", nomea<strong>da</strong>mente ao facto de mu<strong>da</strong>nças em A (as características<br />

<strong>do</strong> ambiente que funcionam como "esiímulos") serem<br />

fiavelmente reflecti<strong>da</strong>s por mu<strong>da</strong>nças em B (organismos, comportamentos).<br />

Para Dennett, a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> noção behaviorista de controlo<br />

<strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> organismo pelo ambiente é chamar a<br />

atenção para a transição conceptual (e real) entre causação Bsica e<br />

o caso exemplar de controlo que é o controlo por um agente. O<br />

ambiente, não sen<strong>do</strong> um agente, não controla os organismos de<br />

acor<strong>do</strong> com a definição inicial de controlo. No entanto, a selecção<br />

natural é responsável pelo des& <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des, fazen<strong>do</strong> com que os<br />

seus comportamentos sejam apropria<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, controla-<br />

-as. Infeiizmente, a utilização behaviorista <strong>da</strong> noção de controlo<br />

propicia uma hsão <strong>do</strong> controlo com a causação, produzin<strong>do</strong> uma<br />

ideia ameaça<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> controlo. Esta fusão estende-se nomea<strong>da</strong>mente<br />

ao entendimento de variáveis dependentes (que o experimenta<strong>do</strong>r<br />

controla) e vasiáveis independentes (que o experimenta<strong>do</strong>r ~rão controla)<br />

em situações experimentais. Isolar variáveis dependentes permite<br />

que experiências semelhantes sejam interpreta<strong>da</strong>s como revelan<strong>do</strong> a<br />

causa <strong>do</strong> comportamento (a variável independente), aparentemente


eliminan<strong>do</strong> qualquer espaço de manobra <strong>do</strong> agente. Este entendi-<br />

mento <strong>da</strong>s causas de um comportamento, pon<strong>do</strong> em relevo o con-<br />

trolo exerci<strong>do</strong> por uma variável independente no ambiente sobre a<br />

variável dependente, oculta o facto de o processo não controla<strong>do</strong> na<br />

situação experimental ser tão causa<strong>do</strong> como os processos contro-<br />

la<strong>do</strong>s, diferin<strong>do</strong> destes apenas por ser ii~$revisiue1. E Fun<strong>da</strong>men-<br />

talmente por isso que o processo é incontrolável, por oposição ao<br />

controlo que o experimenta<strong>do</strong>r exerce sobre variáveis dependentes.<br />

As condições <strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong>de ou imprevisibili<strong>da</strong>de de proces-<br />

sos causais por um agente podem envolver outros agentes. Assim,<br />

estratégias de alto nível de maximiiaçâo <strong>do</strong> controlo envolvem não<br />

apenas auto-conhecimento mas também conhecimento de outros<br />

agentes no ambiente. A importância <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong>s jogos para a con-<br />

cepção <strong>da</strong> decisão racional reside em ter mostra<strong>do</strong> a diferenca que<br />

a presença de outros agentes faz: a partir <strong>do</strong> momento em que no<br />

ambiente existem outros agentes aquilo que é previsível ou impre-<br />

visível mu<strong>da</strong>. Nestas circunstâncias, o princípio geral é que quanto<br />

mais informação se possuir, mais "livre" se é. Embora seja indese-<br />

jável para um agente ser controla<strong>do</strong> por outros agentes (no !imite,<br />

ser controla<strong>do</strong> pelo Neurologista Maligno, que induz em nós cren-<br />

ças desejos e pensamentos ... i.e, to<strong>da</strong> a nossa vi<strong>da</strong> mental) não é<br />

possível não ser controla<strong>do</strong> por na<strong>da</strong>. Nomea<strong>da</strong>mente, a "liber<strong>da</strong>-<br />

de radical" não poderia consistis numa ignorância total <strong>da</strong> infor-<br />

mação relevante para a decisão e que portanto "controla" a acção.<br />

Pode no entanto existir outro rationale para a ideia de liber<strong>da</strong>de radi-<br />

cal. Numa situação de coexistência de agentes racionais, o espaço<br />

de manobra é consegui<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Dennett, através <strong>do</strong>s risos <strong>da</strong> des-<br />

ordeni. E através <strong>do</strong> uso <strong>da</strong> desordem que agentes racionais iludem<br />

possíveis controla<strong>do</strong>res (outros agentes que compreenderiam aqui-<br />

lo que o agente é, o que sabe, o que é capaz de fazer). Um agente<br />

que não quer que a sua mente seja legível não pode permiàr-se<br />

revelar nas suas activi<strong>da</strong>des quaisquer padrões. De novo, esta alea-<br />

tori<strong>da</strong>de não é o indeterminismo físico mas aleatori<strong>da</strong>de no senti-<br />

<strong>do</strong> <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> informação, segun<strong>do</strong> o qual uma série aleatória é<br />

inforinacionaimente incomprimível. A ausência ou imperscrutabi-<br />

li<strong>da</strong>de de padrão tem um papel importante nas técnicas de contro-<br />

lo e auto-controlo e as estratégias de maximização <strong>do</strong> espaço de<br />

manobra através <strong>da</strong> exploração de processos aleatórios dependem<br />

em grande parte <strong>do</strong> auto-conhecimento <strong>do</strong> sistema que a pratica.<br />

Por exemplo sistemas que precisam de decidir para agir e que são<br />

recolhe<strong>do</strong>res imperfeitos de informação, têm necessi<strong>da</strong>de de incorporar<br />

despoleta<strong>do</strong>res arbitcános de decisões (como a técnica <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong> ao ar). A imperscrutabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s padrões estará assim em<br />

parte liga<strong>da</strong> a decisões arbitrárias que é racional substituir à pondera~ão<br />

completa quan<strong>do</strong> existe interesse numa decisão rápi<strong>da</strong>.<br />

Dennett recor<strong>da</strong> em Elbow Rooin as análise que Julian Jaynes faz <strong>do</strong><br />

valor cognitivo <strong>da</strong>s técnicas exo-psíquicas de decisão, tais como o<br />

lançamento de uma moe<strong>da</strong> ao ar ou a leitura de entranhas de pássaro~"~:<br />

a importância dessas técnicas é mostrar que alguma coisa,<br />

não importa o quê, é necessária para interromper a geração de considerações<br />

e despoletar a decisões.<br />

Este tipo de considerações acerca <strong>do</strong>s mecanismos cognitivos<br />

sub-pessoais de deliberação e decisão está nos antípo<strong>da</strong>s de noções<br />

como a Vontade Livre kantiana, a Escolha Absoluta sartriana (concebi<strong>da</strong><br />

como criacão de si ex tlihilo em ca<strong>da</strong> momento de decisão)<br />

ou o Delibera<strong>do</strong>r Perfeito de um utilitarismo ideal. Na imagem racionalista<br />

clássica apenas uma decisão perfeitamente racional, toma<strong>da</strong><br />

na plena posse pelo agente de tu<strong>do</strong> aquilo que é pensável, e<br />

revelan<strong>do</strong> um único curso para a acção, é considera<strong>da</strong> livre. Daí a<br />

coincidência entre liber<strong>da</strong>de, necessi<strong>da</strong>de e racionali<strong>da</strong>de. Ora, uma<br />

tal imagem é completamente abala<strong>da</strong> por considerações empiricamente<br />

inspira<strong>da</strong>s acerca de informação e controlo. No contexto<br />

humano, ser racional é ser capaz de tomar decisões em tempo real<br />

(e não ponderar inteligentemente ad inft~iti~nz)), e para isso é essencial<br />

insensibili<strong>da</strong>de à informação e um certo grau de arbitrarie<strong>da</strong>de.<br />

De um ponto de vista naturalista, a cláusula "uma vez considera<strong>do</strong>s<br />

to<strong>do</strong>s os factores" (alltbings considered) na descrição de processos de<br />

decisão corresponde a uma descrição irrealista. Se não fosse<br />

implausível, nunca deliberacões complexas (como por exemplo<br />

deliberacões morais) <strong>da</strong>riam lugar a actos. A consideração de tu<strong>do</strong><br />

o que pode ser relevante ou pertence ao quadro <strong>da</strong> situação acerca<br />

<strong>da</strong> qual se decide não acontece normalmente, pelo menos na deliberacão<br />

sã comum, embora situações patológicas possam representar<br />

aproximaçõesm5. Enti<strong>da</strong>des racionais naturais têm que estar<br />

desenha<strong>da</strong>s de mo<strong>do</strong> a ignorar mais informação a partir de certo<br />

ponto e a passar ao acto. 4 insensibili<strong>da</strong>de informacional pode<br />

cf DENNETI ia% 69 C JIWNES 1976: 245.<br />

'" Cf. DAI\LÁSIO 1994 pan uma dexc~i~rio <strong>do</strong> cornportrmento dç decisrio de pacienres com<br />

icsãcs nos lobos frontais, precisnmentc pacientes nos quais o papel <strong>da</strong> emo$fio n:i rncionniidnde sc<br />

enconun perturba<strong>do</strong>, e que se dedicam n análiscs hipcrncionalisras <strong>da</strong>s nzãcs paia nc~ao


parecer rigidez, sphexishrtess. No entanto, sem ela a acião humana<br />

não poderia existir. O ingrediente de arbitrarie<strong>da</strong>de revela ain<strong>da</strong><br />

uma outra diferença relativamente ao modelo clássico <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

na acção, que prevê uma exclusão entre a racionali<strong>da</strong>de e criativi<strong>da</strong>de:<br />

quan<strong>do</strong> se trata <strong>da</strong> motivação para a acção de seres com<br />

capaci<strong>da</strong>de informacional reduzi<strong>da</strong>, a oposição entre espo~rtaf~ei<strong>da</strong>de e<br />

deliberação racional é totalmente ihória. De acor<strong>do</strong> com o modelo clás-<br />

sico <strong>da</strong> maximização racional, a racionali<strong>da</strong>de indicaria um único<br />

caminho de acção, toma<strong>do</strong> por qualquer agente plenamente inteli-<br />

gente. A racionali<strong>da</strong>de de uma inteligência finita envolve pelo con-<br />

trário procedimentos heunsticos, e a terminação em certo momen-<br />

to, por arbitrário que seja esse momento, <strong>da</strong> análise <strong>do</strong> problema.<br />

Isto significa que mesmo o mais racional <strong>do</strong>s humanos, sen<strong>do</strong><br />

objectivamente limita<strong>do</strong> enquanto processa<strong>do</strong>r <strong>da</strong> informação, não<br />

pode deixar de considerar por vezes o meta-imperativo racional<br />

que ordena "deixar-se ir espontaneamente", i.e. apostar.<br />

4.4.2 Raxões e self. O ezl e as sz~asjcçZes. Real, virtt/aL It~deternlinação.<br />

Auto-exortação,<br />


Soja iM&i/erir<br />

de uma imagem de si próprio num espelho, a referência a si próprio<br />

usan<strong>do</strong> o pronome em primeira pessoa ("Eu") e o reconhecimento<br />

reflexivo de que eu sou o sujeito deste esta<strong>do</strong> mental. A ideia nuclear<br />

de uma teoria funcionalista <strong>do</strong> eu é a ideia segun<strong>do</strong> a qual o comportamento<br />

colectivo de um sistema de indi~6duos ou partes pode<br />

ter proprie<strong>da</strong>des globais surpreendentes, nomea<strong>da</strong>mente a proprie<strong>da</strong>de<br />

de ser um indivíduo de nível mais eleva<strong>do</strong> (como a Aunt Hilary<br />

de D. Hoftsadter, composta pelas formigas <strong>da</strong> colónia, em<br />

Preh~de. ..Af~t Fzgz~L"~', OU como países ou parti<strong>do</strong>s políticos, organizações<br />

facilmente e vulgarmente personifica<strong>da</strong>s). Como qualquer se&<br />

também o Eu humano é, de acor<strong>do</strong> com D. Dennett, uma "proprie<strong>da</strong>de"<br />

<strong>do</strong> comportamento colectivo <strong>da</strong>s partes de um sistema, as<br />

quais têm finali<strong>da</strong>des próprias. Mas como é isso possível?<br />

Quan<strong>do</strong> se considera situações de auto-referência é frequente<br />

encontrar para<strong>do</strong>xos. É também esse o caso com o eu. Como nota<br />

Hofstadter:


o centro. Ora, <strong>da</strong><strong>do</strong> o modelo de produção por conipetiçU ao entre<br />

agentes sugeri<strong>do</strong> no MEniI, não é demasia<strong>do</strong> estranho que por vezes<br />

surja mais <strong>do</strong> que um Eu. Os vários Eus resultariam de uma anomaiia<br />

no processo de eleições mentais no sistema. Num sistema<br />

cognitivo que é um feixe de agências independentes, que devem comunicar<br />

de mo<strong>do</strong> a gerar a representação de uni<strong>da</strong>de, poderão sempre<br />

existir problemas de comunicação e de unificação. É esta sugestâo<br />

que Dennet e Humphrey fazem relativamente à Desordem de<br />

Personali<strong>da</strong>de Múltipla (ou dirsociatiue identig disorder). Aliás, de acor<strong>do</strong><br />

com a ideia de produção e funcionamento de uma representação<br />

de uni<strong>da</strong>de (o "símbolo-<strong>do</strong>-Eu") num sistema de partes ou de<br />

agentes em competição não é concebível que um agente cognitivo<br />

global, por exemplo um ser humano, seja à parti<strong>da</strong> uma uni<strong>da</strong>de<br />

representa<strong>da</strong> para si. E mesmo que alguma vez venha a sê-10 continuará<br />

a ser de algum mo<strong>do</strong> (ao nível sub-pessoal) uma amálgama<br />

de muitos agentes, ca<strong>da</strong> um com "vontade" própria.<br />

Uma crítica importante e generaliza<strong>da</strong> ao tratamento dennettiano<br />

<strong>da</strong> consciência chama a atenção, como se sabe, para o facto de<br />

nesse tratamento a consciência ser rebati<strong>da</strong> sobre o auto-acesso, os<br />

pensamentos sobre pensamentos e o Eu. No entanto, e é apenas<br />

isso que se pretende aqui propor, o que é em geral contestável na<br />

teoria dennettiana <strong>do</strong> Eu não é a pretensão de que o Eu, enquanto<br />

representação de uni<strong>da</strong>de, não esteja presente desde o início mas<br />

sim a pretensão de que o auto-apercebimento - de forma revela<strong>do</strong>ra,<br />

Dennett e Hofstadter em The ~Milln's I tanto utilizam a palavra<br />

C'<br />

mente" (nzitld), como a palavra "eu" (I) como a palavra "consciência"<br />

(co~rscio//s~~ess) - envolvi<strong>do</strong> no acesso a si e nos pensamentos<br />

sobre pensamentos seja exaustivamente caracterizável de forma<br />

funcional e abstracta. De facto, a ideia de apresentação de uma<br />

representação de uni<strong>da</strong>de de alguma forma exclui aquilo a que A.<br />

Damásio chama a base corpórea <strong>do</strong> sentimento de si, uma possível<br />

incorporacão constitutiva <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> selique escapa a esta teoria<br />

funcionalista <strong>do</strong> Eu.<br />

Das teorias funcionalistas sub-pessoais <strong>do</strong> Eu resulta clara a<br />

existência de um fun<strong>do</strong> irredutivelmente não mental em qualquer<br />

enti<strong>da</strong>de que vem a aperceber-se de si própria ao nível pessoal e<br />

Uma Tcoiio Fi~irali~ta rio Co~te~i<strong>do</strong> e ria Coii~riêi~cia<br />

moral. Qualquer pessoa tem que ser primeú-o um Eu e essa é uma<br />

questão de organização sub-pessoal. As ideias de acção e de pessoali<strong>da</strong>de<br />

devem ser extraí<strong>da</strong>s gradualmente desse fun<strong>do</strong> por uma<br />

sequência de aproximações normativas e é exactamente essa a<br />

intencão de Dennett no artigo Conditiotis Per~or?hoodj'~.<br />

Se é possível abor<strong>da</strong>r as questões <strong>do</strong> controlo e <strong>da</strong> representação<br />

de uni<strong>da</strong>de de um ponto de vista de terceira pessoa, o caso é<br />

diferente com a questão <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de, devi<strong>do</strong> aos aspectos normativos<br />

envolvi<strong>do</strong>s. De acor<strong>do</strong> com qualquer teoria normativa há<br />

<strong>do</strong>is aspectos a considerar numa enti<strong>da</strong>de "postula<strong>da</strong>" pela teoria:<br />

por um la<strong>do</strong>, deve existir cumprimento de critérios para a enti<strong>da</strong>de<br />

ser o tipo de enti<strong>da</strong>de que é, por outro la<strong>do</strong>, não existirá adequação<br />

integral <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de aos critérios. Assim, Dennett propõe-se saber<br />

se existem condições necessárias e suficientes para a consideração<br />

de enti<strong>da</strong>des físicas como pessoas, recusan<strong>do</strong> portanto, por exemplo,<br />

afirmar à parti<strong>da</strong> que o auto-agenciamento liga<strong>do</strong> à morali<strong>da</strong>de<br />

é possível devi<strong>do</strong> à auto-consciência. Isso seria conceder à parti<strong>da</strong><br />

a auto-consciência, sem qualquer explicação, quan<strong>do</strong> o problema<br />

que se coloca consiste precisamente em saber exactamente coízo<br />

é qzie az~to-ageliclaífietrto e at~to-consciêlicia se relacionam entre si. Já J. Locke<br />

notara que eles se sustentam mutuamente, sustentan<strong>do</strong> ambos a<br />

definição de pessoa. De acor<strong>do</strong> com J. Locke «temos que ter em<br />

conta o que é que pessoa representa - e que eu penso tratar-se de<br />

um ser inteligente, pensante, que possui raciocínio e que se pode<br />

pensar a si próprio como o mesmo ser pensante em diferentes<br />

tempos e espaços; é-he possível fazer isto devi<strong>do</strong> apenas a essa<br />

consciência que é inseparável <strong>do</strong> pensamento e, pelo que me parece,<br />

é essencial para este))"'. Aisto J. Loclre ligou o facto de "pessoa"<br />

ser (não apenas mas também) «um termo forense que adequa as<br />

acções ao seu mérito, e, portanto, pertence apenas aos seres inteligentes,<br />

capazes de uma lei e <strong>da</strong> feiici<strong>da</strong>de e <strong>do</strong> sofrimento»"? Para<br />

J. Locke a definição de pessoa consegui<strong>da</strong> era perfeitamente geral e<br />

não se atinha necessariamente aos humanos, até agora as únicas<br />

pessoas conheci<strong>da</strong>s. Os conceitos de pessoa e ser humano não são,<br />

asse, identificáveis.<br />

E ao procurar esclarecer a relação entre os <strong>do</strong>is componentes <strong>da</strong><br />

definição loclreana de pessoa que Dennett propõe as suas seis con-


dições de pessoali<strong>da</strong>de. To<strong>da</strong>s elas são condições necessárias e no<br />

entanto não constituem, em conjunto, conjões s~~~enteJ"~j. As seis<br />

condições de pessoali<strong>da</strong>de são as seguintes: (1) Racionali<strong>da</strong>de; (2)<br />

Ser objecto de atribuições intencionais; (3) Depender de uma estratégia<br />

a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> (a EI); (4) Capaci<strong>da</strong>de de reciproci<strong>da</strong>de na a<strong>do</strong>pção<br />

<strong>da</strong> EI; (5) Capaci<strong>da</strong>de de comunicação verbal; (6) Auto-consciência.<br />

De acor<strong>do</strong> com Dennett a ordem de apresentação <strong>da</strong>s seis condições<br />

é uma ordem de dependência. O ponto central <strong>do</strong> artigo é a<br />

análise <strong>da</strong> relação (<strong>da</strong> possível dependência) <strong>da</strong> sexta condição com<br />

as outras cinco. A pessoali<strong>da</strong>de seria alcança<strong>da</strong> através de uma edificação<br />

progressiva <strong>da</strong>s condições 4, 5 e 6 sobre as três primeiras<br />

condições. As seis conjões constituem aliás naturalmente <strong>do</strong>is<br />

grupos de três condiçõesw6. As três primeiras são interdependentes,<br />

e aliás derivam directamente <strong>da</strong> defmição de Sistema Intencional.<br />

As três últimas põem em jogo a importância <strong>da</strong> reciproci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

comunicação linguística na auto-consciência e na pessoali<strong>da</strong>de.<br />

Talvez não seja possível considerar que elas são tão independentes<br />

entre si como Dennett propõe em Conditio~zs af Personhood.<br />

Não basta para capturar a natureza <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des que são pessoas,<br />

akmar que as pessoas são a sub-classe <strong>do</strong>s SI constituí<strong>da</strong><br />

pelos seres que não apenas são previsíveis como se tivessem crenças<br />

e desejos mas realmente os têm. Não basta também evocar a reciproci<strong>da</strong>de<br />

na a<strong>do</strong>pção <strong>da</strong> E1 para marcar a pessoali<strong>da</strong>de: os humanos<br />

não são os únicos SI de segun<strong>da</strong> ordem, i.e. não são as únicas<br />

enti<strong>da</strong>des que para além de serem justificavelmente descritas como<br />

intencionais, são justificavelmente descritas como atribuin<strong>do</strong> intencionali<strong>da</strong>de<br />

a outras enti<strong>da</strong>des, "ten<strong>do</strong>" portanto não apenas crenças<br />

mas crencas acerca de crenças. Vários animais são SI de segun<strong>da</strong><br />

ordein, capazes, nomea<strong>da</strong>mente, de comportamento de logro.<br />

Ora, se eles são capazes de comportamento de logro, é possível e<br />

desejável atribuir-lhes r120 aperzas a capaci<strong>da</strong>de de acreditar ojàiso con2o<br />

ta~zbém o desejo de izdz~~ir crenças falsas >no or/tro. Retotnan<strong>do</strong> o exemplo<br />

de C&C, existem pássaros que fingem ter uma asa parti<strong>da</strong> para<br />

enganar pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res, que assim os consideram presa fácil e os perseguem,<br />

afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> ninho onde estão as crias, como era inten-<br />

"' Segnn<strong>do</strong> IIo~~~ne (IIOVANG 1994: 357), isto aconrecc porrjue em Coii


Sofia iM&uetis<br />

um sistema B reconheça que A (@) tenciona que B produza uma<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> resposta. Ora isto mostra que é a condição 5 (a linguagem)<br />

que depende <strong>da</strong> condição 4 (a reciproci<strong>da</strong>de) e não vice-versa. Em<br />

segun<strong>do</strong> lugar, mostra que a segun<strong>da</strong> ordem (as crenças acerca de<br />

crenças) não é suficiente como modelo <strong>da</strong> reciproci<strong>da</strong>de usual de<br />

tipo humano, nomea<strong>da</strong>mente em humanos que utilizam linguagens<br />

naturais. É preciso mais, é preciso o funcionamento de um reconhecimento<br />

tácito, um "encontro" de subjectivi<strong>da</strong>des, expresso<br />

aqui pela ideia de SI de terceira ordem. É este reconhecimento tácito<br />

que subjaz aos casos de Grice. Este pode ser caracteriza<strong>do</strong> como<br />

uma expectativa mútua de cooperação, mais especificamente como<br />

uma expectativa de ver<strong>da</strong>de, relevância, clareza e não ambigui<strong>da</strong>de<br />

quanto ao que é dito. Grice pretende mostrar que se a comunicação<br />

linguística humana en~rolve a possibili<strong>da</strong>de de manipulação é<br />

porque ela depende <strong>da</strong> confiança. Só a existência de expectativas<br />

determina<strong>da</strong>s permite a subsunção de intenções, a introdução de<br />

um outro discurso nas entrelinhas <strong>da</strong>quilo que é dito6'*. Deve existir<br />

uma norma em acção para este funcionamento ser possível e<br />

essa norma é a sinceri<strong>da</strong>de. Dennett pensa que a análise griceana <strong>da</strong><br />

comunicação evidencia o papel normativo (inexplícito) <strong>da</strong> sincen<strong>da</strong>de.<br />

Dizer o ver<strong>da</strong>deiro é mais normal na comunicação humana<br />

(evidentemente não no senti<strong>do</strong> voluntarista que envolveria a implausível<br />

ideia de que os humanos fazem de propósito para serem<br />

sinceros quan<strong>do</strong> falam). O sucesso <strong>da</strong> manipulação linguisticamente<br />

possível não depende obviamente <strong>do</strong> facto de o entende<strong>do</strong>r se<br />

dedicar conscientemente a estes raciocinios de procura de intenções<br />

encaixa<strong>da</strong>s (nested iirterttior~s). Aliás, o pássaro que finge ter a asa<br />

parti<strong>da</strong> também não intencionava conscientemente o seu logro.<br />

Nem quem fala nem quem compreende precisa de se dedicar conscientemente<br />

à decifração <strong>da</strong>s intenções encaixa<strong>da</strong>s de Grice. O inlportattte<br />

nas análises de GGr é o facto de elas revelarem a incontorttáuelpresença<br />

<strong>da</strong> terceira orclein wa interacfão de SI qt~e com/c~tica?n lirg//isticamente<br />

"# Cf. um exemplo dc Stçven Pinkcr (l>lNIGR 1994: 229): «Deai l>rofessor Pinkc-cr: 1 am vciy<br />

plensed to rccomrncnd Irving SmiIíi to you. kfi. Smith is a modcl snidçnt. Fle drcsscs iveli and is<br />

estremely puncrual. I hnve known hk Smitii for thtee ycars now, and in eveiy wuy 1 Iiavc found h h<br />

to be moir cooperstii.~. I-lis wife is chsrming Sincerely, Jolin Jones, Profcsson>. O dertinritSria <strong>da</strong><br />

cnrtn podena lê-la como uma recomendnç:o «smy iwny from Smith, lic's dumb as a trem (PINKIIR<br />

1994: 229), muito embora n carta contenha apenas asserçóe~ facniais ç m<strong>da</strong> diga nesse senti<strong>do</strong>. I\<br />

pcrtinincis <strong>da</strong>s aniüiises griccsnrs mosua ate quc pontos somos iischeming, sccond-guesímg, social<br />

animnlsn (PINIaR 1994: 2301, cninctcristica esta quc constirui n basc <strong>do</strong> humor, <strong>da</strong> mct6foia, <strong>do</strong>s<br />

eufemismos, dri etiqueta, erc.<br />

Unja Teoria l~isicalista <strong>do</strong> Conferi<strong>do</strong> e ria Cot~sciêí~riri<br />

entre si Mas as intenções griceanas são inconscientes e Dennett está<br />

a defender, basicamente, que, mesmo se elas representam um novo<br />

aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> proto-agência, elas poderiam existir sem autoconsciência.<br />

Isto significa que to<strong>da</strong>s estas condições <strong>da</strong> protovoluntane<strong>da</strong>de<br />

são obti<strong>da</strong>s sem qualquer apelo i consciência.<br />

Dennett propõe inclusivamente que com base apenas nestas cinco<br />

condicões é possível elaborar uma teoria <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> ética (uma<br />

ética para seres inteligentes inconscientes, note-se). A ideia está<br />

aliás implícita por exemplo na teoria rawlsiana <strong>da</strong> justiça, considera<strong>da</strong><br />

como uma parte <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> escolha racional. Como é sabi<strong>do</strong>,<br />

de acor<strong>do</strong> com a teoria <strong>da</strong> justiça de Rawlsm% acor<strong>do</strong> quanto aos<br />

princípios <strong>da</strong> justiça rlão sz@Õe qnalqner bon<strong>da</strong>de o21 moralinadeprévias <strong>da</strong>s<br />

partes contratantes. A solução óptima é apenas a solução racional para<br />

calcula<strong>do</strong>res racionais interessa<strong>do</strong>s no seu próprio bem. Esse dever<br />

não é já moral, embora venha a gerar a morali<strong>da</strong>de, mas apenas<br />

racional. Nenhuma morali<strong>da</strong>de é pressuposta na escolha: trata-se<br />

apenas de um imperativo de racionali<strong>da</strong>de. Obtém-se então que<br />

assim como acreditar o ver<strong>da</strong>deiro é a norma <strong>da</strong> crença700 e dizer o<br />

ver<strong>da</strong>deiro é a norma <strong>da</strong> enunciação7", tratar o outro como pessoa<br />

(i.e. a justiça, ou pelo menos os princípios racionais rawlsianos <strong>da</strong><br />

justiça) é a norma <strong>da</strong> interacção pessoal702. Que esta norma é uma<br />

norma, i.e. algo em relação ao qual os desvios são constantes é<br />

absolutamente claro.<br />

Repare-se agora no dia seguinte. Na<strong>da</strong> na exploração <strong>da</strong>s primeiras<br />

cinco condições explica como podemos por vezes considerar pessoas<br />

individuais como responsáveis pelas suas acções. O que foi a&ma<strong>do</strong><br />

serviria até para fornecer argumentos no senti<strong>do</strong> de defender<br />

que nunca o podemos fazer: até mesmo a justiça parece poder existii<br />

como regulação <strong>da</strong> interpessoali<strong>da</strong>de sem qualquer auto-consciência e<br />

portanto sem qualquer (ir)responsabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s agentes. A pretensão<br />

de Dennett de separar a condição 6 <strong>da</strong>s condições 4 e 5 é sem dúvi<strong>da</strong><br />

muito forte. C. Rovane7", por exemplo, comenta que as três úItimas<br />

condições de pessoali<strong>da</strong>de se põem conjuntamente e que as condições<br />

4 e 5 só podem refeiir-se a relações que são já interpessoais, no<br />

"" M\WS 1971.<br />

'" Cf Capirula 2. A idcia i. defendi<strong>da</strong> "$0 apenns por Dennetr como tamLCm por Dniidson,<br />

Fo<strong>do</strong>1, crc.<br />

O ' GRICE 1957.<br />

'" Rouane nota. ounnto a csrc orincioio hsntiano. aue é de to<strong>da</strong> r convcniêncin um recuo mlnti~<br />

. . . . . '<br />

wmcntc ao kantismo que abra a porta ao desacor<strong>do</strong> Cuco entre ar pcsroas.<br />

"' IIOVANE 1994.


senti<strong>do</strong> em que envolvem a captacão <strong>do</strong>s princípios normativos que<br />

constituem a racionali<strong>da</strong>de reflexiva, liga<strong>da</strong> exclusivamente à condição<br />

6 na proposta de Dennett. De qualquer mo<strong>do</strong>, a racionaii<strong>da</strong>de re'ilexiva<br />

constitui o topo <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de descrita em CUPIdtions<br />

r$ Persot~bood. Isto significa que a auto-consciência (a condição<br />

6) é mais <strong>do</strong> que auto-apercebimento, auto-referência e auto-representação,<br />

mais <strong>do</strong> que ser considera<strong>do</strong> como racional e intencional<br />

por outras enti<strong>da</strong>des que por sua vez se considera como racionais e<br />

intencionais: a alito-cot~sciê~lcia épeh metlos em parte azito-auaLação, a40 de<br />

qzie zím con~zit~lia<strong>do</strong>rg~ceat~opode não ser capa?,<br />

É através <strong>da</strong>s ideias de Harry FranlifurtlO' acerca <strong>da</strong> ligacão entre a<br />

liber<strong>da</strong>de na acção e o conceito de pessoa que a última condiçáo de<br />

pessoali<strong>da</strong>de, a auto-consciência, fica esclareci<strong>da</strong> como racionali<strong>da</strong>de<br />

reflexiva e auto-avaliação. H. Frankfurt admite que ser livre aparentemente<br />

consiste em fazer aq<strong>do</strong> que se deseja. Nota, no entanto, que<br />

é possível ser-se livre de se fazer aquilo que se deseja sem gozar de<br />

liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade. Ora, é esta última que é crucial para o conceito<br />

de pessoa. Um vicia<strong>do</strong> deseja o objecto <strong>do</strong> seu vício e no entanto, de<br />

acor<strong>do</strong> com H. Frankfurt, a sua vontade não é livre. A liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

vontade supõe que se seja livre para se querer o que se quer querer e<br />

portanto só pode existir em seres capazes de formar volições de<br />

segun<strong>da</strong> ordem, seres capazes de quererem que um determina<strong>do</strong> desejo<br />

seu seja (ou não seja) a sua vontade (no exemplo <strong>do</strong> vicia<strong>do</strong> não<br />

existiria essa liber<strong>da</strong>de de querer ou não querer). Um comportamento<br />

de tendência para o objecto <strong>do</strong> desejo apenas constihú uma acção<br />

livre se envolver volições de segun<strong>da</strong> ordem. Dennett defende que<br />

apenas cotn o auto-controlo resultante <strong>da</strong> avaliacão reflexiva que entra<br />

assim em jogo existe a auto-consciência que importa para a pessoali<strong>da</strong>de.<br />

De acor<strong>do</strong> com a sugestão de H. Frankfurt, é a incapaci<strong>da</strong>de de<br />

deliberar racionalmente sobre o querer, e não o determinismo, que<br />

pode impedir a liber<strong>da</strong>de de acção. Ora se a liber<strong>da</strong>de de acção é a<br />

capaci<strong>da</strong>de de deliberar racionalmente sobre o querer, ela envolve em<br />

termos <strong>da</strong> E1 mais <strong>do</strong> que esta<strong>do</strong>s mentais de terceira ordem705. Apa-<br />

'" FMN-URT 1971.<br />

'" Dcnnett aban<strong>do</strong>na o terminologin <strong>da</strong>s "ordens <strong>do</strong>s SY quan<strong>do</strong> chega i sests condisáo. C.<br />

Rovane nom dc forma perspicsi qvc enuctanto ele comepia a u&ar <strong>do</strong>ir critérios diferentes pnn<br />

axdiir n soiisticrgGo <strong>da</strong> rncionalidrde <strong>do</strong> ogcnrc: n onIc,,i <strong>do</strong>r SI mas também o rii>vhiiiiii! r,,, oc!i~idd,dri<br />

de nr,~Sn~ão. Ora, estas actividndes náo iequerem ncccssariamente ordens muiro mais elevadns <strong>do</strong><br />

que ss j6 menciona<strong>da</strong>s. O scyn<strong>do</strong> critério de Dennett wão é de mo<strong>do</strong> ;ilgum continuisia e de certo<br />

mo<strong>do</strong> conuadiz n ideia scyn<strong>do</strong> r qual as capaci<strong>da</strong>des racionais e socisis não uma qucríao dc grau,<br />

nGo existin<strong>do</strong> nenlium corte qualitativo. De facto, hB um Único tipo de seres envolvi<strong>do</strong>s ein activi<strong>da</strong>des<br />

de auto-av;iiiagão.<br />

rentemente ela envolveria uma capaci<strong>da</strong>de ilimita<strong>da</strong> e recursiva de<br />

auto-referência, uma capaci<strong>da</strong>de de pensamentos sobre pensamentos<br />

sobre pensamentos sobre pensumçntos, çtc, r de desejos acerca de<br />

desejos acerca de desejos, etc. A estrutura não é no entanto ilimita<strong>da</strong>mente<br />

itera<strong>da</strong>, como se verá.<br />

O controlo resultante de avaliação reflexiva supõe a a<strong>do</strong>pção<br />

em relação a si próprio, por um sistema físico, <strong>do</strong> papel de exigi<strong>do</strong>r<br />

de razões. Se existisse um eu naturahente e essencialmente<br />

uno ou uma pessoa "absoluta" este auto-controlo meta-reflexivo<br />

atxavés de razões pareceria redun<strong>da</strong>nte. Mas, precisamente, nenhum<br />

eu uno pode ser <strong>da</strong><strong>do</strong> como garantia a priori, pois um Eu é<br />

ele próprio uni çfeito <strong>do</strong> funcionamento sub-pessoal <strong>do</strong> sistema.<br />

As "pessoas" pressupõem sistemas constituí<strong>do</strong>s por um tal processo<br />

de centralização virtual. De acor<strong>do</strong> com Dennett, é nestas ircu~~stât~cias<br />

que o auto-controlo meta-rejlexivo deve ser considera<strong>do</strong> COPIO a<br />

aufo-consiêmia gemiina. Esta encontra-se assim indiscernivelmente<br />

liga<strong>da</strong> à agência racional: uma pessoa é uma pessoa porque é um<br />

agente racional, um auto-avalia<strong>do</strong>r e um auto-controla<strong>do</strong>r metareflexivo.<br />

Uma parte importante <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de é o pensamento<br />

acerca de crenças e desejos próprios, liga<strong>do</strong> ao poder de os interromper<br />

e controlar.<br />

Dennett virá a aceitar uma crítica de C. R~vane'~' segun<strong>do</strong> a qual<br />

a agência racional de que se fala em Conditions oj" Personhood deve<br />

incluir um compromisso de produzir juízos caracteriza<strong>do</strong>s pela<br />

cláusula "uma vez considera<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os factores" (all things collsiderea).<br />

É o compromisso de enti<strong>da</strong>des com esse tipo de juízos que<br />

faz delas enti<strong>da</strong>des propriamente racionais. De acor<strong>do</strong> com Rovane,<br />

esses juízos são constitutivos de algo que Dennett persegue e<br />

não chega a explicitar em Conditioi~s cf Peisouhood a relação entre a<br />

racionali<strong>da</strong>de e a uni<strong>da</strong>de de um ponto de Msta racional, que tornará<br />

a racionali<strong>da</strong>de racionali<strong>da</strong>depróprza. A questão será retoma<strong>da</strong><br />

mais à frente. O artigo Coliditiolzs oj" Personbood culmina com a defesa<br />

<strong>da</strong> ideia segun<strong>do</strong> a qual apenas em situação de auto-controlo<br />

meta-reflexivo a "ordem que está lá" e que pode ser de tão varia<strong>da</strong>s<br />

maneiras não consciente, não está lá a não ser que esteja em<br />

episódios de pensamento consciente. Esta é a razão <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de<br />

entre os conceitos moral e metafísico de pessoa, por oposição à<br />

concepção absoluta ou essencialista de pessoa.


não é fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em qualquer razão, através <strong>da</strong> qual pot exemplo J. P.<br />

Sartre caracteriza o projecto que ca<strong>da</strong> pessoa é: ao contrário <strong>do</strong> ava-<br />

lia<strong>do</strong>r forte, o sujeito <strong>da</strong> escolha radical sartriana não escolhe de<br />

acor<strong>do</strong> com razões. C. Taylor crê que é sempre possível avaliar mais<br />

as crenças e os desejos própiios, e as crenças e desejos próprios<br />

acerca de crenças e desejos próprios, etc, embora tal se vá tornan-<br />

<strong>do</strong> progressivamente mais árduo. No entanto, quan<strong>do</strong> o problema<br />

passa a ser avaliar aspróprias estratégias de avahação, a prática sem limi-<br />

tes <strong>da</strong> auto-avaliação parece tão irracional como a rejeição rígi<strong>da</strong> de<br />

qualquer auto-avaliação. É bastante problemático saber se uma<br />

auto-avaliacão sempre crescente melhorará algo a que se poderia<br />

chamar o "carácter" <strong>do</strong> agente. Dir-se-ia que o auto-conhecimento<br />

em excesso não pode ser bom para nenhum sistema. C. Taylor con-<br />

sidera aliás que são precisamente as mais profun<strong>da</strong>s auto-avalia-<br />

ções, aquelas que constituem as pessoas "profun<strong>da</strong>s", as mais sujei-<br />

tas a distorcão e que mais se arriscam a provocar o abalo ou des-<br />

moronamento <strong>do</strong> auto- avalia<strong>do</strong>^"^. É quan<strong>do</strong> se está mais próximo<br />

<strong>da</strong>quilo que se é que mais facilmente ocorre a dissolução <strong>da</strong> identi-<br />

<strong>da</strong>de, uma vez que uma tal auto-observacão permite constatar o<br />

cadcter cria<strong>do</strong> e contingente <strong>da</strong>quilo que se observa. De facto, na<br />

medi<strong>da</strong> em que não está disponível uma meta-iinguagem que per-<br />

mita a avaliação <strong>da</strong>s avalia~ões mais básicas, o agente moral não<br />

pode "saltar para fora de si próprio". É por essa razão que C.<br />

Taylor defende que avahuçõesjórks não são descrições ?//as aitictilações,<br />

tentativas de formular o que é inicialmente não formula<strong>do</strong>. No<br />

entanto, as avaliacões fortes não são arbitrárias no senti<strong>do</strong> em que<br />

as escolhas radicais sartiianas o são, mas apenas no senti<strong>do</strong> em que<br />

não está disponível uma meta-linguagem para as avaliar. De acor<strong>do</strong><br />

com Dennett, a razão para a falta de fiabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> auto-avaliação<br />

de nível mais alto é suficientemente clara: agentes finitos vêem-se<br />

compeli<strong>do</strong>s a uàlizar méto<strong>do</strong>s heurísticos quan<strong>do</strong> se encontram<br />

perante espacos de busca muito grandes, e esse é precisamente o<br />

caso <strong>do</strong> espaço de busca <strong>da</strong>s escolhas morais, cuja contingência<br />

extrema a auto-avaliação revela.<br />

A ideia de criação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal através <strong>da</strong> avaliação<br />

forte é evidentemente vulnerável is críticas que chamam a atenção<br />

-"*Ir is precisely tlic dceperi ewluarions wliicli are Icaít clcsr, lensr rriiculated, mosr casily sub-<br />

iccc ro üiusions and disroision. Ir ir diore whicli nre closesr to wlirt I om ns a suùiecc in the sense thar<br />

sharr of them I ivould brenk rlown ns íi pcrson, wliich pre rrnong the Iirrdcsr foi rnc to be clenr<br />

rboum (TAYLOR 1976: 296).<br />

para o papel <strong>da</strong> sorte moral na constituição <strong>da</strong>s pessoas. A "sorte<br />

moral" refere-se àquilo com que o agente já conta ou não conta -<br />

em termos de carácter, de circunstâncias, etc - quan<strong>do</strong> se trata <strong>da</strong><br />

constituição de si através de acções. Despossessão e involuntarie<strong>da</strong>de,<br />

mais <strong>do</strong> que a voluntuie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> avalia<strong>do</strong>r forte, caracterizariam<br />

nesta perspectiva, a constituição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal: é, em<br />

grande parte, uma questão de sorte ter-se vin<strong>do</strong> a ser aquilo que se<br />

é e ter-se agi<strong>do</strong> como se agiu perante determina<strong>da</strong>s circunstâncias.<br />

Assim, a auto-cnacão acima trata<strong>da</strong> seria sobretu<strong>do</strong> questão de<br />

sorte e parece descabi<strong>do</strong> falar de culpa ou mérito de agentes quan<strong>do</strong><br />

o que está em causa é a sorte, i.e. a intervenção de factores que<br />

escapam totalmente ao controlo.<br />

O motivo <strong>da</strong> sorte moral foi trata<strong>do</strong> por B.Williams7" e T.Nage17".<br />

Fala-se de sorte moral quan<strong>do</strong> um aspecto sipficativo <strong>da</strong>quilo que<br />

alguém faz depende de factores fora <strong>do</strong> seu controlo, continuan<strong>do</strong><br />

a pessoa a ser trata<strong>da</strong> como objecto de juizo moral. O problema é,<br />

evidentemente, que os factores fora de controlo <strong>da</strong> pessoa se alargam<br />

sem cessar, parecen<strong>do</strong> não restar qualquer espaco para o agente<br />

e para a sua vontade livre. T. Nagel considera quatro mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

de sujeição à sorte <strong>do</strong>s objectos de avaliação moral (i.e. <strong>da</strong>s acções<br />

pratica<strong>da</strong>s): o hpo &pessoa que se é (inciinacôes, capaci<strong>da</strong>des, temperamento),<br />

as circi~zstârzcias em ~IIC tzos e~~co~ztra~i~os, as cat~sas <strong>da</strong> acção e os<br />

eJiios <strong>da</strong> acção, Por exemplo, um condutor embriaga<strong>do</strong> que guia por<br />

uma estra<strong>da</strong> deserta e subitamente atropela e mata uma crianca,<br />

poderia não ter morto criança alguma, mesmo guian<strong>do</strong> embriaga<strong>do</strong><br />

durante horas, se a criança não tivesse surgi<strong>do</strong> naquele preciso<br />

momento. Um exemplo siméuico poderia ser <strong>da</strong><strong>do</strong> com um condutor<br />

absolutamente sóbrio que também atropela uma criança. A ideia<br />

de sorte moral é assu~ni<strong>da</strong>mente anti-liantiana (será mais propriamente<br />

kafluana ...). Uma <strong>da</strong>s características <strong>do</strong> kantismo moral é<br />

afastar por princípio to<strong>da</strong> a consideração acerca de sorte (especificamente<br />

afastar <strong>da</strong> avaliação moral to<strong>da</strong> e qualquer contingência<br />

exterior à própria determinação racional <strong>da</strong> acção pelo agente). De<br />

acor<strong>do</strong> com o kantismo, o âmbito <strong>da</strong> avaliação moral resuinge-se<br />

exclusivamente ao querer e às regras racionais que regem este.<br />

Como nota B. William~'~~, a atracção <strong>do</strong> kantismo é parecer justo,<br />

fazen<strong>do</strong> crer que to<strong>do</strong> o agente racional está em idênticas condições<br />

" \VILLIMIS 1981.<br />

'" NAGHL 1979b.<br />

"'\VILLIAAIS 1981: 21.


para a prática de uma vi<strong>da</strong> moral bem sucedi<strong>da</strong>. No entanto o kantismo<br />

parece também, à luz de exemplos de boa ou má sortemoral,<br />

estranhamente cego e irrealista. O teórico que chama a atenção para<br />

a sorte moral pensa evidentemente a "justiça" <strong>do</strong> kantismo é ilusória:<br />

as accões são moralmente avalia<strong>da</strong>s de uma forma que inclui factores<br />

dependentes <strong>da</strong> sorte, mesmo que isso pareça injusto ou irracional.<br />

Num tribunal, por exemplo7", um réu será julga<strong>do</strong> por um<br />

crime diferente (homícidio ou tentativa de homicídio) dependen<strong>do</strong><br />

de um factor totalmente fora <strong>do</strong> seu controlo, como o facto de a<br />

pessoa alveja<strong>da</strong> por si usar ou não um colete à prova de bala no<br />

momento em que foi alveja<strong>da</strong>. Se a pessoa não usava o colete, ele<br />

será um assassino, se a pessoa usava o colete terá apenas tenta<strong>do</strong><br />

matar alguém. Ou, recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> um exemplo chave de B. Williams7",<br />

a atitude de Gauguin que aban<strong>do</strong>nou a família para pintar será sempre<br />

avalia<strong>da</strong> pela quali<strong>da</strong>de e beleza <strong>da</strong> obra que assim produziu.<br />

Apenas o sucesso justificará Gauguui. Se ele falhar, terá agi<strong>do</strong> sem<br />

justificação. Se não falhar, as coisas serão diferentes. Mas no<br />

momento em que decide, Gaugu~n não pode obviamente prever se<br />

o sucesso acontecerá ou não. A justificação é retrospectiva, as considerações<br />

não podem ser aplica<strong>da</strong>s no momento <strong>da</strong> deliberação.<br />

Trata-se precisamente de sorte.<br />

4.4.5 Sorte Moral oz/ respo7rsaCili<strong>da</strong>de. Delihração. A p~~/dê~~cia e a<br />

des&~ <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>l:<br />

Dennett pensa que um ênfase excessivo à sorte moral nos faz<br />

correr o risco de apagar o espaço de manobra entre sucesso e fracas-<br />

so de acções. É certo que os agentes humanos não são totalmente res-<br />

ponsáveis por serem responsáveis. No entanto, dispõetil de opor-<br />

tuni<strong>da</strong>des, que convergem na situação de dehberação. A própria ideia<br />

de deliberação seria absur<strong>da</strong> se não existisse um espaço de possibili-<br />

<strong>da</strong>des. O problema real para Dennett é saber de que tipo de possibi-<br />

li<strong>da</strong>de se trata aqui e ele propõe que na acção se trata de possibil<strong>da</strong>de<br />

epistélilica e não de possibili<strong>da</strong>de lógica ou possibili<strong>da</strong>de nómica.<br />

Afirmar que a possibili<strong>da</strong>de que subjaz ao dcesigi~ <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r<br />

é possibili<strong>da</strong>de epirtémiica é afirmar que a situação de deliberação<br />

pressupõe que o delibera<strong>do</strong>r distingue esta<strong>do</strong>s de coisas que conhe-<br />

.'' O excmplo f dc T Nagcl, ern NAGBL 197%: 29.<br />

""VILLIAhlS 1981: 22-26.<br />

ce ou quer conhecer de outros esta<strong>do</strong>s de coisas. A distinção dá o$<br />

gem, na imagem manifesta <strong>do</strong>s delibera<strong>do</strong>res, às potenciali<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong>s cois2s. A imagem manifesta de um delibera<strong>do</strong>r está liga<strong>da</strong> à sua<br />

maneira de recolher informação de mo<strong>do</strong> a poder agir sobre o<br />

mun<strong>do</strong>. Na imagem manifesta <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r existe um hn<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

qual se destacam esta<strong>do</strong>s de coisas possíveis, coinpireenden<strong>do</strong> estes<br />

esta<strong>do</strong>s incontroláveis e imprevisíveis, esta<strong>do</strong>s controláveis e esta<strong>do</strong>s<br />

previsiveis. Assim, <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r, "agir sob<br />

a ideia de liber<strong>da</strong>de" significa em termos concretos que ele: (i)<br />

prevê o ambiente de forma rápi<strong>da</strong> e confiável, o que é uma tarefa<br />

de tratamento de informação; (ii) considera no ambiente tracos<br />

fmos, traços desprezáveis e traços inutáveis <strong>do</strong>s quais vale a pena<br />

manter a pista, sejam eles previsíveis em certas condições, sejam<br />

caóticos. O ponto <strong>da</strong> gestão de informação é chegar a tomar uma<br />

decisão que seja boa antes que seja tarde demais. Essa decisão<br />

baseia-se nos desejos <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r e em expectativas quanto ao<br />

que acontecerá de qualquer mo<strong>do</strong> e quanto ao que acontecerá se<br />

algo não fôr feito. A auto-previsão é um componente importante<br />

nesta deliberação. De entre os eventos imprevisíveis há a considerar<br />

também os resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s deliberações próprias. É nisto que<br />

consistem os futuros abertos e o espaço para a própria deliberação.<br />

Como já se afirmou, a deliberação e a decisão não são apenas ocasião<br />

para problemas éticos de agentes morais humanos, são também<br />

capaci<strong>da</strong>des de agentes cognitivos não humanos. Deliberaçâo<br />

e decisão são problemas para o des&fr de artefactos inteligentes.<br />

Saber, nomea<strong>da</strong>mente, como investir o tempo <strong>da</strong> deliberação em<br />

algo que não seja irelevante é um problema fulcral para o des&?r <strong>do</strong><br />

delibera<strong>do</strong>r. Sem a possibili<strong>da</strong>de de saltos de imaginação o delibera<strong>do</strong>r<br />

será sphexish, rígi<strong>do</strong>, para utilizar o termo de Dennett. No<br />

entanto, com a possibili<strong>da</strong>de de saltos <strong>da</strong> imaginação demasia<strong>do</strong><br />

grandes (pense-se por exemplo num delibera<strong>do</strong>r cuja tarefa é pintar<br />

um quarto e que para tal considera, juntamente com milhares de<br />

outras alternativas, virá-lo de pernas para o ar) ele não será um delibera<strong>do</strong>~<br />

eficiente. De acor<strong>do</strong> com Dennett, a chave <strong>da</strong> questão é<br />

verificar que delibera<strong>do</strong>res num mun<strong>do</strong> determinista têm qbortl,izidudees,<br />

i.e. ocasiões para decidir a&z/?,ína coisa qneJa7 z~i11a d$re~~ça. Para<br />

Dennett a questão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des é absolutamente<br />

independente <strong>do</strong> determinismo físico. Oportuni<strong>da</strong>de não é um<br />

termo metafórico: a ideia de oportuni<strong>da</strong>de deriva <strong>da</strong> distinção entre<br />

evitável e inevitável na previsão <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r. To<strong>do</strong> o delibera<strong>do</strong>r


Soja Migtrciir<br />

delibera sobre um fun<strong>do</strong> de antecipação <strong>do</strong> futuro, no quadro de<br />

uma determina<strong>da</strong> imagem manifesta.<br />

Considera-se usualmente que "poder ter feito de outra maneira"<br />

(COIL/~ haue <strong>do</strong>ne othewise) é um critério pacífico <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de de<br />

um agente. No entanto, Dennett defende que o princípio é de alguma<br />

forma falso e pretende prová-lo através <strong>da</strong> análise <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s<br />

de poder (can). O ponto de Dennett é que não tem qualquer interesse<br />

procurar responder à questão "poderia (eu) ter feito de outro<br />

mo<strong>do</strong>?'por exemplo após um acto lamentável. Se esta é uma questão<br />

metafísica acerca de cursos alternativos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ela é puramente<br />

especulativa, irrespondível e esgota-se em si própria. O que<br />

de facto tem interesse é a capaci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> agente de determinar o seu<br />

próprio carácter de mo<strong>do</strong> a, precisamente, ser um agente tal que não<br />

poderiajkrer de ozih.0 ma<strong>do</strong> perante determina<strong>da</strong>s circunstâncias. É essa<br />

capaci<strong>da</strong>de, que os agentes humanos têm ou podem ter, de se fazerem<br />

ser de um mo<strong>do</strong> tal que perante circunstâncias determina<strong>da</strong>s<br />

não possam agir de outro mo<strong>do</strong> que é, segun<strong>do</strong> Dennett, um componente<br />

essencial <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de. Assim, o<br />

senti<strong>do</strong> relevante <strong>do</strong> "poder ou não poder fazer de outro mo<strong>do</strong>"<br />

não aponta para a liber<strong>da</strong>de contra-causal mas sim para a possibili<strong>da</strong>de<br />

de ajustamento <strong>do</strong>s hábitos de pensamento e de acção. No<br />

outro senti<strong>do</strong> de "poder fazer de outro mo<strong>do</strong>" é razoável afirmar<br />

acerca de um agente artificial, também ele um delibera<strong>do</strong>r determinista,<br />

que ele "poderia ter feito de outro mo<strong>do</strong>". Ele pode inclusivameute<br />

ser redesenha<strong>do</strong> para fazer de outro mo<strong>do</strong>. Mesmo o novo<br />

des&~z não será infaiível e utilizará processos heuiísticos: o delibera<strong>do</strong>r<br />

determùiista 1 poderia já estar a usar o melhor processo ten<strong>do</strong><br />

encontra<strong>do</strong> imprevisibili<strong>da</strong>de no ambiente, ou ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> falha<br />

física no sistema. Assim, ele não poderia ter feito de outro mo<strong>do</strong>.<br />

O retrato <strong>do</strong> agente apresenta<strong>do</strong> resulta numa visão naturaliza<strong>da</strong><br />

e realista de racionali<strong>da</strong>de e responsabili<strong>da</strong>de. Na metáfora de<br />

Dennett em ER, a arbitrarie<strong>da</strong>de e o risco (logo, a possibili<strong>da</strong>de de<br />

erros) que caracteriza qualquer sistema de controlo com sensibili<strong>da</strong>de<br />

e acesso limita<strong>do</strong>s à informação é uma espécie de "peca<strong>do</strong> original<br />

naturaliza<strong>do</strong>". No mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s delibera<strong>do</strong>res deterministas,<br />

eventos podem ser causalmente determina<strong>do</strong>s não sen<strong>do</strong> inevitáveis,<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>s a possibili<strong>da</strong>de epistémica, os oportuni<strong>da</strong>des, e o auto-<br />

-controlo. Está assim constituí<strong>do</strong> espaço de manobra suficiente<br />

para a acção lime: de/ibera<strong>do</strong>res deter~~~ifzistas ccpaxes de az~to-controlo<br />

meta-rq'lexiuo e de aua/iaçãoJorte são uge8tes capqes de acções hres.<br />

4.5 il/lafzz/a/ deprimeiros socorros morais e ética <strong>da</strong> uirtz~de.<br />

O manual de primeiros socorros morais é uma necessi<strong>da</strong>de para<br />

agentes que agem em tempo real. A ideia não é uma cedência na<br />

ambição <strong>do</strong> pensamento moral face aos detalhes imperfeitos <strong>da</strong><br />

prática e sim uma tentativa de incorporação <strong>do</strong> conhecimento empírico<br />

acerca <strong>da</strong>s imperfeições <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. As ideias de prudência<br />

naturaliza<strong>da</strong> e manual de primeiros socorros morais nascem<br />

<strong>da</strong> constatação de que o processo de sah'$citg é fun<strong>da</strong>mental em<br />

grande parte <strong>do</strong>s processos reais de escolha e decisão. Dennett<br />

defende que o processo de sati$ci~g é a estrutura básica de to<strong>da</strong> a<br />

toma<strong>da</strong> de decisões (moral, económica, evolutiva). Agentes racionais<br />

resultantes de evolução por selecção natural não são, nem poderiam<br />

ser, agentes perfeitamente racionais na medi<strong>da</strong> em que o seu<br />

deszg~~ resulta de um processo de sati$cifg. Se a continui<strong>da</strong>de evolucionista<br />

que liga organismos e processos mentais é um sustentáculo<br />

<strong>do</strong> gradualismo <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> acção, a atenção às situações de deliberação<br />

e de decisão conduz Dennett <strong>do</strong> <strong>da</strong>swinismo is ética <strong>da</strong><br />

virtude. Nestas, ao contrário <strong>do</strong> que acontece nas éticas <strong>da</strong> maximização<br />

racional, considerações acerca <strong>do</strong> carácter <strong>do</strong>s agentes sã?<br />

centrais, de certo mo<strong>do</strong> substituin<strong>do</strong> o apelo ao cálculo racional. E<br />

o carácter <strong>do</strong> agente que determina o mo<strong>do</strong> como este enfrenta<br />

situações particulares de deliberação e é esta referência à importância<br />

<strong>do</strong> carácter na deliberação e decisão morais que se opõe i desconexão<br />

<strong>da</strong>s acções e decisões relativamente à vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> agente, característica<br />

<strong>da</strong>s éticas <strong>da</strong> maximização racional. Ora, Dennett sugere<br />

que por imperativos de desigz e pressão temporal somos constituí<strong>do</strong>s-para-a~<br />

de uma forma que se aproxima <strong>da</strong> situação caracteriza<strong>da</strong><br />

pelas éticas <strong>da</strong> virtude, i.e. somos regi<strong>do</strong>s em situações de<br />

ponderação prática por algo como carácter, não por maximização<br />

racional. A noção de carácter, que é obviamente uma noção de<br />

âmbito pessoal nas éticas <strong>da</strong> virtude, é aqui transposta para o âmbito<br />

sub-pessoal. É possível no entanto estabelecer uma ligação entre<br />

caracterizações sub-pessoais e teorização moral: se a visão naturaliza<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de de agentes morais num mun<strong>do</strong> deterrninista<br />

acentua a arbitrarie<strong>da</strong>de, o risco e os erros de decisão em qualquer<br />

sistema de controlo com sensibili<strong>da</strong>de e acesso limita<strong>do</strong>s a informação<br />

de um ponto de vista quase apenas descritivo, uma tal caracterização<br />

descritiva tem um peso determina<strong>do</strong> na "escolha" racional<br />

de uma fuosofia moral. Dennett pensa que a consequência


óbvia é o afastamento <strong>da</strong>s éticas <strong>da</strong> maximização racional por falta<br />

de pertinência psicológica.<br />

De mo<strong>do</strong> a pôr em relevo as características <strong>do</strong> processo de satis-<br />

&ng, Dennett propõe o seguinte exemplo de deliberação segui<strong>da</strong><br />

de de~isão"~. Um departamento universitário pretende conceder<br />

uma bolsa ao melhor estu<strong>da</strong>nte que preencha determina<strong>da</strong>s condições<br />

e publicita essas condições. Não se contava com 250 000 candi<strong>da</strong>turas,<br />

concretiza<strong>da</strong>s em <strong>do</strong>ssiers exaustivos, incluin<strong>do</strong> escritos<br />

<strong>do</strong>s candi<strong>da</strong>tos, classificações, recomen<strong>da</strong>ções, etc. Perante o<br />

número <strong>da</strong>s candi<strong>da</strong>turas e a quanti<strong>da</strong>de de informação de ca<strong>da</strong><br />

uma, o que será razoável fazer de mo<strong>do</strong> a escolher uma?<br />

A primeira coisa a constatar é que é i77@ossiuel cotrsidemr to<strong>do</strong>s os<br />

factores releuatrtes eszo tev@o disponiuevel. Assim, será imprescindível o uso<br />

cego e impie<strong>do</strong>so de regras grosseiras de selecção e de decisão (no<br />

caso, por exemplo, poderá ser utiüza<strong>do</strong> um critério que não nem<br />

absolutamente fiável nem irrelevante, as médias <strong>da</strong>s classificações).<br />

Além disso, o decisor abdicará <strong>do</strong> controlo total processo,<br />

apoian<strong>do</strong>-se num processo aleatório @or exemplo um sorteio que<br />

reduza as candi<strong>da</strong>turas a cem ou duzentas). Após o uso dessas<br />

regras de mo<strong>do</strong> a cercear as alternativas em consideração, procura-se<br />

salvar alguma coisa <strong>do</strong> processo selvagem anterior, nomea<strong>da</strong>mente<br />

proceden<strong>do</strong> a uma análise exaustiva e cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sa <strong>da</strong>s<br />

candi<strong>da</strong>turas que ficaram, <strong>da</strong>s quais se vem a escolher uma. Este<br />

ultimo processo é uma tentativa, reszdtarzte de ar<strong>do</strong>-nronitoaçâo, de<br />

corrigr o resaLta<strong>do</strong>jitza1: Evidentemente, qualquer decisão toma<strong>da</strong><br />

nestas circunstâncias é vulnerável a um olhar retrospectivo: não<br />

existe qualquer garantia de q,ue a alternativa que acabou por ser<br />

selecciona<strong>da</strong> seja a melhor. E mesmo provável que os melhores<br />

candi<strong>da</strong>tos tenham si<strong>do</strong> afasta<strong>do</strong>s. No entanto, o decisor pode<br />

ain<strong>da</strong> assim considerar que a sua decisão foi a melhor possível,<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>s as circunstâncias.<br />

Dennett sugere que este processo retrata de forma bastante fiel<br />

as caracteristicas <strong>do</strong>s processos reais de deliberação e escoiha. Ora,<br />

estas casacterísticas não são usualmente admiti<strong>da</strong>s pelas principais<br />

correntes <strong>da</strong> filosofia moral, i.e. quer por utiiitaristas quer por kantianos.<br />

Utilitarismo e deontologia concor<strong>da</strong>m num ponto importante:<br />

ambos exigem, idealmente, que sejam considera<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as<br />

coisas anteriormente à decisão. Ora, de acor<strong>do</strong> com Dennett, me-<br />

nhum sistema de ética alguma vez foi torna<strong>do</strong> c0mputacionalmente<br />

tiatável, mesmo indicectamente, para problemas morais <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> real. Por isso, mesmo se não tem havi<strong>do</strong> falta de argumentos<br />

ualitasistas (e kantianos, e contratualistas, etc) a favor de particulares<br />

políticas, instituições, práticas e actos estes estiveram sempre<br />

pesa<strong>da</strong>mente cerca<strong>do</strong>s por cláusulas cetetisparibt~s e por suposições<br />

de plausibili<strong>da</strong>de acerca <strong>da</strong>s suas suposições idealizantes. Estas<br />

cercas estão feitas para ultrapassar a explosão combinatória de cdculo<br />

que ameaça se de facto se procurar -como a teoria akma que<br />

se deve fazer - considerar to<strong>da</strong>s as coisas»72o. Considerar to<strong>da</strong>s as<br />

coisas é impossível para agentes reais, e Dennett pensa que é<br />

importante que a filosofia moral leve a sério uma tal impossibili<strong>da</strong>de,<br />

já que ela caracteriza a própria natuseza <strong>do</strong>s agentes morais reais<br />

e não apenas limitações contingentes. Agentes morais são por natureza<br />

objectivamente limita<strong>do</strong>s: juízos "uma vez considera<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s<br />

os factores" (alLtbi??gs co?~sidereq são reab~~e?zte impossíveis. Por esta<br />

razão, Dennett sugere que é preferível conceber a deliberação<br />

moral como um exercício de disposições ("vistudes"), não como<br />

maximização racional. Entre outras coisas entende-se por maximização<br />

racional a seguinte situação na deiiberação:<br />

Da<strong>do</strong> o deselo D e as crenças C1, C2, Cn ... de iim agente a<br />

coisa mais racional a fazer, considera<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os factores, apare-<br />

ce ao agente como R. Logo, o agente decide por R rorno qualque,<br />

ageri& racio,iol faria.<br />

Aparentemente, se se nega a maximização racional torna-se<br />

muito difícil continuar a defender a existência de decisões e acções<br />

racionais. Dennett defende no entanto que as decisões <strong>da</strong>s pessoas<br />

são descritas de forma mais realista como resulta<strong>do</strong> de processos<br />

heurísticos. As pessoas são guia<strong>da</strong>s por algo como um "cui<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

não maximizante" e fazem a to<strong>do</strong> o momento escolhas não maxi-<br />

mizantes. No entanto, essa estratégia não é irracional, e isto acon-<br />

tece por várias razões, nomea<strong>da</strong>mente devi<strong>do</strong> à situação de insufi-<br />

ciência <strong>da</strong> infortnação e à plurali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s "bens" em consideração.<br />

Dois tipos de considerações nascem <strong>da</strong> consideração realista <strong>da</strong><br />

deliberação e decisão racionais. Um primeiro tipo diz respeito i<br />

natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. A racionali<strong>da</strong>de de agentes racionais


eais é constitutivamente imperfeita, é apenas a melhor a<strong>da</strong>ptação<br />

possível <strong>do</strong> comportamento ao ambiente, considera<strong>da</strong>s as crenças<br />

e desejos, sem que no entanto exista um ponto de vista exterior em<br />

função <strong>do</strong> qual se possa falar de Racionali<strong>da</strong>de toz~t coz/rt, de Racionali<strong>da</strong>de<br />

maiuscula<strong>da</strong>. O erro comum às éticas <strong>da</strong> maximização<br />

racional é aliás supor que existe uma única (melhor ou mais alta)<br />

perspectiva a partir <strong>da</strong> qual é possível avaliar a racionali<strong>da</strong>de. Um<br />

segun<strong>do</strong> tipo de considerações diz respeito à questão concreta de<br />

encontrar estratégias de melhoramento <strong>da</strong>s decisões, e é neste contexto<br />

que Dennett propõe o ma~~r/al de primeiros socorros morais. O<br />

manual, que diria o que fazer imediatamente, e teria como fmali<strong>da</strong>de<br />

ciiar esta<strong>do</strong>s disposicionais <strong>do</strong>s agentes morais, que têm que<br />

decidir sem tempo para calcular to<strong>da</strong>s as implicações <strong>do</strong>s actos, é<br />

necessário na medi<strong>da</strong> em que as decisões éticas <strong>da</strong>s pessoas, feitas<br />

sob pressão temporal e debaixo de um véu de ignorância, envolvem<br />

procedimentos heurísticos e não cálculo exaustivo de alternativas.<br />

O que poderia conter o manual? Consideran<strong>do</strong> o exemplo acima,<br />

apesar <strong>do</strong>s constrangiinentos objectivos às decisões, o delibera<strong>do</strong>r<br />

pode discernii os meta-problemas <strong>do</strong> seu próprio processo de decisão<br />

e desenvolver hábitos de Densamente aue lhe ~ermitam li<strong>da</strong>r<br />

com esses problemas. Relativamente à proliferação <strong>da</strong>s considerações<br />

gera<strong>da</strong>s, o delibera<strong>do</strong>r poderá por exemplo desenvolver interruptores<br />

<strong>da</strong> ponderação (co7zuersation stoppers), que terminem arbitrariamente<br />

a geração <strong>da</strong>s considerações. Estes interruptores <strong>da</strong> ponderação<br />

são maneiras de li<strong>da</strong>r com a intratabili<strong>da</strong>de computacional<br />

e impedem de facto a consideração de to<strong>da</strong>s as coisas. Um delibera<strong>do</strong>r<br />

racional deve ser tal que envolva um impedimento estrutural<br />

de considerar to<strong>da</strong>s as coisas. A natureza <strong>do</strong>s termina<strong>do</strong>res de considerações<br />

é obviamente uma questão problemática: eles podem ser<br />

de muitos tipos. A um nível ético, os termina<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s considerações<br />

podem ser por exemplo "direitos" ou "regras", noções que<br />

têm to<strong>da</strong>s as vantagens <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo sobre a hiper-racionali<strong>da</strong>de,<br />

i.e. conduzem mais facilmente um agente à acção. Um outro<br />

conteú<strong>do</strong> possível e bastante problemático <strong>do</strong> manual seria a ideia<br />

de que os manuais podem ser vários e alternativos.<br />

Embora Dennett apresente as suas sugestões sob a forma de<br />

investigação <strong>do</strong> design de um delibera<strong>do</strong>r, este pode obviamente sei<br />

um agente moral humano e de facto - embora Dennettt rejeite<br />

explicitamente a aproximação -muitas <strong>da</strong>s estratégias para um certo<br />

controlo <strong>da</strong> deliberação aponta<strong>da</strong>s no manual de primeiros socor-<br />

Ui,in Teoria Fisicaiista <strong>do</strong> Co~teií<strong>do</strong> e <strong>do</strong> coiisciêiicio<br />

ros morais aproximam-se de características propostas nas éticas <strong>da</strong><br />

virtude. Como se sabe, estas opõem-se às éticas deontológicas e às<br />

éticas utilitaristas por considerarem que aquilo que deve ser procura<strong>do</strong><br />

numa vi<strong>da</strong> moral complexa é um eyz~ilibrio e não uma maximzacão<br />

de valores e de escolhas e por considerarem que esse equiiíbrio<br />

será em grande parte funcão <strong>da</strong>s disposições <strong>do</strong> carácter <strong>do</strong><br />

agente (e não <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de racional <strong>da</strong>s regras ou <strong>da</strong>s consequências<br />

<strong>da</strong> acção). O que Dennett sugere é que os problemas conceptuais<br />

com que a ideia de maxunização racional se depara no <strong>do</strong>mínio<br />

ético e que conduzem às propostas <strong>da</strong>s éticas <strong>da</strong> virtude não<br />

são mais <strong>do</strong> que rej7exos de caracteristcas estri,tllrais <strong>do</strong> delibera<strong>do</strong>r real.<br />

Sen<strong>do</strong> esse o caso, é preferível que o pensamento moral parta de<br />

tais características estruturais em vez de pretender que elas são<br />

imperfeições desprezáveis <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Nesse senti<strong>do</strong>, aquilo que<br />

começa por ser uma mera descrição <strong>da</strong>s características sub-pessoais<br />

pode conduzir a propostas substantivas em filosofia moral ou<br />

pelo menos guiar a escolha e a rejeição de posições em fuosofia<br />

moral. Por exemplo, pode-se imaginar uma situação em que além<br />

<strong>da</strong> sua utili<strong>da</strong>de estrutural os interruptores de considerações têm<br />

uma motivação moral. Por outro la<strong>do</strong>, a opção pelo aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong><br />

ideal <strong>da</strong> maximização racional pode traduzir-se numa concepção<br />

não racionalista de morali<strong>da</strong>de (de facto, é razoável pensar que um<br />

agente moral totalmente racional não gozaria sequer a vi<strong>da</strong> própria<br />

nem gozaria <strong>da</strong> existência de outros sujeitos7"). Uma última ideia<br />

moral substantiva possível seria a seguinte: se existe uma plurali<strong>da</strong>de<br />

de objectos de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>, um cui<strong>da</strong><strong>do</strong> não maximizante, acompanha<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> admissão de que comparações de valores plurais são<br />

impossíveis, é uma estratégia racionalmente sã.<br />

O problema geral <strong>do</strong> presente capítulo consistiu em identificar<br />

e examinar as consequências <strong>da</strong> TSI e <strong>do</strong> MEM nas nocões de pes-<br />

soa e acção de mo<strong>do</strong> a avaliar a consistência global <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> ra-<br />

zão prática que nasce na confluência <strong>da</strong>s teorias dennettianas <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência. Do ponto de vista sub-pessoal e de<br />

acor<strong>do</strong> com caracterizacões <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong> MEM caracterizou-se os<br />

-' PENCE 1991. Estas duas crlticas spiicam-se, note-se, quer i deontologin quci ao utilitnrismo<br />

precisamente tanto quanto estss sZo éticas ùn maxirniungCo rncional.


fenómenos <strong>do</strong> controlo, <strong>do</strong> Eu, <strong>da</strong> deliberação e <strong>da</strong>escollia. Do<br />

ponto de vista pessoal, ou nele culminan<strong>do</strong>, e com apoio na TSI,<br />

caracterizou-se as condições <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de bem como aspectos<br />

<strong>da</strong> constituição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal. Em função desta dupla<br />

aproximação procurou-se explicar por que razão e até que ponto<br />

determinan<strong>do</strong>s eventos podem constituis-se como acções pessoais.<br />

A análise dennetiana tem várias imperfeições e pontos cegos.<br />

Notou-se desde logo que faltava algo à análise <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong><br />

pessoali<strong>da</strong>de que permitisse conceber a sua aplicação a uma pessoa<br />

individual. Nesse senti<strong>do</strong>, e seguin<strong>do</strong> Rovane, propôs-se que Den-<br />

nett deveria prolongar a análise <strong>da</strong> dimensão normativa <strong>da</strong> identi-<br />

<strong>da</strong>de pessoal examinan<strong>do</strong> o exercício <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de sobre si, o<br />

qual se traduz num compromisso coin a vi<strong>da</strong> racional própria (en-<br />

volven<strong>do</strong> resolução de conflitos entre crenças, aceitação <strong>da</strong>s con-<br />

sequências <strong>da</strong>s crenças próprias, ordenacão de preferências, etc),<br />

que precisamente unifica a vi<strong>da</strong> racional de um agente comopróptia.<br />

São essas características estruturais - ou uma tendência para elas,<br />

mesmo que nenhuma seja perfeitamente alcanca<strong>da</strong>, já que caracte-<br />

rísticas como a coerência total <strong>da</strong>s crenças ou a ordenação total-<br />

mente coerente <strong>da</strong>s preferências são de facto impossíveis - que<br />

constituem uma vi<strong>da</strong> nzmtalpessoal. O que está em causa é algo como<br />

um ponto de vista racional único de um agente sobre si próprio e<br />

esta ideia ultrapassa os tradicionais critérios físico e fenomenológi-<br />

co <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal. Repare-se que este complemento i noção<br />

de identi<strong>da</strong>de pessoal significa que a sexta condição de pessoali<strong>da</strong>de,<br />

a auto-consciência, envolve um uso de racionali<strong>da</strong>de sobre si<br />

próprio que tem a ver não apenas com auto-avaliação mas também<br />

com o apoderar-se <strong>do</strong>s processos de uma vi<strong>da</strong> mental. Em ambos<br />

os casos se trata de voltar a E1 sobre si, de se visar sob a perspectiva<br />

<strong>da</strong> E1 de mo<strong>do</strong> a controlar a acção própria e aquilo que se é. O<br />

primeiro tipo de auto-waliação pode conduzir a uma mu<strong>da</strong>nça<br />

naquilo que se é, uma mu<strong>da</strong>nça a partis de dentro, nos casos em que<br />

aquilo que se é não se adequa àquilo que se quer ser. Esta é zlma <strong>da</strong>s<br />

mzões pelas qz~ais aqz~i/o qzde se entende por az~to-consciêrzcia não é simples-<br />

Ijzejrte a~1to-ape~ce6i~j~e~~to. O segun<strong>do</strong> tipo de auto-avaliação traduz-se<br />

no objectivo de uma certa completude ou uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

global <strong>do</strong> agente e é um compromisso com um ideal de racionali<strong>da</strong>de.<br />

Neste contexto, Rovane propõe mesmo que se deve considerar<br />

- apesar de subscrever o gradualisino e o naturalismo <strong>da</strong> teoria<br />

dennetiana que subscreve - que existe uma divisão real entre as três<br />

.<br />

primeiras e as três últimas condições de pessoali<strong>da</strong>de: enti<strong>da</strong>des que<br />

satisfaçam as condições 4 e 5 já são pessoas no senti<strong>do</strong> envolvi<strong>do</strong><br />

no compromisso de racionali<strong>da</strong>de, i.e. as condições 4 e 5 não<br />

podem ser satisfeitas sem que a condição 6 esteja já a ser satisfeita.<br />

A capaci<strong>da</strong>de racional que envolve pensamento de ordem mais alta<br />

não pode ser separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de avaliacão crítica e <strong>da</strong> racio-<br />

nali<strong>da</strong>de reflexiva em geral. Assim, de acor<strong>do</strong> com a sua proposta,<br />

a que Rovane chama "um critério ético de pessoali<strong>da</strong>de", alguma<br />

enti<strong>da</strong>de é uma pessoa se e só se pode ser trata<strong>da</strong> como pessoa e<br />

pode tratar outros como pessoa^'^'. Obtém-se deste mo<strong>do</strong> uma<br />

concepção qualifica<strong>da</strong> <strong>da</strong>quilo que se entende por reciproci<strong>da</strong>de<br />

que afasta a possibili<strong>da</strong>de de existirem intenções comunicacionais<br />

griceanas sem auto-consciência. A reciproci<strong>da</strong>de só existe de facto<br />

se existisem conexões racionais "a partir de dentro" <strong>do</strong> outro SI e<br />

nomea<strong>da</strong>mente susceptibili<strong>da</strong>de de persuasão racional, de ser<br />

movi<strong>do</strong> por razões.<br />

Para concluis, note-se que, de acor<strong>do</strong> com a teoria apresenta<strong>da</strong>,<br />

pessoas e acqões não são absolutamente determina<strong>da</strong>s, como na<strong>da</strong><br />

no mun<strong>do</strong> descrito de forma mentalista o é: se a descrição inten-<br />

cional à qual as razões pertencem é sempre aproximativa, poderá<br />

<strong>da</strong>r-se o caso de não haver resolução completa de movimentos em<br />

acções, de causação em razões. Uma objecção possível a esta carac-<br />

terização radicalmente anti-essencialista de pessoa é no entanto a<br />

seguinte: a auto-consciência é aqui caracteriza<strong>da</strong> como desprovi<strong>da</strong><br />

de conteú<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> ou sentimento de si. Este é um <strong>do</strong>s maiores<br />

defeitos <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem apresenta<strong>da</strong> e um defeito que possivelmen-<br />

te não pode ser ultrapassa<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> próprio Dennett.<br />

.=<br />

Com o seu critirio ético de pessonlid~dc Ito\,nnc pretcnde corri@ o prcconcciro unii,crsliLis~<br />

ia, kantinno-mwlsiano, implícito nas formula~õc'~ de Cotdiiiotis o/ Pir~onhode quc podc ter a consequincio<br />

iiidesejkel de ncgnr pcssoali<strong>da</strong>de aos humanos quc dcinonstrasscm m6s perfoimnnces relatinrncnte<br />

n fnis idcis (por exemplo por subrcmrcrem tcoiirs morais rf3stadns <strong>da</strong> Iinhsgein kantir~<br />

no-rmlsisna). Dai n grande insist6ncia dc llovnne cm formular o crirCrio EUco dc pcssoali<strong>da</strong>de de<br />

mo<strong>do</strong> a permicit n divcrginciri de opiniões morais.


Capítulo 5<br />

Questões aplica<strong>da</strong>s <strong>da</strong> TSI. T$os de Mentes: mentes animais,<br />

artzznais e huma~zas.<br />

«In fact there is an eerie resemblance benveen many of thc discoveries of<br />

cognitive ethologists working widi lower animais and the sort of prowess<br />

k e d with stupidity one encounters in the typical products of AI)),<br />

Daniel Dennett'"<br />

5.1 A horiyprztali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>perpctiva <strong>da</strong> TSI sobre o iile?zta1. O ~zatziraL<br />

e o artiicia1. Ciência cognitiva: ergenbaTia irzvefli<strong>da</strong> e/ou si'rztese.<br />

Cérebros,progra~~as e robôs: <strong>da</strong> base para o topo ou <strong>do</strong> topo para a base.<br />

A IA e as eqenêrzcias deperzsai1ze7zto reair. T@oLogia (apartir de derztro<br />

e de baixo) <strong>da</strong>s miatz~ras cogrzitivas.<br />

O funcionalismo permite a Dennett defender que não existe diferença<br />

essencial entre a inteligência "natural", humana ou animal, e a<br />

inteligência artificial. Embora a indistinção entre natural e artificial<br />

esteja em jogo na constelação de disciplinas agrupa<strong>da</strong>s sob o titulo de<br />

ciência cogmtiva - aliás, no próprio facto de a IA ser para muitos<br />

autores a disciplina mauicial <strong>da</strong> ciência ~ogmtiva"~ - a relação entre<br />

natural e artificial foi teoriza<strong>da</strong> de forma marcante em certos pontos<br />

focais na literatura. Um desses pontos é o livro The Sciet~ces oi thc<br />

Arh$ciaI, de H. Simon7'j. Neste livro, H.Simon, um <strong>do</strong>s fun<strong>da</strong><strong>do</strong>res <strong>da</strong><br />

'- DENNETT 1987: 256.<br />

'" Ct poi crcmpla HAUGELAND 1997~1.<br />

.i'SIblON 1969. Urn oueo ponto de referéncir, já referi<strong>do</strong> rnte"ormenre, é n esperiéocia mmcnrd<br />

<strong>do</strong> Qunrro Chinés, encnrrdn como um tesie inmitivo para discernir a difcrenga cnue a mcntaiidndc<br />

gcndna (que scria por Iiipóicsc apcnas a mcntaiid~dc nsmral, biologicsmcnrc rcaiira<strong>da</strong>) c e mmenmlidride<br />

simula<strong>da</strong> e atribuí<strong>da</strong> (que sçcia n aitiócinl). Embola esn intçrpretsg3o seja n fonte <strong>da</strong> adcsão<br />

de muita gente i inruig3o convocadn pela experiência, o própcio Searle náo inrcrprcta dcstc mo<strong>do</strong> o


Soja Mtgircrir<br />

IA, defende que as ciências <strong>do</strong> artificial não representam de mo<strong>do</strong><br />

algum um afastamento relativamente às ciências <strong>da</strong> natureza. Owtifi-<br />

cial e o natural não são, segun<strong>do</strong> Simon, <strong>do</strong>is reinos mas <strong>do</strong>is pontos<br />

de vista, que não se opõem. Tu<strong>do</strong> o que é "arh$ciat' (de acor<strong>do</strong> com<br />

H. Simon, tu<strong>do</strong> aquilo que é um artefacto a<strong>da</strong>ptativo, avaliável segun-<br />

<strong>do</strong> normas de funcionamento racional) é também riatz/ra/ (i.e. suscep-<br />

tive1 de uma explicação física). Aquilo que distingue o ponto de vista<br />

<strong>do</strong> artificial é outra coisa que não a existência de um reino distinto de<br />

enti<strong>da</strong>des: é o facto de ele visar sistemas no seu estatuto de iiitefaces<br />

entre interior e exterior, crian<strong>do</strong> assim a nova questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>-<br />

de ou a<strong>da</strong>ptação. Noutras palavras, segun<strong>do</strong> H. Simon, uma ciência<br />

<strong>do</strong> artificial é uma ciência <strong>do</strong> artificial porque li<strong>da</strong> com teleologia, com<br />

hnaii<strong>da</strong>des <strong>do</strong> comportamento global de sistemas, mdependentemen-<br />

te <strong>da</strong> realização material destes. Quer o interior <strong>do</strong> sistema quer o seu<br />

exterior continuam a pertencer ao departamento <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> natu-<br />

reza, é o interface que é especificamente artificial. É óbvio que tam-<br />

bém um sistema natural (enten<strong>da</strong>-se biológico) pode ser analisa<strong>do</strong> de<br />

acor<strong>do</strong> com estes parâmetros e de facto, em Tbe Sciet~ces 4 tbe ArhJiaL<br />

H. Simon inclui a psicologia (dehni<strong>da</strong> como ciência <strong>do</strong>s bebaving<br />

gsten~s) nas ciências <strong>do</strong> artificial. Simon pretende sublinhar que a psi-<br />

cologia de um sistema é uma ciência <strong>do</strong> artificial por contraste, por<br />

exemplo, com a neurofisiologia <strong>do</strong> mesmo sistema, que visa exclusi-<br />

Qusito Cliinis. hlns muito antes <strong>do</strong> nrtigo de Scarle rcóricos ds mente como A. Tuiing e H. Simon<br />

debatiam-se ji com o questão <strong>do</strong> nnniid e <strong>do</strong> rraficid. Tucing npresenmra inclusit/i@ 11Ioihi~~e>y niidliitrlligcriic (I'URING 1950), na qual é proposto o Rsre de Turing, uma cerrnd;i<br />

nrgumentagZo conriri posiivcis objeqõcs i ideiri dc uma Inicligència Artificial. Turing considerou<br />

nomeridsmcnrc n obieitüo , , leold~iiii (de acor<strong>do</strong> com a aual ~. o nensamento estaria liea<strong>do</strong> " i ~lmn. ten<strong>do</strong><br />

Deus dn<strong>do</strong> uma alma apenas aos liwnnnos), a o&r@ rahifir-,<strong>do</strong>-nmia (segun<strong>do</strong> n qual seria rerdvel que<br />

srrebcros pensassem, scn<strong>do</strong> por isso prcferivcl ncredirnr que ri1 não nconrecei;i), r oIj;qilio hplo iio<br />

iEorr,,ri,> (de acor<strong>do</strong> com as quhs uma máquina não podecin<br />

ter esra<strong>do</strong>s como dcprcssão, amor, emogão, erc), a oIjetfão hkodn riiitrrso>r~,~nijtce d iinleeee~o r~irilr<br />

""1, caracicdsticn <strong>do</strong> cognitiviamo.<br />

':' Para um* nnilise <strong>do</strong> pcnsnmento de H. Simon, cE hlACFIUC0 ROS,\, 2002, Dos Sis/cni


são aliás sequer apenas performances cognitivas que se situam no<br />

mesmo espaço <strong>do</strong> desigrrt também os sistemas às quais elas se devem<br />

@or exemplo organismos) e os artefactos desses sistemas (por exemplo<br />

instrumentos humanos enquanto extenorizações e off-loaás <strong>do</strong>s<br />

sistemas cogmtivos) se situam num mesmo espaço <strong>do</strong> desigj. Aliás,<br />

uma segun<strong>da</strong> consideração de horizontali<strong>da</strong>de se configuia, que considera<br />

a par não apenas mentes humanas, animais e artificiais mas<br />

também sistemas cognitivos, operações de cognição e veículos ou instrumentos<br />

<strong>da</strong> cognição internos ou externos. Assim se aceita, por<br />

exemplo, uma concepção não derivativa, não autoral, <strong>da</strong> relação entre<br />

o mental como funcionamento "interior" de sistemas cognitivos e os<br />

dispositivos exteriores à delimitação fisica <strong>do</strong>s indivíduos.<br />

A ideia segun<strong>do</strong> a qual qualquer ciência <strong>da</strong> cogmção é um campo<br />

de testes para a pertinência <strong>do</strong>s pnhcípios <strong>da</strong> TSI, seja qual fôr a<br />

"natureza" <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s, vem, assim, de longe na obra de<br />

Dennett. Apesar desta consideração horizontal, existem no entanto,<br />

de acor<strong>do</strong> com Dennett, <strong>do</strong>is caminhos meto<strong>do</strong>lógicos distintos em<br />

ciências <strong>da</strong> cognição: engenharia inverti<strong>da</strong> (reuerse e~lgtzeeníg'~~) e sínte-<br />

'=A erpieslo "engcnliaOr invciti<strong>da</strong>" tem a sua oOgcm na pritica indust8d ddc "hspeqào-por-dcsmontrgcm"<br />

<strong>do</strong>s pioduros de uma emprcsa por uma emprcsa Oval, de mo<strong>do</strong> n obter umn cópia meUioredn<br />

de um detcrmins<strong>do</strong> produto Qudquecr cièncii que nnnlisn soluçõcr de ~~I&IJ já concrc&a<strong>da</strong>s percorre<br />

o caminha inierso ao <strong>do</strong> "crh<strong>do</strong>t'><strong>da</strong>s enti<strong>do</strong>dcr c piaticn nssi engcn1i;iriihi~ertidn. D ~ds n inSr-<br />

Mçio funcionillistl menciona<strong>da</strong> no incio <strong>do</strong> capinilo, s pióp& biologia (ou mdiior as sus sub-discipli<br />

nas em quc se procedc <strong>do</strong> copo para a basc) é pua Dcnnen um cxemplo de "engcnlia~ia invcrii<strong>da</strong> (c[.<br />

DENNETT 1995: 187, Iliol~ is E>@,trrii& quc se inicix precisrrncntc com uma alusio b "ciências <strong>do</strong><br />

artificial") Emgerd, Dennetr nmbui ro dmvinismo a rcsponsnbiüdsde por csre emprrelhmcnto <strong>da</strong> biologia<br />

com a engcnliaOa. Outro rispccto <strong>da</strong> idck seyn<strong>do</strong> a quni a biologia é cngcnhnna é r idek <strong>do</strong> menml<br />

como "hn>O<strong>do</strong> dcrclegnnte". Deniictt prctende combater um dehiro que considcrn cnncretisico dc<br />

muitos Fi1ósoFos e cicn&tls cognitivos: R tciidència para coniidcrar que ns únicss alternativas sérias que<br />

se colocz~in ao erni<strong>do</strong> cicntifico <strong>da</strong> mente (e\clui<strong>do</strong> o duaiismo), $90 a fisica e n maremática, i.c as nbor<strong>da</strong>gcns<br />

puras. Era opçào oculta n pcrspeciva reoOcmciite mciios pua seyn<strong>do</strong> a qunl o esni<strong>do</strong> <strong>da</strong> biologia<br />

como engenli;iri% (e por isso pzcnrc di ri\) s&? por cxcclèncin o imbito <strong>da</strong>s cièncias <strong>da</strong> cognipo.<br />

Esta perspectiva impiua C pnix Dennen umn fonre de importantissimos i~i~&iit$ qunnto i nanirera impurn<br />

dr menrc c <strong>da</strong> mcionnlidridc (cl. DENNETi 1995: 387, onde é ielnn<strong>da</strong> uma discussio nccicn <strong>da</strong> nnmreis<br />

dr IA entrc N. Chomsky c J. Fo<strong>do</strong>i por um L


Soja IM~II~IIJ<br />

IA situam-se aiguns degraus mais abaixo, em termos de abstracção,<br />

relativamente às respostas de fuóso'fos <strong>do</strong> conhecimento, mas têm a<br />

enorme vantagem de poderem ser ser postas à prova <strong>da</strong> experiência e<br />

até mesmo refuta<strong>da</strong>s. As investigações em IA são, para Dennett e utiban<strong>do</strong><br />

uma expressão cara aos fuósofos, "experiências mentais".<br />

Elas são aliás experiências nzet~tais no duplo senti<strong>do</strong> de envolverem a<br />

imaginação <strong>do</strong> que poderia acontecer em determina<strong>da</strong>s circunstâncias<br />

e de serem explorações de arquitecturas cognitivas. São no entanto<br />

experiências mentais reais, por oposição às experiências mentais imaginárias<br />

<strong>do</strong>s hlósofos na medi<strong>da</strong> em que consistem em criação efectiva<br />

de sistemas, i.e. na engenharia de programas e de máquinas. Ao<br />

contráeo <strong>do</strong> que se passa com as experiências mentais <strong>do</strong>s hlósofos,<br />

nas quais o mun<strong>do</strong> vai sempre para onde o autor <strong>da</strong> experiência mental<br />

deseja, sen<strong>do</strong> a variável dependente a intuição <strong>da</strong> audiência, na<br />

medi<strong>da</strong> em que as experiências mentais <strong>da</strong> IA são controla<strong>da</strong>s por<br />

meio de "próteses", i.e. <strong>do</strong>s próprios dispositivos construi<strong>do</strong>s, que<br />

embora idea<strong>do</strong>s existem e são postos à prova no mun<strong>do</strong>, alguma coisa<br />

pode correr mal, e de forma ilustrativa.<br />

Se é ver<strong>da</strong>de que programas e robôs são para Dennett experiências<br />

puras sobre o mental possível, é importante notar que essas<br />

experiências não têm, nem têm que ter, como referência o mental<br />

natural (i.e. o mental biológico, humano ou animal). Pelo contrário,<br />

o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> mental num campo como a etologia cognitiva é um<br />

estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> mental biologicamente basea<strong>do</strong>, conduzi<strong>do</strong> <strong>do</strong> topo para<br />

a base, i.e. <strong>do</strong> comportamento inteligente para a implementação<br />

física. A etologia cognitiva é outra <strong>da</strong>s disciphas <strong>da</strong> cognição à qual<br />

Dennett reporta a TSI. Dennett acentuava já aliás, há mais de dez<br />

anos atrás, a pertinêucia teórica e meto<strong>do</strong>lógica de uma aproximação<br />

entre etologia cognitiva e IA. Esta aproximação está hoje estabeleci<strong>da</strong>7".<br />

É certo que a simulação de competências cognitivas<br />

hzmzanas foi cronologicamente primeira na história <strong>da</strong> IA e pareceu<br />

atraente sobretu<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à disponibili<strong>da</strong>de de <strong>da</strong><strong>do</strong>s introspectivos.<br />

No entanto, a simulação de mentes mais simples pode vir a revelar-se<br />

um caminho mais frutifero <strong>do</strong> que a simulação de mentes<br />

humanas, já que essa simulação pode visar "mentes integrais"'",<br />

"' Cf, pura uma concretvngno de t~l oproximnçáo s ievisra, Arlopii~~c Behzz~io~ O paiavrn de<br />

ordcm <strong>do</strong> mo-cnro gera<strong>da</strong> pela nprosUnaçào E "Fram AnUnnls to Anúnats" (cf. DENNETT<br />

1998: 307).<br />

"'6 o scnti<strong>do</strong> <strong>da</strong> proposta de Dennctt Uurun<strong>do</strong> pelo Úmlo de DENNI;TT 1978s, IVIgAlioiThe<br />

IVhoIc 1~,~0,,0?<br />

Uma Teoria Fi~icakta <strong>do</strong> Cor,teii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cori~riê~iriiri<br />

embora simples, e não sub-componentes (artificialmente) isola<strong>do</strong>s<br />

de mente complexas como as mentes humanas. Dennett vê quer as<br />

criaturas sintéticas de T! Braitenberg (animais imaginários) quer os<br />

insectos de R. Brooli~'~~ (robôs) como tentativas nesse senti<strong>do</strong>, i.e.<br />

como tentativas de conceber e simular mentes simples mas completas.<br />

Ora, precisamente por não ser possível aqui qualquer acesso<br />

introspectivo, os trabalhos <strong>do</strong>s estudiosos <strong>do</strong> comportamento<br />

animal podem ser úteis à IA.<br />

A ver<strong>da</strong>de no entanto é que, apesar <strong>do</strong> interesse que Dennett<br />

sempre dedicou a mentes animais e artificiais, a referência central<br />

<strong>da</strong> TSI são as mentes humanas. Mas a própria hosizontali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

perspectiva abre a porta à análise de semelhanças e diferenças entre<br />

tipos de mentes. Isto significa, por exemplo, que a TSI é capaz de<br />

apresentar propostas quanto a limiares de possibili<strong>da</strong>de de mentes<br />

humanas. A ideia central é que estes se relacionam com as arquitecturas<br />

para a comunicação e para a linguagem, as quais apoiam o<br />

teor de acto de fala <strong>do</strong> pensamento humano superior. Esta característica<br />

faz com que as mentes humanas sejam de tal mo<strong>do</strong> mais<br />

poderosas e sofistica<strong>da</strong>s <strong>do</strong> que, por exemplo, as mentes animais<br />

conheci<strong>da</strong>s, que frequentemente o trabalho <strong>do</strong> fuósofo que se<br />

aproxima <strong>da</strong> etologia cognitiva consiste, como se verá no presente<br />

capítulo, em "deflacionar" interpretações <strong>do</strong> comportamento animal,<br />

nomea<strong>da</strong>mente atribuições de comunicação e consciência a<br />

animais. O caso característico de atribuição extra-generosa de consciência<br />

às mentes animais na etologia cognitiva é o <strong>do</strong> etologista D.<br />

Griffin7ji. Ora, ao contrário <strong>do</strong> que defende um autor como Gnffin,<br />

a TSI sustenta uma posição deflacionista acerca de mentali<strong>da</strong>de<br />

animal: a distância entre as mentes humanas e mentes de outras<br />

espécies, mesmo <strong>da</strong>s espécies mais inteligentes, é enorme, suficientemente<br />

grande para fazer to<strong>da</strong> a diferença em termos morais, por<br />

exemplo. Apesar disso, os princípios <strong>da</strong> TSI não permitem afirmar<br />

que se trata de uma diferença de natureza, mas apenas, de uma diferença<br />

de grau.<br />

'"Para urna explicação <strong>do</strong>s p"ncipias rcúticos <strong>da</strong> roboticn de II. Brooks, cf, blACHUCO ROSA,<br />

2002, 4. A Nova Robútiw, 4.1. A nrquitccnin de subsungão de R. Brooks. Cf. rambém BROOICS<br />

1997. Escí aqui em cnusa o aban<strong>do</strong>no dn nagão dc represencaglo, dcmnsis<strong>do</strong> abstracta, c n sua substimiqio<br />

por comportamcnrus ou activi


Precisamente porque a diferença entre tipos de mentes não é<br />

de natureza mas de grau, Dennett interessa-se pela gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />

mentes e pela distância que as separa no espaço <strong>do</strong> de@. Uma<br />

<strong>da</strong>s estruturas organiza<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> livro IGlzds oJ Minds (ISbi, é uma<br />

tipologia de criaturas cognitivas feita a partir de dentro e de baixo.<br />

Este "dentro" não é o interior <strong>do</strong> "sentir-se ser" mas o interior<br />

físico <strong>do</strong>s sistemas cognitivos onde acontecem processos de geração<br />

e teste que vêm a possibilitar o "desigz-para-uma-mente".<br />

"Baixo" significa assim menos complexo <strong>do</strong> ponto de vista evolucionista<br />

e de acor<strong>do</strong> com a tipologia de Dennett as criatlz~ras <strong>da</strong>r-<br />

~uillianas iniciais, i.e. os primeiros exemplares de desigr, biologicamente<br />

basea<strong>do</strong>, gera<strong>da</strong>s por combinação e mutação de genes,<br />

eram testa<strong>da</strong>s em campo. Nas criatlz~ras skinnerianas posteriores<br />

existe já plastici<strong>da</strong>de fenotípica, i.e. o design <strong>do</strong>s organismos não<br />

está completo desde o nascimento, existin<strong>do</strong> espaço para um ajustamento<br />

por meio de testes em campo de uma varie<strong>da</strong>de de acções<br />

que "confrontam" o ambiente até que algumas f~ncionem"~. A<br />

distinção entxe mol<strong>da</strong>gem por selecção natural de indivíduos e<br />

mol<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> comportamento por condicionamento (a diferença<br />

entre criaturas <strong>da</strong>ixvinianas e skinnerianas) não é, note-se, teoricamente<br />

muito importante (a não ser para o próprio indivíduo <strong>da</strong>rwiniano,<br />

dir-se-ia, uma vez que este por definição dá-a-vi<strong>da</strong>como-hipótese<br />

em vez de experimentar hipóteses de acção).<br />

Superiores às criaturas skinnerianas são as n-iatlz~ras popperianas,<br />

que, essas sim, produzem no seu interior hipóteses que morrem<br />

em vez de si (i.e. as propostas comportamentais alternativas que<br />

as criaturas skinnerianas apresentavam ao ambiente são feitas<br />

interiormente nas criaturas popperianas). Os sucessores mais<br />

sofistica<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s criaturas popperianas são criaturas em cujos cérebros<br />

está instala<strong>do</strong> design apoia<strong>do</strong> em porções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior<br />

nas quais existe design (i.e. artefactos, inclusive a linguagem escrita).<br />

Estas são criatz~rasgregoya~tas"~, capazes de pensar (fisicamente)<br />

dentro, virtualmente, com apoio em desigrr "exterior". É evidentemente<br />

este o caso <strong>da</strong>s mentes humanas.<br />

" Dcnneo chama "aprendizagun AUC" n esrí conjugagno dç nssociacionismo, belia~~orismo e<br />

conerionisrno. As criaruras cnpnres dc aprendizagem I\UC sio cspnies de redescnhar o seu compoitarnenro<br />

como resulta<strong>do</strong> de mol<strong>da</strong>gm (rhopiiis) pelo ambientc (ct DENNEm, 1996: 81, Tiic<br />

Tfl,#W 4 C-~,~II/C ,i,, d 'iiii).<br />

-"A origcm <strong>do</strong> [ermo é o nome <strong>do</strong> psicólogo inglês Ilichard Gregoix reórico <strong>do</strong> papel <strong>da</strong> informnq"<br />

corporira<strong>da</strong> cm objectos nr inteligência.<br />

Un~a Teoria Fis~caisicrr/~ta <strong>do</strong> Contrií<strong>do</strong> c <strong>da</strong> Cor~sciêr~riri<br />

5.2 Questões aplica<strong>da</strong>s <strong>da</strong> TSI: as i3iiente.r aaiinaais e oprobleiza <strong>da</strong><br />

ii~terpretação, o problenia <strong>do</strong> enquadmento fiaine proble~7i) ?Ia IA, o<br />

carácter inco~ora<strong>do</strong> <strong>da</strong>s inentes.<br />

A primeira aplicação <strong>da</strong> TSI aqui considera<strong>da</strong> & respeito às<br />

mentes animais. Dennett procura utilizar a TSI para fun<strong>da</strong>mentar<br />

<strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s etologistas cognitivos, defenden<strong>do</strong> que o problema<br />

teórico coloca<strong>do</strong> pelo comportamento é idêntico no caso humano<br />

e no caso animal. Trata-se em ambos os casos de lz/?nproble~za de<br />

interpreta@o, na conh~~í~i<strong>da</strong>de <strong>do</strong> problen~a biológico <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação. O caso<br />

específico em foco é a (suposta) comunicação entre criaturas não<br />

linguísticas. Dennett parte <strong>do</strong>s pressupostos seguintes. As mentes<br />

animais são mais simples <strong>do</strong> que as mentes humanas na medi<strong>da</strong> em<br />

que, como se viu no Capítulo 3, não é possível considerar a unificação<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cognitiva, pelo menos tanto quanto esta envolve uma<br />

auto-representacão razoavelmente explícita, como uma característica<br />

uniformemente distribui<strong>da</strong> por to<strong>da</strong>s as mentes biológicas. A<br />

unificação virtual é um acontecimento tardio <strong>da</strong> história evolutiva<br />

de uma única espécie, a humana, e, aliás, nem mesmo seres nos<br />

quais ela existe presentemente tiveram desde logo uma tal unificação<br />

organizacional já instala<strong>da</strong>. A unificação resulta antes de uma<br />

instalação (devi<strong>da</strong> à iinguagem natural) responsável pela ilusão <strong>do</strong><br />

utiliza<strong>do</strong>r ou Teatro Cartesiano, que é constitutiva <strong>da</strong>s mentes<br />

humanas e apenas destas. Dmett dgeirde assim que a ihsão <strong>do</strong> z/tiLxa<strong>do</strong>r<br />

não exkte tenoutras eqécies e nem ?iles?/io nos recéíll nas<strong>do</strong>s hlz~n~anos, sen<strong>do</strong><br />

to<strong>da</strong>s estas mentes niírito ?ilais descenh.afi?a<strong>da</strong>s <strong>do</strong> qne as í~entes hz/?iia~nas<br />

adlz~ltas. Como já se viu no Capítulo 3, é pelo facto de a consciência<br />

envolver, ou ser idêntica a, uma organização informacional como<br />

esta que Dennett não identifica consciência com sensiência. Ora, é<br />

a esta que usualmente se faz apelo para defender a pari<strong>da</strong>de entre<br />

mentes humanas e animais. Uma tal posição opõe-se a convicções<br />

que estiveram na origem de desenvolvimentos recentes na etologia<br />

cognitiva. Nomea<strong>da</strong>mente, o etologista Donald Griffin, o responsável<br />

pela introdução <strong>da</strong> expressão "etologia cognitiva"'", lançou<br />

um novo tipo de trabalho etológico ao interessar-se explicitamente<br />

'" Pgn uma Iiisrória <strong>da</strong> disciplina, cf ALLEN & UEKOFF 1997: 21, A Hi$ I~IiiliiirilAriori,ii oj<br />

C/n~~ici~/iE~iioiig). ed Cog,iliue Eliiolagi, e espccislmente s p. 32 c seguintes prn a nvnliq3o <strong>da</strong> impoitinciri<br />

ds abn dc D. Griffm. O tiaùnllio de D. Griffin e de ouuos erolo@st~.is foi estimula<strong>do</strong> pelo céiebie<br />

artigo de Nagd IViiiiiif is I/ Iihe /o Hc n BirlZ (NAGEL 1974). Pari to<strong>da</strong>s círcs etologistns tmtavn~<br />

se, tio seu tiabdho, dc icspondci i qucstio de Nagel relativamente s difercnrcs espécics snimnis. Em


Sofia IM&LI~,IS<br />

pela questão "como é, para criaturas não humanas, Subjectivamente,<br />

existir", defenden<strong>do</strong> a existência num grande número de espécies<br />

animais de consciência, expectativas, memória e pensamento sobre<br />

objectos não existentes. A consciência seria, segun<strong>do</strong> Griffin, uma<br />

proprie<strong>da</strong>de emergente que confere uma enorme vantagem permitin<strong>do</strong><br />

aos animais seleccionarem as acções que mais provavelmente<br />

servirão para conseguirem aquilo que desejam e afastar aquilo que<br />

temem. Griffin utiliza a palavra "consciência" de forma ambígua -<br />

nomea<strong>da</strong>mente como sinónimo de apercebimento (auare/~ess), mentali<strong>da</strong>de<br />

(nle/~tali@)), cognição e consciência reflexiva - estenden<strong>do</strong>-a<br />

a muitas espécies animais. O seu trabalho foi repeti<strong>da</strong>mente acusa<strong>do</strong><br />

de falta de fun<strong>da</strong>mentação teórica, precisamente por utilizar de<br />

forma liberal conceitos polémicos, tais como consciência e racionali<strong>da</strong>de,<br />

sem os defuiir. O tratamento <strong>do</strong> comportamento animal por<br />

Griffin foi também acusa<strong>do</strong> de ser antropomorfista e o seu trabalho<br />

de não passar de uma mera listagem de episódios. Assim, embora D.<br />

Griffin tenha lança<strong>do</strong> a etologia cognitiva, ele não a justificou teoricamente.<br />

É nesse ponto que a TSI entra em cena.<br />

A segun<strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> TSI a ser aqui considera<strong>da</strong> diz respeito a<br />

mentes artificais, o que conduzirá a uma incursão pela hlosoh <strong>da</strong> IA,<br />

nomea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong>jb~zeproúlenl (problema <strong>do</strong><br />

enquadramento), um problema relativo a representação <strong>do</strong> conllecimento,<br />

que tem si<strong>do</strong> objecto de discussão hlosófica desde que foi<br />

identifica<strong>do</strong> em 1969 por J. McCarthy e l? Haye~'~~. O problema consiste<br />

no seguinte: qualquer agente, para agir no mun<strong>do</strong>, deve dispor<br />

de representações internas <strong>do</strong>s traços relevantes desse mesmo<br />

mun<strong>do</strong>. Para isso é necessário um quadro de referência (j+a~i~e q'" r@reme).<br />

Ora, acções no mun<strong>do</strong>, inclusive acções <strong>do</strong> próprio sistema,<br />

podem alterar esse quadro de referência. O problema consiste em<br />

saber o que é necessirio para actualizar o quadro de referência,<br />

nomea<strong>da</strong>mente o que é necessirio para que o agente saiba que coisas<br />

permanecem inaltera<strong>da</strong>s num mun<strong>do</strong> em alteração e que coisas<br />

são de facto altera<strong>da</strong>s e alteráveis. Na formulação de J. McCarthy e P.<br />

Hayes, o problema <strong>do</strong> enquadramento é relativo a estratégias utiliza-<br />

AI.I.TrN 8; BBICOFF 1977 C fcitr umn Iiistóris breve <strong>da</strong>s tendl.nciss mero<strong>do</strong>lózi~ns nl erolaein. rridii..:<br />

.... m.-ill.i.i:LI. .I. .Iil>,l i1 'iii I,. .:.ri, :,,r. Lllll>lL>ilr. 11.1 111.,.1..> .\.,,.c )II..II,;.UI<br />

:.,,,.i,. r. ..I>: ".,.' !lil..ii>l.!.i.r I< "I;. i.. . :i , . \\'ii,;:.:..i.ili. r;o. i . ..<br />

I . ,,ijo,m lbc S/i$nnl<br />

I,,/e//,&,,


cológico, trata-se agora de admitir agora que talvez essa divisão <strong>do</strong><br />

trabalho não seja neutra relativamente à implementacão física.,Se o<br />

mental se decompõe em mentes distribuí<strong>da</strong>s por corpos, ele não<br />

poderá ser pensa<strong>do</strong> sem se considerar a sua corporei<strong>da</strong>de ou incor-<br />

poração. Este não é aliás o único senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> mente incorpora<strong>da</strong>. Um<br />

segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> diz respeito ao facto de a corporei<strong>da</strong>de ser consti-<br />

tutiva <strong>do</strong> mental na medi<strong>da</strong> em que existe um corpo no cérebro, i.e.<br />

uma representacão <strong>do</strong> corpo próprio que acompanha o pensamen-<br />

to/cogiição <strong>da</strong>quele indivíduo e um terceiro senti<strong>do</strong> diz respeito ao<br />

facto de o tipo especifico de mente humana não ser concebível sem<br />

prolongamentos exteriores às fsonteiras biológicas <strong>do</strong> indivíduo<br />

humano que representam deszg12-para-pensar. E esse aspecto que está<br />

em causa por exemplo quan<strong>do</strong> se fala <strong>da</strong>s criaturas gregoryanas, cujo<br />

pensamento acontece no interior físico virtualmente, com apoio em<br />

deszgf2 exterior. Aquilo a que se poderia chamar um off load ou exte-<br />

rioiização <strong>do</strong> mental para o ambiente é assim caractenstico <strong>da</strong>s men-<br />

tes humanas7" (senão, como saberia alguém por exemplo algo tão<br />

simples como "quanto é 234567x2346783. Como Dennett notará<br />

em I(M, não é possível comparar o pensamento possível a partir de<br />

um cérebro humano nu com o pensamento possível com apoio em<br />

to<strong>do</strong> o design disponível no ambiente.<br />

«I claVn that other species simply aren't beset by the iünsion of the<br />

Cartesian Tlieaten),<br />

Daniel Dennett7+*<br />

Ct DBNNBTT 1996: 134-135: «Oiii bi&s am modcsdy lergcr dinn tlie binins of our nearest<br />

relxiics (..) but this is slmost ceitaidiniy not tlie source of oui gicatci intcüigsncc. Tlic prúnary rource,<br />

I wanr to suggcst, is ou híbit of off-iording as much ss possible of our copitiíc níks ùita tiie<br />

enviionmenr itsclf - cruuding our minds (thnt is our menmlprojects 2nd nctivities) into the surrounding\voild,<br />

where s liost of pcriplicrai dwiiccs wc cos>suuct cnn srore, process, and re-represent our<br />

rneanings, suenmliciing, enhnncing snd prorccting &c pracesscs of mnsformntion d?nt ore our tliùiking.<br />

Tliis \vidcípread praccice of off-londing relesses us from tlie limitrtions of ou snúnal birinr».<br />

"i\ quest;io <strong>da</strong>s mcntes animis tem uma preseqa consnnre na ubn de Dcnnen. Nérn <strong>do</strong> artiga<br />

dn revista Hrii~iio~~l~i,idBrl"iiSiiiii~i (DBNNEIT 1987m), que esreve no centro de um prolonga<strong>do</strong><br />

debate, to<strong>da</strong> n parte 111 de BC (Eiiioias, Aiiii,iiiii\Iin.i) é dcdicn<strong>da</strong> ao pioblcina <strong>da</strong>s mentes animais.<br />

Pira uma nbor<strong>da</strong>gcm anterior <strong>do</strong> problema <strong>da</strong>s mentes nnimriis, cf. HOFSTMTER & DBNNETT<br />

1981: 100, Tir Sml i1.1or166 li,r Br(iit [Texto 7, de lèrrel hfiednnei). Recorde-se que em Coiidiiio~~i g'<br />

Pcrioiiiiood. n oucstio em csmbi.m abor<strong>da</strong><strong>da</strong>. Bm C&C o oroblcma <strong>da</strong>s mcntcs animais é evoca<strong>do</strong> n nropósiro<br />

<strong>do</strong> erro quc o crcesso de especificidnde nr auibiiig<strong>do</strong> dc contcú<strong>do</strong> n inciircs nnimis constitui<br />

-" DBNNBTT 1978~: 346.<br />

U7i1a Teoria Fisicalista <strong>do</strong> Coizte,in'o e dn Coiirriê~,riri<br />

Ficou estabeleci<strong>do</strong> através <strong>da</strong>s análises <strong>da</strong> consciência e <strong>da</strong> accão<br />

aquilo que Dennett pensa ser essencial a uma vi<strong>da</strong> mental humana:<br />

a especifici<strong>da</strong>de desta reside em grande medi<strong>da</strong> na voluntarie<strong>da</strong>de,<br />

que se encontra focalmente nos actos deJala co7rsfitz1hvos ciopensamenfo.<br />

Esses actos de fala são (<strong>do</strong> ponto de vista teórico) juízos ou, na<br />

terminologia de Dennett, "opiniões" (por oposicão ao conceito<br />

geral de crenca tal como este funciona na TSI) e (<strong>do</strong> ponto de vista<br />

prático) decisões. Os outsos animais são incapazes deste tipo de<br />

actos e portanto incapazes de pensamento por oposição a cognicão.<br />

Uma crítica possível a esta posição salienta o facto de ela<br />

esquecer a sensiência e a presenca desta em enti<strong>da</strong>des biológicas<br />

não humanas. No entanto, para Dennett, a sensiência não é nem<br />

idêntica à consciência nem suficiente para esta. A possibili<strong>da</strong>de de<br />

pensamento está liga<strong>da</strong> à linguagem e à comunicacão, e é por isso<br />

que pensamento não é sinónimo de cognição e inteligência7". Ao<br />

contrário <strong>da</strong> inteligência, o pensamento é uma especifici<strong>da</strong>de humana<br />

(outros autores acrescentariam que a consciência, como a inteligência,<br />

também não é uma especifici<strong>da</strong>de humana, mas não<br />

Dennett, que precisamente liga a consciência ao pensamento7").<br />

Deste mo<strong>do</strong>, são claramente diferentes entre si as questões seguintes:<br />

(1) será qz~e o coqbortat~lento de criatl~ras não litgz(isticas é iiiltehgeente?<br />

(2) seni legitimo s/por qze se capt~~ra a Bati/rera <strong>do</strong> coi,lpo?tamtnto iztehgente<br />

de niaIzíras tlão íi~g~~isticas akravés de perrsaizei~tos uerbaliráveis? A resposta<br />

à primeira questão é indubitavelmente afirmativa, a resposta<br />

à segun<strong>da</strong> é negativa. Descreven<strong>do</strong> linguisticamente como é para<br />

uma mente animal ser não se captura a natureza desta. Isto é assim<br />

para Dennett não porque a natureza <strong>da</strong> mente animal exce<strong>da</strong>, pela<br />

sua subjectivi<strong>da</strong>de e sensiência, a formulacão - esta seria uma posi-<br />

"' A comiinicaç<strong>do</strong> poi meio de lingtagecis nnrunis dereW assim ser considcrndn cm oporiçio a<br />

comportamentos informntivos bem sucedi<strong>do</strong>s na "camunicnçio" dc nlymz coisa cm hingáo erclusimimente<br />

<strong>do</strong> seu componente ortcnsiro. Um crcmpio sciirin as <strong>do</strong>iiças d:is abelhas, referidns por R.<br />

hlUiikan,mas "50 esti cxdui<strong>da</strong>s po~sibiüd:idc de casos muito msis complica<strong>do</strong>s. Assim, cnnniras que<br />

ostentam comportrimcnro informativo n<strong>do</strong> necessnrinmeiite comunicam, eml>orn o tipo dc compoi~<br />

toincnto cxibi<strong>do</strong> possa ser ~onsidera<strong>do</strong> como um mtccedcntc cvalutivo <strong>da</strong> comunicsç<strong>do</strong> l'sra a distinç<strong>do</strong><br />

cnue comportamento informativo ortcnsivo e ~amunicaç<strong>do</strong> cf Sl'Blioblema tabu, a<br />

certo inomcnto, para os Unguistss) cf PINIaR 1974.<br />

"Também M. Dummett, um fdósofo quc ccrnmcnre ii<strong>do</strong> csri t<strong>do</strong> cnvolvi<strong>do</strong> em investigagiies<br />

cognitivas empiriczs como Dcnnetr mas que se tem ocups<strong>do</strong> <strong>da</strong>s relngòes entre pensamento e Iinguagcm,<br />

tcnde n dcfcnder que os penslmentos de criangns e nnimiis $50 apcnns pioto-penr~mciitos.<br />

Blcs podem ser expressos em palamar apcnns poi uma npioximrg<strong>do</strong> giossch, jii que tal erpress<strong>do</strong><br />

seri quase certamente dcmuíis<strong>do</strong> precisa e rica pan <strong>da</strong>i coiiccramentc o conteú<strong>do</strong> em causa.


ção nageliana - mas, pelo contrário, porque a formulação linguística<br />

excede a mente animal7". Para Dennett, os animais têm crenças<br />

pela mesma razão não polémica que um termostato tem crenças: o<br />

seu comportamento é previsível a parár <strong>da</strong> EI. É certo que a conclusão<br />

aplica<strong>da</strong> a animais é bem menos polémica. A questão importante<br />

diz respeito não a saber se os animais têm ou não crenças mas<br />

ao grau de sofisticação dessas crenças.<br />

Em 1983, Dennett publicou na revista Behauioral and Brain<br />

Sciences um artigo que recebeu, como é usual na prática dessa revista,<br />

inúmeros comentários. Esse artigo, IntentionalSystems ií2 Cogt~itive<br />

Ethology - The Pa~lglssian Paradigx cifendeZa representa uma primeira<br />

incursão mais elabora<strong>da</strong> nos problemas <strong>da</strong> etologia cognitiva e<br />

uma extensão explícita <strong>do</strong>s princípios <strong>da</strong> TSI às mentes animais. O<br />

artigo veio a resultar em posterior cooperação com etologistas7'"nomea<strong>da</strong>mente<br />

Dorothy Cheney, Robert Seyfarth e Carolyn Ristau7j0<br />

- e também numa controvérsia com S. J. Gould e R. Lewontin<br />

acerca <strong>do</strong> poder <strong>do</strong> a<strong>da</strong>ptacionismo na teoria evolucionista. A pro-<br />

'"Dai a peculiar interprçmyào qiic Dennert fm <strong>do</strong> diiiiiiii wirtgcnstciliano <strong>da</strong>s I,i~iit&isfõõei segun<strong>do</strong><br />

o qual "Sc um leZo f*l>sse nós náo seiiamos capazes dç o compreender" (\VIlTGENSTEIN<br />

1953, II' Patte, 220). Dcnnett considen que de facto o comprcendeii~mos. E <strong>da</strong>s dum uma, ou o<br />

IeZo nZo teiin na<strong>da</strong> pm dizcr ou rcria (de alguma maneira) "liumano" (ou melhor auto-conrcicntej<br />

não poden<strong>do</strong> por isso <strong>da</strong>r qualqucr informação íobrc "como é sci uin I<strong>do</strong>" (cf DENNElT 1996:<br />

18 c DENNE1-r 1991: 447). Cf também DENNElT 1998t: 306: e\Vittgenstcin once said if a lion<br />

could spenk wc cauld not underst~nd him. I disngree. If n monkeg could speak - resily spcak a langusge<br />

-\-e could undcntmd him jus1 fine because, if s monkey could speak his wng of life Iiis wny<br />

of life would hnve to hc iciy inuch morc likc ours &nn it is».<br />

'"' Cf DTiNNETi 1987m, Iiiir,iiiiiiii/~sie,,ii i,, Cog,~iiim Eiiiiili~. O artigo foi pcla piimein vez<br />

publica<strong>do</strong> cm 1983, acompanha<strong>do</strong> por comentátios de Jonstlisn Bciinctt, Priuicia Cliuichland,<br />

Arthm Danto, Richnrd Dnwkins, híichael GliiseLin, George Gnlinm, Donsld Griffin, Gilbert<br />

I-lnrman. Nicholns Humlilircv. . '. Richsid Lewontin. Dm Llovd. ..* 1. hlniinrrd . Smitli. Rutli híiUiksn.<br />

Carolgn Rismu e B.I; Shncr cntrc outros, c pastcriormcnrc inclui<strong>do</strong> em DENNETT 1987.<br />

"TE pari n desciigáo <strong>da</strong>s relngões <strong>do</strong> nutor com n erologia . DENNRlT 1998r, O,,l,ra/ iiieAr,,,~boir<br />

riiidii>lo fiic Fiel


~ILPI~~~J'~'. Os macacos que servem de exemplo a Dennett - os<br />

macacos testiverdes (Cercopithecz~s aethiops) - utilizam vocalizações<br />

diferencia<strong>da</strong>s, nomea<strong>da</strong>mente emitem diferentes gritos de alarme<br />

(aparentemente) associa<strong>do</strong>s a diferentes pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res e parecem<br />

a<strong>da</strong>ptar o seu comportamento comunicacional a situações concretas<br />

de forma versátil.<br />

(3) l3,licitar a lgaçüo entre a TSI e o a<strong>da</strong>ptacionisnlo biológico, mostran<strong>do</strong><br />

qz~e os argzlnrentos de S. J. Gozlld e R. Lewo~~titr contra o a<strong>da</strong>ptacionis~no<br />

süo a~zái'ogos aos azz~meTrtos de B. E Skitrt~er contra o mentahsn~o em<br />

psicologia e r120 cotrstitz~en~ zlnz obstác~~lo. Quer as criticas skinnerianas ao<br />

mentalismo quer as críticas ao de S. J. Gould e R. Lewontin ao<br />

a<strong>da</strong>ptacionismo apontam, é certo, perigos reais, tais como o excesso<br />

de facili<strong>da</strong>de na explicação permitin<strong>do</strong> ignorar os detalhes concretos,<br />

a intestabili<strong>da</strong>de e consequentemente a ixrefutabili<strong>da</strong>de, e a<br />

incapaci<strong>da</strong>de de distingw entxe a utili<strong>da</strong>de actual e as razões <strong>da</strong> origem<br />

de alguma coisa. Elas não avançam no entanto objecções fun<strong>da</strong>mentais.<br />

Antes de passar a uma análise <strong>do</strong> artigo, convém recor<strong>da</strong>r que<br />

algumas considerações aplicáveis à cognição animal apareciam já<br />

no artigo Conditions 4 I'ersonhooct, analisa<strong>do</strong> no capítulo 4. Nomea<strong>da</strong>mente,<br />

era aí proposta uma gra<strong>da</strong>ção de tipos de mentes de acor<strong>do</strong><br />

com ordens de intencionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s SI, o que permitia entre<br />

outras coisas enquadrar o comportamento animal de logro. A diferenca<br />

entre ordens de intencionali<strong>da</strong>de marcava incipientemente<br />

uma diferença crítica entre mentes humanas e animais, então reporta<strong>da</strong><br />

aos critérios griceanos para a existência de comunicação. De<br />

novo em Itrtentiorzai' Syseezs ia Cogtiitive EEoi'ogy Dennett dá como<br />

exemplo de comportamento de logro o pássaro que finge ter a asa<br />

parti<strong>da</strong> para afastar o pre<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> ninho e evoca o solilóquio com<br />

o qual R. Dawldns75hxplica as razões de tal comportamento. O<br />

solilóquio é evidentemente muito mais inteligente <strong>do</strong> que o pássaro<br />

que supostamente o "implementa", o que não deve constituir<br />

impedimento quan<strong>do</strong> se trata de considerar o comportamento como<br />

comportamento de logro. O reconhecimento de freei-eejioatitg ratioirales<br />

é indispensável na Ir>iologia evolucionista e, precisamente, estabelece<br />

o parentesco desta com a EI. O a<strong>da</strong>ptacionismo é, na defi-<br />

."Os &,rrLdr,ioitkc)r ou macacos rcstivcrdcs (Crr-iiiii Efholo~).<br />

-" Cf DA\VICINS 1976.<br />

nição de S.J. Gould e R. Lewonàn um programa basea<strong>do</strong> em fé na<br />

"<br />

selecção natural como agente qbtin~i~a<strong>do</strong>r. E esta fe<br />

,,,<br />

que é caricatura<strong>da</strong><br />

por S. J. Gould e R. Lewontin como pangLossiafia, excessivamente<br />

e injustifica<strong>da</strong>mente optimista, nomea<strong>da</strong>mente por procurar<br />

razões de ser para to<strong>do</strong> e qualquer traço de design actual. Ora, de<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, quer o a<strong>da</strong>ptacionismo quer a E1 são estratégias<br />

para organizar <strong>da</strong><strong>do</strong>s e gerar questões e não teorias, sen<strong>do</strong>,<br />

enquanto estratégias, perfeitamente legítimos7jj. O erro <strong>do</strong>s cnticos<br />

<strong>do</strong> a<strong>da</strong>ptacionismo é confundirem uma estratégia heunstica com<br />

uma pretensão à explicação.<br />

Em Iritentiol~aLSyse~ns zll Cogr~itiue Etholo~ Dennett retoma a ideia<br />

<strong>da</strong>s ordens de intencionali<strong>da</strong>de, consideran<strong>do</strong> nomea<strong>da</strong>mente que<br />

a grande diferença entre tipos de seres mentalmente interpretáveis<br />

se relaciona com a capaci<strong>da</strong>de ou incapaci<strong>da</strong>de de a<strong>do</strong>ptar a 151 em<br />

relação a outros seres. O limiar relevante é a existência um SI de 2"<br />

ordem, OZI psicói'ogo natwaP" não apenas interpretável como ten<strong>do</strong><br />

crenças e desejos mas também como ten<strong>do</strong> creizfas e desejos acerca <strong>da</strong>s<br />

crenças c desejos de ozliro ser. Um psicólogo natural pode no entanto<br />

perfeitamente ser um "psicólogo natural não pensante", i.e. uma<br />

enti<strong>da</strong>de incapaz de ter crenças acerca <strong>da</strong>s crenças acerca de crenças<br />

que tem. Na terminologia utiliza<strong>da</strong> por Dennett, um psicólogo<br />

natural não pensante não é um SI de 3" ordem. Estas diferenças de<br />

ordem de intencionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s SI são cruciais para o trabalho <strong>do</strong>s<br />

etologistas cognitivos. Estes necessitam, de acor<strong>do</strong> com Dennett,<br />

de uma teoria e de uma linguagem descritiva neutras que lhes permitam<br />

apoiar observações e elaborar hipóteses e vir a decidir mais<br />

tarde, se e em que senti<strong>do</strong> determina<strong>do</strong>s animais têm crenças e<br />

crenças acerca <strong>da</strong>s crenças de outros animais. Só assim se poderá<br />

"' Esta forma dc cscnpar b ctiucas de S. J. Gould e R. Lewontin relnciona-se obviamente com<br />

a discusiào ncercn <strong>do</strong> cstamto <strong>do</strong> dcriyiyiy icfcii<strong>da</strong> no Capimlo 2. Como cntio sc aGmou, essa posi~ào<br />

oscila entre um realismo e um inretprerrtitismo. De qualquer rno<strong>do</strong>, o csramto <strong>do</strong> sdnpracionismo é<br />

objecto de discussão enrre os próprios bióiogos, o que sobressai de forma bnsranre norótin <strong>do</strong>s<br />

comcnrbriar dirigi<strong>da</strong>r par biólogos ao artigo de Dennett. Os campos dividem-se, deknn<strong>do</strong> de um<br />

la<strong>do</strong> nomes como J. Mzynard Smitli, hl. Gliirclin c R. Dxwldns c <strong>do</strong> ourro N. Eldrcdgc c R.<br />

Lewantin. R. Dawkins e J. hlaynard Smirli sublinham o qusnro Gould e Lewontin $30 rsmbém, nindn,<br />

apcrir dc to<strong>da</strong>s as criticas, rd$ptscionistas e nem poderiam dekni de $6-lo como biólogos.<br />

'* Como jb foi rcfcri<strong>do</strong> no Cnpimlo 4, Dcnnctr v~ buscar a cxpressio ao psicólogo Nichoias<br />

Flumphrey, que sugmiu n hipórese segun<strong>do</strong> n qual tetia si<strong>do</strong> um cfeito de cortkla (cognitiva) ao sumamente<br />

o responsivel, de um ponto de visti evolucionisra, pelo surgimenco <strong>da</strong> inreiigència mais so6stia<strong>da</strong>,<br />

scn<strong>do</strong> mcsmo a nuto~conscii.ncia um csrratzgcmn para o desenvol~cnto c tcstc dc hipótcses<br />

sobre o que se prissatia nas oums mentes (cf DENNETI 1996: 120). O efeito é o sepinte: se<br />

surgc um ser que pensa sobre o penslmenro de outro, surgirj a necessi<strong>da</strong>de de um ser que pense<br />

sobic o quc o ourro sci pcnsr quc dc pcnsn, dc mo<strong>do</strong> n crmr irrim em vnntagcm, ctc.


soja iVIig/le,,s<br />

avaliar se, por exemplo, as aparentemente versáteis trocas comunicativas<br />

e vocalizações entre indivíduos correspondem a algo de<br />

próximo <strong>da</strong> linagugem humana. Ora, Dennett crê que a TSI é capaz<br />

de cumprir esta função. De facto, como Dennett recor<strong>da</strong> no artigo<br />

Do Al~imals Have B~liefs?'~, os etologistas cognitivos partilham a<br />

problemática <strong>do</strong>s filósofos <strong>da</strong> mente (e mesmo controvérsias quanto<br />

ao carácter simbólico <strong>da</strong> implementação fisica <strong>do</strong> mental, quanto<br />

i importância <strong>do</strong> "sentir-se ser", etc). É evidente que existe uma<br />

agen<strong>da</strong> oculta no interesse de Dennett pela etologia: o caso <strong>da</strong>s<br />

mentes animais parece apropria<strong>do</strong> para reforçar o anti-sentencialismo<br />

e a secun<strong>da</strong>ri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem preconiza<strong>do</strong>s na TSI, bem<br />

como a indispensabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem para a possibili<strong>da</strong>de de<br />

(auto.) consciência.<br />

Olhan<strong>do</strong> para o comportamento animal, aquilo que se captura<br />

teoricamente acerca <strong>do</strong> comportamento animal através de linguagem<br />

mentaiista não tem, de acor<strong>do</strong> com Dennett, "por essência"<br />

estrutura de linguagem nem é imediatamente revela<strong>do</strong>r de consciência.<br />

No entanto, o vocabulário mentalista é perfeitamente legítimo<br />

e de resto, o etologista cognitivo já o a<strong>do</strong>pta (é isso que o caracteriza<br />

como etologista cog~~itiuo). Simplesmente a<strong>do</strong>pta-o sem justificação<br />

e Dennett pretende apresentar a justificação que falta. As<br />

sugestões em que a sua incursão pela etologia culmina colocam<br />

Dennett em polémica com estudiosos <strong>do</strong> comportamento animal<br />

de orientações diametralmente opostas: por um la<strong>do</strong> Dennett será<br />

acusa<strong>do</strong> de excesso de "romantismo" por B. E Skinner7", por outro<br />

la<strong>do</strong> será acusa<strong>do</strong> de excesso de cautela e timidez por D. Griffin7".<br />

De acor<strong>do</strong> com Dennett, o etologista cognitivo está na situação<br />

<strong>do</strong> tradutor radical quineano (pior, aliás, pois não está entre os membros<br />

de uma ttibo hto~iavia); ele não deve no entanto ter, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, escrúpulos behavioristas. Verá então um animal como um<br />

SI, e utilizará linguagem mentalista, para elaborar hipóteses e testá-las.<br />

Poderá fazê-lo em virtude de uma suposição de racionali<strong>da</strong>de. O problema<br />

quanto ã reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que é a~buí<strong>do</strong> só se coloca posteriormente:<br />

terão os animais realmente crenças e desejos? Serão eles<br />

"ver<strong>da</strong>deiros crentes"? Como se sabe, a questão não pode ser posta<br />

em termos absolutos na TSI e Dennett sugere que ela seja substituí<strong>da</strong><br />

pela atenção à diferença entre tipos de SI (& I", 2", 3" ordem, etc).<br />

'" DENNET 1998".<br />

"' Cf SIUNNER 1983, A Betiir iVq ai.0 Dcalwiih Si,~ilcciion.<br />

'" Cf GRiPFIN 1983, Tiii,ihiq obou/A,ii>,,nl Thights<br />

Uma Teoria Fisicalista <strong>do</strong> Coi~tezi<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Co~rsciêr~cia<br />

A questão é pois saber, quanto a um animal específico e aos seus<br />

comportamentos, de que tipo de SI (de Ia, 2", 3" ordem) se trata.<br />

A sugestão de análise <strong>da</strong>s mentes animais em termos de ordens<br />

de intencionali<strong>da</strong>de obteve umagrande aceitação entre os etologis-<br />

tas, mas não é o único elemento <strong>da</strong> proposta de Dennett. Uma vez<br />

que Dennett defende, como se viu no Capítulo 4, que a existência<br />

de pelo menos uma terceira ordem <strong>da</strong> intencionaii<strong>da</strong>de no falante<br />

e na audiência é uma condição necessária para a existência de co-<br />

municação, é de prever que a instanciação de espécimes aparente-<br />

mente linguísticas não seja considera<strong>da</strong> suficiente para a existência<br />

de comunicação se não estiverem presentes as condições gnceanas.<br />

I.e., a troca de vocalizações entre animais não deve ser imediata-<br />

mente considera<strong>da</strong> como comunicação. Saber se um animal é ou<br />

não um SI de 3" ordem é uma questão que apenas pode ser abor-<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> empuicamente, mas é a TSI que permite a sua formulação. A<br />

proposta de classificação <strong>do</strong>s SI define uma escala de mentali<strong>da</strong>de<br />

que enquadra o significa<strong>do</strong> de "comunicação".<br />

O posterior trabalho de campo de Dennett com D. Cheney e R.<br />

Seyfarth no Quênia junto <strong>do</strong>s macacos testi~erdes que suposta-<br />

mente exibem comportamentos de comunicação, confirmará <strong>do</strong>is<br />

pontos teóricos importantes sugeri<strong>do</strong>s em Interitional Sysems in<br />

Cognitiue Ethology. Em primeiro lugar, o trabalho confirma que os<br />

macacos estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s vivem num ambiente em que o segre<strong>do</strong> é<br />

impossível, o que conduz Dennett a propor que a possibili<strong>da</strong>de de<br />

segre<strong>do</strong> é uma condição necessária para uma capaci<strong>da</strong>de griceana,<br />

sofistica<strong>da</strong>, de comunicação. Ora, de acor<strong>do</strong> com Dennett, o com-<br />

portamento de manter um segre<strong>do</strong> exige a seguintes condições,<br />

relativas ao ambiente e aos SI B e J quaisquer: (1) B sabe que s; (2)<br />

B crê que J não crê que s; (3) B deseja que J não venha a crer que<br />

s; (4) B acredita que pode fazer com que J não venha a crer que S.<br />

Apenas se essas condições forem satisfeitas se poderá falar de<br />

comunicação. Em segun<strong>do</strong> lugar, o trabalho confirma que mesmo<br />

em comportamentos que parecem astuciosos e inteligentes apare-<br />

cem "brancos" e falhas. Isto acontece nomea<strong>da</strong>mente em casos em<br />

que a "história astuciosa" não é sustenta<strong>da</strong> até ao Gm pelo próprio<br />

indivíduo que a inicia, o qual é por exemplo capaz de, perante o<br />

indivíduo que desejaria enganar, se comportar de forma inconsistente760<br />

(por exemplo o indivíduo que emite o grito de alarme<br />

" Note-se a rnnlogia dcstl sicuqSo com comporramcnros Lrcqucntes em crinnqas.


"perigo de leopar<strong>do</strong>" desce em segui<strong>da</strong> <strong>da</strong> árvore i Yista <strong>do</strong> outro<br />

indivíduo em cuja presença o grito foi emiti<strong>do</strong>). Dar conta,destas<br />

ausências ou falhas na inteligência ou na coerência espera<strong>da</strong>s é, de<br />

acor<strong>do</strong> com Dennett, muito importante em etologia (o artigo W@<br />

Creative I~~teLhgence is Hard to Fim"" explorará esta intuicão). Um<br />

aspecto importante <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento animal deverá<br />

ser a tentativa de descobrir de que é que não são (surpreendemente)<br />

capazes certos animais inteligentes7".<br />

Voltan<strong>do</strong> ao material concreto discuti<strong>do</strong> no artigo Irzterrtiorlal<br />

Syse~rs ir1 Cogrlitive EEoLogy, está-se perante gritos de alarme emiti<strong>do</strong>s<br />

pelos macacos testiverdes, aparentemente em correlação com a<br />

discriminação de diferentes pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res. Os pre<strong>da</strong><strong>do</strong>res seriam<br />

assim classifica<strong>do</strong>s e a classificação seria mesmo aperfeiçoa<strong>da</strong> com<br />

o tempo. Defenden<strong>do</strong> teses como esta, os estu<strong>do</strong>s de D. Cheney e<br />

R. Seyfarth7" erguem-se contra a uma certa orto<strong>do</strong>xia estabeleci<strong>da</strong><br />

na interpretação comparativa <strong>da</strong>s vocalizações de humanos e primatas<br />

não humanos, de acor<strong>do</strong> com a qual vocalizações de primatas<br />

humanos e não humanos seriam profun<strong>da</strong>mente diferentes<br />

entre si, nomea<strong>da</strong>mente nos seguintes aspectos:<br />

Vocalizações Humanas<br />

\'oluntárias<br />

Referenciais<br />

Discretas<br />

Aprendi<strong>da</strong>s<br />

Vocalizaçôes de primatas não<br />

humanos<br />

Involuntárias<br />

Indexicais<br />

Gradua<strong>da</strong>s<br />

Não modificáveis<br />

Cheney e Seyfath pretendem contestar estes estereótipos7"', e<br />

nomea<strong>da</strong>mente mostrar que os gritos de alarme denotam diferen-<br />

tes referentes no mun<strong>do</strong>, e que portanto são "referenciais", que os<br />

indivíduos jovens começam por cometer erros na "aplicação" <strong>do</strong>s<br />

."' DENNEIT 1998~<br />

'"Alguns cxemplos dcstus siiuagões cncontrim-se em CHENEYScSEYPAlITM 1990: 256,<br />

nomeridrinente o scguinre clso. Leõcs cinham morto um búfalo h& muiro pouco tempo c a caicasa<br />

deste estava fresca quan<strong>do</strong> um grupo dc bnbuinos cliegs. No entnnro, estes só sc npercebem <strong>do</strong> pcri<br />

go representa<strong>do</strong> pelos prcdí<strong>do</strong>res quan<strong>do</strong> ar vi.cm. Náo podcriam cer reconheci<strong>da</strong> a carcnsa fresca<br />

corno indic~~ão dc perigo, dc possiliili<strong>da</strong>de dc prcscnp <strong>do</strong>s pie<strong>da</strong><strong>do</strong>rcs?<br />

*' Conãnun<strong>do</strong>s dcpois <strong>do</strong> tnbnllio no qual Dennctr se bnsein em 1983. A refecênciri i o limo<br />

CIIENEY 8; SEYFARTI-1 1990.<br />

''A Cf CFIENEY&SEYFP\K~FI 1990, Cap. 4, Eriinl Coiii,,,iniiriiiioii, pnra os <strong>da</strong><strong>do</strong>s empiricos<br />

acerca destc compoitnmento. l'rra uma ipresenrqão de estu<strong>do</strong>s reccnics (c <strong>do</strong>s equívocos ncrscs<br />

cshi<strong>do</strong>s) sobrc linguagem animal, ct 1'INIW.R 1994: 335.<br />

U,mu Teoria Fzsicol~stin <strong>do</strong> Coritei<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Co~~sr~êr~aa<br />

gritos e gradualmente melhoram, existin<strong>do</strong> portanto aprendizagem,<br />

que os indivíduos podem "falsear" gritos de alarme, e que estes são<br />

portanto voluntários, etc. Apesar de to<strong>da</strong>s essas características<br />

Dennett não crê que seja legítimo considerar que existe comunicacão.<br />

Noutros contextos, por exemplo em explicacões sociobiológicas<br />

<strong>do</strong>s comportamentos de altruí~mo'~~, ordens eleva<strong>da</strong>s de intencionali<strong>da</strong>de<br />

são supostas sem que se suponha que as razões em<br />

causa são de algum mo<strong>do</strong> recoyheci<strong>da</strong>s pelos indivíduos que manifestam<br />

os comportamentos. E necessário saber se um esquema<br />

idêntico não será suficiente para <strong>da</strong>r conta de proto-linguagens como<br />

a <strong>do</strong>s macacos testiverdes. Nesse caso, as vocalizações não seriam<br />

sintoma de um aprofun<strong>da</strong>mento mental nem <strong>da</strong> existência de<br />

uma interiori<strong>da</strong>de que alberga intenções para si, nem <strong>da</strong> presença<br />

de uma teoria <strong>da</strong> mente. A comunicação no senti<strong>do</strong> próprio (griceano)<br />

envolve o reconhecimento <strong>da</strong> mente <strong>do</strong> outro, e supõe portanto,<br />

por exemplo, que os indivíduos são capazes de aperceber discrepâncias<br />

entre a maneira como percebem o mun<strong>do</strong> e a maneira o<br />

outro percebe o mun<strong>do</strong>766. Em suma, o etologista cognitivo não deve<br />

"ler" directamente nos seus registos (relativos, no caso, is vocalizações)<br />

que eles significam o que quer que seja (que os macacos<br />

de facto "querem-dizer" (izea>r) alguma coisa com as vocalizações).<br />

Saber se as vocalizações significam alguma coisa e o que significam<br />

é um problema a ser pensa<strong>do</strong> unicamente em relação com a ordem<br />

de intencionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s SI presentes. Em I~ltentiorlaL Systcms ir, Cogr~ifiue<br />

Ethology, Dennett toma como exemplo o caso de um macaco,<br />

Tom, que emite na presença de Sam, outro macaco, o grito considera<strong>do</strong><br />

pelos etologistas como grito de alarme de leopar<strong>do</strong>. O problema<br />

consiste em saber se Tom deve ser interpreta<strong>do</strong> como um SI<br />

de ordem eleva<strong>da</strong> (caso em que o grito significaria por exemplo que<br />

"Tom quer que Sam acredite que Tom quer que Sam corra para as<br />

árvores") ou como não sen<strong>do</strong> sequer um SI (o grito seria então<br />

" Cf Di\\VIaNS 1976. Cf tambim SOBEII 1993, Capinilo7, Soriabioiag rii>d ihe Exie~,~ior, $<br />

Ei.ob,~i~ii,,g Theor)> para uma cxposi$ão <strong>da</strong>s origens, problemas c mo


Soja iM&~/eris<br />

uma simples reacção à "ansie<strong>da</strong>de de leopar<strong>do</strong>", e pertenc,eria à<br />

mesma categoria que o comportamento involuntário de sobressalto<br />

gera<strong>do</strong> num humano pela aproximação de alguém pelas costas<br />

gritan<strong>do</strong>: BIAhh!!., sen<strong>do</strong> o efeito consegui<strong>do</strong> sem qualquer reconhecimento<br />

pelo sujeito <strong>da</strong> intenção de quem pratica o comportamento).<br />

O comportamento é analisável de ambas as formas, não sen<strong>do</strong><br />

por isso de afastar imediatamente a possibili<strong>da</strong>de de uma intencionali<strong>da</strong>de<br />

de ordem zero, que requer uma interpretação %i&f (um<br />

termo favorito de Dennett, que se poderia traduzir por "desmancha-prazeres").<br />

O problema meto<strong>do</strong>lógico consiste em saber o que permitiria<br />

decidù. entre a atribuição de mentali<strong>da</strong>de sofistica<strong>da</strong> e de mera reacção,<br />

uma vez que o comportamento é o "mesmo". O behaviotismo<br />

é, por opção, uma aposta na alternativa de ordem mais baixa, a<br />

ordem zero. No entanto, também ele não é justifica<strong>do</strong> por si (ser<br />

behaviorista em teoria <strong>da</strong> cognição é equivalente a optar, por exemplo,<br />

por não utilizar o conceito de "nutrição" em biologia, aceitan<strong>do</strong><br />

apenas uma análise físico-química <strong>da</strong>quilo que é ingeri<strong>do</strong>). A<br />

TSI enquadra hipóteses acerca de "mais mentali<strong>da</strong>de" e permite<br />

analisar experiências no terreno de acor<strong>do</strong> com essa suposição. Por<br />

exemplo, e ain<strong>da</strong> relativamente ao comportamento <strong>do</strong>s macacos<br />

testiverdes, seria possível criar em campo a situação <strong>do</strong> rapaz que<br />

grita "Lobo!" sem qualquer lobo à vista. Os etologistas gravam vocalizações<br />

de um particular indivíduo e emitem-nas de acor<strong>do</strong> com<br />

os parâmetros dessa situação. Os outros macacos deveriam nesse<br />

caso deixar de "acreditar" no indivíduo em causa. O enquadramento<br />

<strong>da</strong> TSI permite ain<strong>da</strong> por exemplo analisar situações como a de<br />

um indivíduo que emite o giito de leopar<strong>do</strong> na ausência de leopar<strong>do</strong>s<br />

de mo<strong>do</strong> a assustar e afugentar indivíduos com quem se envolveu<br />

em luta. Evidentemente, experimentações gera<strong>do</strong>ras de episódios<br />

comportamentais tocam no calcanhar de Aquiles <strong>da</strong> etologia<br />

cognitiva, a evidência episódica, e a má reputação desta. Aqui entra<br />

aquilo a que Dennett chama o méto<strong>do</strong> Sherlock Holmes, inspira<strong>do</strong><br />

na maneira como os humanos estabelecem o seu próprio estatuto<br />

de SI de ordem eleva<strong>da</strong> (os humanos estabelecem esse estatuto<br />

através de biografias episódicas). Ora o méto<strong>do</strong> proposto por Dennett<br />

aos etologistas consiste precisamente na tentativa de provocação<br />

<strong>do</strong> te//-tale ~zove, i.e. <strong>do</strong> comportamento revela<strong>do</strong>r. Trata-se portanto<br />

<strong>da</strong> geração de evidência episódica em ciicunstâncias controla<strong>da</strong>s.<br />

A evidência episódica será de facto inútil a não ser que se mos-<br />

Uma Teoria Fisicoiisfa <strong>do</strong> Coii/crírio e drr Corisciê~~cia<br />

tre, construin<strong>do</strong> e controlan<strong>do</strong> a situação experimental, que setia demasia<strong>do</strong><br />

improvável que ela fosse outra coisa que não aquilo que 6.<br />

Diga-se de passagem que estes problemas metodólogi~os acerca<br />

de significação e comportamento animal sublinham uma importantíssima<br />

diferença na situação <strong>do</strong> etologista cognitivo relativamente<br />

ao tradutor radical qilineano. Este Último, quan<strong>do</strong> procura assentimentos<br />

e dissentimentos a "esúmulos" públicos que constihirão<br />

a base <strong>do</strong> manual de tradução, presszq?õe a natwera coiiluriicaciorin/<br />

<strong>do</strong>s nativos. Ora, Dennett defende que sem a construção de situações<br />

'C<br />

a acumulação quineana, comparativa, de respostas a estímulos"<br />

numa situação de terreno nunca será suficiente para provar intenções<br />

comunicativas de animais.<br />

Dennett prevê desde logo uma consequência <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> proposto:<br />

os excessos <strong>da</strong> atribuição de mentali<strong>da</strong>de a animais serão<br />

desmascara<strong>do</strong>s, confirman<strong>do</strong> outra <strong>da</strong>s suas intuições básicas relativamente<br />

ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s mentes animais. Dennett defende ain<strong>da</strong><br />

que o estu<strong>do</strong> revelará sintomas mistura<strong>do</strong>s e coníÜsos de intencionali<strong>da</strong>de<br />

mais e menos sofistica<strong>da</strong>, sem que seja possível uma conclusão<br />

clara e coerente quanto à ordem de intencionali<strong>da</strong>de presente<br />

num indivíduo (a situação é aliás de certo mo<strong>do</strong> paralela à<br />

humana, já que também a abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental humana gera<br />

a ilusão <strong>da</strong> existência de muito mais defuiição e precisão de conteú<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> que aquelas que legitimamente se pode supor - esta era,<br />

recorde-se, uma conclusão importante de Brain Writng and Mird<br />

Readitg). Mesmo assim, Dennett defende que quer para humanos<br />

quer para animais, o traca<strong>do</strong> <strong>do</strong> perfil intencional de uma criatura<br />

(<strong>do</strong> seu mun<strong>do</strong> nocional) será (apesar <strong>da</strong>s zonas nebulosas e falhas)<br />

valioso na medi<strong>da</strong> em que é a caracterização de uma competência<br />

em termos <strong>da</strong>quilo que é representa<strong>do</strong> e não em termos de dispositivos<br />

e implementação física.<br />

Em reflexões posteriores ao trabalho de campo, nomea<strong>da</strong>mente<br />

em Interpreting Monkqs, Theorists and Gene~'~', Dennett atenua de<br />

alguma maneira esta proposta inicial, sobretu<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> a uma impossibili<strong>da</strong>de<br />

fun<strong>da</strong>mental, liga<strong>da</strong> ao facto de grande parte <strong>da</strong>s experiências<br />

psicológicas de laboratório com humanos envolverem<br />

instrucções verbais. Estas são obviamente impossíveis no caso <strong>do</strong>s<br />

animais, o que de acor<strong>do</strong> com Dennett se traduz no facto de ser em<br />

última análise impossível ao experimenta<strong>do</strong>r controlar a informa-<br />

'" Notas nposms ao utigo inicial dc 1983 quan<strong>do</strong> esrc é inclui<strong>do</strong> em DIINNBTI I987 (c6<br />

DENNETI 1987269).


Soja M&IICIIJ<br />

ção possuí<strong>da</strong> pelos sujeitos. É evidente, no entanto, que um tal controlo<br />

seria essencial para os procedimentos <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de provocação<br />

de evidência episódica esclarece<strong>do</strong>ra proposto. Dennett acaba<br />

por concluir que «é quase impossível estabelecer no terreno que<br />

macacos particulares foram escu<strong>da</strong><strong>do</strong>s de uma particular informação»'".<br />

Isto torna a situação de laboratório mais atraente e portanto<br />

inclina a um recuo relativamente à etologia feita no terreno.<br />

Os artigos Interpreti~g Monky Theorists and Gencs, Out 4 the<br />

Arn~chair and i& the I;ie1~?~% Cogniitue Ethology Hnnti~g jor Bargains or<br />

a WiId Goose Cbase7'", to<strong>do</strong>s eles escritos posteriormente ao trabalho<br />

de campo com Cheney e Seyfarth no Quénia, constituem de certo<br />

mo<strong>do</strong> a continuação <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem inicial à etologia feita em Ir?tentionalJystems<br />

in Cagntiiue Ethology. Nestes artigos está em foco uma<br />

nova vocalização <strong>do</strong>s macacos testiverdes, o "Mi07" gt~int" (que se<br />

pode traduzir por "grunho de mover para espaço aberto"), uma<br />

vocalização emiti<strong>da</strong> antes de o indivíduo se deslocar para um espaço<br />

aberto e repeti<strong>da</strong> por outro indivíduo. Dennett elabora, em conjunto<br />

com Cheney e Seyfarth, várias interpretações <strong>da</strong>s duas vocalizações<br />

de mo<strong>do</strong> a verificar delas quais poderão ser elimina<strong>da</strong>s<br />

com base na evidência di~ponível~~'.<br />

1) Estou a ir. 1') Ouvi-te. Estás a ir.<br />

2) Posso ir, por favor? 2') Sim, tens permissão para ir.<br />

3) Segue-me! 33 Sim senhor.<br />

4) Estou cheio de me<strong>do</strong>. 4') Sim, eu também.<br />

5) Tu<strong>do</strong> pronto para eu ir? 53 Tu<strong>do</strong> pronto quan<strong>do</strong> estiveres<br />

pronto.<br />

6) Na<strong>da</strong> à vista? 6') Na<strong>da</strong> à vista. Tu<strong>do</strong> sob controlo.<br />

Segun<strong>do</strong> Dennett, embora seja em última análise impossível<br />

decidir que uma destas interpretações é correcta, é útil explicitar as<br />

interpretações possíveis. A explicitação permite testar e excluir hi-<br />

póteses, uma vez ten<strong>do</strong> avalia<strong>do</strong> se as situações se passam por<br />

exemplo entre indivíduos <strong>do</strong>minantes e indivíduos <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, en-<br />

tre machos e fêmeas, etc. Assim, de entre as hipóteses acima lista-<br />

"" DENNBIT 1987: 275.<br />

DENNBTT 1898r.<br />

DENNETi 1998~.<br />

"' h110 i. uma sigla pan ''illo~i iiilo tiii o/iii/'.<br />

Cf DENNEI' 1987:273-274, retoma<strong>do</strong> cm DENNETi 19981: 301-302 c DENNBTI 1898<br />

u: 317-318.<br />

<strong>da</strong>s, a sexta seria a melhor. Foram procura<strong>da</strong>s situações que a esclarecessem,<br />

e, nomea<strong>da</strong>mente, foi imagina<strong>do</strong> o caso em que a "resposta"<br />

seria falsa (i.e. o emissor aperceberia perigo à vista mas<br />

ain<strong>da</strong> assim emitiria a vocalização). A situação imagina<strong>da</strong> envolvia<br />

uma cobra píton vista apenas por um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is macacos. No entanto,<br />

o máximo que se pôde fazer foi concluir que a situação seria<br />

impossível de montar, devi<strong>do</strong> à anteriomente menciona<strong>da</strong> itnpossibili<strong>da</strong>de<br />

de garanti o isolamento <strong>da</strong> informação numa situação<br />

de campo.<br />

Para além destas conclusões deflacionárias quanto ao trabalho<br />

em etologia cognitiva, aquilo que Dennett propõe aos etologistas<br />

cognitivos como fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong>s suas práticas é a teoria exposta<br />

por exemplo em Three &ds 4 IntentiOnaI P~yho10gy"' e analisa<strong>da</strong><br />

no Capítulo 2 deste trabalho, i.e. uma visão acerca <strong>da</strong> relação entre<br />

máquhas semânticas e sistemas cognitivos físicos: uma explicação<br />

puramente causal, ao nível micro-físico, não está em competição<br />

com a explicação que dá os rationales e descreve os mun<strong>do</strong>s nocionais.<br />

A última palavra acerca <strong>da</strong> qucstão <strong>da</strong> comunicação animal é<br />

a declaração <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de traduzir qualquer vocalização<br />

animal por meio de uma qualquer linguagem humana. Uma vocalizacão<br />

animal não será nunca Dor exem~lo uma questão. uma ordem,<br />

um pedi<strong>do</strong> ou uma exclamação puras: ela não faz parte de um<br />

sistema que permita tais distincões sofistica<strong>da</strong>s. As vocalizacões<br />

. A<br />

alterna<strong>da</strong>mente emiti<strong>da</strong>s e com'grande diferenciação de natuieza<br />

entre os sujeitos de Cheney e Seyfarth, não se qualificam portanto<br />

como comunicação entre estes, mesmo que possam ser esclarece-<br />

<strong>do</strong>ras acerca <strong>do</strong>s inícios evolutivos <strong>da</strong> linguagem humana. In-<br />

tenções explícitas no comportamento e nomea<strong>da</strong>mente nos com-<br />

portamentos de comunicação acerca <strong>do</strong> ambiente e de outros com-<br />

portamentos são muito mais raras <strong>do</strong> que o que poderia pensar,<br />

mesino em primatas (e mesmo em humanos, obviamente)<br />

Dennett af~ina, e Cheney e Seyfarth acompanham-no, que<br />

quan<strong>do</strong> se mlia o nível de intencionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s vocalizações no<br />

terreno não se encontra razões para considerar que existem inten-<br />

ções de ordem mais eleva<strong>da</strong>. Mesmo se elas não são reflexos invo-<br />

luntários não é de to<strong>do</strong> claro que envolvam atribuições de esta<strong>do</strong>s<br />

mentais a outras criaturas. Elas são basicamente desenha<strong>da</strong>s para<br />

modificar o comporhento <strong>do</strong> outro indivíduo muito mais <strong>do</strong> que<br />

"' DENNETI 1987h


para modificar o per~saIr/e~~fo <strong>do</strong> outro indivíduo. Cheney e Seyfarth<br />

afirmam que se os macacos que estu<strong>da</strong>m não são SI de ordem zero,<br />

no entanto eles não são mais <strong>do</strong> que SI de 1" ordem. Eles'«reconhecem<br />

a associacão entre um som particular e um particular comportamento<br />

de hga e fazem uso deste conhecimento para alterar o<br />

comportamento de outros indivíduos»"h apenas isso775. Assim<br />

sen<strong>do</strong>, não é de to<strong>do</strong> óbvio que apenas porque determina<strong>do</strong>s animais<br />

emitem vocalizações diferencia<strong>da</strong>s e aparentemente apropria<strong>da</strong>s<br />

i situação, eles exibem comportamento linguística e comunicacional.<br />

A conclusão de Dennett é que não se encontrará comunicação<br />

animal sem a seguinte escala: (1) complexi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ambiente,<br />

(2) possibili<strong>da</strong>de de manter segre<strong>do</strong>s, (3) iinguagem, (4) pensamento.<br />

Do ponto de vista evolutivo isto significa que o pensamento<br />

esperou pela linguagem, a linguagem esperou pela possibili<strong>da</strong>de de<br />

segre<strong>do</strong>, a qual teve que esperar pela apropria<strong>da</strong> complexificação<br />

<strong>do</strong> ambiente <strong>do</strong>s indivíduos, a qual teve que esperar pela sofisticação<br />

<strong>da</strong> arquitectura física e cognitiva <strong>do</strong>s indivíduos.<br />

No artigo Cog~ritiue Wheels: The Franze Problem of Aí'" Dennett ex-<br />

põe o problema <strong>do</strong> enquadramento através <strong>da</strong> história de um robô,<br />

RI, e <strong>do</strong>s seus sucessores. Os robôs têm que ir buscar uma bateria<br />

a um quarto onde existe uma bomba prestes a explodir e falham<br />

'" CFIENEY &SEYFARTH 1990: 148. Clieney e Seyfartii inrerpietam i tipologa de Dcnnctr<br />

dr formn Iigcirrmcntc desvio<strong>da</strong> (cenuam-nr imediatamente no animal acerca de quem sc quei "crificar<br />

uma hipótese, enquanto Dennett deúiic as ordens n partir <strong>do</strong> intirprctc quc assume a Ei).<br />

"'Em DENNETI 1998x, A,ii,,111 Coi~rRoii~~~ei~: IVht>liMnIiirr arrd Ir@, Dcnncu dcscnvolve uma<br />

posiçáo gemi riccicí de conscitncia mimai. Poi acreditar que não existe uma Iinhn de scpnia~ão clara<br />

cnue orgnnismos conscientes c organismos nio conscientes Denncrt dcfcnde nomen<strong>da</strong>mente quc n<br />

<strong>do</strong>r c o sofrimento não sio o mesmo hnómcno. O sofrimento dependc <strong>da</strong> sofisticação dn orpniza+o<br />

cogiiitix,a <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, enquanto n <strong>do</strong>r pode até existir sem sujeito, o quc C por exemplo conuázio<br />

ao quc frequentemente os defensores <strong>do</strong>s dircitos <strong>do</strong>s animais supõem scrn m2s problemas.<br />

Dcnnett defcndc Nn<strong>da</strong> que nós não somos muiro bons juba nn qucs<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>i e <strong>do</strong> sofiúncnto cm<br />

ouuns mentes, pois somos npnrentementc rigi<strong>da</strong>mente determina<strong>do</strong>s pclo nosso de@,» biológico a<br />

ernpatizrr com ns enti<strong>da</strong>des que esibnm os comportamentos certos (cf HOFSTDTER & DEN-<br />

NI-!T 1981: 101, Th Sor,lo/iLlork 111 Btal, de Terry Micdnncr). Deúnitivamentc ri cxibiçio de certos<br />

tipos de compoirnmento pode mcsmo iludir-nos acerca <strong>da</strong> prcrcnsa de consciência cm crianina.<br />

No entanto é necesshtio admitir -e até Pctcr Siiigci o admibrin-que podc haver sensibiii<strong>da</strong>de c funcionamento<br />

dc organismos scm sensièncir.<br />

27' As principais fontes que constituirio o contesto pata a cxposiçio dn posi~ão dc Dennett sio<br />

PYLYSHW 1987 e PORD & PYLYSHYN 1996.<br />

" DENNETr 1998j.<br />

Utno Teoria Fisica/isfa rio Conteií<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~sciê~~cic<br />

sucessivamente. RI, que deve supostamente cui<strong>da</strong>r de si próprio,<br />

vem a saber que a preciosa bateria suplente está fecha<strong>da</strong> num quar-<br />

to onde existe uma bomba relógio prestes a explodir. Localiza o<br />

quarto, a chave <strong>do</strong> quarto e formula um plano para recuperar a ba-<br />

teria. Existe um carrinho dentro <strong>do</strong> quarto e a bateria está nesse<br />

carrinho. R1 pensa que uma acção a que chama PULLOUT @ate-<br />

ria, quarto) fará com que a bateria seja retira<strong>da</strong> <strong>do</strong> quarto. Leva a<br />

cabo a acção e retira a bateria <strong>do</strong> quarto antes <strong>da</strong> bomba explodir.<br />

Só que a bomba também estava no carrinho ... e, evidentemente, ex-<br />

plode. Aliás, R1 sabia que a bomba estava no carrinho, apenas não<br />

extraiu desse conhecimento de que a bomba estava no carrinho o<br />

conhecimento de que ela "viria" com o carrinho, uma vez sen<strong>do</strong> es-<br />

te puxa<strong>do</strong> para fora <strong>do</strong> quarto. Este primeiro fracasso conduz os en-<br />

genheiros a construir um novo robô, R1D1, capaz de deduzir as im-<br />

plicações <strong>da</strong>s descrições utiliza<strong>da</strong>s na formulação de planos de<br />

acção. Uma vez no terreno, também este robô inicia a acção PUL-<br />

LOUT (carrinho, quarto), mas estava ain<strong>da</strong> a deduzir se puxar o<br />

carrinho para fora <strong>do</strong> quarto mu<strong>da</strong>ria ou não a cor <strong>da</strong>s paredes <strong>do</strong><br />

quarto quan<strong>do</strong> a bomba explodiu. Os engenheiros decidem então<br />

aue o robô deve saber distinair entre imnlicacões relevantes e irre-<br />

" L<br />

levantes <strong>do</strong>s seus conhecimentos de mo<strong>do</strong> a não perder tempo com<br />

a exploração <strong>da</strong>s implicações irrelevantes. Constroem então um<br />

L -<br />

novo robô. R2D1, esse robô, estava ocupa<strong>do</strong> a ignorar as implicações<br />

irrelevantes quan<strong>do</strong> a bomba explodiu. A moral <strong>da</strong> história é<br />

que to<strong>do</strong>s estes robôs sofrem <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadramento.<br />

O jaine problein ou problema <strong>do</strong> enquadramento diz respeito,<br />

como já foi referi<strong>do</strong>, ao facto de as acções de um agente no mun<strong>do</strong><br />

requererem algo como uma actualização constante <strong>da</strong>s representações<br />

internas desse mun<strong>do</strong>. Algumas coisas no mun<strong>do</strong> permanecem<br />

inaltera<strong>da</strong>s, algumas coisas mu<strong>da</strong>m, inclusivamente devi<strong>do</strong> às<br />

acções <strong>do</strong>s agents e o planeamento deve incluir previsões relativas<br />

a essa situa@o. Não existe no entanto acor<strong>do</strong> quanto à natureza<br />

exacta <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadramento e a posição defendi<strong>da</strong> por<br />

Dennett que a seguir se expõe é apenas uma particular interpretação.<br />

Em Cognitiue Wheels: The Franze Problenz of AI, Dennett define<br />

nos seus próprios termos o problema <strong>do</strong> enquadramento, que considera<br />

um problema epistemológico novo e um problema que os<br />

humanos naturalmente resol~em"~. Quan<strong>do</strong> Dennett defende que<br />

" Ou mchor, resolvern "50 resoli.en<strong>do</strong> ... de um mo<strong>do</strong> que C, na erpressZo de Dennett 'kood<br />

ct!oi@/orgoari>t~~e~>i ivorh".


o problema <strong>do</strong> enquadrainento é um problema epistemológico<br />

totalmente novo, por cuja descoberta a IA é responsável, ele pre-<br />

tende afirmar que o problema <strong>do</strong> enquadramento não se identifica<br />

com o problema humeano <strong>da</strong> indução, mesmo se existem seme-<br />

lhanças relevantes entre os <strong>do</strong>is. De acor<strong>do</strong> com Dennett, o pro-<br />

blema <strong>do</strong> enquadramento é mais geral <strong>do</strong> que McCarthy e Hayes<br />

supõem quan<strong>do</strong> afirmam que ele respeita a estratégias utiíiza<strong>da</strong>s<br />

por sistemas no enquadramento <strong>do</strong> planeamento e tem a ver com<br />

a relação <strong>da</strong> inteligência com o futuro, mais especificamente com as<br />

expectativas. O planeamento de alternativas de acção envolve cál-<br />

culos acerca de futuro(s). Tal como está expresso no titulo <strong>do</strong> arti-<br />

go Prodtting Fz~ture by Tellig 5tol-ie.r"" Dennett reporta o problema<br />

<strong>do</strong> enquadramento à produção de futuro em tempo real, caracte-<br />

rística <strong>do</strong>s agentes que fazem planeamento. Assim, o problema <strong>do</strong><br />

enquadramento consistiria em encontrar uma representação útil e<br />

compacta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que possibilitasse antecipações em tempo real<br />

para o planeamento e o controlo <strong>da</strong> acção de um sistema. De acor-<br />

<strong>do</strong> com Dennett, nós, os humanos, possuímos já a solução <strong>do</strong> pro-<br />

blema. Que possuímos algum tipo de solução <strong>do</strong> problema não é<br />

muito polémico, já que obviamente - pelo menos em geral7" - não<br />

nos comportamos como os robôs <strong>do</strong> exemplo numa situação idên-<br />

tica. Mas o facto de o problema estar por natureza resolvi<strong>do</strong> no ti-<br />

po de ser que somos não significa evidentemente que a solução seja<br />

r' DENNET?T 1981.<br />

' Cf DAAIÁSIO 1994 psrr sininçõcs (liga<strong>da</strong>s a lesões nos lobos frontais) cm que humanos talvci<br />

se comporteiii dc formn semçllinntc. A. Damósio descicve o caso de Eüiot. Dcvi<strong>do</strong> a um menigioma,<br />

tinlia si<strong>do</strong> ic&r<strong>do</strong> tcci<strong>do</strong> <strong>do</strong> lobo frontal de Eülot. Dímisio descreue <strong>do</strong> seguintc mo<strong>do</strong> um<br />

dia <strong>da</strong> \I<strong>da</strong> de DUiot: qan começar í mnnliZ e piepnrnr-sc pam um dia de mballio, necessitava de<br />

incentivo. Uma ver no trabnliio, cn incapaz de utihnr o seu tempo odccp;i<strong>da</strong>mente. e "50 era possivcl<br />

confni quc rcspcitasse os prazos promcti<strong>do</strong>s Quan<strong>do</strong> o tnbdlio rcqucria nintcimpçZo de uma<br />

activi<strong>da</strong>de pnrs pnssai P OCU~~C-S~ de ouna, elc podin to<strong>da</strong>via persistir na p-cirn, peidcn<strong>do</strong> nparcntcmcntc<br />

de vista o seu objectivo principnl. Ou pedi inintcrrompci a actividnde com que estava ociipa<strong>do</strong><br />

par* sc dcùicnr n algo quc o cotirasse mnis nnquele prcciso momecito Imngine, por exemplo,<br />

umn tarefa quue cnva1i.n í leinira e a classiúcsção de <strong>do</strong>cumenros de um dcteimina<strong>do</strong> cliente. rilliot<br />

li.-10s-ia, cornpiecndcn<strong>do</strong> inteiramente a impoitincin <strong>do</strong> materinl, e saberia certsmcntc como scpnraios<br />

o em que Eüiot tinlin<br />

encallii<strong>do</strong> çsfiiv~ na reali<strong>da</strong>de a ser crccuta<strong>do</strong> com dcmnsiads perfci+


O problema <strong>do</strong> enquadramento na IA é assim acerca db mo<strong>do</strong> como<br />

a informação deve estar representa<strong>da</strong> para estar disponível demo<strong>do</strong><br />

a ser relevantemente utiliza<strong>da</strong> na acção. Não se trata de umproblema<br />

de superfície mas de basti<strong>do</strong>res. Sabemos que o problema <strong>do</strong><br />

enquadramento não se coloca ao nível fenomenológico, porque a<br />

esse nível as coisas são individua<strong>da</strong>s pela significação. Isto não constitui<br />

problema para nós próprios que a parar de dentro nos apercebemos<br />

assim, como pensan<strong>do</strong> categorias e proprie<strong>da</strong>des individua<strong>da</strong>s<br />

pela significação no nosso fluxo de consciência. O problema é<br />

que os significa<strong>do</strong>s na IA não são gratuitos, i.e. não estão naturalmente<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s.<br />

Uma vez que para Dennett o problema <strong>do</strong> enquadramento se<br />

encontra naturalmente resolvi<strong>do</strong> nos humanos devi<strong>do</strong> ao hábito<br />

huineano, recapitular-se-á brevemente os pontos mais importantes<br />

<strong>da</strong> teoria humeana, de mo<strong>do</strong> a esclarecer em quê, exactamente,<br />

o hábito humeano permite aos humanos a resolução <strong>do</strong> problema<br />

<strong>do</strong> enquadramento. O hábito é introduzi<strong>do</strong> por Hume no<br />

âmbito <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> indução e enquadra-se num projecto geral<br />

de solução céptica <strong>da</strong>s dúvi<strong>da</strong>s cépticas. O problema <strong>da</strong> indução<br />

tal como Hume o configura é o problema <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s inferências<br />

que partem de nlatters $&ct observa<strong>do</strong>s para matters offact<br />

não observa<strong>do</strong>s (passa<strong>do</strong>s, futuros, presentes para além <strong>do</strong> âmbito<br />

<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>). Segun<strong>do</strong> Hume estas inferências convocam a<br />

causali<strong>da</strong>de e, no entanto, feito um inventário <strong>da</strong>quilo que está<br />

presente numa conjugação de eventos considera<strong>do</strong>s como causa<br />

(C) e efeito (E), encontra-se contigui<strong>da</strong>de, conjunção constante,<br />

priori<strong>da</strong>de no tempo <strong>do</strong> evento C ein relação ao evento E mas não<br />

se encontra mais na<strong>da</strong>, quer dizer, não se encontra "causali<strong>da</strong>de".<br />

Hume, como se sabe, atribui à própria mente, com apoio na experiência,<br />

a conexão entre os fenómenos. Que para estabelecer a<br />

conexão a mente se apoia na experiência e não na razão é o ponto<br />

<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> experiência imaginária de Adão, vin<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong><br />

com to<strong>da</strong> a inteligência mas sem experiência. A conexão não é<br />

portanto uma questão de princípios últitnos residin<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong><br />

exterior, antes resjde na mente. Mas de que forma reside "a conexão"<br />

na mente? E neste ponto que entra a teoria <strong>do</strong> hábito e <strong>da</strong><br />

crença. A crença humeana é um sentimento, umfeeli~g to the ~nind,<br />

descritível apenas em termos metafóricos como força, firmeza,<br />

peso, influência nas paixões e pensamentos de uma pessoa. A<br />

crença não interfere com o conteú<strong>do</strong> cognitivo <strong>da</strong>quilo que é acre-<br />

dita<strong>do</strong>, não depende <strong>da</strong> vontade, nem pode ser manipula<strong>da</strong> arbitrariamente.<br />

Ela acompanha o instinto de indução e serve a Hume<br />

para dividir o concebível em duas categorias, aquilo que é acre&ta<strong>do</strong><br />

e aquilo que não é acredita<strong>do</strong>. Aquilo que é acredita<strong>do</strong> não se<br />

distingue <strong>do</strong> seu contrário por este ser inconcebível, já que por<br />

principio os contrários <strong>do</strong>s nzatters $@ct, i.e. o caso em que algo<br />

determina<strong>do</strong> não é o caso, são concebíveis. Aquilo que é acredita<strong>do</strong><br />

distingue-se <strong>do</strong> seu contrário unicamente por este não ser acredita<strong>do</strong>:<br />

afirmar que o sol não se levantará amanhã não é menos<br />

inteligível <strong>do</strong> que afirmar que ele se levantará amanhã. Ora a crença<br />

é segun<strong>do</strong> Hume gera<strong>da</strong> pelo costume ou hábito, que é umagentvorce<br />

actuan<strong>do</strong> sobre as mentes humanas. Hume não expõe as<br />

características <strong>da</strong> crença de mo<strong>do</strong> a contrastar esta com qualquer<br />

coisa que seria o conhecimento (o ponto <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conhecimento<br />

de Hume é exactamente mostrar que mesmo enquanto reasoning<br />

creat//res os humanos são Jeeling creatnres) mas sim para a&mar<br />

que nunca <strong>da</strong>remos um passo para fora <strong>da</strong>s nossas mentes e<br />

<strong>do</strong> funcionamento <strong>da</strong> crença. Hume pretende aliás defender que o<br />

funcionamento <strong>da</strong> crença é suficientemente confiável embora os<br />

conteú<strong>do</strong>s assim possuí<strong>do</strong>s não sejam de mo<strong>do</strong> algum categóricos,<br />

e não facultem uma posse de essências ou princípios ocultos <strong>da</strong><br />

natureza. Como se sabe, não há, de acor<strong>do</strong> com Hume, escolha a<br />

não ser entre uma falsa razão (esta razão, em que tu<strong>do</strong> é crença) e<br />

nenhuma razão. Daí a sugestão <strong>do</strong> hábito como solução céptica<br />

<strong>da</strong>s dúvi<strong>da</strong>s cépticas: se «a razão parece incapaz de afastar nuvens,<br />

a natureza será suficiente para tal propósito»782, precisamente devi<strong>do</strong><br />

à instalação <strong>do</strong> hábito no tipo de criaturas que são os humanos.<br />

É esta última posição que justifica as interpretações evolucionistas<br />

<strong>da</strong> filosofia humeana <strong>do</strong> hábito.<br />

Repare-se que o facto de não existir qualquer coisa como um<br />

fun<strong>da</strong>mento lógico <strong>da</strong> indução não significa que esta tenha um<br />

fun<strong>da</strong>mento meramente psicológico e como tal irrelevante. O<br />

fun<strong>da</strong>mento psicológico <strong>do</strong> hábito, também chama<strong>do</strong> "instinto"<br />

e considera<strong>do</strong> como implanta<strong>do</strong> em nós pela natureza, aproximase<br />

antes de uma explicação naturalista e a<strong>da</strong>ptacionista. O naturalismo<br />

de Hume é notório aliás não apenas na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong><br />

adequação ao ambiente <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> hábito como tatnbém<br />

no espírito com que Hume abor<strong>da</strong> o funcionamento <strong>do</strong>s


princípios que geram e preparam a crença na menfe, i.e. os prin-<br />

cípios de associação. O funcionamento destes é tão inacessível<br />

aos seres mentais como o funcionamento de qualquer outra<br />

parte <strong>da</strong> natureza. Desconhece-se tanto a essência <strong>da</strong> mente<br />

como se desconhece a essência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> externo e apenas por<br />

experiência e observação se pode ir constituin<strong>do</strong> a sience of<br />

bzman rratzdre, i.e. a ciência <strong>da</strong> mente. Mas, basicamente e para o<br />

que nos interessa, o hábito humeano, apesar de ser produzi<strong>do</strong><br />

pelo funcionamento de uma mente cuja natureza é de acor<strong>do</strong><br />

com Hume imaginação, não é uma propensão irregular. Hume<br />

declara-o aliás uma sabe<strong>do</strong>ria <strong>da</strong> natureza essencial i sobrevivên-<br />

<strong>da</strong>, uma condição necessária <strong>da</strong> acção humana, que assegura uma<br />

harmonia pré-estabeleci<strong>da</strong> entre o pensamento <strong>da</strong> criatura e a<br />

natureza exterior (aquilo a que de um ponto de vista evolucio-<br />

nista se chamaria precisamente a<strong>da</strong>ptação).<br />

O facto de Hume a£ismar que o pensamento se apoia no hábi-<br />

to e não na razão não é sintoma de um cepticismo irracionalista, ou<br />

de um pessimismo quanto i possibili<strong>da</strong>de de conhecimento. No<br />

entanto é certo que o hábito ou instinto não constitui um funcio-<br />

namento que possibilite a fun<strong>da</strong>mentação auto-controla<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

crenças possuí<strong>da</strong>s de mo<strong>do</strong> a assegurar por exemplo a coerência<br />

destas entre si e esse é um <strong>do</strong>s aspectos que Dennett quer sublin-<br />

har com a aproximação <strong>do</strong> hábito humeano ao problema <strong>do</strong> enqua-<br />

dramento. Hume baseia a sua descrição <strong>do</strong> hábito em <strong>da</strong><strong>do</strong>s feno-<br />

menológicos. Ora, o auto-acesso consciente iquilo a que Hume<br />

chama hábito é superficial ou "isola<strong>do</strong>" relativamente aos muitos<br />

níveis <strong>do</strong> processamento de informação que está a ocorrer no agen-<br />

te. Ca<strong>da</strong> acção de um humano no mun<strong>do</strong> pressupõe (aparente-<br />

mente) um conjunto imenso de factos banais, não explícitos ao<br />

auto-acesso consciente, mas sem os quais a acção <strong>do</strong> agente não<br />

seria a acção que é. O que acontece então é que, de algum mo<strong>do</strong>,<br />

um humano está desde logo na posse de determina<strong>da</strong> informação<br />

que o adequa ao seu ambiente quan<strong>do</strong> age. Pelo contrário na IA a<br />

tarefa de delimitação <strong>do</strong> planeamento começa <strong>do</strong> zero de pressu-<br />

posições no agente. Noutras palavras, o problema <strong>do</strong> enquadra-<br />

mento resulta <strong>do</strong> facto de a IA li<strong>da</strong>r com a "tábua rasa" que as men-<br />

tes humanas nunca foram, tornan<strong>do</strong> necessário explicitar a pisíade<br />

de factos banais pressupostos na mais mínimas acções. E neste<br />

quadro que se torna problemática a capaci<strong>da</strong>de de trazer conheci-<br />

mento possuí<strong>do</strong> e relevante para a janela de pensamento que estru-<br />

tura uma acção. Consideran<strong>do</strong> que o que importa é que aquilo que<br />

o agente tem que saber esteja instala<strong>do</strong>, i.e. consideran<strong>do</strong> que a dis-<br />

tinção entke inato e adquiri<strong>do</strong> não é importante, o problema tem<br />

ain<strong>da</strong> assim <strong>do</strong>is aspectos diferentes: um aspecto sintáctico (no qual<br />

se trata <strong>do</strong> formato <strong>do</strong> sistema eficiente para representar e armaze-<br />

nar a informação em causa) e um aspecto semântico. A controvér-<br />

sia em torno <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadramento gira em torno destes<br />

seus <strong>do</strong>is aspectos.<br />

A convicção de Dennett quanto ao aspecto sintáctico <strong>do</strong> pro-<br />

blema é que um sistema eficaz para representar a miríade de factos<br />

banais terá as caractensticas seguintes: (1) não será um sistema de<br />

axiomas e derivações de to<strong>do</strong>s os factos; (2) terá que "pôr muitos<br />

factos de uma só vez" no conhecimento <strong>do</strong> agente devi<strong>do</strong> às limi-<br />

tações de espaço e sobretu<strong>do</strong> de teinpo. Os constrangimentos que<br />

de acor<strong>do</strong> com Dennett necessariamente se impõem à considera-<br />

ção <strong>do</strong> aspecto semântico <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadratnento, relati-<br />

vo a que informação deve ser instala<strong>da</strong>, são, por seu la<strong>do</strong>, os seguir-<br />

tes : (1) informação que não é acedi<strong>da</strong> pelo agente quan<strong>do</strong> é neces-<br />

sária, em tempo real, é como se não existisse; (2) a inteligência não<br />

consiste na resolução de problemas <strong>da</strong><strong>do</strong> to<strong>do</strong> o tempo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

mas na resolução de problemas sob pressão temporal.<br />

É nestas condições que é preciso desenhar um sistema capaz de<br />

fazer planeamento a partir de elementos selecciona<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu con-<br />

hecimento. A introspecção humana mostra que o planeamento<br />

consciente se faz mediante passos determina<strong>do</strong>s, esquematizáveis.<br />

Evidentemente listar esses passos não significa que se saiba como<br />

é que eles conduzem àquilo a que conduzem (a uma selecção cor-<br />

recta de conhecimentos pelo agente, a não considerar um excesso<br />

de possibli<strong>da</strong>des antes de agir). Os passos <strong>do</strong> planeamento são: (1)<br />

Esboço <strong>da</strong> situação; (2) O agente imagina-se a levar a cabo a acção;<br />

(3) O agente imagina o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> acção na situação; (4) O agen-<br />

te avalia o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> acção na situação. Mesmo em tarefas tri-<br />

viais (o exemplo de Dennett é a tarefa "ir à cozinha buscar pão"<br />

executa<strong>da</strong> por um humano) estes passos são cumpri<strong>do</strong>s, ou me-<br />

lhor, devem estar a sê-10, embora não o saibamos directamente<br />

pois precisamente, a execução situa-se "abaixo" <strong>do</strong> nível de acesso<br />

<strong>da</strong> introspecção. E no entanto simples comprovar qne a informa-<br />

ção deve estar a ser utiliza<strong>da</strong>. Basta ualizar contrafactuais: se por<br />

exemplo o agente soubesse que o pe<strong>da</strong>co de pão para o qual esten-<br />

de a mão estava envenena<strong>do</strong> não agiria assim, se o agente soubes-


' Soja M@m<br />

se que o degrau <strong>da</strong>s esca<strong>da</strong>s estava solto não se apoiaria nele ao<br />

descer até à cozinha para ir buscar pão, etc. O mais trivial comportamento<br />

humano de planeamento, como o referi<strong>do</strong>, é constantemente<br />

sensível a informação de fun<strong>do</strong>, que deve estar a ser examina<strong>da</strong><br />

mesmo que seja de forma inconsciente e rápi<strong>da</strong>. Dennett<br />

faz ain<strong>da</strong> notar o seguinte acerca <strong>do</strong>s humanos enquanto agentes<br />

capazes de planeamento e criaturas humeanas: (1) Os agentes erram<br />

e o seu planeanzento não é infalineel', (2) Os agentes deixanz-segniarpor rofinas<br />

estereotipa<strong>da</strong>s e~antosaixente insensiveis a nzn<strong>da</strong>nças no ~nzbiente'~~.<br />

Apesar disso, produzem constantemente expectativas confiáveis<br />

(sabe-se que elas estavam lá pelo espanto senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> não são<br />

satisfeitas).<br />

Quan<strong>do</strong> Dennett afwma que a abor<strong>da</strong>gem dedutiva não é uma<br />

boa abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> pleaneamento, não está a condená-la por ser<br />

psicologicamente irrealista mas por apenas funcionar em casos<br />

muito triviais. Axiomas sobre "não-mu<strong>da</strong>nça" em sistemas de representação<br />

<strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> agente niio são também a solução.<br />

Um sistema que opera sob a suposição tácita de que na<strong>da</strong><br />

mu<strong>da</strong> a não ser aquilo acerca de que se afirma explicitamente que<br />

mu<strong>da</strong> tem como problema o facto de não existirem acções isola<strong>da</strong>s<br />

<strong>do</strong>s agentes. As acções envolvem efeitos laterais e se não se<br />

disser tu<strong>do</strong> explicitamente "as coisas não se comportam". Por<br />

outro la<strong>do</strong> se o sistema levar o agente a considerar to<strong>do</strong>s os efeitos<br />

laterais, afundá-lo-á sem dúvi<strong>da</strong> na irrelevância. A regra para<br />

um agente num ambiente complexo é ignorar muita coisa. Como<br />

no mun<strong>do</strong> real, as soluções de acção de um agente podem ser invali<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

pela adição de novos elementos ao problema. E essa a<br />

razão por que sistemas capazes de inferências não monotónicas<br />

(em que a adição de premissas altera o que pode ser prova<strong>do</strong> a partir<br />

<strong>da</strong>s premissas iniciais) são propostos por alguns autores como<br />

solução para o problema <strong>do</strong> enquadramento. Dennett não considera<br />

que seja esta a solução certa: de um certo ponto de vista tais<br />

sistemas @or exemplo sistemas de lógica não-monotónica e lógica<br />

temporal) constituem um melhoramento radical relativamente à<br />

abor<strong>da</strong>gem dedutiva, de uma perspectiva ligeiramente diferente<br />

'" Im%gine-sc que alguém compra Icirc que se encontra semprc nn mesmn pmteleiia dc um dctei-<br />

mina<strong>do</strong> supermercs<strong>do</strong>. Ossa pessoa pode <strong>da</strong>r por si a procurar afanasnmente o leite m prateleira<br />

durante algum tcmpo só depois cnin<strong>do</strong> em si para verificar que Iioje a prateleira csti wria (c que ela<br />

aliás csravr a ver isso desde que nii clicgou).<br />

'= DENNE1T 1988j: 200.<br />

eles são mais <strong>do</strong> mesm~'~. A objecção que Dennett coloca à proposta<br />

tem a ver com a sua falta de relação com o que se passa nos<br />

basti<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sistema. Segun<strong>do</strong> Dennett, o defeito de muitas pro-<br />

postas actuais para li<strong>da</strong>r com oj+anzeproblcn~ é o Facto de elas serem<br />

"ro<strong>da</strong>s cognitivas". Ro<strong>da</strong>s cognitivas - a expressão que dá o titulo<br />

ao artigo Cognitiue Wheels- são propostas de desigri de arquitecturas<br />

cognitivas (desde o nível semântico até ao nível <strong>do</strong>s neurónios)<br />

profun<strong>da</strong>mente anti-biológicas, mesmo se elegantes <strong>do</strong> ponto de<br />

vista tecnológico. Ora um modelo cognitivo pode descer directa-<br />

mente de um nível fenomenologicamente reconhecível para a<br />

implementação desse nível através de "ro<strong>da</strong>s cognitivas" sem lan-<br />

çar qualquer luz sobre o mo<strong>do</strong> como os humanos conseguem ter<br />

aquela fenomenologia. Isso não é especialmente problemático por<br />

si, mas certamente não permite uma solução <strong>do</strong> problema <strong>do</strong><br />

enquadramento. Outra hipótese de solução <strong>do</strong> problema <strong>do</strong><br />

enquadramento consiste em repensar totalmente o nível semânti-<br />

co, pôr de la<strong>do</strong> a representação <strong>do</strong> conhecimento através <strong>do</strong> cál-<br />

culo de predica<strong>do</strong>s e a ideia segun<strong>do</strong> a qual aquilo que é acredita-<br />

<strong>do</strong> são proposições. A interpretação dessas fórmulas parte @arses)<br />

injustifica<strong>da</strong>mente o mun<strong>do</strong> em objectos e predica<strong>do</strong>s. Pelo que se<br />

viu no Capítulo 2, Dennett não pode colocar-se contra esta posi-<br />

ção e ele admite mesmo que seria preferível modelizar a capaci<strong>da</strong>-<br />

de <strong>do</strong> agente para manter o rastro <strong>da</strong>s coisas de uma forma mais<br />

directa <strong>do</strong> que através de nomes e predica<strong>do</strong>s, deixan<strong>do</strong> implícita<br />

a informação sobre o que é toma<strong>do</strong> como ver<strong>da</strong>deiro. Uma outra<br />

hipótese ain<strong>da</strong> seria considerar a arquitectura seria1 <strong>do</strong>s agentes<br />

artificiais como origem <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadramento. No<br />

entanto a opinião final de Dennett 6 que o problema <strong>do</strong> enqua-<br />

dramento se relaciona não com qualquer <strong>da</strong>s situações aponta<strong>da</strong>s<br />

mas sim com a ansência, em agentes artiJ;ciais, <strong>da</strong>forina coino a nzente<br />

hzlnza~~apernzite aprodt~ção dej~tnro'~~.<br />

Apenas criaturas que produzem versões-de-futuro relevantes<br />

sofrem <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> enquadramento. Estas versões <strong>do</strong> futuro<br />

são extensões de algo que existe em criaturas mais simples: o<br />

facto de estarem instala<strong>da</strong>s para deixar que o mun<strong>do</strong> as avise. O<br />

problema original de qualquer agente, por exemplo de um animal,<br />

é "O que é que eu hei-de fazer em segui<strong>da</strong>?" e as variações<br />

nas respostas dizem respeito i finura <strong>do</strong> grão <strong>da</strong> representação


Soja M&I/~IIS<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Daqui segue-se uma alternativa: o agente pode agir ao<br />

acaso e esperar pelo melhor ou representar o mun<strong>do</strong> e utilizar<br />

representações para guiar o seu comportamento. Embora seja<br />

tenta<strong>do</strong>r identificar a imagem manifesta <strong>do</strong>s humanos com aquilo<br />

que a linguagem natural representa, embora seja tenta<strong>do</strong>r considerar<br />

que to<strong>do</strong> o pensamento se basearia nesses termos (que<br />

por exemplo robôs viven<strong>do</strong> entre os humanos partilhariam a<br />

imagem manifesta <strong>do</strong>s humanos), esse é um passo injustifica<strong>do</strong>.<br />

O passo seguinte de Dennett é mostrar como é que o hábito<br />

humeano se relaciona com a imagem manifesta <strong>do</strong>s humanos. De<br />

um ponto de vista humeano, a nossa imgen~ ~nanifesta é cotnstitz~i<strong>da</strong><br />

por um co?y"ínto de hábitos de ex$ectativa, deriva<strong>do</strong>s de eqeriência por con-<br />

dicionamernto. Essas expectativas, retoman<strong>do</strong> o termo de 2.<br />

Pylyshyn, não são cognitivamente penetráveis e na<strong>da</strong> na imple-<br />

mentação <strong>do</strong>s hábitos (que são ideias práticas, razão por instinto,<br />

feixes de como-li<strong>da</strong>r) na criatura obriga, por exemplo, a preser-<br />

var a consistência <strong>do</strong> que eles instauram em termos de imagem<br />

manifesta. A questão que se coloca ao agente é saber explorar<br />

estes hábitos representacionais. Ora, de acor<strong>do</strong> com Dennett, o<br />

agente explora os seus hábitos através de meta-estratégias, nome-<br />

a<strong>da</strong>mente a atribuição às coisas salientes na imagem manifesta de<br />

hábitos humeanos para ver o que acontece, mapean<strong>do</strong> assim<br />

espaços abstractos em espaços comportamentais. Estes espaços<br />

são apenas análogos aos ' yme am'oins" e a tarefa de os aperfei-<br />

çoar é indefini<strong>da</strong>mente adia<strong>da</strong>: o sistema suporta perfeitamente<br />

tê-los mal ajusta<strong>do</strong>s e desembaraçar-se ain<strong>da</strong> assim o melhor<br />

possível. Agentes humanos (humeanos ...) fazem as coisas rele-<br />

vantes na situação corrente e protegem, quan<strong>do</strong> isso importa, as<br />

persistências que importam. Por exemplo, em situações comple-<br />

xas, as funções são fecha<strong>da</strong>s numa caixa negra chama<strong>da</strong> "agen-<br />

te", ao qual é deixa<strong>da</strong> a decisão (i.e os agentes humanos e humea-<br />

nos a<strong>do</strong>ptam a E1 relativamente a porções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>): conside-<br />

rar alguma coisa no mun<strong>do</strong> como outro agente serve para com-<br />

partimentalizar a ignorância e a E1 seria assim ela própria um<br />

particular hábito humeano instala<strong>do</strong> pela evolução nos humanos<br />

e noutros sistemas cognitivos. Nos agentes humanos os altos<br />

níveis de produção de versões de futuro são feitos através de his-<br />

tórias e narrativas, que an<strong>da</strong>m sempre em busca <strong>do</strong>s seus conte-<br />

ú<strong>do</strong>s. É isto quefa3 de acor<strong>do</strong> com Dennett, deforma rápi<strong>da</strong> e barata zlnr<br />

planea<strong>do</strong>r central imne ao problen~a <strong>do</strong> enqnadmento.<br />

Uftla Teotlo Fz~icnh~ta <strong>do</strong> Conteti<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Coitsrrê~~c~a<br />

5.2.3 A incorporação <strong>da</strong>s fne?ntes:perfzírba;cões <strong>do</strong>jírtriotnaLsnzo.<br />

«\Vlien you make a m d, the matenals mattet?>,<br />

Daniel Dennett'*'<br />

De acor<strong>do</strong> com N. Humphrey7", o aspecto mais interessante <strong>do</strong><br />

livro que Dennett dedica aos vários tipos de mentes, IGds Mind~<br />

(IUM), é o quanto, em muitas <strong>da</strong>s teses aí defendi<strong>da</strong>s, Dennett se<br />

distancia <strong>do</strong> funcionalismo descerebraliza<strong>do</strong> clássico exemplifica<strong>do</strong><br />

no início deste capítulo através <strong>da</strong>s ideias de H. Simon quanto ao<br />

artificial. Esse afastamento é notório numa <strong>da</strong>s ideias organiza<strong>do</strong>ras<br />

de Ia1 (que revela a influência de A. Damásio), a ideia segun<strong>do</strong><br />

a qual o corpo próprio deve ser considera<strong>do</strong> parte integrante <strong>da</strong><br />

mente de uma pessoa788. Como se referiu no início <strong>do</strong> Capítulo 3, a<br />

abor<strong>da</strong>gem que Damásio faz <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência tem visa<strong>do</strong><br />

a questão <strong>da</strong> "proprie<strong>da</strong>de" <strong>do</strong> mental por via <strong>da</strong> representação<br />

<strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de própria em vários níveis e de diversas formas no<br />

cérebro e está nos antipo<strong>da</strong>s <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong> mente caractenstica<br />

<strong>do</strong> funcionalismo puro. Nestes tratamento^'^' o Eu é apenas um<br />

símbolo-<strong>do</strong>-Eu, enquanto que a hipótese de Damásio vai no senti<strong>do</strong><br />

de considerar que a "proprie<strong>da</strong>de" é mais <strong>do</strong> que isso: os materiais<br />

que implementam a representação <strong>do</strong> Eu importam e estão de<br />

certo mo<strong>do</strong> presentes eles próprios como "conteú<strong>do</strong>".<br />

O funcionalista clássico decompõe a mente em sub-mentes desincorpora<strong>da</strong>s,<br />

ca<strong>da</strong> uma correspondente a uma função e a uma caixa<br />

num fluxograma. Ora, em IU\II, Dennett, que sempre se declarou (e<br />

continua a declarar-se) fun<strong>do</strong>nalista, vem a considerar que os homúnculos,<br />

i.e. as partes <strong>da</strong> decomposição funcional <strong>do</strong> mental, não são<br />

apenas sub-mentes mas também sub-corpos: «Não é possível separarme<br />

<strong>do</strong> meu corpo deixan<strong>do</strong> um belo e limpo bor<strong>do</strong>, como os tilósofos<br />

por vezes supuseram. O meu corpo contem tanto de mim, os<br />

valores, talentos, memórias e disposições que me fazem aquilo que<br />

sou, como o meu sistemas nervoso»710. Em suma, a hipótese nova em<br />

-' DENNETT 1798ix 76<br />

'" HULIPHRCIY 1777.<br />

'- Cí. DBNNBTT 1796.3, The Ao@ ,ondIlsiMi!tiii, DA~'~\SIO 1974 e DARIÁSIO 1977. Como<br />

já ,c afrrmou, a grande critica de Damásio ao biBb1 é que este seria n reoria de uma srflc~r ~,,inii (


I(M é que afinal pode ser importante num certo senti<strong>do</strong> aquilo de que<br />

uma mente é feita. Os mateliais de uma porção de matéria "mentaliza<strong>da</strong>"<br />

importam. O corpo biológico, ao contrário <strong>do</strong>s dispositivos<br />

periféricos de um computa<strong>do</strong>r clássico, não é um mero auxiliar para<br />

a recolha de informação <strong>do</strong> exterior, informação a fornecer, nesse<br />

caso, a um sistema nervoso, o qual poderia ser descrito como sistema<br />

de controlo desse corpo em termos totalmente funcionais, voltan<strong>do</strong><br />

depois o corpo em entsar em cena para possibilitar a execução de<br />

acções em resposta. Embora sen<strong>do</strong> sustentável até certo ponto, o funcionalismo<br />

encontra problemas pelo facto de a realização hsica <strong>da</strong>s<br />

funções mentais não ser tão indiferente quanto seria teoricamente<br />

desejável. Como nota H~rnphrey'~', sempre foi suficientemente claro<br />

que a ideia-chave <strong>do</strong> funcionalismo, a ideia de reaiizabili<strong>da</strong>de múltipla<br />

correspondente à separação entre "natureza formal" e "natureza<br />

matesiai", fazia to<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> relativamente ao processamento central<br />

e à kação de crenças complexas, mas não fazia nem nunca fez<br />

senti<strong>do</strong> relativamente à recolha de informação sensorial e à implementacão<br />

motora <strong>da</strong> acção. Noutras palavras, quan<strong>do</strong> se trata <strong>da</strong>s<br />

periferias, <strong>do</strong>s lugares de input e output <strong>do</strong>s sistemas cognifivos, a realizabili<strong>da</strong>de<br />

múltipla não faz senti<strong>do</strong>: a realização física importa muito<br />

pois «a composição física de transdutores e efectores é dita<strong>da</strong> pelo trabalho<br />

que eles têm que fazen>7nz. O que Dennett vem armar em I(M<br />

é que a realização hsica talvez importe não apenas nas periferias mas<br />

absolutamente em geral (allthe zvq inj, ao nível <strong>do</strong> sistema nervoso na<br />

sua totali<strong>da</strong>de. Por um la<strong>do</strong>, os sistemas nervosos evoluíram como sistemas<br />

de controlo em organismos nos quais já existiam outros sistemas<br />

de controlo (nomea<strong>da</strong>mente hormonais) disuibuí<strong>do</strong>s, "sobre" os<br />

quais os novos sistemas de controlo foram instala<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong><br />

estruturas chave-fechadura quúnicas, são ubíquos no próprio sistema<br />

nervoso e essa é uma importante razão pela qual os materiais importam.<br />

Na<strong>da</strong> disto iinpede qz~e as nzentes <strong>do</strong>s SIglobais conti~~z~e~n, de acor<strong>do</strong> coin<br />

opii~~c$iofi/~~iot~aLsta <strong>da</strong> divisão <strong>do</strong> trabalho, a ser considera<strong>da</strong>s conm constitzzi<strong>da</strong>s<br />

por szd-sistemas. No entanto z~m certo dz/aiismo enire o nmtal e o corpóreo,<br />

@e&? de tii<strong>do</strong> senlpre latente nas teonasj/~~ioi?alistas, vê-se pertnrbadó pela<br />

indishção entre o-q~~e-é-i@bnze~zta<strong>do</strong> e os nlateriais-<strong>da</strong>-in~plenze~itação qne a<br />

ideia <strong>da</strong>s ~zentes<br />

Im<br />

Un~a Teoria Fi~icaLsfo <strong>do</strong> Coiitei<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Co,>~tiência<br />

adrenalina <strong>do</strong> que há tolice numa garrafa de whisiy. Estas substâncias,<br />

per se, são tão irrelevantes para o mental como a gasolina ou o dióxi<strong>do</strong><br />

de carbono. E apenas quan<strong>do</strong> as suas capaci<strong>da</strong>des para funcionarem<br />

como componentes de sistemas funcionais maiores depende <strong>da</strong><br />

sua composi~ão interna que a sua assim chama<strong>da</strong> "natureza inLrínseca"<br />

importmn3. Essa é a intuição básica <strong>do</strong> funcionalismo e ela mantém-se.<br />

No entanto, o que se sugere em I(M é que: (1) o funcionalismo<br />

é uma hipótese filosófica e não uma constatação sem problemas<br />

acerca <strong>da</strong> engenhasia <strong>do</strong>s sistemas cogniovos e que (2) a hipótese que<br />

diz respeito ao corpo total e não apenas ao cérebro. A insuficiência<br />

desta correcção conànua a ser, de acor<strong>do</strong> com Humphrey, o facto de<br />

Dennett não a relacionar com a consciência. De facto, Dennett simplesmente<br />

não quer admitis que <strong>da</strong> sua constatação de que os materiais<br />

importam é possível passar à hipótese de que o corpo Faz mais<br />

diferença no que respeita à consciência <strong>do</strong> que aquilo que o Modelo<br />

<strong>do</strong>s Esboços blúltiplos admite7".<br />

'" DBNNBTi 1996: 76.<br />

É, coma se sabe, o que o pióprio Mumplircg dehnde na sua pouco orto<strong>do</strong>xa nbor<strong>da</strong>gcm <strong>da</strong><br />

qucsciio <strong>do</strong>s qitaii~i (FIUhPI-IRBY 1995). Scgun<strong>do</strong> Flumphrey, eirar conscienre (por conunstc com<br />

ter intencionali<strong>da</strong>de, i.c icpicsentsr o mun<strong>do</strong> errerior) é scn& c c acunsci6ncia scnsorid é uma activi<strong>da</strong>de<br />

que rcrin cvolui<strong>do</strong> a parar <strong>da</strong>s rerportls dc riceita~ão e de rejeigzo de organismos. Hi porraiita<br />

uma csocciúcidnde no mo<strong>do</strong> dc "icnicsenrscão" ou de subiectivi<strong>da</strong>de nuto-céntrico, o qual não<br />

tcm que envo~ver nen~iumn rcfcrêncis no esreiior e dir respciro 1 uma agora-i<strong>da</strong>de e n uma "propriedsde".<br />

i\ fungào <strong>do</strong> scn& é prover o organismo dc rnprcscnta$õcs <strong>do</strong> que sc está a passnr ngors<br />

consigo senti é um mo<strong>do</strong> de represcntai o quc acontece m supeificie <strong>do</strong> corpo, ionlmenie disrin<strong>do</strong><br />

colpo tnq corirzgo. Dennett não pretende concluis em ro<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> enwiisiùo na percepgão OU rcpiesenngào <strong>do</strong> rmbienrc crrcrno, que é alo-ctnrrico c pan<br />

sue O funcionalismo está erra<strong>do</strong>: (Não há mais raiva ou me<strong>do</strong> na a qual finalmenre os0 importa ‘'quem" é informa<strong>do</strong> mas apcn~s a piópria . . informação relativn no<br />

exk"or. I? o scn&, destac4vel <strong>do</strong> perceber, quc sc carnctetizn pela privaci<strong>da</strong>de, por cstsr locdiza<strong>do</strong><br />

" HUhíl'HREY 1997. Dennett rdmitc-o dcsdc logo (DENNEIT 1996:74). na cspaço <strong>da</strong> corpo, por ser modnlmcnrc especiúco e por ser no tempo presenrc. Ora, dc acor<strong>do</strong><br />

"' DENNETi 1996:75. Pnrn alguma coisa, algum mntetial, serW para dcrccwr luz, por crcm- com H~mphrey esr~s são wrrcrcristicns de activi<strong>da</strong>des corpoids. O se"& seria cntáo uma sctividnplo,<br />

tem quc rcr forossensivcl. de <strong>do</strong> corpo pióprio c a esséncin <strong>do</strong> scr conscicntc.


Terceira Parte: Os Problemas


Capital0 6<br />

Fisicalismo, Conteb<strong>do</strong> e Consciência: <strong>da</strong>JiIosoJa <strong>da</strong> mente à<br />

antologia.<br />

6.1 Primeiro efilr2<strong>da</strong>i5r1entalpo~zto crítico pam a avaliação <strong>da</strong> TSI: o<br />

Jisicalisizo e a irredxtibihiade <strong>da</strong> i~/te~zciorzal'inade.<br />

Afirmou-se na Introducão que a pertinência de uma teoria filosófica<br />

se avalia pelo esclarecimento que ela produz relativamente ao<br />

conhecimento e compreensão previamente operantes, nomea<strong>da</strong>mente<br />

em áreas científicas. Ora, o objectivo <strong>da</strong> flosofia de Dennett<br />

é precisamente acompanhar a investigação empírica <strong>da</strong> cognicão e<br />

propor a TSI como meta-teoria. O problema neste momento é avaliar<br />

em que medi<strong>da</strong> a TSI, uma particular teoria fisicalista <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

e <strong>da</strong> consciência, constitui a melhor abor<strong>da</strong>gem filosófica <strong>da</strong><br />

ciência cognitiva. Uma abor<strong>da</strong>gemjisicahta <strong>da</strong> ciência cognitiva tal<br />

como a TSI é uma teoria <strong>do</strong> interior mental <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, considera<strong>do</strong><br />

este como sen<strong>do</strong> de natureza fun<strong>da</strong>mentalmente fisica. Sob o<br />

título de "interior mental <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>" caem características como a<br />

intencionali<strong>da</strong>de e a consciência bem como conformacões mais sofistica<strong>da</strong>s,<br />

nomea<strong>da</strong>mente humanas, a que estas possam <strong>da</strong>r origem,<br />

como a pessoali<strong>da</strong>de e a accão livre. Isto significa que a TSI tem a<br />

pretensão de analisar a subjectivi<strong>da</strong>de sob vários aspectos, propon<strong>do</strong><br />

várias figuras <strong>do</strong> sujeito, desde aquela que foi neste trabalho<br />

considera<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental, a figura <strong>do</strong> intérprete unifica<strong>do</strong>r, até ao<br />

Teatro Cartesiano, aos qz~alia <strong>da</strong> experiência, ao centro de controlo<br />

virtual num sistema de agentes relativamente independentes, ao<br />

avalia<strong>do</strong>r forte, responsável pela identi<strong>da</strong>de pessoal e pela racionali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental própria. Algumas dessas figuras são aceites e


Soja Mig~le~is<br />

incorpora<strong>da</strong>s na teoria, nomea<strong>da</strong>mente e com âmbitos diferentes<br />

(respectivamente epistemológico e metafísico, cognitivo e moral) o<br />

intérprete unifica<strong>do</strong>r, o centro Wtual de controlo e o avalia<strong>do</strong>r<br />

forte. Outras aparecem para serem afasta<strong>da</strong>s e desconstruí<strong>da</strong>s: é o<br />

caso <strong>do</strong> eu naturalmente unifica<strong>do</strong>, prévio à experiência e i identi-<br />

<strong>da</strong>de pessoal, de (uma certa noção de) Teatro Cartesiano e de (uma<br />

certa noção de) qz~alia. De uma tal selecção <strong>da</strong>s figuras <strong>da</strong> subjecti-<br />

vi<strong>da</strong>de resulta uma nova teoria <strong>do</strong> sujeito cuja coerência constitui<br />

um problema.<br />

Penso que se se pretende fazer a partir <strong>da</strong> TSI afirmações<br />

importantes acerca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> cognição e <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de se<br />

torna necessário clarificar determina<strong>do</strong>s pontos insuficientemente<br />

explícitos <strong>do</strong> pensamento de Dennett. Defenderei no que se segue<br />

que se as teses acerca <strong>da</strong> EI, que apontam a subjectivi<strong>da</strong>de como<br />

responsável por uma unificação constitutiva <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de,<br />

nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mental são as mais fun<strong>da</strong>men-<br />

tais de to<strong>do</strong> o edifício (sem que possa deixar de se considerar ao<br />

mesmo tempo o sistema caracteriza<strong>do</strong> por tal subjectivi<strong>da</strong>de como<br />

sen<strong>do</strong> "constituí<strong>do</strong>", tal como os modelos mecânicos <strong>da</strong> cognição<br />

o descrevem), outras teses relativas ã subjectivi<strong>da</strong>de, e muito espe-<br />

cialmente o núcleo <strong>da</strong> posição deflacionária quanto i consciência<br />

não lhes fazem justiça. Neste último capítulo haverá assim um afas-<br />

tamento relativamente aos textos de Dennett, que orientaram o<br />

percurso até agora traça<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> a avançar sugestões relativas a<br />

um aprohn<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> TSI em termos de metafísica e ontol~gia'~'.<br />

Tais sugestões partem <strong>do</strong> problema que a irredutibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inten-<br />

cionali<strong>da</strong>de, latente na figura <strong>do</strong> intérprete unifica<strong>do</strong>r (nunca "redu-<br />

zi<strong>do</strong>"), coloca ao professa<strong>do</strong> fisicalismo <strong>da</strong> TS17"' e conduzem não<br />

apenas a uma reformulação <strong>do</strong> dito fisicalismo mas também i recu-<br />

peração de noções indevi<strong>da</strong>mente afasta<strong>da</strong>s por Dennett, nomea-<br />

<strong>da</strong>mente as noções de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e de entendimen-<br />

to genuíno. A proposta afasta-se <strong>da</strong> letra estritamente considera<strong>da</strong><br />

"Não se insishii nqui demasia<strong>do</strong> na possíucl difcrenga enue meaiiíiw c ontolo@n. Uma psiticulni<br />

perspectiva desss difercnga sexi ietomads mds i Frcnre nuavés de B. Crinnvcll Smidi. No<br />

cntanto, em gcral, utiiizz-se o reimo 1 i i r 1 pin ~ ~ nomcar una tcoiií di nanirezr ds redidsdc, <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> rcyla<strong>do</strong>r e totahsntc, c o termo o ~ ~ i o para ~ i n nomcsr resposns prrticulnies i<br />

quest9o "o quc é que I+"<br />

-,x Chamarse-i aquijiiiiiiíiíiíiío i ideia segun<strong>do</strong> r qual nq<strong>do</strong> que Fun<strong>da</strong>ment~lmcntc exirtc corres-<br />

ponde iquilo com quc í iisica, enqumto ciência básica, se compromcrc nas suas teocizagõcs. Esri<br />

inevitavelmente em causa na discussso aceicn <strong>da</strong> úricnlismo i pretensso dc quc cristina uma correspondèncin<br />

enuc o mun<strong>do</strong>-em~si, n "reaiidnde realmente rcd", e umn teoria cicntificn disdplinni<br />

<strong>da</strong> TSI: interessa esclarecer o que fica inexplícito quan<strong>do</strong> a noção<br />

de intérprete é simplesmente assumi<strong>da</strong> (por exemplo de onde vem<br />

a E1 e pocque é que ela surge em alguns sistemas cognitivos como<br />

postura face a outros sistemas).<br />

Convem notar que embora Dennett declare que a TSI é uma<br />

teoriaficaLsta <strong>do</strong> mental, a TSI não é uma exploração metafísica<br />

<strong>do</strong> fisicalismo como aquela que se encontra em autores como F.<br />

Jackson, D. Chalmers ou J. I&. O fisicalismo <strong>da</strong> TSI é uma declaração<br />

de princípios e pouco mais. Aliás, a TSI pretende ser ao mesmo<br />

tempo uma teoria fisicalista e uma teoria quineana <strong>da</strong> interpretação<br />

e a ver<strong>da</strong>de é que um certo dualismo persiste nas teorias quineanas<br />

<strong>da</strong> interpretação: tanto quanto estas propõem que o mental<br />

é apenas zma intelpretação de algo que é real~~~e~~te~s~co, elas retêm uma<br />

distin~ão por princípio entre o mental e o resto. E certo que não se<br />

trata de um dualismo imaterialista ou solipsista mas trata-se ain<strong>da</strong><br />

assim de um dualismo, de resto perfeitamente notório nas discussões<br />

acerca de sintaxe e semântica, razões e causas, vocabulário<br />

intencional e vocabulário físico que povoam a fiiosofia <strong>da</strong> mente. A<br />

base para o questionamento <strong>do</strong> fisicalismo <strong>da</strong> TSI é o realismo<br />

modera<strong>do</strong>, basea<strong>do</strong> numa teoria evolucionista <strong>da</strong> cognição, em que<br />

a posição dennettiana acerca de intencionali<strong>da</strong>de se estabiliza. Este<br />

representa de facto uma subversão <strong>da</strong> posição básica e <strong>da</strong> &a<br />

palavra atribuí<strong>da</strong> no seio <strong>do</strong> fisicalismo à física e àquilo que de acor<strong>do</strong><br />

com a física existe. A explicitação desta posição mostrará de que<br />

forma a TSI incorpora a irredutibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de na teoria<br />

<strong>da</strong> mente, deven<strong>do</strong> o "absolutismo <strong>da</strong> terceira pessoa" (a expressão<br />

é de Chalmers) <strong>da</strong> teoria deflacionária <strong>da</strong> consciência ser<br />

secun<strong>da</strong>riza<strong>do</strong> e corrigi<strong>do</strong>. A objecção maior ao absolutismo <strong>da</strong> terceira<br />

pessoa parte <strong>do</strong> seguinte: se a f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> ciência cognitiva<br />

nretende oferecer uma teoria <strong>do</strong> lugar " <strong>da</strong> mente na natureza ela será<br />

obriga<strong>da</strong> a encarar a questão <strong>da</strong> constituição <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de. Ora,<br />

a subjectivi<strong>da</strong>de em jogo , - na constituição <strong>da</strong> obiectivi<strong>da</strong>de é uma<br />

questão mais abstracta e mais geral <strong>do</strong> que a questão <strong>do</strong> sujeito psicológico<br />

individual e <strong>do</strong>s mecanismos cognitivos sub-pessoais que<br />

garantem a unificação deste e não é abordável através de modelos<br />

cogniiivos particulares, como os propostos na psicologia e na IA<br />

(ou no MEW. Aquilo que está em causa é o estatuto <strong>da</strong> representação<br />

e <strong>do</strong> entendimento no seio <strong>da</strong>quilo que existe e para abor<strong>da</strong>r<br />

tal problema será necessário deixar para trás os problemas específicos<br />

<strong>da</strong> fiiosofia <strong>da</strong> mente, que é f<strong>do</strong>sofia de uma ciência específi-


Soja Migtc~rs<br />

ca, a psicologia ou ciência cognitiva, de mo<strong>do</strong> a enfrentar questões<br />

gerais relativas à subjectivi<strong>da</strong>de, i objectivi<strong>da</strong>de e à representação.<br />

Dennett trata estas questões em Bqorrd Beliej'através de uma noção<br />

muito fraca, uma noção precisamente psicologista e cientista'", a<br />

noção de mun<strong>do</strong> nocional ou heterofenomenológico, identifica<strong>do</strong><br />

como o conjunto <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong> sujeito (<strong>do</strong> sujeito entendi<strong>do</strong> no<br />

senti<strong>do</strong> psicológico, i.e. o indivíduo em situação experimental) sobre<br />

aquilo em que acredita, relatos que podem depois ser toma<strong>do</strong>s<br />

e compara<strong>do</strong>s por alguém (o intérprete, o cientista) com aquilo que<br />

se passa no cérebro <strong>do</strong> sujeito. Aquilo que se passa no cérebro seria<br />

então a reali<strong>da</strong>de real, aquela que importa <strong>do</strong> ponto de vista ontológico,<br />

e que estaria (aparentemente) simplesmente lá. No entanto,<br />

de acor<strong>do</strong> com a própria TSI, o cérebro não se identifica com o<br />

pensamento, a representação ou o entendimento. Se há coisa que a<br />

investigação científica <strong>da</strong> cognição sugere é que o pensamento poderia<br />

não ser implementa<strong>do</strong> ou realiza<strong>do</strong> por cérebros e que "o representa<strong>do</strong><br />

na representação" não é uma reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mesmo nível<br />

que os mecanismos <strong>da</strong> cognição. A questão <strong>da</strong> representação não é,<br />

assim, idêntica à questão <strong>da</strong> constituição física e funcionamentos de<br />

sistemas cognitivos. Procurar-se-á por isso defender que não é o<br />

indivíduo, o sujeito <strong>do</strong> psicólogo o foco de uma teoria <strong>da</strong> representação<br />

mas sim a relação entre o regist~"~ e o mun<strong>do</strong>. Noutras<br />

palavras, o que está em causa é o sujeito <strong>do</strong> filósofo, ou, nos termos<br />

<strong>da</strong> TSI, o intérprete.<br />

6.2 A rlaturep e o seu irrterior I. Será a TSI rjecessariar~~etite Jisi-sicalista?<br />

O realismo izodera<strong>do</strong>, a teol-ia evolzlciorrista <strong>da</strong> cogrrção e o estatzito<br />

<strong>do</strong>s ir~terfdces. A (it~~z~stt$cação <strong>do</strong> Jisi-sicali'rt~o<br />

Desde o início deste trabalho foi exposta uma teoria <strong>da</strong> mente<br />

fisicalista e anti-reducionista, nos seus aperfeicoainentos e especifi-<br />

cações ao longo <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>s. A TSI é fisicalista na medi<strong>da</strong><br />

em que <strong>da</strong>s três estratégias que prevê (a EI, a ED e a EF) a EF é<br />

-vN- ao ac . pmtende nkmar quc a no@o de mun<strong>do</strong> Iieterofcnomciiológico é meto<strong>do</strong>logicnrnen-<br />

tc inútil quan<strong>do</strong> sc mta <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> cientifico d~ cogni~io, apenas que r sua udi<strong>do</strong>dc sc resuingc u um<br />

Brnbito muito especifico, a que se poderia chamar meto<strong>do</strong>login <strong>da</strong> psicoiogia.<br />

'U i\ no~io seri inlroduzids aunvér de B. Cmiweli Smith (CANT\VELL SRETFI 1996) e traduz<br />

uma apieens3o dc qualquer génem, nio spcnils conccptual, enue duns partes no/<strong>do</strong> inun<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s<br />

quais toma-ouun-como-scn<strong>do</strong>-S.<br />

Uha Teoria EsicaJisIa rio Cor,/eii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> CorisciÊlrcio<br />

considera<strong>da</strong> a mais geral e com maior poder de previsão. Embora<br />

Dennett afírme por vezes que as noções de SI e de E1 são neutras<br />

em relação ao fisicalismo e portanto apenas compatíveis com ele e<br />

que o poder de previsão <strong>da</strong> EF é na prática e na maioria <strong>do</strong>s casos<br />

inacessível aos humanos, de qualquer mo<strong>do</strong> admite que apenas a<br />

existência e a natureza <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des e leis <strong>da</strong> física não depende<br />

nunca de adscrição ou de interpretação, por oposição is enti<strong>da</strong>des<br />

categoriza<strong>da</strong>s como funcionais ou como intencionais (por exemplo<br />

enti<strong>da</strong>des biológicas como espécies e enti<strong>da</strong>des psicológicas como<br />

esta<strong>do</strong>s mentais). Apenas as teorias físicas são absolutamente<br />

gerais: elas aplicam-se a tu<strong>do</strong> aquilo que existe, enquanto que o<br />

âmbito de teorias funcionais ou intencionais é mais reduzi<strong>do</strong>. A TSI<br />

é anti-reducionista na medi<strong>da</strong> em que nega que o intencional (e<br />

aliás também o funcional) possa ser reduzi<strong>do</strong> - no senti<strong>do</strong> que este<br />

termo tem em filosofia <strong>da</strong> ciência - a enti<strong>da</strong>des situa<strong>da</strong>s abaixo <strong>da</strong><br />

descrição intencional numa concepção a que se pode chamar uma<br />

"concepção hierárquica de natureza" e <strong>da</strong>s teorias <strong>da</strong> natureza.<br />

Ora, um tal fisicalismo anti-reducionista pressupõe, para se opor<br />

a ela e não a discutin<strong>do</strong>, uma determina<strong>da</strong> concepção (hierárquica)<br />

de natureza e por conseguinte <strong>da</strong> relação <strong>da</strong>s teorias científicas entre<br />

si, de acor<strong>do</strong> com a qual existem níveis mais básicos e mais gerais (de<br />

enti<strong>da</strong>des, de leis) na natureza que de algum mo<strong>do</strong> sustentam níveis<br />

mais altos. Os níveis mais básicos e mais gerais são considera<strong>do</strong>s<br />

fun<strong>da</strong>mentais. Se o não-reducionismo configura uma posição em<br />

hlosofia <strong>da</strong> ciência, trata-se de uma posição caracteriza<strong>da</strong> pelo facto<br />

de constituir uma alternativa à ideia de "ciência unifica<strong>da</strong>", de acor-<br />

<strong>do</strong> com a qual (e em correspondência com a dita concepção hierár-<br />

quica de natureza) a relação entre teorias é de uma eventual redução.<br />

A TSI sai fora desse quadro ao afírtnar que as enti<strong>da</strong>des e as teorias<br />

de nível mais alto não podem ser reduzi<strong>da</strong>s às enti<strong>da</strong>des e teorias de<br />

nível mais baixo. O anti-reducionismo opõe-se portanto à ideia de<br />

ciência unifica<strong>da</strong>. No entanto, o compromisso de Dennett com aqui-<br />

lo a que chama "epistemologia e metafisica científicas stun<strong>da</strong>rd' e que<br />

identifica globalmente com o materialismo ou fisicalismo, parece<br />

obrigá-lo de novo, ao contrário <strong>do</strong> que o professa<strong>do</strong> anti-reducio-<br />

nismo parecia prometer, a uma defesa <strong>da</strong> concepção hierárquica de<br />

natureza e <strong>da</strong> correlativa ideia de ciência unifica<strong>da</strong>.<br />

A TSI, uma teoria interpretativista, não é obviamente a única<br />

posição anti-reducionista possível acerca <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de. De<br />

entre os vários autores analisa<strong>do</strong>s neste trabalho, também por


exemplo J. Fo<strong>do</strong>r7" defende uma posição anti-reducionista ao argumentar<br />

que as ciências especiais (no caso que interessa, a psicologia)<br />

não podem ser reduzi<strong>da</strong>s 2 física. Fo<strong>do</strong>r pensa no entanto, ao<br />

contrário de Dennett, que é possivel formular leis <strong>da</strong>s ciências<br />

especiais (embora estas sejam leis ceterisparib-zs e não leis sem excepção<br />

ou leis estritas) e portanto pensar causalmente acerca <strong>do</strong> nível<br />

intencional <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. As categorias correspondentes a este nível<br />

seriam categorias de géneros naturais. Fo<strong>do</strong>r defende assim aquilo<br />

a que se chamou um hincionalismo forte. Note-se que, enquanto o<br />

anti-reducionismo de Dennett se deve pelo menos à parti<strong>da</strong> ao<br />

interpretativismo quineano, o anti-reducionismo de Fo<strong>do</strong>r se explica<br />

pelo reabs~no intencional. Esta oposicão foi analisa<strong>da</strong> no Capítulo<br />

2 <strong>do</strong> presente trabalho. Pelo facto de não ser uma posição realista<br />

quanto i intencionali<strong>da</strong>de, a posicão de Dennett (a posição não<br />

reducionista ilrterpretativista) tem mais problemas com o fisicalismo<br />

<strong>do</strong> que a posição de Fo<strong>do</strong>r. O realismo intencional permite a Fo<strong>do</strong>r<br />

defender determina<strong>da</strong>s posições definitivamente fecha<strong>da</strong>s à TSI -<br />

nomea<strong>da</strong>mente que a explicação psicológica é nomológica (e que<br />

ela é portanto propriamente uma eq!~licução e não apenas uma descrição),<br />

que as generalizações psicológicas exprimem relações cuzisair<br />

entre esta<strong>do</strong>s mentais intencionaimente caracteriza<strong>do</strong>s cujas<br />

realizações físicas não são o mais importante, que as leis intencionais<br />

explicitam aquilo sobre o qual a psicologia de senso comum se<br />

apoia já e que a racionali<strong>da</strong>de de sistemas cognitivos físicos é possibilita<strong>da</strong><br />

pela computação de representuções reais. A estas ideias a TSI<br />

contrapropõe uma diferente relação entre a psicologia de senso<br />

comum, a psicologia cognitiva sub-pessoal e a própria TSI, de acor<strong>do</strong><br />

com a qual a psicologia de senso comum consiste em desmjões<br />

semânticas não explicativas e a questão <strong>da</strong> redução se coloca apenas<br />

entre a TSI (como descrição de competências) e a psicologia<br />

cognitiva sub-pessoal (como teoria <strong>da</strong> implementação). Quan<strong>do</strong><br />

considera a relação entre uma caracterização abstracta de sistemas<br />

intencionais e os mecanismos sub-pessoais Dennett não apenas<br />

pensa que não há razões para defender o reducionisino, como<br />

defende que as próprias categorias <strong>da</strong> psicologia cognitiva sub-pessoa1<br />

dependem de interpretação, não corresponden<strong>do</strong> de forma<br />

alguma a géneros naturais.<br />

.O" Cí. Cap. 2 dcste mùnlho e tambim o Csp. 2 de PODOR 1998 4 Speiial Siienirr: Sliil<br />

Ai


e quanto à psicologia cognitiva sub-pessoal que Dénnett defende,<br />

ao contrário de J. Fo<strong>do</strong>r, que a racionali<strong>da</strong>de não tem ver<strong>da</strong>deira<br />

natureza, o que significará depois que a psicologia não tem ver<strong>da</strong>deira<br />

natureza, i.e. que ela não é a teoria de um nível autónomo de<br />

reali<strong>da</strong>de. Esta af~mação é nuclear na oposição ao representacionismo<br />

ou sentencialismo. É importante ter sempre em mente que<br />

o diferen<strong>do</strong> entre a TRhI e a TSI acerca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s representações<br />

diz respeito ao estatuto de processos mecânicos, causais,<br />

sub-pessoais, descritos nas ciências <strong>da</strong> cognição e não a alguma<br />

coisa de que os sujeitos podem estar conscientes. A oposição de<br />

Dennett à TRM e ao realismo intencional, que permitiriam configurar<br />

a autonomia e a irredutibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> nível representacional <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de, compromete-o com a ligação <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de (<strong>da</strong> psicologia,<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s representações em geral) a uma interpretação.<br />

O problema é saber se a perspectiva evolucionista sobre<br />

ontologia e metafísica correlativa deste interpretativismo é coerente<br />

com o fisicalismo.<br />

A expressão, "perspectiva evolucionista sobre a ontologia e a<br />

metafísica" é utiliza<strong>da</strong> por Dennett em Ends of Mi~~df~~ para se<br />

referir às consequências <strong>da</strong> sua abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> cognição. De acor<strong>do</strong><br />

com a perspectiva evolucionista sobre a ontologia e a metafísica, a<br />

existência de "representações" em sistemas tognitivos físicos está<br />

liga<strong>da</strong> ao envolvimento desses sistemas no ambiente. É devi<strong>do</strong> ao<br />

reconhecimento deste facto que o interpretativismo inicialmente<br />

instrumentalista vem a ser o realismo modera<strong>do</strong> de Rea/Patter12s. De<br />

acor<strong>do</strong> com esta posição, um intérprete não cria arbitrariamente<br />

interpretações intencionais: as interpretações intencionais resultam<br />

<strong>do</strong> reconhecimento de representações reais "embebi<strong>da</strong>s" (embeddelded)<br />

no ambiente. Mas será que o realismo (modera<strong>do</strong>) <strong>da</strong> representa-<br />

ção, que reconhece a existência objectiva de padrões relacionais, de<br />

nível eleva<strong>do</strong>, não entra em contradição com o fisicalismo?<br />

Note-se que não conceder priori<strong>da</strong>de absoluta à EF seria perfei-<br />

tamente coerente com o anti-reducionismo proclama<strong>do</strong> por Den-<br />

nettt desde C&C, bem como com a plusali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s estratégias pre-<br />

vistas na TSI. É óbvio que existe uma semente "pluralista" na filo-<br />

'" «\Vc tend to forgcr tlint our ways of thinkuig zibout tlic world are nor the only ways, nnd in<br />

pnrticulnr src nar prerequisites for cngaging tlie wodd successhiiy. It probably seems obvious, rr<br />

frsr, tliat since tlicy arc so mnnifcsdy inreiügent, <strong>do</strong>gs nnd <strong>do</strong>lpiiins 2nd brts must liave conceprs<br />

more or Icss like ours, but on rcflcction it shouldn't seem obvious ar dl. hlosr of the questionr wc'vc<br />

nised from oui cuolutionnry pçrspectiic abaur the onrology 2nd cpistcmalogy of orlier crçstures<br />

hzvc nor bcen nnswctcd, and &e inswers \vil no <strong>do</strong>ubt bc rurpcirinp (DENNETi 1996: 146).<br />

Unia Teo~io FisicaIisto <strong>do</strong> Coiite~í~lo e dri Coirsrie,iciri<br />

sofia de Dennett, mais precisamente na própria noção de estratégias.<br />

Se to<strong>da</strong>s as estratégias (stances) são "estratégias" (i.e. posturas,<br />

abor<strong>da</strong>gens, pontos de vista) é argumentável que Dennett deveria<br />

deixar de considerar a forma de existência liga<strong>da</strong> i EF como a<br />

forma de existência mais básica e tornar-se um pluralista, colocan<strong>do</strong><br />

em paralelo a existência <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des que as várias estratégias<br />

constituem. Dir-se-ia que é apenas uma espécie de puritanismo<br />

cientista que impede Dennett de ser o pós-modernista pluralista<br />

que por exemplo R. Rorty nele vê. Se seguisse essa iinha, Dennett<br />

seria leva<strong>do</strong> a aiirmar, como Ryle afirmava, que há várias formas de<br />

existir, sem que umas sejam mais básicas <strong>do</strong> que outras, deixan<strong>do</strong><br />

cair a questão metafísica <strong>do</strong> fisicalismo, uma questão (liga<strong>da</strong> a uma<br />

preocupação epistemológica, ou melhor i necessi<strong>da</strong>de de fazer<br />

decorrer uma teoria acerca <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que se<br />

conhece) acerca <strong>da</strong>quilo que é mais básico na reali<strong>da</strong>de. De facto, o<br />

fisicalismo enquanto posição metafísica, tal como é defendi<strong>do</strong> por<br />

exemplo por E Jackson, exclui o pluralismo, ao assumir como tarefa<br />

<strong>da</strong> metafísica a oposição às "grandes listas" de existentes e a procura<br />

aquilo quej/n<strong>da</strong>~zmtalnlentc existe.<br />

Recorde-se que foi a a<strong>do</strong>pção de uma postura quineana, centra<strong>da</strong><br />

na epistemologia e apostan<strong>do</strong> na continui<strong>da</strong>de entre filosofia e<br />

ciência, em desfavor de uma posição ryleanaRU', que levou Dennett<br />

a optar por <strong>da</strong>r priori<strong>da</strong>de à linguagem <strong>da</strong>s ciências naturais e que<br />

lançou to<strong>do</strong> o seu trajecto como filósofo <strong>da</strong> mente. Na medi<strong>da</strong> em<br />

que entende a sua filosofia como sobretu<strong>do</strong> epistemológica<br />

Dennett pretende manter-se fiel a essa opção inicial. No entanto, a<br />

sugestão de um pluralismo mais assumi<strong>do</strong> feita a Dennett não é<br />

novi<strong>da</strong>de. R. Rorty é um <strong>do</strong>s leitores de Dennett que faz essa sugestão,<br />

sugerin<strong>do</strong> aliás ao mesmo tempo que Dennett deixe de se preocupar<br />

com a questão <strong>do</strong> realismo. Para Rorty, «é tolice perguntar se<br />

alguma coisa é real - por oposição a perguntar se é útil falar dessa<br />

coisa, se ela é espacialmente localizável, espacialmente divisível,<br />

tangível, visível, facilmente identifica<strong>da</strong>, constituí<strong>da</strong> por átomos,<br />

boa para comer, etc. A reali<strong>da</strong>de é uma ro<strong>da</strong> que não tem papel em<br />

nenhum mecanismo, uma vez a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> a atitude ontológica natural.<br />

O mesmo digo <strong>da</strong> decisão acerca de ser ou não ser realista acerca<br />

de alguma coismRo2. O aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> realismo conduziria naturalmente<br />

ao aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong> questão em torno <strong>do</strong> fisicalismo e <strong>da</strong> reali-<br />

Quc desbgrcia, na p ~ák~, ininvtigngões concepruiis acerca <strong>do</strong> rncn~d <strong>da</strong>s Uencins dn cognigzo.<br />

" ROR1Y 1993: 197-198.


<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s padrões intencionais. Para Rorty, Dennett é demasia<strong>do</strong><br />

realista porque é demasia<strong>do</strong> "cientista", i.e. preocupa-se demasia<strong>do</strong><br />

com ciência e epistemologia. A sugestão de Rorty é rejeita<strong>da</strong> por<br />

Dennett803 devi<strong>do</strong> ao já referi<strong>do</strong> compromisso com a ontologia e a<br />

metafísica científicas stutzcidrd. Dennett não está disposto a deixar de<br />

ser aquilo que Rorty, enquanto filósofo, deixou de ser (e que considera<br />

um erro ser): um epistemólogo.<br />

Ora, se Dennett não admite a sugestão de subverter a posição<br />

<strong>da</strong> EF no seu pensamento quan<strong>do</strong> esta sugestão é feita a paràr "de<br />

fora", nomea<strong>da</strong>mente por Rorty, procurar-se-á apresentar a mesma<br />

sugestão a partir de dentro, i.e. fazen<strong>do</strong> apelo a teóricos que estão<br />

tão preocupa<strong>do</strong>s com a epistemologia <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> cognição como<br />

o próprio Dennett. A defesa <strong>do</strong> realismo modera<strong>do</strong> será mais<br />

compreensível se for vista como uma alternativa a: (1) deixar pura<br />

e simplesmente cair a questão <strong>do</strong> realismo e <strong>do</strong> anti-realismo como<br />

Rorty sugere, (2) admitir que é afmal um eliminativista como os<br />

Churchland desde sempre lhe sugerem, (3) ser um realista intencional<br />

fo<strong>do</strong>riano.<br />

Tomei como índicio para a proposta em segui<strong>da</strong> apresenta<strong>da</strong> o<br />

louvor que Dennett faz de determina<strong>da</strong>s teorias <strong>da</strong> representagão,<br />

que exemplificariain o realismo modera<strong>do</strong>, nomea<strong>da</strong>mente as sugeri<strong>da</strong>s<br />

nas obras <strong>do</strong> psicólogo J. Gibson e <strong>do</strong>s filósofos A. Clarli e R.<br />

MiiliicanSo4. O estatuto concedi<strong>do</strong> à cognição por tais teorias subverte<br />

aquilo a que se poderia chamar a "neutrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> representação"<br />

bem como a autonomia de um nível representacional <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

Uma ideia central comum a teóricos evolucionistas <strong>da</strong> cognição<br />

como J. Gibson, A. Clark ou R. MiUiian é que as representações<br />

mais básicas que existem em sistemas cognitivos físicos são<br />

tt orienta<strong>da</strong>s-para-a-acw. Noutras palavras, as representações<br />

mais básicas são acerca <strong>da</strong>quilo que, no ambiente, importa ao sistema<br />

considerar. Para capturar essa característica os gibsonianos<br />

puseram a correr o expressivo termo affor<strong>da</strong>tzccs, R. Miliikan fala de<br />

pz~shzipz~~z~ represetrtationjRo5 e A. Clark fala de actiotl-orietzted rrepresetjtatiofzs.<br />

Comum a to<strong>do</strong>s este teóricos é o facto de pensarem que as<br />

'" DENNETI 1993.<br />

"" Cf GIRSON 1979, 'Th Senm Coiidiercii~i~ Pi>i>i>qiii~~/~~ie,i~r (o uaballio de Gibsan C a origem<br />

<strong>da</strong> cliama<strong>da</strong> "psicologia ecológica"), CLARIC 1997, MILLIKAN 1984 e hliLLIIíIZN 1992.<br />

A crprcssio 6 um úmlo dc hliilikan (XIILLIICAN 1996). Ji em i\LILLIIO\N 1984 em dcscnwlvi<strong>da</strong><br />

s ideia dc fcones Intencionsis com funqio "impcrnuv~/inforinnriri~ilil', i." de "mpiesentaqUes"<br />

ou proto-representa$òes quc nio podem scr pcnsa<strong>da</strong>s como purRmentc dcscricivns porquc rio camb6m<br />


di<strong>do</strong> o "lugar de honra" na hierarquia <strong>da</strong> natureza, terá que ser posto<br />

em causa. Esta constatação não tem por que conduzir ao aban<strong>do</strong>no<br />

<strong>da</strong> meto<strong>do</strong>logia e <strong>da</strong> conviccão naturalistas e nem sequer necessariamente<br />

ao aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> realismo científico. O que está em<br />

causa é apenas a interpretação hlosófica <strong>do</strong> estatuto <strong>da</strong> cognição e<br />

o enquadramento <strong>do</strong> pluralismo <strong>do</strong>s "mun<strong>do</strong>s". A perspectiva evolucionista<br />

"acerca de ontologia e de metafísica" sugere que de<br />

algum mo<strong>do</strong> existem mun<strong>do</strong>s representa<strong>do</strong>s diferentes e mesmo<br />

incompatíveis entre si não haven<strong>do</strong> razão suficiente para afxmar<br />

desde logo que uns são simplesmente mais reais <strong>do</strong> que os outros.<br />

Começar-se-á por deixar nas mãos de John Haugelandsn6 uma<br />

interpretação <strong>do</strong> realismo modera<strong>do</strong> <strong>da</strong> TSI que torna este mais coerente<br />

com as perspectivas evolucionistas acerca <strong>da</strong> cognição. A interpretacão<br />

de Haugeland coloca a E1 numa posição de privilégio relativamente<br />

is outras estratégias, uma posição que a E1 não tem no<br />

pensamento <strong>do</strong> próprio Dennett. Uma vez que a interpretaçião de<br />

Haugeland vai no senti<strong>do</strong> de incorporar a TSI na sua própria meta-<br />

Esica <strong>da</strong> mente, convém notar o que Dennett pensa acerca desta, Ora,<br />

Dennett pensa que o facto de Haugeland acompanhar a sua defesa<br />

de que a cognição é constituição com a constante demonstração <strong>da</strong><br />

dificul<strong>da</strong>de de constituir um mun<strong>do</strong> é suficiente para afastar qualquer<br />

relativismo (por contraste, por exemplo, com a sugestão de Rorty)'07.<br />

Isto é assim mesmo se a explicação que Haugeland dá <strong>da</strong>quilo em<br />

que consiste a constituição de um mun<strong>do</strong> não permite armar que o<br />

relativismo deve ser elimina<strong>do</strong> porque existe uma maneira pridegia<strong>da</strong><br />

de constituir o mun<strong>do</strong>Rn! De facto, Haugeland salienta a ausência<br />

de necessi<strong>da</strong>de na constituição humana <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> através <strong>da</strong> representação,<br />

acentuan<strong>do</strong> no entanto .a ideia de coizs~t//ição.<br />

6.2.1 J.I-Iazgeland e a teoria <strong>do</strong> entendi?nento (ozr co~no reconciliar a Estratéga<br />

Intencional' com a Intencionab<strong>da</strong>de Intdnseca de Searle).<br />

John Haugeland, discípulo de H. Dreyfus, célebre crítico <strong>da</strong>s<br />

primeiras tentativas <strong>da</strong> IA, será o primeiro guia na tentativa de en-<br />

" A refertnck scii I-IAUGELAND 1997, FId&iq 1%~i@hl, obxii nil qllal csrio rcuni<strong>do</strong>s vixios<br />

ensaios sobrc hlenre, hlatina, SipiTicn~ão e X'erdnde.<br />

* Dennett rcfcre-se concreramcntc ao caùalho priuco de Hsugclnnd com modelos dc cogni-<br />

$io, ao quc se podcria acrescenrar a prourni<strong>da</strong>d~ rciauvamenrc à IA. Como afirma Dcnnetr PEN-<br />

NETT199A: 434)


Dennett trata a "uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de" de mo<strong>do</strong> muito diferente<br />

na teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e na teoria <strong>da</strong> consciência. Na teoria<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, a uni<strong>da</strong>de é a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> intérprete e <strong>da</strong>quilo que este<br />

visa. Na teoria <strong>da</strong> consciência a uni<strong>da</strong>de é sobretu<strong>do</strong> trata<strong>da</strong> como<br />

a reali<strong>da</strong>de virtual de um Eu, uma auto-representação de uni<strong>da</strong>de<br />

num sistema de agentes múltiplos. Com esta maneira dupla de tratar<br />

a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de, e embora declare sempre que a teoria<br />

<strong>da</strong> consciência pressupõe a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, Dennett parece<br />

esquecer-se totalmente, na abor<strong>da</strong>gem <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência<br />

por meio <strong>do</strong> MEM, <strong>da</strong> ligação entre sujeito, normativi<strong>da</strong>de e objectivi<strong>da</strong>de<br />

que era clara na teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. De facto, o MEM trata<br />

a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> "sujeito" como uni<strong>da</strong>de coí~stitz~ci<strong>da</strong>, centro virtua!, esquecen<strong>do</strong><br />

a responsabili<strong>da</strong>de pela constituição <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. E como<br />

se se tratasse de duas uni<strong>da</strong>des diferentes, a uni<strong>da</strong>de envolvi<strong>da</strong><br />

na intencionali<strong>da</strong>de, liga<strong>da</strong> 21 interpretação supon<strong>do</strong> a racionali<strong>da</strong>de<br />

a a uni<strong>da</strong>de virtual de controlo num sistema de agentes múltiplos<br />

que possibilita a auto-consciência. A situação torna aliás estranha à<br />

TSI qualquer questão acerca <strong>da</strong> (auto)-consciência <strong>do</strong> intérprete, o<br />

que é no mínimo bizarro. Esta duplici<strong>da</strong>de é sintomática: é a teoria<br />

<strong>da</strong> consciência e não a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> o lugar <strong>do</strong> absolutismo<br />

<strong>da</strong> terceira pessoa na teoria dennettiana <strong>do</strong> mental. No entanto de<br />

acor<strong>do</strong> com as relações de precedência na ordem <strong>da</strong> teoria que Dennett<br />

sugere existirem entre teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e teoria <strong>da</strong> consciência,<br />

o absolutismo <strong>da</strong> terceira pessoa depende de uma teoria na qual<br />

o intérprete é irredutivel e na qual, portanto, a terceira pessoa não<br />

é de mo<strong>do</strong> algum absoluta. Noutras palavras, se é possível uma teoria<br />

<strong>do</strong> Eu feita pelo menos em parte a partir de fora não é possível<br />

fazer uma teoria <strong>do</strong> intérprete a partir de fora. O grande obstáculo<br />

na teoria <strong>da</strong> consciência parece ser aos olhos de Dennett a identificação<br />

<strong>da</strong> consciência com um ponto ou um lugar (ou com algum<br />

'6<br />

um" centra<strong>do</strong> por pessoa, a não ser um "um" virtual, resultante<br />

<strong>do</strong> funcionamento descrito pelo próprio modelo). No entanto, a<br />

uni<strong>da</strong>de normativa em causa no conteú<strong>do</strong> ou intencionali<strong>da</strong>de, não<br />

tem de mo<strong>do</strong> algum que ser um ponto ou um lugar ou um Teatro<br />

Cartesiano. A uni<strong>da</strong>de em causa na normativi<strong>da</strong>de é a uni<strong>da</strong>de dc<br />

um intérprete, liga<strong>da</strong> à constituição (de objectos) através <strong>da</strong> EI.<br />

Recorde-se"' que já R. Rorty apeli<strong>da</strong>va (pejorativamente) de cartesiana<br />

a forma como Dennett colocava a questão <strong>da</strong> consciência em<br />

Urnu Teoria Fisica/ista <strong>do</strong> Coi~icii~io e ria Corisciê,,cia<br />

C&C, precisamente devi<strong>do</strong> ao esquecimento <strong>do</strong> aspecto normativo<br />

<strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de (que Rorty por seu la<strong>do</strong> ligava 2I linguagem, e<br />

como tal à exteriori<strong>da</strong>de, o que de resto impedia a "interiorização"<br />

funcionalista <strong>da</strong> incorrigibili<strong>da</strong>de pretendi<strong>da</strong> por Demett em C&CR")<br />

c à obsessão com o centro, considera<strong>do</strong> como a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> auto-<br />

-referência. Em suma, o que me interessa é que quer Haugeland<br />

quer Rorty chamam a atenção para o facto de uma teoria cognitiva<br />

<strong>da</strong> consciência não constituir só por si uma teoria episteinológica e<br />

ontoló@ca <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de enquanto foco de normativi<strong>da</strong>de e uni-<br />

<strong>da</strong>de. E essa a razão pela qual uma explicação científica <strong>da</strong> cons-<br />

ciência, um modelo <strong>da</strong> consciência, não é desde logo ou só por si<br />

uma teoria <strong>do</strong> pensamento ou <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de. Ora, enquanto teó-<br />

rico <strong>da</strong> consciência Deunett parece por vezes esquecer este facto.<br />

Uma teoria <strong>da</strong> consciência não é por si uma teoria <strong>da</strong> subjectix%<br />

<strong>da</strong>de na medi<strong>da</strong> em que parte <strong>do</strong> que é preciso explicar acerca <strong>da</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong>de é a responsabili<strong>da</strong>de desta na constituição <strong>da</strong> "objec-<br />

tivi<strong>da</strong>de", algo que uma teoria por exemplo neurobiológica <strong>da</strong><br />

consciência não faz nem tem que fazer. Dennett tem a intuição<br />

correcta quan<strong>do</strong> considera a teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> mais fun<strong>da</strong>mental<br />

<strong>do</strong> que a teoria <strong>da</strong> consciência na medi<strong>da</strong> em que essa ordem de<br />

precedência sublinha a uni<strong>da</strong>de envolvi<strong>da</strong> na noção de intenciona-<br />

li<strong>da</strong>de, ou conteú<strong>do</strong> ou representação, uma uni<strong>da</strong>de que é alguma<br />

forma de visar e não uin ponto ou lugar num sistema físico. O inte-<br />

resse <strong>da</strong> interpretação que Haugeland faz <strong>da</strong> TSI reside precisa-<br />

mente no facto de ele tomar a E1 como um primeiro passo para<br />

uma teoria <strong>da</strong> normativi<strong>da</strong>de desse visar que institui uni<strong>da</strong>de.<br />

É no imbito de tal problema que Haugeland considera que o<br />

prolonga<strong>do</strong> confronto entre Searle e Dennett em torno <strong>da</strong> nature-<br />

za <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de é exemplar8". É preciso notar que apesar de<br />

tu<strong>do</strong> Dennett e Searle estão de acor<strong>do</strong> quanto i abor<strong>da</strong>gem meto-<br />

<strong>do</strong>lógica apropria<strong>da</strong> para a teoria <strong>da</strong> mente: ambos se declaram<br />

naturalistas e anti-reducionistas. A discordância existente entre os<br />

<strong>do</strong>is é recondutível ao ponto em que se trata de decidir exactamen-<br />

"% "na medi<strong>da</strong> em que a incorrigibilidnde esp1ic;ii.a a consci5ncin, uma tni pioparta pura c siin~<br />

piesmente impediiin a conscitncis-seyn<strong>do</strong>-Dennett ... A incorcigilili<strong>da</strong>dc dcvcrin antcs ser eliplicn<strong>da</strong><br />

scgun<strong>do</strong> Ror7 (cf ROIITY 1972s e RORTI 1972 b) por uma tcoria social <strong>da</strong> significn$Zo.<br />

"' Se relstiismente no prollcms <strong>do</strong> intcncianillidsde Fo<strong>do</strong>r e Dennert erempliíicam o clioquc<br />

enrre o realismo intencional (no senti<strong>do</strong> de auronornin de um nível autónomo dc msli<strong>da</strong>dc inuinsecamente<br />

rcprcscntncionnl) e 3 recusa desse realismo intencionai, quan<strong>do</strong> sc unta dc discubi n perunêncio<br />

<strong>da</strong> noqXo de inrencionilidndc intcinsccr por oposi~ão a intencionalidnde atriùui<strong>da</strong> Searle c<br />

Dennnetr esempliíicam o clioquc de inmi~ões.


te que sistemas são intencionais. Para Searle, a intencionali<strong>da</strong>de é<br />

uma caracteristica ilrtz!t~scea de sistemas, que envolve a consciência.<br />

Nenhum sistema incapaz de consciência poderia alguma vez ser<br />

(genuinamente) intencional. Para Dennett, a intencionali<strong>da</strong>de é ao<br />

mesmo tempo ~elativa a zi111 ifttérprete c objeehva (i.e. pode ser imputa<strong>da</strong>,<br />

atribuí<strong>da</strong>, reconheci<strong>da</strong> a partir de fora: os padrões <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de<br />

sobressaem ao olhar de um intérprete sem que por isso sejam<br />

arbitrários ou ficcionais - ao contrário por exemplo <strong>da</strong> narrativa <strong>do</strong><br />

Eu, uma questão muito mais "superficial"). Ca<strong>da</strong> uma destas posições<br />

deixa alguma coisa por explicar. No caso de Searle, falta saber<br />

em que consistiria a intencionali<strong>da</strong>de intrínseca por oposição à<br />

"intencionali<strong>da</strong>de" que não é inuínseca mas apenas atribuí<strong>da</strong>. No<br />

caso de Dennett fica pelo menos um intérprete como resto.<br />

Haugeland pensa que a descrição que Searle faz <strong>da</strong> natuieza <strong>da</strong><br />

intencionali<strong>da</strong>de8" é mais acerta<strong>da</strong>, na medi<strong>da</strong> em que relaciona a<br />

intencionali<strong>da</strong>de intrínseca com a subjectivi<strong>da</strong>de (e para Haugeland<br />

a subjectivi<strong>da</strong>de que importa, nomea<strong>da</strong>mente numa teoria <strong>do</strong> pensamento,<br />

é a intencionali<strong>da</strong>de intrínseca e não a intencionali<strong>da</strong>de<br />

atribuí<strong>da</strong>). Existe una diferença importante entre ca<strong>da</strong> um de nós,<br />

seres conscientes capazes de ler estas linhas, e determina<strong>do</strong>s SI previstos<br />

com sucesso através <strong>da</strong> EI, como um computa<strong>do</strong>r pessoal ou<br />

o termostato de Twc Be/icvcrs. Haugeland crê no entanto que a<br />

noção searleana de intencionali<strong>da</strong>de ganha ao ser esclareci<strong>da</strong> através<br />

<strong>da</strong> noção dennetiana de statzcc. Quer Dennett quer Searle admitem<br />

que a intencionali<strong>da</strong>de é normativa, i.e. que a abotttlrcss <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de<br />

é um ser-suposto-ser. Para Dennett isso significa, como se<br />

sabe, que a mentali<strong>da</strong>de está liga<strong>da</strong> a um intérprete e que a racionali<strong>da</strong>de<br />

é um critério <strong>da</strong> interpretacão <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r, que abor<strong>da</strong><br />

um SI submeten<strong>do</strong>-o a um stan<strong>da</strong>rd normativo. Para Searle, a normativi<strong>da</strong>de<br />

significa que existem condições para que um esta<strong>do</strong> seja<br />

intencional. Esta normativi<strong>da</strong>de é aliás captura<strong>da</strong> por Searle com o<br />

conceito deforma aspcctziaL o mental tem forma aspectual, i.e. toma<br />

aquiio que visa sob determina<strong>do</strong>s aspectos e não sob outros (é por<br />

isso, de resto, que é possível distinguir como mental algo de actualmente<br />

inconsciente, por oposição a algo que também é inconsciente<br />

mas que não é mental, mesmo que seja por exemplo cerebral,<br />

como a mielinizacão <strong>do</strong>s axónios). Searle não tem no entanto como<br />

explicar a forma aspectual <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de. Ora a TSI tem indu-<br />

Uma Teoria Fisicahta <strong>do</strong> Coritc~i<strong>do</strong> e ria Coiisciêiicia<br />

bitavelrnente recursos para isso, ela pode explicar porque é que uma<br />

"história causal" acerca de esta<strong>do</strong>s físicos de sistemas, admiti<strong>da</strong> que<br />

seja to<strong>da</strong> a,sua relevância, não justifica a intencionali<strong>da</strong>de, não jus-<br />

tifica a razão por que um particular estádio <strong>da</strong> história causal numa<br />

região de espaco-tempo, a região que engloba os particulares rela-<br />

ciona<strong>do</strong>s como representan<strong>do</strong> e representa<strong>do</strong>, é mais importante<br />

<strong>do</strong> que outros estádios e <strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> aquilo que fisicamente medeia<br />

essa "relação", ou, para colocar a questão como um psicólogo gib-<br />

soniano, a história causal não explica porque é que um sistema cog-<br />

nitivo, por exemplo um animal, vê uma árvore e não tu<strong>do</strong> o que<br />

fisicamente medeia o ver de uma árvore e o ser-visto de um parti-<br />

cular no mun<strong>do</strong> por outro particular no mun<strong>do</strong>.<br />

Para explicar como é possível que configurações de um cérebro<br />

físico resultante <strong>da</strong> evolução sejam "intrinsecamente normativas"<br />

Haugeland retoma o exemplo <strong>do</strong> jogo de xadrez. Como é que um<br />

joga<strong>do</strong>r de xadrez vê, por exemplo, num jogo de xadrez, que "um<br />

cavalo" "ameaça" "um peão"? De acor<strong>do</strong> com Haugeland, não é<br />

uma história causal que explica essa "percepcão" mas sim um com-<br />

promisso constitutivo, <strong>do</strong> qual depende a própria reali<strong>da</strong>de em<br />

causa. Fenómenos-de-xadrez não são identificáveis com formas ou<br />

cores de peças (as peças de xadrez nem sequer têm que ser de ma-<br />

deira ou de marfim, podem ser por exemplo peças num écran de<br />

computa<strong>do</strong>r ou letras dispostas numa folha branca). Fenómenos-<br />

de-xadrez são constituí<strong>do</strong>s por stan<strong>da</strong>rds e o "joga<strong>do</strong>r" (o sujeito,<br />

o intérprete) não é um factor indiferente no que respeita ao facto<br />

de os stan<strong>da</strong>rds estarem ou não a ser cumpri<strong>do</strong>s. É neste ponto que<br />

reside, segun<strong>do</strong> Haugeland, a importância <strong>da</strong> EI: o papel constitu-<br />

tivo-de-reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s regras <strong>do</strong> xadrez relativamente aos fenóme-<br />

nos-de-xadrez é análogo ao papel constitutivo (de mentali<strong>da</strong>de) que<br />

Dennett atribui à interpretação-supon<strong>do</strong>-a-racionali<strong>da</strong>de. O facto<br />

de existir um compromisso constitutivo significa que: (1) se alguma<br />

coisa não estiver de acor<strong>do</strong> com os stan<strong>da</strong>rds, dever-se-á verificar<br />

se existe um erro, (2) se a anomalia persistir e se não forem encon-<br />

tra<strong>do</strong>s erros, ou se modifica os stan<strong>da</strong>rds ou se desiste deles (desce-<br />

-se por exemplo i ED ou à EF, na terminologia de Dennett). Mas<br />

modificar stan<strong>da</strong>rds ou desistir deles não é uma decisão indiferen-<br />

te: trata-se de modificar ou fazer desaparecer mun<strong>do</strong>s e enti<strong>da</strong>des<br />

nesses mun<strong>do</strong>s. A constituição de um <strong>do</strong>mínio dc fenómenos de<br />

acor<strong>do</strong> com stan<strong>da</strong>rds não é um resulta<strong>do</strong> uivial. Afirmar que a<br />

objectivi<strong>da</strong>de é constituí<strong>da</strong>, é afirmar que ela é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> visar a


partir de uma (nos termos de Dennett) estratégia (statlce), algo bem<br />

patente no caso <strong>do</strong> jogo de xadrez: as questões de correcção põem-<br />

-se quanto a saber que peças são "cavalos", e não quanto ao emhate<br />

de fotões na retina <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r visual <strong>do</strong> sistema.<br />

A ideia de constituicão por meio <strong>da</strong> qual Haugeland interpreta a<br />

TSI é evidentemente kantiana e Haugeland considera que ela esclarece<br />

a noção dennetiana de estratégia. O ponto desta é a irnportância<br />

<strong>da</strong> constituição na cognição, o facto de objectos de percepção,<br />

acção ou pensamento apenas serem inteligíveis como os objectos<br />

mentais que são nos termos de algum compromisso prévio (um<br />

compromisso de alguma subjectivi<strong>da</strong>de-qz~a-uni<strong>da</strong>de, i.e. <strong>do</strong> intérprete).<br />

São precisamente objectos constihú<strong>do</strong>s pelo compromisso<br />

<strong>da</strong> E1 que têm a "forma a~pectual""~ searliana, que os distingue como<br />

intencionais.<br />

Por sua vez, o problema <strong>da</strong> posição de Searle quanto à intencionali<strong>da</strong>de<br />

intrínseca (defendi<strong>da</strong> emblematicamente com o Quarto<br />

Chinês) é o facto de ela não explicar como é possível que algo (o intencional)<br />

que por outro la<strong>do</strong> se disàngue, se caracteriza, pela forma<br />

aspectdseja ilttri~~seco. Searle propõe uma caracterizacão de intencionali<strong>da</strong>de<br />

genuína na qual enumera tu<strong>do</strong> aquilo que a intencionali<strong>da</strong>de<br />

não é: ela não é deriva<strong>da</strong>, atribuí<strong>da</strong>, etc. No entanto não explica<br />

como é que a intencionali<strong>da</strong>de intrínseca - aquela que Searle manipulan<strong>do</strong><br />

símbolos incompreensíveis dentro <strong>do</strong> quarto teria, ao contrário<br />

<strong>do</strong> própiio Quarto Chinês globalmente considera<strong>do</strong> - é possível.<br />

Ora, Haugeland defende a intencionali<strong>da</strong>de intrínseca de alguns<br />

sistemas, aquela que o Quarto Chinês precisamente põe em relevo,<br />

consiste no acima desciito compromisso com normas. Usan<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

conveniente justiça interpretativa para com Searle, é preciso notar<br />

''' De acor<strong>do</strong> com Sesrie (SEARLE 1992, Capimlo T'11, The U,,mmmiiioru nitd 11, Reinlioii 10<br />

Cor~~dnnnr~ririr). a/or,,in zirpiriiiié a pedra de toque que distingue o menral <strong>do</strong> nào mentd, mesmo sc o<br />

mental i acrunimcnte inconsciente. A forma nspecmal <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s inrencionais, aquilo pelo quol uma<br />

crengn minha na qual não penso na insmntc r c as axóniar <strong>da</strong>s ncurónion <strong>do</strong> meu dicbta diferem,<br />

consiste no facto de os csta<strong>do</strong>s htcncionais apenas rcprcsenrarcm ES SUBS "~o~digõcs de sstisfagZo"<br />

sob determina<strong>do</strong>s nspectos (e nào sob outros), nspectos estes que devem sei impormntes para o<br />

agente (iogo, a forma aspecmil nào poderi ser cnrncteiirn<strong>da</strong> em terceira pessoa -o quc é emctnmente<br />

o que n componcntc intcipmtltiuistn <strong>da</strong> ideia dc mun<strong>do</strong> nociona1 dctcrmina tia TSI). Wra<br />

Scnrlc, as rcpiesent~~õ"emmenr~is sinricticris de cognitivistss corno Fo<strong>do</strong>i n2o tem forma nspecnirl e<br />

por isso nào dcvem ser considera<strong>da</strong>s como menrais. 6 esta convicgZo que justiúca a ideia de Sesilc<br />

quanto i10 que está cm causa nn Gioioso6~ <strong>da</strong> mcnte: esti em causa ;i consciéncin, o cfrcbro c nsds<br />

mais, i.c. nZo existe uiii nivd cognitlvo htcrmidio, sinracticnmentc cstrurum<strong>do</strong> e real entre consciéncia<br />

e cçtcbro. Tu<strong>do</strong> nquilo que 6 mentai estj iiga<strong>do</strong> ncnirlmenre ou possivelmente com a consciéncia<br />

(este C o principio a que Scarle chimapi~@io tis roiiexao).<br />

UI~I~ Teoria Fisicaiista <strong>do</strong> Conteii<strong>do</strong> e dn Cotirriêtiiia<br />

que ele não afirma nunca que a intencionali<strong>da</strong>de de uma particular<br />

crenca é intrínseca: Searle não fala jamais de i~~te~rcio~~aL<strong>da</strong>rle i~ztn!nseca<br />

relativamente a esta<strong>do</strong>s mentais individuais, mas apenas relati~ramente<br />

a sistemas cog~itivos globais. Afirmar que um esta<strong>do</strong> mental isola<strong>do</strong><br />

teria intencionali<strong>da</strong>de intrínseca seria incompatível com outro tema<br />

caro a Searle, central na sua teoria <strong>da</strong> mente, o holismo <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de<br />

e a dependência desta em relação ao fun<strong>do</strong> (backgroz~nn). Se<br />

Searle apenas fala de intencionali<strong>da</strong>de inuínseca relativamente ao sistema,<br />

o que intencionali<strong>da</strong>de i?ztn?lseca significa é intencionali<strong>da</strong>deinaínseca-de-um-partic<strong>da</strong>r-sistema,<br />

i.e. independência <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de<br />

desse sistema relativamente à intencionali<strong>da</strong>de de qualquer<br />

outro sistema. Ora é precisamente aqui que Searle tem mais razão <strong>do</strong><br />

que Dennett. A noção de estratégia (sta~rce) é boa tanto quanto evidencia<br />

a importância <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de-que-unifica, e portanto de um compromisso,<br />

na cognicão, ela não é boa na medi<strong>da</strong> em que implica a<br />

dependência <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de face a uma estratégia que é primeiramente<br />

uma estratégia de um intérprete face a outro sistema. De<br />

acor<strong>do</strong> com Haugeland, a intencionali<strong>da</strong>de (genuína) só pode ser<br />

entendi<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> estratégia a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> pelo próprio sistema. A<br />

estratégia poderá ser uma qualquer (seja, nos termos <strong>da</strong> TSI, a EI, a<br />

ED ou a EF). O que importa é que é o compromisso com normas<br />

constitutivas de objectivi<strong>da</strong>de (a statzce) que justifica a existência de<br />

intencionali<strong>da</strong>de intrínseca num sistema. É precisamente a uni<strong>da</strong>de<br />

desse compromisso, a uni<strong>da</strong>de que está em causa na objectivi<strong>da</strong>de,<br />

que é na TSI "o intérpreten8". Uma tal uni<strong>da</strong>de não é <strong>da</strong><strong>da</strong> desde<br />

sempre ou desde logo, i.e. fora <strong>do</strong> envolvimento na representa~ão: a<br />

uni<strong>da</strong>de de um sistema-sujeito é concebível apenas em virtude de<br />

normativi<strong>da</strong>de constitutiva de objectivi<strong>da</strong>de. Nas palavras de<br />

Haugeland, «A uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sistema é a uni<strong>da</strong>de de um único compromisso<br />

consistente, nos termos <strong>do</strong> qual uma plurali<strong>da</strong>de de esta<strong>do</strong>s<br />

intencionais pode ser normativamente considera<strong>da</strong> em relação<br />

com as suas condições de satisfação constituí<strong>da</strong>s, e que é base <strong>da</strong><br />

necessária subjectivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s inten~ionais))"~. Haugeland de-<br />

"" Snbcr exocnmenre de que uni<strong>da</strong>de se esii n fabr quan<strong>do</strong> se fala de uiii sistema cognitiva (.,<br />

note-se, desde logo proùlemitico. Scrrlc, por cxcmpla, quan<strong>do</strong> fila dc htencionali


guinte: que razões tem Dennett para considerar a EF como fun<strong>da</strong>-<br />

mental, quase como uma não-estratégia, fazen<strong>do</strong> assim como se a<br />

física, enquanto ciência, não fosse intencional e como se os existen-<br />

tes com os quais a teorização física se compromete constituíssem a<br />

única reali<strong>da</strong>de real, independente de ser-pensa<strong>da</strong>? A ideia comum<br />

a Rorty e a Haugeland é que Dennett não tem na<strong>da</strong> a não ser um<br />

preconceito. Haugeland vai mais longe e sugere que primeira no<br />

senti<strong>do</strong> próprio (no senti<strong>do</strong> de conshtzttiva, relativamente a qualquer<br />

nível e forma de reali<strong>da</strong>de, e relativamente à mentali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> pró-<br />

prio sistema) é a EI.<br />

6. 2. 2 Pós-a~~h'~polagis~;o: B. Cant1uellSn;ith e a o-em <strong>do</strong>s o@ectos.<br />

Uma critica possível à teoria <strong>do</strong> entendimento apresenta<strong>da</strong> por<br />

Haugeland é o facto de ela ser "antropologista", i.e. o facto de considerar<br />

o entendimento liga<strong>do</strong> à intencionali<strong>da</strong>de genuína como um<br />

apanágio (se não exclusivamente e definitivamente pelo menos centralmente<br />

e por enquanto) humano, distinguin<strong>do</strong> a mentali<strong>da</strong>de humana<br />

por entre a mentali<strong>da</strong>de possível ao considerar explicitamente<br />

que o compromisso constituinte é marca <strong>do</strong> humano e que a<br />

mentali<strong>da</strong>de de animais e de sistemas de IA @elo menos até ao<br />

momento presente) não é intrínseca. Contraria-se assim a posição<br />

ecuménica característica <strong>da</strong> TSI. Mas esse ec~unenismo, ou pelos<br />

menos a consideração horizontal <strong>da</strong>s mentes de que se tratou no<br />

Capítulo 5, não é um exclusivo <strong>da</strong> TSI. Mesmo filósofos que são<br />

apologistas <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de intrínseca como J. Fo<strong>do</strong>r e E<br />

Dretske não restsingem esta aos humanos.<br />

A teoria apresenta<strong>da</strong> pelo cientista de computa<strong>do</strong>res e metafísico<br />

B. Cantwell Smith na sua obra The Ongifi oj" Objects permiàr-me-á<br />

investigar a possibili<strong>da</strong>de de evitar o antropologismo de Haugeland<br />

continuan<strong>do</strong> a explorar dúvi<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> pertinência <strong>do</strong> fisicalismo<br />

<strong>da</strong> TSI, <strong>da</strong><strong>da</strong> a "perspectiva evolucionista acerca de ontologia e<br />

inetafísica" e o pluralismo a que esta naturalmente conduz. A teoria<br />

ontológica <strong>da</strong> cognição que B. Cantweil Smith apresenta em The<br />

O~igrz oj" Obects é anti-fisicalista, no senti<strong>do</strong> em que se opõe à ideia<br />

segun<strong>do</strong> a qual o mun<strong>do</strong>-em-si corresponde ao mo<strong>do</strong> como a física,<br />

a ciência básica, o teoriza. Nos termos de Dennett, Cantweli<br />

Smith não concede uma posição privilegia<strong>da</strong> à EF numa "teoria<br />

<strong>do</strong>s objectos". Ele pretende fazer justiça ao pluralismo "a partis de<br />

UII~ Teo~ici lii~icaii~ta rio Coir/eri~io e <strong>da</strong> Co~isciéi~cia<br />

dentro" construin<strong>do</strong> uma teoria não-reducionista mas fun<strong>da</strong>cional<br />

<strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s objectos, pela qual pretende recuperar noções como<br />

objecto, objectivo, ver<strong>da</strong>deiro, formal, lógico, físico, etc, num quadro<br />

que não o <strong>da</strong> concepção hierárquica de natureza. Em The 0%~<br />

oj" Oújects Cantweli Smith procura precisamente estabelecer os princípios<br />

<strong>da</strong>quilo a que chama uma metafísica sucessora <strong>da</strong> tradição<br />

moderna <strong>da</strong> hierarquia <strong>da</strong> natureza. De acor<strong>do</strong> com esta ideia, tu<strong>do</strong><br />

aquilo que existe seria constihú<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong>s ingredientes postos<br />

pela física, ao que se acrescenta, para completar a ontologia, a lógica<br />

matemática e a teoria <strong>do</strong>s conjuntos. Ora, segun<strong>do</strong> Cantwell<br />

Smith, de acor<strong>do</strong> com essa perspectiva nem sequer se poderia falar<br />

de objectos, com a individuação e a discretização implica<strong>da</strong>s no<br />

termo.<br />

A importância <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s objectos na teoria <strong>da</strong><br />

cognição é a seguinte. Nenhuma teoria naturalista <strong>da</strong> inteucionali<strong>da</strong>de<br />

(incluin<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com Cantwell Smith teorias <strong>da</strong> computação,<br />

<strong>da</strong> semântica, ontologias, etc) pode presumir ou pressupor a<br />

identi<strong>da</strong>de ou existência de um único objecto intencional que seja.<br />

Objectos simplesmente não existem a não ser em determina<strong>da</strong>s circunstâncias<br />

e para determina<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des. Não há indivíduos para<br />

a física, apenas particulari<strong>da</strong>de e locali<strong>da</strong>de. Ser um objecto supõe<br />

sustentar-se de algum mo<strong>do</strong> como uni<strong>da</strong>de, o que supõe reunião e<br />

transporte ao longo <strong>do</strong> tempo, e portanto histó~a, dimensão esta<br />

que não é introduzi<strong>da</strong> pela física. Este facto permite prever desde<br />

logo que a noção de objecto não será causal. Esta é, nos termos de<br />

Dennett, a questão <strong>da</strong> EI, a questão <strong>do</strong> intérprete, afinal, que origina<br />

ou constitui, através de uma estratégia, a reali<strong>da</strong>de intencional,<br />

aqui chama<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s objectos, bem como o problema <strong>da</strong><br />

eyblicação psicológica. Cantwell Smith chama-lhe a questão <strong>do</strong> registo<br />

(que poderá ser representação), noção cuja metafísica procura<br />

elaborar em The O@i~r oj" O@ects. Afirmar que objectos não estão aí<br />

por si, que a sua reali<strong>da</strong>de é intermédia e não "fun<strong>da</strong>mental" é, antes<br />

de mais, constatar que objectos não são de mo<strong>do</strong> algum constituintes<br />

últimos numa hierarquia <strong>da</strong> natureza. A reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s objectos<br />

é uma reali<strong>da</strong>de intermédia entre conexão e desconexão: existe,<br />

na origem <strong>do</strong>s objectos, uma forma de separação intransponivel,<br />

uma separação que subjaz à abstracção.<br />

A estratégia de Cantwell Smith na sua investigação acerca <strong>da</strong> origem<br />

<strong>do</strong>s objectos é aceitar provisoriamente a física como caractenzação<br />

básica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> natural e perguntar depois que mais é


necessário para que existam intencionali<strong>da</strong>de, semântica e ontologia,<br />

e portanto objectos. A questão <strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s objectos também<br />

poderia ser formula<strong>da</strong> perguntan<strong>do</strong> como podem surgir indivíduos<br />

num substracto de particulari<strong>da</strong>de não delimita<strong>da</strong>. De qualquer<br />

mo<strong>do</strong>, a necessi<strong>da</strong>de de formular a questão pressupõe que não será<br />

possível, de acor<strong>do</strong> com Cantwell Smith, falar de representações e<br />

computações sem explicitar uma teoria ontológica, uma teoria <strong>do</strong>s<br />

objectos. I.e., não é possível, apesar <strong>da</strong> natural tendência <strong>do</strong>s teóricos<br />

<strong>da</strong> cognição, tomar simplesmente as noções de representação e<br />

computação como se elas não fossem problemáticas <strong>do</strong> ponto de<br />

vista naturalista.<br />

Especificamente, e de forma central para a tese anti-fisicalista<br />

acerca <strong>da</strong> ontologia <strong>da</strong> cognição que defenderá, Cantwell Smith<br />

nota, como se disse, que a física não afirma o que quer que seja<br />

acerca <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de de objectos, embora sustente sem dúvi<strong>da</strong><br />

noções de particulari<strong>da</strong>de e locali<strong>da</strong>de. As questões <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de<br />

e <strong>da</strong> individuação não ihe pertencem8'" elas são <strong>do</strong> âmbito <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> representação. Este facto não torna as questões <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de<br />

e <strong>da</strong> individuação menos importantes na teoria <strong>da</strong> cognição,<br />

pelo contrário mostra que elas são questões especificamente<br />

cognitivas. O que acontece é que o facto de as questões <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de<br />

e <strong>da</strong> individuação não pertencerem à física abala o fisicalismo<br />

<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> cognição. Cantweli Smith considera também, por<br />

esta razão (contra Fo<strong>do</strong>r, por exemplo) que uma teoria de objectos<br />

intencionais, de representações, nunca poderá ser inteiramente cansalnz0.<br />

Como se disse, o mero facto de "objecto" ser uma noção histórica<br />

faz com que ela não possa ser uma noção físicamente efectiva:<br />

ser-um-objecto não é uma proprie<strong>da</strong>de local de uma região<br />

espaço-temporal.<br />

Cantweli Smith chama à sua teoria metafísica "realismo simétrico".<br />

De acor<strong>do</strong> com o realismo simétrico o mun<strong>do</strong> é Um, e esta<br />

suposição é propriamente tzetaJsica. Embora a Oneness de particulares<br />

seja uma característica de indivíduos e não <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, afirmar<br />

que o mun<strong>do</strong> é Um é afumar que este inclui sujeito e objecto e que<br />

é ao nivel <strong>do</strong>s interfaces sujeito/objecto no seio de um mun<strong>do</strong> que<br />

é metafisicamente Um que se definirão o~rtoLogias, mun<strong>do</strong>s de objectos.<br />

Ao nível mais básico, aquilo que existe é particulari<strong>da</strong>de inefá-<br />

"' Ct CANnVELL SMITH 1996, onde Csnnvcii Smith lan$n o scguinte repto: reiirc-sc os ani-<br />

mais, os artefactos, e nl\.cz ar irvores e tcntc-se individuai nquilo que fica.<br />

" CannveU Smidi defendc mais especi6cnmcntc que nenhuma lronn poder& ser úitcinmente rnitiiL<br />

Uma Teoria Fi~iralisia cio Conteii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~sriêiiicio<br />

vel, ou, nos termos de Cantwell Smith, um "fluxo deíctico que tu<strong>do</strong><br />

envolve inclusive o registo". O registo é aliás defdvel como uma<br />

forma de interacção subsumin<strong>do</strong> represetrtação e orrtologia, (ama forma<br />

de interacção (...) pela qual "regiões-s" ou sujeitos estabilizam amostras<br />

(patches) <strong>do</strong> fluxo, em parte através de processos de intervenção<br />

(...) e também através de padrões de desconexão e de coordenação<br />

à distância, necessários para tomar a amostra como um objecto, ou,<br />

mais em geral, como alguma coisa no e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>xg'. Embora os<br />

padrões de conexão parcial e de desconexão parcial sejam em detaihe<br />

tão varia<strong>do</strong>s que desafiam a descrição, isso não é importante<br />

porque eles são precisamente regulari<strong>da</strong>des. Os padrões <strong>do</strong> realismo<br />

modera<strong>do</strong> <strong>da</strong> TSI, noção em que desagua a teoria <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de,<br />

são nos termos de Cantwell Smith regulari<strong>da</strong>des no registo.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong> que Dennett, Canhvell Smith considera essas<br />

estabili<strong>da</strong>des ou padrões como (1) não sen<strong>do</strong> em primeira instância<br />

clara e distintamente defini<strong>da</strong>s, (2) disrompen<strong>do</strong>-se em estrutura<br />

Euia. Este é exactamente o estatuto <strong>do</strong>s padrões reais <strong>da</strong> TSI, por<br />

oposição às representações sentenciais <strong>da</strong> TRIV.<br />

Na definição de registo afirmou-se que este subsumia "representação"<br />

e "ontologia". Os termos são toma<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seguinte<br />

mo<strong>do</strong> por Cantwell Smith: «a ontologia [i.e. aqz<strong>do</strong> qzLe há considera<strong>do</strong><br />

em termos de objectos] é a projecção <strong>do</strong> registo no mun<strong>do</strong>. A repre-<br />

sentação é a projecção <strong>do</strong> registo no ~ujeito))~". Sen<strong>do</strong> projecções,<br />

nenhuma delas pode em última análise manter-se, o que significa<br />

que a representação não poderá ser uma categoria explicativa últi-<br />

ma (não poderá por exemplo ser um titulo geral para a intenciona-<br />

li<strong>da</strong>de, como a TWI de Fo<strong>do</strong>r pretende), desliga<strong>da</strong> de compromis;<br />

sos constitutivos de ontologia de algum sistema no mun<strong>do</strong>. E<br />

impossível separar representação e ontologia, elas são as duas faces<br />

<strong>do</strong> registo, que é mais primitivo. Alguma forma de gradualismo<br />

deverá portanto ser aperfeiçoa<strong>da</strong>, sob a forma de uma teoria <strong>da</strong><br />

independência parcial consegui<strong>da</strong> entre partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que<br />

representam e os seus representa<strong>do</strong>s.<br />

A noção de registo mantém uma importante característica que<br />

os filósofos <strong>da</strong> psicologia - Canhvell Smith pensa precisamente em<br />

Dennett e Fo<strong>do</strong>r - atribuísam à percepção: o registo vai ao mun<strong>do</strong><br />

e é "por defeito" (b d$az~It) verídico. A noção de registo tem por-<br />

tanto o senti<strong>do</strong> de alinhamento com a situação exterior, ou mesmo<br />

''' CANnVELL ShII'TH 1996: 347.<br />

CANnVELL ShLITH 1996: 349.


de calibracão activa (Cantweli Smith virá a afirmar que o registo é<br />

assimétrico e normativo). Registar é registar-como (noutras pala-<br />

vras, reencontra-se aqui a forma aspectual de J. Searle, embora tal-<br />

vez exceden<strong>do</strong> o âmbito que o próprio Searle lhe atribuiria). No<br />

entanto, o registo não extrai desde logo "ol'ijectos". A noção de<br />

registo atenua o excesso envolvi<strong>do</strong> na menção a objectos, no que<br />

esta supõe já de individuação, desde o início numa teoria <strong>da</strong> repre-<br />

sentação. Nomea<strong>da</strong>mente, processos naturais comuns como aque-<br />

le a que Cantwell Smith chama seguir-efectivo (efective trackit~p<br />

não são ain<strong>da</strong> representacão: nem to<strong>da</strong> a coordenação entre parti-<br />

culares no mun<strong>do</strong> supõe individuação abstracta. Seguir alguma coi-<br />

sa é o comportamento percursor <strong>da</strong> semântica mas não é desde lo-<br />

go representação num senti<strong>do</strong> mais específico, senti<strong>do</strong> esse que en-<br />

volverá aquilo a que Cantwell Smith chama "responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

região-s". Canhvell Smith retoma o exemplo já aqui várias vezes<br />

discuti<strong>do</strong> <strong>da</strong> rã-que-segue-a-mosca defenden<strong>do</strong> que aí não existe<br />

ain<strong>da</strong> representação mas pura conexão, descritivel em termos físi-<br />

cos. Trata-se de um acoplamento, sem qualquer distinção clara,<br />

ain<strong>da</strong>, entre sujeito e objecto. Este acoplamento é compara<strong>do</strong> por<br />

Cantwell Smith com a relação existente entre uma pessoa e uma<br />

peça de roupa que esta tenha vesti<strong>da</strong>: neste caso não se pensaria em<br />

dizer que a peça de roupa detecta e segue a pessoa, apesar <strong>da</strong> coor-<br />

denação com e <strong>do</strong> acompanhamento <strong>do</strong> movimento <strong>da</strong> pessoa.<br />

Retoman<strong>do</strong> o muito discuti<strong>do</strong> caso <strong>da</strong> rã e <strong>da</strong> mosca, Canhvell<br />

Smith considera que ontologicamente o proto-sujeito e o proto-<br />

objecto são aí ain<strong>da</strong> insuficientemente distintos para que se possa<br />

falar de representação, e que fisicamente são ain<strong>da</strong> insuficiente-<br />

mente separa<strong>do</strong>s. Na situação referi<strong>da</strong> existem alterações físicas<br />

numa região de espaço-tempo que envolve aquilo que está a ser<br />

nomea<strong>do</strong> como constituin<strong>do</strong> <strong>do</strong>is intervenientes, um proto-sujeito,<br />

um proto-objecto. Como diz Cantwell Smith ((teudemos a ver o ar<br />

que medeia como conceptualmente além de opticamente transpa-<br />

rente (...) mas a transparência <strong>do</strong> ar não é evidentemente ain<strong>da</strong> um<br />

facto para a emergente cena participatória. De facto, os padrões de<br />

radiação electromagnética no ar são tão (...) reais como os sinais<br />

eléctricos sain<strong>do</strong> <strong>da</strong> retina - e ain<strong>da</strong> não obviamente distintos deles<br />

(...).De facto (...) saber como é possível que nós e talvez as rãs veja-<br />

"' Como por cremplo (um crcmplo ji virins vezes aqui udiza<strong>do</strong>) o seguir-<strong>da</strong>-morca-que-\roa<br />

pcla rZ. Para CrnnveU Smith nZo sc trata ain<strong>da</strong> propriaincnrc de registo na medi<strong>da</strong> em que nZo csri<br />

prcscnre a desconcnZo crircrial.<br />

mos moscas é o núcleo <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> registo. Por isso mesmo é<br />

vital não colocar aquilo que é consegui<strong>do</strong> pelo registo na nossa<br />

concepção <strong>da</strong> situação iniciah8".<br />

O registo supõe o envolvimento de um sistema no mun<strong>do</strong> e é,<br />

para Cantwell Smith, o acto intencional original, o processo pelo<br />

qual o mun<strong>do</strong> se apresenta imediatamente, um processo que de-<br />

pende <strong>da</strong> presenca localiza<strong>da</strong> de região-s e regiâo-o (é aliás a partir<br />

desta presenca indissolúv~l que esta meta£ísica é baptiza<strong>da</strong> como<br />

"filosofia <strong>da</strong> presença"). E muito importante para Cantweli Smith,<br />

como se viu pelo exemplo anterior, estabelecer que uma tal apre-<br />

sentação não é necessariamente conceptual e que ela acontece em<br />

vários tipos de sofisticação, não apenas o humano. A representação<br />

propriamente dita será apresentação de novo, em contexto de uma<br />

muito maior ciescorzexão <strong>do</strong> que aquela que existe nos <strong>do</strong>is exemplos<br />

acima referi<strong>do</strong>s e no contexto <strong>da</strong>quilo a que Cantwell Smith chama<br />

"a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> região-s pela estabilização de uma região-o".<br />

Apenas nessa situação poderão vir a existir indivíduos. Na nature-<br />

za de indivíduos está assim envolvi<strong>do</strong> algo que falta aos fenómenos<br />

físicos: abstracção. Na origem <strong>da</strong> sua possibili<strong>da</strong>de está a assimetria<br />

entre região-s e região-o. Esse é o caso mesmo ao nível <strong>da</strong> percep-<br />

ção visual de objectos: de acor<strong>do</strong> com Canhvell Smith, as propiie-<br />

<strong>da</strong>des normalmente associa<strong>da</strong>s i individuacão visual de objectos,<br />

tais como limites ou bor<strong>do</strong>s, são proprie<strong>da</strong>des <strong>da</strong> interacção sujei-<br />

to/objecto. Por esta razão que Cantwell Srnith defende que não há<br />

indivíduos puramente físicos, i.e. que a individuali<strong>da</strong>de não é feita<br />

apenas de "material" físico (pLysicalstt@, já que supõe a responsa-<br />

bili<strong>da</strong>de pela estabilização e a capaci<strong>da</strong>de de manter uma relação<br />

com a região estabiliza<strong>da</strong> mesmo se o acoplamento for quebra<strong>do</strong>.<br />

O facto de não ser usualmente considera<strong>da</strong>, no estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> cognição,<br />

a natureza piimitiva de registo, reali<strong>da</strong>de de dupla face constituí<strong>da</strong><br />

por representacão e ontologia conduz ao erro que, de acor<strong>do</strong> com<br />

Cantwell Smith, mais frequentemente impede a compreensão <strong>da</strong><br />

natureza <strong>da</strong> cognição: o erro de irzscrição. O erro de inscricão é a ten-<br />

dência que o teórico <strong>da</strong> cognição tem para projectar suposições<br />

ontológicas num sistema, "len<strong>do</strong>-as" em segui<strong>da</strong> de volta como se<br />

isso constituísse uma descoberta empírica independente ou um<br />

resulta<strong>do</strong>. O realismo intencional seria um exemplo, e a TSI assu-<br />

me-se desde sempre como crítica de tal erro.


Sofia Mig~ie~~.i<br />

Em suma, o caso de Cantwell Smith contra o fisicalismo prende-se<br />

com o facto de a física não ter na<strong>da</strong> a dizer directamente sobre<br />

as questões <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de, universali<strong>da</strong>de ou ver<strong>da</strong>de. Cantweli<br />

Smith considera este problema através de uma esquematização<br />

<strong>da</strong>s relações entre aqueles a que chama os 3 reinos (uma separação<br />

provisória e em última análise insustentável, é claro, <strong>da</strong><strong>do</strong> o monismo<br />

metafísico subjacente), sen<strong>do</strong> o primeiro reino o âmbito <strong>do</strong>particiila/lar<br />

(o âmbito de forças, campos, posição espaço-temporal - nele<br />

não existem indivíduos), o segun<strong>do</strong> reino o âmbito <strong>do</strong> inater-ia1 (o<br />

âmbito <strong>do</strong>s físicos, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos, <strong>da</strong>s experiências) e o terceiro<br />

reino o âmbito <strong>do</strong> Uí~iversal, (o âmbito <strong>do</strong>s tipos, <strong>do</strong>s conjuntos e<br />

<strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> matemática, onde existe individuação abstracta). Uma<br />

maneira de formular o problema <strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s objectos é notar<br />

que as relações entre os sujeitos (<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> reino) e oplenz~m físico<br />

(<strong>do</strong> psimeiro reino) simplesmente não são assunto <strong>da</strong> física.<br />

Como se vê, a distinção entreparticz~lari<strong>da</strong>de e itdiviclz~o é essencial<br />

a uma teqria <strong>da</strong> cognição entendi<strong>da</strong> como teoria <strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s<br />

objectos. E importante porque é essencial separar o senti<strong>do</strong> de local<br />

associa<strong>do</strong> i ideia de particulari<strong>da</strong>de <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de discreto, ou partilhável<br />

em uni<strong>da</strong>des ou to<strong>do</strong>s, associa<strong>do</strong> à ideia de individuali<strong>da</strong>de.<br />

É importante que a teoria <strong>da</strong> cognição comece por constatar que<br />

particulari<strong>da</strong>de e individuali<strong>da</strong>de são noções com fontes muito<br />

diferentes. A particulari<strong>da</strong>de será o pe<strong>da</strong>ço localiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> fluxo,<br />

ocorrente, local, que existe aí, em especifici<strong>da</strong>de inexorável. A individuali<strong>da</strong>de<br />

de um indivíduo é o que quer que seja acerca <strong>do</strong> ocorrente<br />

que sustenta critérios de individuação, fazen<strong>do</strong> os objectos<br />

discretos, uni<strong>da</strong>des coerentes separa<strong>da</strong>s <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>. E o que nos permite<br />

dizer de um objecto que ele é um, ou de <strong>do</strong>is objectos que são<br />

<strong>do</strong>is. Apenas indivíduos possuem a proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> oneness vulgar<br />

que "falta" ao mun<strong>do</strong> como um to<strong>do</strong>. Ora, isso mostra que um<br />

essencial acto de abstracção subjaz a to<strong>do</strong> o indivíduo, a to<strong>do</strong> o<br />

objecto. Essa é de resto a razão pela qual existe realmente, como<br />

Dennett pretende, um elemento de interpretação na caracterização<br />

de qualquer mun<strong>do</strong> nocional, que não é como se viu no Capitulo 2,<br />

nem interior nem exterior, tem precisamente uma reali<strong>da</strong>de intermédia,<br />

de interface.<br />

Retoman<strong>do</strong> a ideia de MXkan acerca de identi<strong>da</strong>de, segun<strong>do</strong> a<br />

qual o que importa na identi<strong>da</strong>de biopsiocologicamente importante<br />

é ser capaz de identificar more ?nama, n~ore milk, more nzouse ..., admite-<br />

-se que é a capaci<strong>da</strong>de de reidentificar o mesmo como mesmo, e não<br />

uma suposta identi<strong>da</strong>de prévia, pura, o que importa na identi<strong>da</strong>de,<br />

de acor<strong>do</strong> com Cantweli Srnith. Esta identi<strong>da</strong>de é identiJicabiL<strong>da</strong>de, e<br />

identificabili<strong>da</strong>de é identificabili<strong>da</strong>de-por (um sujeito de cognição).<br />

As formulações de acor<strong>do</strong> com as quais a identi<strong>da</strong>de é uma proprie-<br />

<strong>da</strong>de de um indivíduo (a proprie<strong>da</strong>de possuí<strong>da</strong> pelo indivíduo de ser<br />

esse indivíduo, a única proprie<strong>da</strong>de que se arma desse objecto e<br />

não de outro, uma relação binária de uma coisa consigo própria) são,<br />

para Cantweli Smith, pós-ontológicas, aJer tllej'üct, pressupõem uma<br />

distinção entre indivíduos e proprie<strong>da</strong>des, que não se sustenta sem<br />

referência a indivíduos, que não é simplesmente <strong>da</strong><strong>da</strong>. Indivíduos ou<br />

objectos têm que ser origna<strong>do</strong>s e a história desse originar é uma his-<br />

tória acerca de abstraccão, num contexto de conexão/desconexão entre<br />

r@Õe.r locais no/<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Se há uma história a contar é uma histó-<br />

ria acerca <strong>da</strong> origem de objectos. A identi<strong>da</strong>de como identicali<strong>da</strong>de,<br />

a identi<strong>da</strong>de puramente extensional, não é de mo<strong>do</strong> algum primitiva.<br />

Cantweil Smith considera que o registo é assimétrico e normati-<br />

vo e que a origem <strong>da</strong> assimetria é precisamente a responsabili<strong>da</strong>de<br />

de manter a coordenação, a qual cabe i região-S. Neste contexto de<br />

assimetria, nenhum objecto para um sujeito <strong>da</strong><strong>do</strong> estará totalmen-<br />

te lá, no senti<strong>do</strong> de ser perfeitamente acessível de forma efectiva: a<br />

presença de um objecto envolve de forma constitutiva a sua ausên-<br />

cia. Mais <strong>do</strong> que a não locali<strong>da</strong>de, é o facto de a noção de objecto<br />

ser, repita-se, uma noção histórica que mostra que ela não pode ser<br />

uma noção de algo fisicamente efectivo. Estes são para Cantweli<br />

Smith princípios ontológicos gerais, princípios <strong>da</strong> constituição de<br />

mun<strong>do</strong>s. Se a origem <strong>do</strong>s objectos acontece nas condições descri-<br />

tas, os mun<strong>do</strong>s com os quais as mentes estão relaciona<strong>da</strong>s não<br />

podem ser pura e simplesmente identifica<strong>do</strong>s ou directamente rela-<br />

ciona<strong>do</strong>s com o mun<strong>do</strong>-tal-como-vai-sen<strong>do</strong>-descrito pela física:<br />

noções como "objecto" e "proprie<strong>da</strong>de" são inseparáveis <strong>do</strong> regis-<br />

to, uma noção como 'ber<strong>da</strong>de" é inseparável <strong>da</strong> assimeuia e <strong>da</strong><br />

normativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> registo e só pode ser pensa<strong>da</strong> ser pensa<strong>da</strong> em<br />

função <strong>da</strong> natureza participatória e de interface deste. To<strong>da</strong>s as<br />

ontologias serão assim reconduzi<strong>da</strong>s a práticas de registo <strong>da</strong>s quais<br />

objectos, proprie<strong>da</strong>des e ver<strong>da</strong>de surgis2o. Ser um objecto, ser uma<br />

proprie<strong>da</strong>de, ser ver<strong>da</strong>deiro são questões concebíveis apenas no<br />

contexto <strong>do</strong> registo de alguma parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> por alguma outra<br />

parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> envolvi<strong>da</strong> em cognição.<br />

Afirmei que a teoria <strong>da</strong> origem <strong>do</strong>s objectos de Cantweli Smith<br />

permitiiia evitar o antropologismo <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> entendimento de


Soja iVl&gi~e~~s<br />

Haugeland. Penso que isso é consegui<strong>do</strong> distinp<strong>do</strong> o nronismo<br />

nzetajsico, a ideia segun<strong>do</strong> a qual b mun<strong>do</strong> (num senti<strong>do</strong> regula<strong>do</strong>r,<br />

totalizante) é Um, de umph~ralismo 017toLógic0, a ideia segun<strong>do</strong> a qual<br />

os mun<strong>do</strong>s constituí<strong>do</strong>s por objectos (que nunca são inteiramente<br />

físicos nem inteiramente locais nem inteiramente presentes) são<br />

vários. Ao contrário <strong>da</strong> imagem associa<strong>da</strong> à concepção hierárquica<br />

de natureza, na metafísica <strong>do</strong> registo apresenta<strong>da</strong> por Cantweii<br />

Smith ((começa-se com o mun<strong>do</strong> como um to<strong>do</strong> (...) que é (...) dividi<strong>do</strong><br />

em objectos (...). As partes são (parcialmente) (...) extraí<strong>da</strong>s <strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>; não é o to<strong>do</strong> que é constihú<strong>do</strong> a partir <strong>da</strong>s partes»"'; ((0 registo<br />

é inexoravelmente plural (...) embora não discreto, (...) o fluxo <strong>do</strong><br />

qual ele surge é inexoravelmente singulan>82'.<br />

Procurei mostrar, apoian<strong>do</strong>-me em Haugeland e Cantwell Smith,<br />

que aquilo que falta i TSI para que nela não permaneça um inexplica<strong>do</strong><br />

intérprete como resto é um aprofun<strong>da</strong>mento ontológico e<br />

metafísico, uma análise <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de (ou<br />

região-s, de forma menos antropologista) na constituição <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de,<br />

nomea<strong>da</strong>mente na constituição <strong>da</strong> objectivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mental<br />

e que a partir <strong>do</strong> momento em que essa análise aparece, a fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> EF na teoiia é inevitavelmente posta em causa.<br />

Apesar disso, e é isso que tne importa, o que até aqui se afirmou vai<br />

no senti<strong>do</strong> de confirmar as intuições de Dennett quanto ao estatuto<br />

<strong>da</strong>s representações, i.e. vai no senti<strong>do</strong> de confirmar a dependência<br />

<strong>do</strong>s padrões <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de relativamente a um intérprete, e<br />

portanto a oposição ao postula<strong>do</strong> de um nível de reali<strong>da</strong>de intrínsecamente<br />

representacional. Na<strong>da</strong> vai no entanto, note-se, no senti<strong>do</strong><br />

de qualquer eliminação <strong>da</strong> fenomenologia. Pelo contrário,<br />

recuperou-se a noção de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca - que poderia<br />

ser capta<strong>da</strong> através <strong>da</strong> noção "como é para o sistema intencional ser<br />

um sistema intencional" - que poderia vir a aproximar-se <strong>do</strong> que se<br />

entende por fenomenologia. O que é certo é que a constituição de<br />

sistemas como intencionais a partir de uma estratégia, tese que é o<br />

teor central <strong>da</strong> TSI, não pode excluir uma certa unificação pela subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

liga<strong>da</strong> ou não a uma consciência fenomenal, mas pelo<br />

menos gera<strong>do</strong>ra em determina<strong>da</strong>s condições <strong>da</strong>quilo a que se chamou<br />

intencionali<strong>da</strong>de genuína <strong>do</strong> próprio intérprete. A teoria <strong>da</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong>de inscrita na E1 distingue-se assim <strong>do</strong> absolutismo <strong>da</strong><br />

terceira pessoa que rege a teoria dennetiana <strong>da</strong> consciência e cons-<br />

a' CANnVELL ShIITH 1996: 270.<br />

"' CANTWB1.L SbIITI-I 1996: 374-375.<br />

U~IIO Teoria Fisicalisto <strong>do</strong> Contelídu e <strong>da</strong> Corrsrieiciio<br />

titui base suficiente para discernir e corrigir os defeitos cientistas <strong>do</strong><br />

tratamento <strong>da</strong> consciência no MEM.<br />

6.3 A natjireTa e o oetl itlterior II. Racioriali<strong>da</strong>de: a iiopossibili<strong>da</strong>de<br />

cle irracioriali<strong>da</strong>de e a racior~ali<strong>da</strong>de 77zirzi77ia.<br />

Não foi até agora explicitamente retoma<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de,<br />

embora ela fosse suposta de ca<strong>da</strong> vez que se evocou um<br />

"intérprete": sem suposicão de racionali<strong>da</strong>de não existe intérprete,<br />

sem intérprete não existem Sistemas Intencionais. A questão <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong>de é nuclear para a TSI, por várias razões. Por um la<strong>do</strong>,<br />

num senti<strong>do</strong> imediato, ela diz respeito às transicões cognitivas num<br />

SI particular, admitin<strong>do</strong> que estas não consistem em computações<br />

de representações. Esta úIiima proposta seria evidentemente a proposta<br />

<strong>da</strong> TRM quanto à natureza <strong>do</strong>s processos cogmtivos "que<br />

não resultam <strong>da</strong> irrupção bruta <strong>do</strong> nível fi~iológico"~". Abdican<strong>do</strong><br />

desta ideia, a TSI arrisca-se a não dispor de qualquer teoria <strong>do</strong>s<br />

tnecanismos <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. De facto, entre a TSI e a TlWI jogase<br />

uma decisão quanto ao que é mais fun<strong>da</strong>mental quan<strong>do</strong> se trata<br />

de cognição: intencionali<strong>da</strong>de ou racionali<strong>da</strong>de. Para a TSI a racionali<strong>da</strong>de<br />

é mais fun<strong>da</strong>mental: é em função dela que podem ser atribz~i<strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s intencionais a sistemas físicos. Para a TF&I apenas se<br />

pode falar de racionali<strong>da</strong>de enquanto transformação de representações<br />

se existem representações, i.e. esta<strong>do</strong>s intencionais reais e não<br />

apenas atribuí<strong>do</strong>s. Evidentemente se não existem reabncf~te representações,<br />

a racionali<strong>da</strong>de terá que ser qualquer outra coisa que não<br />

computação de representações.<br />

Mas o problema <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s transições cognitivas ou inferências<br />

num particular sistema cogmtivo é apenas um <strong>do</strong>s aspectos <strong>da</strong><br />

questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. Aquilo que torna a questão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

decisiva na TSI é o facto de esta se apoiar num argumento a favor<br />

<strong>da</strong> iqbossibiíz<strong>da</strong>de de irracionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s SI (tem aliás si<strong>do</strong> acusa<strong>da</strong><br />

dissoSz8). De facto, o argumento é duplo: por um la<strong>do</strong> trata-se de um<br />

argumento a favor <strong>da</strong> iv@ossibiiliade cooncept,/al de irtacio~zaliliade, cuja<br />

'? e nestes tcrmor quc Fo<strong>do</strong>i coloca R qucst%o cm FODOR 1975 pars rcferir por exemplo esta<strong>do</strong>s<br />

c processos <strong>do</strong>s quais "20 existe òescriyBo úd em termos de teprcsenraçõcs c computações (par<br />

exemplo sensnyòes).<br />

"* STICI-I 1993, Cnpimlo 2, GoodI~ioioiiiiig~~~~dI~~f~~ilii~~~~/Co~~fe~~l:<br />

lioiuirriit;o,~o/ Cai, 1Ve Be? Se no<br />

núcleo <strong>do</strong> hIEhl csri urna "relq2o conceptual" çntiç erpcriéncia c incmbin, a rclagto conccpru;il<br />

squi em jogo C uma "rclnyto concepmii" entre intencionalidnde e r~ionali<strong>da</strong>


& é quineanaS2', por outro la<strong>do</strong> de um argumento a favor <strong>da</strong> iqossibili<strong>da</strong>de<br />

enIpinca de irracionali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><strong>da</strong> a submissão <strong>do</strong>s sistemas cogniiivos<br />

à selecção natural83o. Que o argumento seja duplo revela, de<br />

resto, uma ambigui<strong>da</strong>de: não fica totalmente claro a partir <strong>da</strong> TSI tal<br />

como Dennett a formula se é ou não possível uma teoria ~~atziralista <strong>da</strong><br />

raciot~aíi<strong>da</strong>de. A racionali<strong>da</strong>de é simultaneamente considera<strong>da</strong> como<br />

uma noção normativa, com apoio na qual sistemas físicos são interpreta<strong>do</strong>s<br />

como mentais e como algo que comportamentos adequa<strong>do</strong>s<br />

de sistemas físicos resultantes de selecção natural realizam no seu<br />

ambiente @or contraste com, repita-se, um mecanismo de representações<br />

e computações à lu Fo<strong>do</strong>r, o qual seria uma caracterização<br />

puramente interna aos sistemas cognitivos <strong>da</strong>quilo que se entende<br />

por racionali<strong>da</strong>de). Tu<strong>do</strong> na TSI conduz à conclusão, não perfeitamente<br />

explicita<strong>da</strong> por Dennett mas natural, segun<strong>do</strong> a qual a racionali<strong>da</strong>de<br />

não é nem uma noção muito profun<strong>da</strong> (caso em que "racionali<strong>da</strong>de"<br />

seria o nome para qualquer coisa como "valor cognitivo<br />

inuínseco") nem uma noção unifica<strong>da</strong>. Isto é assim não apenas no<br />

senti<strong>do</strong> em que a racionali<strong>da</strong>de é uma noção <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> agente, i.e.<br />

<strong>do</strong> nível de sistemas cognitivos físicos que se comportam adequa<strong>da</strong>mente,<br />

<strong>do</strong> ponto de vista instrumental, nos seus mun<strong>do</strong>s (nocionais),<br />

e não uma noção apoia<strong>da</strong> na existência de géneros naturais representacionais,<br />

mas também porque a racionali<strong>da</strong>de é por princípio<br />

insusceptivel de uma caracterização precisa (e de z/ma só caracterização).<br />

É neste senti<strong>do</strong>, e na medi<strong>da</strong> em que embora imprescindível à<br />

teoria <strong>da</strong> mente ela só pode ser identifica<strong>da</strong> e avalia<strong>da</strong> instrumental-<br />

" Ilccapinùnn<strong>do</strong>, o ptincipio quc rcgc a TSI é o pcincipio segun<strong>do</strong> o qud iiahpoieitrioii,,/rlre n,io/or ii$~~!~l~~,~~~ic ii,nnnnnni Rccorde-se o caso de Fi<strong>do</strong>, quc Rpurccc cin C&C e<br />

quc foi analisn<strong>do</strong> no Cnpinilo 1 (ponto 1.2.3). c o caso <strong>da</strong> rcnde<strong>do</strong>i de limomds, que aprirccc no rirtigo<br />

Aiahii~~ S~IISC o/ O,~?ie/~v~ C que foi nnnlrsn<strong>do</strong> no Capinilo 2 (cf ponto 2.1.1.7.2). Estc principio súrma<br />

que exiítc uma conesào incontornivel cnire intencionali<strong>da</strong>dc c mcionali<strong>da</strong>de: n atribuigào de<br />

crengas a um sisteinn ~>ressupõc a ncionuli<strong>da</strong>dc dcssc sistema, n qud é comportímcntalmente walia<strong>da</strong>.<br />

Jí ein C&C Dcnnctt aúrmnra que o carictci adnptativo <strong>do</strong> comportamento é uma coiidi~6.o<br />

iicccssíiin <strong>da</strong> inreligfncir. Dc resto, o aludi<strong>do</strong> principio provem de Quine e ncompanha a idcia dc<br />

teoiia <strong>do</strong> incntc como teoiia <strong>da</strong> intcrpietagào (cf. QUINE 1960: 58-59). A proposta dc Quine - que<br />

pode ser considcci<strong>da</strong> como o principio nccrcu de rncionnlidndc quc rege tadns as teorias quinemis<br />

<strong>da</strong> intcrl~ierngio, noinw<strong>da</strong>menre as de Dcnnctt c dc Dwidson- é n seguinte: além dc um ccrto<br />

ponto, P (SU~OSI~) irra<strong>do</strong>iiali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> indMduo sob úitcrprcng5o deve fszei com quc o int6rprctc<br />

duvide <strong>da</strong>s suas própMs liipótcscs de undug5o. mnis provárcl quc catas Iiii,óreses esrejom m:il<br />

formula<strong>da</strong>s <strong>da</strong> quc que o indisdduo n sci intcil>ieta<strong>do</strong> seja desse mo<strong>do</strong> irracional. Esm é obvinmente<br />

r mii <strong>do</strong> principio <strong>da</strong> caci<strong>da</strong>de interprenwa, comum a Quine, Dwidson e Dcnnctr. O cxcmpio<br />

de irra<strong>do</strong>iiali<strong>da</strong>de improi.ávcl <strong>do</strong> sistema sob inrerprctago qiic Quine di em IVord ~i»d O@ml é o<br />

exemplo de uma crenga conuridirórir, n crcngí de um individuo em p c -1,.<br />

*" Coino se viu no Capitulo 2, r TSI considera quc argnnismos resulrantes dc sclcq6.o nsnirri<br />

rfm crensrs que sio na sua iniioiin ver<strong>da</strong>deiras e isrem infcrfncias quc sào nn m;iior pnrte racionais.<br />

mente, que a racionali<strong>da</strong>de não tem "valor intrínseco". Este último<br />

ponto é muito importante quan<strong>do</strong> se colocam questões como a<br />

caracterização "psicologicamente realista" <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de de sujei-<br />

tos ou a comprovação empírica <strong>da</strong> irracionali<strong>da</strong>de desses sujeitos.<br />

Estas questões são por exemplo coloca<strong>da</strong>s no âmbito de estu<strong>do</strong>s psi-<br />

cológicos que teriam supostamente implicações pessimistas no que<br />

respeita à racionali<strong>da</strong>de de agentes reais (i.e. esses estu<strong>do</strong>s provariam<br />

que agentes reais são bastante irracionais na maior parte <strong>da</strong>s circuns-<br />

tâncias de inferência e decisãoa3').<br />

Do ponto de vista biológico e consideran<strong>do</strong> a evolução por se-<br />

leccão natural de sistemas inteligentes, aquilo de que se fala quan<strong>do</strong><br />

se fala de racionali<strong>da</strong>de é uma a<strong>da</strong>ptação evolutiva com propósitos<br />

determina<strong>do</strong>s. A acepcão mínima de racionali<strong>da</strong>de em causa é a ra-<br />

cionali<strong>da</strong>de instrumental, caractenstica <strong>do</strong> comportamento de agen-<br />

tes <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de esiri/ti/ras dejillalinades, gula<strong>do</strong>s por represe>rtações, que<br />

fazem uma correcta gestão de meios em ordem aos hs, nomea<strong>da</strong>-<br />

mente a uma a<strong>da</strong>ptação suficientemente boa ao ambiente. Uma tal<br />

caracterização de racionali<strong>da</strong>de vale para qualquer sistema cognitivo,<br />

consciente ou não, pois diz respeito à adequacão <strong>do</strong> deszgtl-para-<br />

agP. Não é apenas a TSI que reporta a racionali<strong>da</strong>de i evolução por<br />

selecção natural de sistemas cognitivos: essa é uma suposição comum<br />

em teorias psicológicas e Wosóficas <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. No entanto,<br />

desde logo, considerar a racionali<strong>da</strong>de a partir <strong>da</strong> perspectiva <strong>da</strong><br />

selecção natural como uma a<strong>da</strong>ptação com um propósito deterini-<br />

na<strong>do</strong> conduz i constatação de que o desigz desta não é óptimo mas<br />

"Tf, Cnpinilo 2, ponro 2.1.1.5. Nos al~~di<strong>do</strong>r csni<strong>do</strong>s cliams-sc irirmn~~~~iid,,de por exemplo à<br />

exisrfncia de rendèncias ou inclina$õcs prévias (hios) qriiic dcteiminarn o enqundi;lmento Vnr,,,i,g) <strong>da</strong>s<br />

cscoihns (supostamcntc iacionds) dc agentcs, 3s m6s eshstiws de probabiiidndes, i inusiisitivi<strong>da</strong>dc<br />

(ou mcrmo invcrsào) <strong>da</strong>s piefeifnciss <strong>do</strong>s agentes, no facto de os agentes incorrcrcm sistcmoticsmcntc<br />

cm fai6drs (cf por exeinplo a blácia <strong>da</strong>s ruth iosld, ctc. Eiii suma, clinmri-se irracionais a<br />

(1) processos pelos qulis agentes cl~yom 1 coiiclusõcs quc "6.0 porlcrn scr justifica<strong>da</strong>s a parrir <strong>do</strong> seu<br />

próptio conhecimento e a (2) piaccssas que conduzem n uma concIus6.0 ou deciszo que nio é n melhoi<br />

que poderia tci si<strong>do</strong> alcrn$ads h luz <strong>da</strong> eiridfncia disponivcl, com os recursos temporais dispoiiivcia.<br />

Sio srsún possivds sinincões em que agcntcs acredirnm cm coiiua&gõcs, iiio acieditm nas<br />

consequtncias <strong>da</strong>quilo em que acrcditain, iiicotrcm cm fnqucra <strong>da</strong> rontadc e ein auto-engano, etc.<br />

Em to<strong>do</strong>s esres eseiriplos nata-sc de irracionali<strong>da</strong>de na gcstào <strong>do</strong>s meios, e poirnnro de algo ielntivo<br />

no núcleo <strong>da</strong> nag6.o dc rrcionali<strong>da</strong>de que é n rncionalidndc ii~strumentsl (estc aspecto foi tuinbém<br />

subliiihu<strong>do</strong>, rccorde-se, no Capitulo 2). Nio sc &ata dr raciannlidndc <strong>do</strong>s 6iis.<br />

"Noutras pnlavins, agir dc acor<strong>do</strong> com "rarões" 6 um hincionamento que pode ter bases diversas<br />

tios sistemas coyiti\.oí, dcsdc a pura e simples insnlagio (miiiig) que piopicin n a<strong>da</strong>pta$to <strong>da</strong>s<br />

fiitigõcs <strong>do</strong> sistcmo ao seu ambiente, até no condicianamenta, nté ao mcoiihccúncnto conscicntc dc<br />

conexões enue conteú<strong>do</strong>s. Este úliimo, crnbon possa parecei destacar-se rdrti~,amente 3s "bases"<br />

anreriores pode iyalmcntc ter si<strong>do</strong> scleccionn<strong>do</strong> (cf NO'ZICK 1993: 108).


apenas satisfatório, suficientemente,bom, uma vez que esse é o estatuto<br />

geral <strong>do</strong>s produtos <strong>da</strong> selecção natural. Ora, isso significa no<br />

iimite, como R. Nozick ~ublinha"~, que se o facto de a produção de<br />

inferências (em alguns agentes, nomea<strong>da</strong>mente humanos) ser confia<strong>da</strong><br />

a regras cumpre uma função biológica interessante para os seres<br />

em quem tal funcionamento está instala<strong>do</strong>, não se deve esquecer que<br />

as regras são selecciona<strong>da</strong>s pelo êxito obti<strong>do</strong> na acção pelos agentes<br />

que as seguem e que esse êxito não depende de mo<strong>do</strong> algum <strong>da</strong> perfeição<br />

<strong>da</strong>s regras mas sim <strong>do</strong> facto de elas conseguirem o máximo<br />

possível na negociação (t'ade-08 entre as capaci<strong>da</strong>des cognitivas<br />

(hmta<strong>da</strong>s), o tempo de resposta e a quanti<strong>da</strong>de de informação obti<strong>da</strong>.<br />

A reportação <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de à selecção natural é uma reportação<br />

ao êxito no comportamento <strong>do</strong> agente e apenas isso e é portanto<br />

também, inevitavelmente, um passo no senti<strong>do</strong> de duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<br />

intrínseca <strong>do</strong>s produtos e resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de.<br />

A abor<strong>da</strong>gem a partir <strong>da</strong> selecção natural oferece assim um argumento<br />

a favor <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de irracionali<strong>da</strong>de mas coloca em<br />

relevo a ausência de qualquer constrangunento de "quali<strong>da</strong>de" sobre<br />

os processos e produtos <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de: para serem selecciona<strong>do</strong>s<br />

os mecanismos <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de devem ser satisfatoriamente<br />

bons, não necessariamente perfeitos. A abor<strong>da</strong>gem a partir <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> interpretação coloca a questão <strong>do</strong>s constsangimentos de<br />

forma bem diferente. O princípio <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de interpretativa comum<br />

aos quineanos conduz a uma <strong>da</strong><strong>da</strong> perspectiva <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de<br />

de irracionali<strong>da</strong>de em Sistemas IntencionaisB3'. Os quineanos<br />

"'I NOZICK 1993, Cnpítuio 4, E~vh/ia,~


oposição às éticas <strong>da</strong> maximização racional83R, (iii) situações em que<br />

se afirmou que a solucão para (aquilo a que na IA se chama) o problema<br />

<strong>do</strong> enquadramento passava, nos humanos, por uma não<br />

obrigação à coerência <strong>da</strong>s crenças <strong>do</strong> sistema839. A racionali<strong>da</strong>de em<br />

causa foi, assim, sempre, de algum mo<strong>do</strong> e desde logo, limita<strong>da</strong>.<br />

Não se chega, seguramente, aos stan<strong>da</strong>rds de racionali<strong>da</strong>de necessários<br />

ãs teorias <strong>da</strong> interpretação a partir de evidência indutiva<br />

(se há evidência indutiva de alguma coisa é de irracionali<strong>da</strong>de e insuficiência<br />

cognitiva <strong>do</strong>s SI). Logo, o caminho para a racionali<strong>da</strong>de<br />

só pode passar por qualquer coisa como um constrangimento conceptual:<br />

se um agente é insuficientemente racional ele não terá esta<strong>do</strong>s<br />

cognitivos intencionalmente descritíveis. Este é um ponto <strong>do</strong><br />

próprio Quine e um princípio a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> por Dennet. Mas, de novo,<br />

mesmo admitin<strong>do</strong> que existe uma conexão "conceptual" entre racionali<strong>da</strong>de<br />

e intencionali<strong>da</strong>de, quanta racionali<strong>da</strong>de é necessário<br />

supor quan<strong>do</strong> se interpreta? Um ponto de acor<strong>do</strong> não muito promissor,<br />

aparentemente, é o facto de, se nos usamos a nós próprios<br />

como modelo, ser consensual que a nossa racionali<strong>da</strong>de não é<br />

muita ou muito perfeitas4'.<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que alguns críticos de Dennett afirmam8", a TSI<br />

não supõe uma racionali<strong>da</strong>de perfeita. Torna-se então necessjrio<br />

avançar alguma proposta quanto à "quanti<strong>da</strong>de" de racionali<strong>da</strong>de<br />

que lhe é necessária. A melhor sugestão é a de uma racionali<strong>da</strong>de<br />

mínima. Na proposta de C. Cherniak8" a expressão "racionali<strong>da</strong>de<br />

mínima" significa que não há um conjunto específico de inferências<br />

que um agente tenha que manifestas para ser candi<strong>da</strong>to à descriçiío<br />

intencional, o agente deve manifestar apenas um conjunto razoavelmente<br />

subtancial <strong>da</strong>s inferências que seriam requeri<strong>da</strong>s de um agente<br />

racional perfeito. O importante na noção é o facto de ela se opor<br />

"" Ct Capitulo 4 (ponto 4.5).<br />

"" Cf Cnpihilo 5 (5.2.2). Recorde-se que sc ahinau então que «Na<strong>da</strong> na implcrncnta$bo <strong>do</strong>s<br />

h8bitos (quc são ideias pdãws, rnrão por inshto, feixes dc como-li<strong>da</strong>r) m criatum obiig~ a prcscrvnr<br />

n consistéiicia <strong>do</strong> que eles insrnuram em termos de imagcm mnnifcsta).<br />

''O Paztin<strong>do</strong> <strong>do</strong> constranb$mento ou obiigação de nos supormos a nós pr6piios como modelo,<br />

S. Sticli (SITCH 1993: 50) bln de um "principio dc ci>auviinismo intencionaY. Sci intencionalmente<br />

descritivcl iequer n prescnçn m a diiiimica cognitivn scmclhmte 5 nossa e crinhiras muito difcrcntcr<br />

dc "6s nJo scrbo, assim, intencionnhcntc desc"óvcis. No entanto, um tal limite imposto d (ir)rscionali<strong>da</strong>de<br />

tem iniõcr (ielntivns ao obscrw<strong>do</strong>r) que são perfcimmentc dcrintcicssuntes. i\ in-desuiãbüi<strong>da</strong>dc<br />

intencional nào assinnln, nesms condi


<strong>do</strong> a questão, considera que experiências empíricas acerca de racionali<strong>da</strong>de<br />

não podem intirinar as caracterizações que a teoria <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

que ele toma como definin<strong>do</strong> a ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong>de (a~teoria <strong>da</strong> decisão) faz <strong>da</strong> estrutura <strong>do</strong> agente racional:<br />

não saberíamos itnaginar o que é para um agente ser racional (ou<br />

irracional) sem o quadro teórico <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> decisão. Noutras palavras,<br />

para Davidson a caracterização <strong>do</strong> agente (no caso feita pela<br />

teoria <strong>da</strong> decisão) é constitutiva <strong>da</strong>quilo que é ser racional e agir<br />

racionalmente. É óbvio que há uma espécie de circulari<strong>da</strong>de na posição<br />

de Davidson: a racionali<strong>da</strong>de constitutiva <strong>do</strong> agente é encontra<strong>da</strong><br />

porque é "lá posta". Na terminologia de A.Zilhão e forçan<strong>do</strong> um<br />

pouco os termos <strong>do</strong> próprio Davidson, isto significa que os axiomas<br />

<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> decisão são ver<strong>da</strong>des sintéticas a priori acerca de seres<br />

racionais quaisquerw. Essa é a razão pela qual Davidson pensa que<br />

os elementos <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> decisão (por exemplo as considerações<br />

acerca <strong>da</strong> transitivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s preferências <strong>do</strong> agente) têm que ser preserva<strong>do</strong>s<br />

face a resulta<strong>do</strong>s como os de Tversky e Icahneman que<br />

mostram como é comum a inversão de preferências em agentes reais,<br />

bastan<strong>do</strong> que existam variações <strong>do</strong> enquadramento <strong>da</strong> decisão em<br />

causaR4j. Davidson conhece os trabalhos de A. Tversky e <strong>do</strong>s seus<br />

colabora<strong>do</strong>res e esteve ele próprio envolvi<strong>do</strong> em investigações expe-<br />

rimentais acerca de racionali<strong>da</strong>de. Simplesmente, pensa que é ilegít-<br />

mo supor que através de tais investigações se contkma ou infirma<br />

empiricamente a racionali<strong>da</strong>de. Quan<strong>do</strong> se enfrenta o problema <strong>da</strong><br />

adequação empírica de caracterizações idealizaum <strong>do</strong> agente racio-<br />

nal, que são essenciais em propostas como as de Davidson e<br />

Dennett, é preciso levar ein conta que nenhuma interpretação de fac-<br />

tos experimentalmente obti<strong>do</strong>s pode ser feita sem utilizar alguma<br />

caracterização <strong>da</strong>quilo que é um agente racional. Pura e simplesmen-<br />

te não sabemos nem podemos pensar de outra maneira: não pode-<br />

mos deixar de pensar que, se pensamos, pensamos (ou qualquer<br />

outra pessoa pensa) geralmente de forma racional (a não ser deixan-<br />

<strong>do</strong> de pensar que pensamos, por exemplo atribuin<strong>do</strong> erros a irrup-<br />

ções de distúrbios ao nível <strong>do</strong> hardware cognitivo). Substitua-se a teo-<br />

ria <strong>da</strong> decisão por uma caracterização sistematicamente pré-teórica<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de e obtém-se uma posição análoga - a que se poderia<br />

chamar uma obrigação à idealização mas agora sem obrigação a uma<br />

teoria <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>do</strong> objecto idealiza<strong>do</strong> -na TSI. Não há<br />

"' Cf. ZILHi\O 1998/1!79!7 e DAVIDSON 1980 c: 261, Ilet~~~/oi~~/oiiii~~AiIioii.<br />

"" TVIIRSKY 8r ICNINEAIAN 1981.<br />

U~mz Teoria Fi~icaIis/a rio Coriieúh e <strong>da</strong> Co~~sciêirciu<br />

como negar que se está perante circulai<strong>da</strong>de na tentativa de justifi-<br />

car ou Fun<strong>da</strong>mentar a racionali<strong>da</strong>de. Mas esta é uma situação incon-<br />

tornável em teorias <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de de qualquer género, provavel-<br />

mente relaciona<strong>da</strong> com o tipo de seres que as fazem, seres instru-<br />

mentalmente e minimamente racionais, e também com a mera<br />

inexistência de alternativa, De facto, como senão através de activi<strong>da</strong>-<br />

de ogiiàva se avaliaria a activi<strong>da</strong>de cogniáva?<br />

E evidentemente também um problema, <strong>da</strong><strong>da</strong> uma tal circulari-<br />

<strong>da</strong>de, o facto de a racionali<strong>da</strong>de ser a chave para a psicologia e, <strong>do</strong><br />

ponto de vista ético, para a pessoali<strong>da</strong>de. Se a dimensão moral e<br />

metaúsica <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de, analisa<strong>da</strong> no Capítulo 4, não parece<br />

possível a não ser com apoio numa mecânica <strong>do</strong> controlo, <strong>da</strong> cen-<br />

trali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> auto-representação, relativamente à qual o MEM<br />

apresenta uma proposta, ela depende em úláma análise de uma teo-<br />

ria normativa que precisamente supõe a racionali<strong>da</strong>de. A situação é<br />

agrava<strong>da</strong> pelo facto de Dennett, ao contrário de Davidson, pensar<br />

que essa chave, a racionali<strong>da</strong>de, não tem uma ver<strong>da</strong>deira natureza.<br />

Repare-se que Davidson não apenas pensa que a ver<strong>da</strong>deira natu-<br />

reza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de é <strong>da</strong><strong>da</strong> por uma teoria formal, a teoria <strong>da</strong> deci-<br />

são, como também pensa que apenas os humanos são ver<strong>da</strong>deira-<br />

mente racionais. A TSI não tem que fazer restrições idênticas.<br />

Poder-se-ia sugerir que a resposta ao problema <strong>da</strong> circulari<strong>da</strong>de<br />

já está <strong>da</strong><strong>da</strong> através <strong>da</strong> análise <strong>do</strong> estatuto <strong>da</strong> E1 feita nos pontos 6.1<br />

e 6.2 <strong>do</strong> presente capítulo. Se é certo que em termos de racionali<strong>da</strong>-<br />

de se encontra apenas aquilo que se coloca a partir <strong>do</strong> ponto de vista<br />

<strong>do</strong> intérprete, é certo também que o ponto de vista <strong>do</strong> intérprete é<br />

auto-constitutivo. Por ttivial que pareça esta observação, ela signifi-<br />

ca por exemplo que a racionali<strong>da</strong>de não é uma característica <strong>do</strong> hin-<br />

cionamento neurohsiológico <strong>do</strong>s neurónios ou de outro hardzvare<br />

qualquer <strong>do</strong> agente, nem de processos computacionais defini<strong>do</strong>s<br />

sobre enti<strong>da</strong>des intrinsecamente representacionais. O seu estatuto é<br />

o <strong>do</strong> artificial de H. Simon, o interface, a a<strong>da</strong>ptação, no caso na rela-<br />

ção <strong>do</strong> pensamento ao próprio pensamento. A racionali<strong>da</strong>de supõe<br />

um ponto de vista psicológico, um intérprete que o reconheça: esse<br />

é o lugar <strong>da</strong> psicologia e o lugar <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de possível.<br />

Aquilo a que preten<strong>do</strong> chegar é o seguinte: a introdução de uma<br />

suposição de racionali<strong>da</strong>de na teoria <strong>do</strong> mental, comum às teotias<br />

quineanas, não é necessariamente acompanha<strong>da</strong> pela conviccão de<br />

que teorias formais <strong>da</strong> "racionali<strong>da</strong>de" (como a teoria <strong>da</strong> decisão ou<br />

mesmo a lógica) eventualmente exibirão a ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>da</strong>


Soja iM&~~e~is<br />

racionali<strong>da</strong>de. É possível manter coerentemente a ideia para a qual<br />

a TSI aponta, segun<strong>do</strong> a qual a racionali<strong>da</strong>de não tem uma ver<strong>da</strong>deira<br />

natureza (não consiste em fechamento dedutivo, capaci<strong>da</strong>de<br />

inferencial perfeita ou coerência total no corpo <strong>da</strong>s crenças). O<br />

ponto de referência <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de é apenas a a<strong>da</strong>ptação suficientemente<br />

boa ao ambiente <strong>do</strong> comportamento, guia<strong>do</strong> por representações,<br />

de agentes cognitivos físicos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de uma estrutura de<br />

finali<strong>da</strong>des. Evidentemente, nestas condições, parte <strong>do</strong> trabalho de<br />

uma teoria fuosófica <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de consiste em justificar o seu<br />

próprio estatuto de "equiiíbrio reflecti<strong>do</strong>" entre práticas de racionali<strong>da</strong>de,<br />

formaliza<strong>da</strong>s e comuns, e respectivas intuiç6es, por um la<strong>do</strong><br />

e formalização de princípios e regras por outro.<br />

O múiùno que se pode concluir de um tal estatuto de imperfeição<br />

constitutiva é que não é permiti<strong>do</strong> falar de Uma Racionali<strong>da</strong>de.<br />

Assim, por exemplo a possibili<strong>da</strong>de de a força <strong>da</strong>s nossas intuições<br />

a favor de certos "princípios de racionali<strong>da</strong>de" (por exemplo princípios<br />

lógicos) não ser prova definitiva de na<strong>da</strong> deve ser encara<strong>da</strong>.<br />

A aparente auto-evidência de conexões de conteú<strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>s, a<br />

força <strong>do</strong> "segue-se de..", não será, em tais circunstâncias, garantia<br />

alguma de que uma Conexão se sustente. Evidentemente, a inexistência<br />

de qualquer ponto de apoio exterior ao funcionamento desses<br />

mesmos princípios justifica por exemplo o facto de a investigação<br />

de leis mais profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de (por exemplo leis mais<br />

profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> lógica) não continuar <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que continua<br />

a investigação de leis mais profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> física8"".<br />

I-Iá uma conclusão de tu<strong>do</strong> isto, bem mais alarga<strong>da</strong> <strong>do</strong> que qualquer<br />

conclusão que Dennett arrisca extrair mas que por exemplo S.<br />

Stich formula em The E.agnzentation r# Reason. A ideia é que não há<br />

possibili<strong>da</strong>de dejòr~zz~Iar co~rstra~gi~~ze~~tos a prioripara to<strong>do</strong>s os agentes raio-<br />

~raispossiueis. Não existe A Racionali<strong>da</strong>de, o Agente Racional. Dennett<br />

não extrai uma tal conclusão, no entanto, a sua ideia de uma<br />

caracterização sistematicamente pré-teórica de racionali<strong>da</strong>de na<br />

TSI, bem como a plurali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s nocionais aos quais o<br />

comportamento <strong>do</strong>s agentes se adequa, aponta numa dù-ecção idêntica<br />

(i.e. para aquilo a que Stich chama a fragmentação <strong>da</strong> razão8"?.<br />

"" Idcia enplorsds (ou mclliar, problemr caracre~rn<strong>do</strong>) em NOZICIC 1993.<br />

' Que dc rcsro Sõch pensa podcr scr ncompnnhs<strong>da</strong> por um plurnlismo cognitiro normativo, o<br />

~ U sigiiiticn C que cmborn nRo esisrn umn relnçso entic O bom nciacinio e a \'erdnde, existem relnçõcs<br />

enmc bom pensnmento c vcrdndc. I.c., "50 se abdica dn nvnlis~io dde estirtégias cognitivrí, inss<br />

nio se ignora a sua dimensão de estratégigia (C isro oprng,,etii~~,o) Apenas uma posisào serneiliante<br />

UIPIU Teoria Fisicalistu <strong>do</strong> Coiiteii<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Cor~sciêririci<br />

Apesar <strong>da</strong> conclusão a que o argumento quineano <strong>da</strong> impossibi-<br />

li<strong>da</strong>de de irracionali<strong>da</strong>de acaba por conduzir, a fiabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> dese-<br />

nho desenbolvi<strong>do</strong> nas condições evolutivas referi<strong>da</strong>s, poderia man-<br />

tê-lo e garanti-lo no presente. Esta situação pode perfeitamente<br />

conviver com o já aludi<strong>do</strong> equilihrio reflecti<strong>do</strong> (como hipótese<br />

acerca <strong>do</strong> estatuto de uma teoria explícita <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de). Re-<br />

corde-se que a aplicação <strong>do</strong> equilíbrio reflexivo às teorias explícitas<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de produz o seguinte: aceita-se uma <strong>da</strong><strong>da</strong> norma de<br />

inferência porque ela produz inferências que consideramos intuiti-<br />

vamente váli<strong>da</strong>s e por outro la<strong>do</strong> considera-se váli<strong>da</strong>s as inferências<br />

que sejam produto <strong>da</strong>s regras que tiverem si<strong>do</strong> aceites. Um equili-<br />

brio não definitivo entre intuição e regras é a única alternativa de<br />

justificação <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de numa situação como aquela que é ca-<br />

racteriza<strong>da</strong> pela TSI em que existem mentes "mal desenha<strong>da</strong>s" e<br />

não existem fun<strong>da</strong>mentos únicos e reais nem natureza profun<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong>de. Na<strong>da</strong> disto impede que se continue a afirmar que es-<br />

tu<strong>do</strong>s empíricos não podem provar que as pessoas são irracionais<br />

na grande maioria <strong>do</strong>s casos ou sempre. Sem racionali<strong>da</strong>de nenhu-<br />

ma enti<strong>da</strong>de é concebível como irracional ou sequer como mental.<br />

Na<strong>da</strong> disso obriga no entanto a afirmar que existe Uma só racio-<br />

nali<strong>da</strong>de defini<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> próprio conceito de agência, <strong>da</strong>quilo que se<br />

entende por intencionali<strong>da</strong>de, por psicologia. A racionali<strong>da</strong>de su-<br />

posta é uma (particular) idealização, uma idealização de alguma for-<br />

ma reporta<strong>da</strong> aos funcionamentos imperfeitos que são os funcio-<br />

namentos reais <strong>do</strong>s agentes que nós somos.<br />

A relação <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de com a pessoali<strong>da</strong>de foi considera<strong>da</strong><br />

no Capítulo 4 nos seus <strong>do</strong>is aspectos de auto-avaliação e compro-<br />

misso com a racionali<strong>da</strong>de própria. Foi assim defini<strong>do</strong> um espaço<br />

de manobra para o controlo e representação de si e para o contro-<br />

lo e representação <strong>do</strong> pensamento próprio possibilitan<strong>do</strong> a ligação<br />

entre auto-consciência e auto-agenciamento e consequentemente<br />

um novo âmbito para o pensamento racional voluntário. Note-se<br />

que é aqui que nasce não apenas a questão moral, a possibili<strong>da</strong>de<br />

de pessoas e accões e a constituição de pessoas através de acções,<br />

leva n séno, de resto, o facro dc o núclco mínimo de rricionali<strong>da</strong>dç rei um núcleo iitstri~,iidt~/a/ Umi<br />

reorii <strong>do</strong> mcntal como interpretação nRo pode deixar de considerar essc núclco instiuincntal, o quc<br />

signifi- quc ela pressupõe uma w%liiinçRo conscqucncialirta <strong>do</strong>r sistcmas cagnitivos. Ora a questào<br />

seguinte é snùer o que imporrs nos ngcntcr conscyiiern ou ntin~izern (e porque 6 que l~avenn de ser<br />

3 Ver<strong>da</strong>de? Porquc C quc cicnças verdndeirns seiirm prefeidnr rclntivivamenre a proccraos pmginau~<br />

camcnrc com uma conexio óbvia com aq<strong>do</strong> quc o ogcnrc dcscir?). Estri sicii:g2io é o<br />

piincípio <strong>do</strong> aludi<strong>do</strong> prngmatismo c C dcscnvolvid? em STICH 1993.


através de auto-contsolo meta-reflexivo e avaliação' forte, como<br />

também o problema f<strong>do</strong>sófico <strong>da</strong> natureza e alcance <strong>do</strong> pensamento<br />

racional e não apenas <strong>da</strong> cognição. Tu<strong>do</strong> o que até aqui se explicitou<br />

acerca de racionali<strong>da</strong>de vai no senti<strong>do</strong> de mostrar por que<br />

razões to<strong>do</strong>s os processos que supõem a racionali<strong>da</strong>de acontecem<br />

sempre incompletamente, constituin<strong>do</strong> mais uma razão para pensar<br />

que as noções de pessoa e acção, relativas a seres capazes de pensamento<br />

voluntário e não apenas de cognição, não são noqôes<br />

absolutas. Como &a R. Nozick, a história natural <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

mostra um trajecto que vai desde osj+ecfloating raho?rales, as razões<br />

para funcionamentos e comportamentos totalmente inapercebi<strong>da</strong>s<br />

pelos "agentes" que são tão importantes para a TSI, até uma<br />

preocupação com razões, um cui<strong>da</strong><strong>do</strong> com o raciocínio e a quali<strong>da</strong>de<br />

deste, que «no~v fl~atsj+ee>)'"~, existe livremente, sem qualquer propósito<br />

instrumental imediato, e que é até agora característica <strong>do</strong>s<br />

humanos e que os configura como enti<strong>da</strong>des racionais conscientes<br />

e pessoais. É apenas relativamente a este adquisi<strong>do</strong> tardio na história<br />

<strong>da</strong> espécie que pode ser posta em dúvi<strong>da</strong> a peitinência de uma<br />

teoria <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de que não se descole, de alguma forma, <strong>do</strong><br />

núcleo instrumentalista.<br />

6.4 A r2attire- e o sez/ izterior III. Consciência fe?zo??~ellal o21 ih~são<br />

<strong>do</strong> zutiLxa<strong>do</strong>r de rma Máquliza Virtual Epiferaome?~is?~~o.<br />

A dependência <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de relativamente a uma abor<strong>da</strong>gem,<br />

que é o núcleo <strong>da</strong> TSI, tem aspectos aceitáveis e inaceitáveis. Os<br />

primeiros foram aprofun<strong>da</strong><strong>do</strong>s nos pontos anteriores <strong>do</strong> presente<br />

capítulo com as sugestões relativas a intencionali<strong>da</strong>de e racionali-<br />

<strong>da</strong>de. Quan<strong>do</strong> se trata de consciência, no entanto, é especialmente<br />

difícil aceitar que se fale apenas de interpretafão de sistemas, deven-<br />

<strong>do</strong> pelo menos ser considera<strong>da</strong> a hipótese de um facto bruto para<br />

o próprio sistema a que se tem chama<strong>do</strong> "sentir-se ser". Ora, en-<br />

quanto meta-teoria <strong>da</strong> cognição, a TSI tem como objectivo ao mes-<br />

mo tempo estabelecer a dependência <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de relativamente<br />

a uma interpretação e eliminar o observa<strong>do</strong>r (substituí<strong>do</strong> por agen-<br />

tes, estes seriam eventualmente "dispensa<strong>do</strong>s" - é esse o propósito<br />

<strong>do</strong>s modelos funcionalistas). A grande justificação para eliminar o<br />

observa<strong>do</strong>r é o facto de não haver mais ninguém, uma vez deixa<strong>do</strong><br />

para trás o agente cognitivo global (apenas este tem um "ponto de<br />

vista"). Se a observaqão colhe enquanto relativa i teoria cognitiva<br />

sub-pessoal não é no entanto "humanamente possível" deixar totalmente<br />

para trás o ponto de vista numa teoria geral <strong>da</strong> mente. Já<br />

se viu porquê, num primeiro senti<strong>do</strong> relativo a intencionali<strong>da</strong>de e<br />

racionali<strong>da</strong>de. Há um segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> em que o ponto de vista não<br />

pode ser deixa<strong>do</strong> para trás e que diz respeito a acepções de "consciência"<br />

que não ficam cobertas com o que foi até aqui afisma<strong>do</strong><br />

acerca de intencionali<strong>da</strong>de e racionali<strong>da</strong>de.<br />

Acontece que as motivações de Dennett como teórico <strong>da</strong> cogniqão<br />

(ser anti-representacionista, ser quineano, eliminar o observa<strong>do</strong>r)<br />

por vezes se misturam e o ponto em que se misturam pior<br />

é o ponto em que uma teoria proposita<strong>da</strong>mente anti-cartesiana <strong>da</strong><br />

consciência (que é não apenas anti-dualista mas inclusivamente<br />

afasta a "diferença de género" entse consciência e não-consciência)<br />

rejeita, por motivos que são precisamente (e erroneamente) cartesianos,<br />

certas teses que deveria incluir. Assiste-se assim na teoria<br />

dennettiana <strong>da</strong> consciência, um retorno, com maus resulta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong><br />

cartesianismo "recalca<strong>do</strong>". E isso antes de mais que preten<strong>do</strong> aqui<br />

mostras. Observou-se já que se Dennett, ao contrário de, por exemplo,<br />

Fo<strong>do</strong>r e Dietske, se atem ao interpretativismo quan<strong>do</strong> considera<br />

a intencionali<strong>da</strong>de é em grande medi<strong>da</strong> porque se recusa a<br />

admitir um certo entendimento genuíno (ou, noutras palavras, a diferenqa<br />

entse mentali<strong>da</strong>de genuína e mentali<strong>da</strong>de auibuí<strong>da</strong>). Ora esta<br />

recusa é função de um preconceito cartesiano inexplicita<strong>do</strong> dc<br />

acor<strong>do</strong> com o qual ou a mente está liga<strong>da</strong> a um centro ou uni<strong>da</strong>de<br />

naturais, <strong>da</strong><strong>do</strong>s, ou então não será mente. De facto, se, segun<strong>do</strong><br />

Dennett, não existe entendimento genuíno por oposiqão a mentali<strong>da</strong>de<br />

atribuí<strong>da</strong>, é unicamente porque não existe "um lugar funcional<br />

central" onde tu<strong>do</strong> se põe conjuntamente para o entende<strong>do</strong>r<br />

entender. Viu-se no ponto 6.1 que o argumento contra a intencionali<strong>da</strong>de<br />

genuína não colhe na medi<strong>da</strong> em que não é uma uni<strong>da</strong>de<br />

desse tipo que está em causa: o qz~ê<strong>do</strong> nível pessoal (a uni<strong>da</strong>de) não<br />

tem por que ser confundi<strong>do</strong> com o ca?.ilo <strong>do</strong> nivel sub-pessoal, i.e. o<br />

nível <strong>do</strong>s veículos, que o assegura (o processamento paralelo e distribuí<strong>do</strong>).<br />

De resto e ao nível <strong>da</strong> explicação <strong>do</strong> como, o próprio<br />

MEM é uma teoria <strong>da</strong> ~uli<strong>da</strong>de constitz~i<strong>da</strong>. Ora, é de um argumento<br />

semelhante, que parte <strong>da</strong> inexistência de um lugar funcional central<br />

e único, ao qual se junta uma crítica linguística de proprie<strong>da</strong>des cria-


<strong>da</strong>s pelo próprio Dennett, os qz+-segun<strong>do</strong>-Dennett, bem como o<br />

pressuposto de uma "ligação conceptual" entre consciência e<br />

memória, que depende a rasura <strong>da</strong> noção de consciência <strong>da</strong> acepção<br />

de "senùr-se ser" para o próprio sistema. Mas <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />

que tal argumentação não é suficiente para afastar o entendimento<br />

genuíno, ela não é suficiente para afastar a possibili<strong>da</strong>de de um sentir-se<br />

ser não identificável nem com um lugar de uni<strong>da</strong>de funcional<br />

nem com características <strong>da</strong> posse epistémica <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s apercebi<strong>do</strong>~<br />

nos próprios sistemas cognitivos teoriza<strong>do</strong>s pelo MEM.<br />

Recapitular-se-á em segui<strong>da</strong> brevemente aquilo que neste trabalho<br />

foi estabeleci<strong>do</strong> acerca <strong>da</strong> consciência pretenden<strong>do</strong> mostrar que<br />

o problema <strong>da</strong> teoria dennettiana não é ser uma negação verificacionista<br />

desta, mas o facto de envolver alguns equívocos importantes<br />

quanto àqnilo de que se fala. É um facto que a teoria dennettiana<br />

<strong>da</strong> consciência faz colapsar a consciência sobre o conteú<strong>do</strong>. Mas<br />

um tal continuismo não é o principal factor de perturbação: Dennett<br />

avança boas razões para o sustentar. O problema é que o continuismo<br />

não tem por que conduzir à negação <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

"<br />

sentir-se ser" <strong>do</strong> próprio sistema consciente.<br />

Recorde-se antes de mais que a passagem <strong>da</strong> teoiização <strong>do</strong>s SI a<br />

parùr <strong>da</strong> E1 para uma teoria <strong>do</strong> interior <strong>do</strong>s sistemas cognitivos é,<br />

na obra de Dennett, justifica<strong>da</strong> pelo seguinte. A suposição de racionali<strong>da</strong>de<br />

(ou interpretação) pressupõe a zoi<strong>da</strong>dc <strong>do</strong> agente globalmente<br />

considera<strong>do</strong>. Há no entanto ai alguma coisa que é toma<strong>da</strong><br />

como <strong>da</strong><strong>da</strong> - que sistemas cognitivos são zdni<strong>da</strong>des - que terá que<br />

ser "explica<strong>da</strong>". A teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência pretende oferecer<br />

tal explicação. A maneira de conceber o mental depende,<br />

assim, <strong>do</strong> ponto de referência escolhi<strong>do</strong>: ou bem se visa enti<strong>da</strong>des<br />

globais comportan<strong>do</strong>-se no ambiente de forma a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> e ai tem-<br />

-se a intencionali<strong>da</strong>de e a racionali<strong>da</strong>de, constantemente reporta<strong>da</strong>s<br />

a um macro-nível, ou bem se visa o interior de sistemas, onde se<br />

tem multiplici<strong>da</strong>de, competição e uni<strong>da</strong>de e centrali<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong>s.<br />

Neste quadro, sob o titulo de consciência entendeu-se, olhan<strong>do</strong><br />

para a obra de Dennett na sua totali<strong>da</strong>de, um conjunto de problemas<br />

que engloba (i) o estatuto epistémico de relatos que sistemas<br />

cognitivos fazem acerca de esta<strong>do</strong>s mentais próprios, (ii) a unificação<br />

<strong>do</strong> fluxo <strong>da</strong> consciência a partir <strong>da</strong>s produções múltiplas de<br />

agentes e (E) a virtuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de, controlo e presenciali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> mental. As soluções propostas foram referi<strong>da</strong>s no Capitulo<br />

3 sob os títulos, respectivamente, de (sentimento de) incorrigibili-<br />

Uma Teoria FisicaLsto <strong>do</strong> Co~tcii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coiisriêiicia<br />

<strong>da</strong>de por razões funcionalistas8", ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de uma<br />

Máquina Virtual ~erial"~, virtuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de e <strong>do</strong> controlo''',<br />

ilusão <strong>da</strong> imanênciaEi2 e principio <strong>da</strong> presença virtua18j3. Uma<br />

vez identifica<strong>do</strong> o problema <strong>da</strong> consciência com os referi<strong>do</strong>s problemas,<br />

to<strong>da</strong> a teoria dennetiana <strong>da</strong> consciência é inevitavelmente<br />

uma teoria <strong>do</strong>s contezí<strong>do</strong>s fenomenológicos. Até aqui, na<strong>da</strong> a objectar:<br />

em grande medi<strong>da</strong> é isso que a consciência é. O problema <strong>da</strong><br />

teoria é um problema argumentativo, nomea<strong>da</strong>mente a utilização<br />

de pontos que são cognitivos e epistemológicos como dispositivo<br />

de eliminação <strong>da</strong> fenomenologia. Noutras palavras, a questão <strong>da</strong><br />

consciência só assume a forma que assume devi<strong>do</strong> a uma presunção<br />

intelectualista, uma identificação <strong>do</strong> perceber com perceberque,<br />

a qual se associará ao verificacionismo e a um estranho cartesianismo<br />

obsessivo. Vejamos como é que isso se passa ao longo <strong>da</strong><br />

obra de Dennett.<br />

Em C&C, o primeiro ganho permiti<strong>do</strong> pela atenção (anti-witttgensteiniana<br />

e anti-ryleana) is teorias cognitivas sub-pessoais é a<br />

conclusão de que aquilo que se evoca sob o nome de "consciência"<br />

não é um traço único mas vários traços, liga<strong>do</strong>s nomea<strong>da</strong>mente ao<br />

controlo <strong>do</strong> comportamento e à reportabili<strong>da</strong>de. Embora se admitisse<br />

em C&C essa varie<strong>da</strong>de, ela coexistia ain<strong>da</strong> com a ideia de uma<br />

linha divisória entre consciência e não-consciência, i.e. com uma diferença<br />

clara entre consciência e não consciência. Mas o que interessa<br />

sobretu<strong>do</strong> verificw é que a colocação <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência<br />

em termos de vários traços sub-pessoais permite defender<br />

que para além <strong>do</strong> apercebimento liga<strong>do</strong> ao controlo e i reportabili<strong>da</strong>de<br />

não há uma coisa a mais, que seria um apercebimento senti<strong>do</strong><br />

ou fenomenal. To<strong>da</strong> a problemática <strong>da</strong> consciência é "intencionaliza<strong>da</strong>",<br />

i.e. transposta para o âmbito <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, e - esse é o<br />

ponto que ver<strong>da</strong>deiramente importa - ao mesmo tempo para um<br />

âmbito epistemológico, focaliza<strong>do</strong> na questão <strong>do</strong>s relatos acerca<br />

<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s mentais próprios. "Centro <strong>da</strong> fala" era o nome proposto<br />

em C&C para a estrutura cognitiva que permitbia ao sistema<br />

fazer relatos linguísticas. O centro de fala era essencial pela ligação<br />

<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de à linguagem e portanto <strong>da</strong> consciência à reportabili<strong>da</strong>-<br />

"" CfCapinilo 3, cspcciaùiienie 3.3.3, 3.3.5 c 3.3.6.2.<br />

"' CCT Capirulo3, especialmente 3.3.2, 3.3.3, 3.3.4 e 3.3.5.<br />

"1 Ct Cnpinilo 3, especialmente 3.3.5.1, 3.3.5.2 c 3.3.6.<br />

Cf. Capi<strong>do</strong> 3, espcciillmcnte 3.3.6.4.<br />

"" Cf Czpiniio 3, especidmenrc 3.3.6.4 e 3.3.6.5.


de. Ora, embora a iinha <strong>do</strong> apercebimento, e correlativa cisão entre<br />

consciência e não-consciência, venha a ser afasta<strong>da</strong> e substituí<strong>da</strong><br />

pelos esboços múltiplos, Dennett continuará a necessitar desse centro<br />

fantasmático na teoria <strong>da</strong> consciência: a lamentação pelo centro<br />

que não está lá naturalmente é o que lhe permitirá elimmar a especifici<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> "sentir-se ser".<br />

É certo que ao longo <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong> consciência exposto neste<br />

trabalho Dennett faz mais <strong>do</strong> que argumentar acerca de incorrigibili<strong>da</strong>de<br />

e reportabili<strong>da</strong>de: ele apresenta modelos funcionalistas<br />

sub-pessoais que dão corpo aos princípios mais gerais <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

consciência, a que se chamou fisicalismo funcionalista e superveniência<br />

lógica. O problema é o movimento estratégico seguinte: o<br />

intelectualismo apoia o estabelecimento de uma relação determina<strong>da</strong><br />

entre os argumentos acerca de incorrigibili<strong>da</strong>de e reportabili<strong>da</strong>de<br />

e os modelos funcionalistas <strong>da</strong> cognição. Esse problema não se<br />

coloca em geral: a ligação <strong>do</strong> intelectualismo à presença Wtual nos<br />

modelos <strong>da</strong> cognição é pertinente e provavelmente Dennett aponta<br />

os princípios responsáveis pelo mascarar <strong>da</strong>s faltas e interrupções<br />

que "deveriam" caracterizar a existência <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s em<br />

vi<strong>da</strong>s mentais basea<strong>da</strong>s em suportes físicos como cérebros. Mas<br />

quan<strong>do</strong> o intelectualismo se espalha à totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental e<br />

<strong>do</strong> auto-apercebimento a questão é outra.<br />

O elo de que Dennett se serve para estabelecer a correspondência<br />

intelectualista entre incorrigibili<strong>da</strong>de e modelos funcionalistas<br />

é a "relação conceptual" entre experiência e memória, absolutamente<br />

central nos modelos de BS e CE. Recapitulan<strong>do</strong> os princípios<br />

subjacentes aos modelos obtem-se fun<strong>da</strong>mentalmente as seguintes<br />

ideias: (i) o apercebimento de um sistema cognitivo é mais<br />

alarga<strong>do</strong> <strong>do</strong> que a "experiência consciente", (ii) a existência de apercebimento<br />

é identificável com a disponibili<strong>da</strong>de de um saber-que<br />

na me7zól.ia <strong>do</strong> sistema. A expressão ou "publicação" de qualquer<br />

conteú<strong>do</strong>, identifica<strong>da</strong> com a consciência, envolve um acesso subpessoal<br />

entre memória e mecanismos cognitivos para a reportabili<strong>da</strong>de.<br />

Sen<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> apercebimento tu<strong>do</strong> aquilo que é regista<strong>do</strong><br />

na memória, esse conteú<strong>do</strong> pode degra<strong>da</strong>r-se ou sofrer interferências<br />

antes de ser recupera<strong>do</strong> para acesso público (e só a esse<br />

nível se poria a questão <strong>da</strong> convicção subjectiva). É por contraste<br />

com os acessos sub-pessoais, que o acesso pessoal ou reportabili<strong>da</strong>de<br />

de si para si é identifica<strong>do</strong> com a co~~sciência. Nestas circunstâncias,<br />

a autori<strong>da</strong>de introspectiva é apenas um sentimento (e não<br />

uma garantia) que advém <strong>da</strong> forma como se dão as intencões semânticas<br />

(que têm como base uma ligação entre controlo e reportabili<strong>da</strong>de),<br />

sen<strong>do</strong> a explicação de to<strong>da</strong> a situação relativa a mecanismos<br />

cognitivos sub-pessoais. "Consciência" não é assim um género<br />

natural: não há autori<strong>da</strong>de subjectiva quanto a géneros naturais,<br />

os géneros naturais sào <strong>da</strong> competência <strong>da</strong> investigação empírica,<br />

na<strong>da</strong> garantin<strong>do</strong> a priori que a consciência seja um. A teoria <strong>da</strong><br />

consciência só pode ser uma teoria <strong>do</strong> apercebi~~le~nto-menlólito-a <strong>da</strong> forma<br />

como os contei<strong>do</strong>s estão presentes, se dão unifica<strong>da</strong>mente no acesso<br />

de si a si de um sistema cognitivo e são expressos. A agen<strong>da</strong> subjacente<br />

ao modelo de CE é evidentemente idêntica, <strong>da</strong>í que a apresentação<br />

<strong>do</strong> modelo desde logo se erga contra a categoria, considera<strong>da</strong><br />

bizarra, <strong>do</strong> "objectivamente subjectivo" (que faria parte <strong>da</strong><br />

experiência <strong>do</strong> sujeito mesmo que este não apercebesse-que). A partir<br />

<strong>do</strong> princípio intelectualista e <strong>da</strong> relação conceptual entre consciência<br />

e memória, são apresenta<strong>da</strong>s, através <strong>da</strong> interpretação <strong>do</strong>s<br />

casos de anomalias temporais, novas razões para o verificacionismo<br />

defendi<strong>do</strong> a propósito <strong>da</strong>s fenomenologias nucleares em BS (sonhos,<br />

imagens e <strong>do</strong>r). Recorde-se que de acor<strong>do</strong> com os princípios<br />

claramente enuncia<strong>do</strong>s pela primeira vez a propósito <strong>do</strong>s sonhos<br />

em BS, é impossível porprir2npio a consciência de um estímulo na<br />

ausência de crença nessa consciência. Não se poderia exigu pressupostos<br />

mais cartesianos, i.e. preconceituosamente centraiistas e intelectualistas,<br />

para a captura <strong>da</strong>quilo em que consiste a consciência<br />

e são estes pressupostos que perturbam o continuismo <strong>da</strong> teoria<br />

dennettiana <strong>da</strong> consciência. Quan<strong>do</strong> Dennett pensa na consciência,<br />

aquilo que tem em mente é um sistema cognitivo em que tu<strong>do</strong> vai<br />

ter a um centro e ao que o centro sabe e exprime. O problema é<br />

saber se é apenas isso que está em causa. Está sem dúvi<strong>da</strong> em causa,<br />

a certo ponto, quan<strong>do</strong> se trata de consciência, a zozi<strong>da</strong>de de uma<br />

mente, e essa questão é trata<strong>da</strong> no âmbito <strong>do</strong> MEM como relativa<br />

à instauração de uma Máquina Virtual como centro de controlo<br />

num <strong>da</strong><strong>do</strong> hardwar-e físico. A natureza de tal uni<strong>da</strong>de não é, no<br />

entanto, sequer esuitamente identificável com a unificação pela<br />

intencionali<strong>da</strong>de de que a TSI trata. A uni<strong>da</strong>de de que o MEM trata<br />

mais legitimamente é, relativamente aos humanos e aos cérebros<br />

destes, a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sujeito psicológico, a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> eu pessoal,<br />

empkico, possibilita<strong>da</strong> pelo funcionamento <strong>do</strong>s mecanismos sub-<br />

-pessoais <strong>da</strong> cognição. Ora, parte <strong>do</strong>s equívocos que acompanham<br />

o MEM dependem <strong>da</strong> suposição de Dennett de que o que está em


causa com as questões <strong>do</strong> Eu, <strong>do</strong> centro, <strong>da</strong> unificação, é algo mais<br />

<strong>do</strong> que apenas essa z~nidude defori//a. De qualquer mo<strong>do</strong>, o MEM<br />

reconstitz~i a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência, não a elimina de forma alguma.<br />

Mais: o MEM é, apesar de to<strong>da</strong> a oposição ao Teatro Cartesiano,<br />

uma teoria <strong>da</strong> percepção intenol; que dá mais atenção <strong>do</strong> que aquilo<br />

que é habitual nas teorias <strong>da</strong> percepção interior esuitamente Glosóficas<br />

a caractensticas mecânicas sub-pessoais (nomea<strong>da</strong>mente põe<br />

em relevo a ilusão <strong>do</strong> uáliza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual, cuja operação<br />

explicaria as características <strong>da</strong> fenomenologia, pretenden<strong>do</strong><br />

assim preencher o abismo nageliano entre fisiologia e fenomeuologia).<br />

Em concreto, o estatuto de ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r de uma<br />

Máquina Virtual instala<strong>da</strong> num hardware de processamento paralelo<br />

é o estatuto <strong>do</strong> controlo e <strong>da</strong> seriuli<strong>da</strong>de e portanto <strong>da</strong> z~nificação de um<br />

decurso de conteú<strong>do</strong>s no tempo, características de forma associa<strong>da</strong>s<br />

à consciência nos humanos. Para além <strong>da</strong> percepção interior e<br />

correlativa ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s, o modelo inclui ain<strong>da</strong> uma teoria <strong>do</strong><br />

Eu como "centro de gravi<strong>da</strong>de" de uma representação narrativa de<br />

si feita pelo sistema. Esse Eu é associa<strong>do</strong> quer à unificação e centralização<br />

<strong>do</strong> controlo e <strong>da</strong> intenção, quer i autoria <strong>da</strong> fenomenologia.<br />

To<strong>do</strong>s os "efeitos" menciona<strong>do</strong>s - centro, controlo, seriali<strong>da</strong>de,<br />

autoria, representação narrativa de si - são resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> competição<br />

entre agentes que caracteriza o nível sub-pessoal <strong>do</strong> sistema<br />

e é precisamente a caracterização <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> sistema cognitivo,<br />

a que se chamou no Capítuio 3 um <strong>do</strong>se <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r, que mostra<br />

que é impossível que a uni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> "autor" de uma vi<strong>da</strong> mental,<br />

a unificação <strong>do</strong> fluxo fenomenológico e a diferença entre consciência<br />

e não-consciência, sejam considera<strong>da</strong>s como <strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

Até aqui na<strong>da</strong> a objectar. O problema é que acompanhan<strong>do</strong> esta<br />

desciição cognitiva está zlm eqz~iuoco na cotnccpião de pcrccpção interior:<br />

Dennett tanto considera esta como auto-monitorização sub-pessoa1<br />

como a considera ao nível <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. É em termos de conteú<strong>do</strong><br />

que se coloca por exemplo a pretensão acerca <strong>da</strong> não existência<br />

uma correspondência natural entre tempo fenomenológico e<br />

tempo físico <strong>do</strong> processamento. De acor<strong>do</strong> com Dennett, só existiria<br />

uma tal correspondência se houvesse um lugar no sistema que<br />

fosse uma meta - este é o obsessivo centro cartesiano, em cuja falta<br />

se insiste, como se ele tivesse que ser critica<strong>do</strong> por não estar lá. Se<br />

Dennett não fundisse a auto-monitorização mecânica com a auto-<br />

-monitorização ao nível <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, perceber-se-ia mais claramente<br />

a utilização de algo que ain<strong>da</strong> não foi justifica<strong>do</strong>: o facto de<br />

se estar a conceber a percepção interior intencional (e não apenas<br />

a sub-pessoal) de forma intelectualista.<br />

O intelectualismo é antes de mais visível na teoria <strong>do</strong>s qnalia e<br />

recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> as origens <strong>da</strong> teoria dennettiana, não deixa de ser irónico<br />

que, apesar <strong>do</strong> professa<strong>do</strong> wittgensteinianismo, para eliminar<br />

a consciência fenomenal Dennett precisamente rezjqzfe os qz(a/ia,<br />

supostos objectos <strong>do</strong> reportar interior. A noção dennettiaua de qnalia<br />

não é uma boa noção, nem o ponto mais interessante <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> consciência apresenta<strong>da</strong> em CE. Não passa uma invenção <strong>do</strong><br />

próprio Dennett, contra to<strong>do</strong>s os seus professa<strong>do</strong>s princípios ~vittgensteinianos,<br />

cria<strong>da</strong> para ser destruí<strong>da</strong>. O que está a ser discuti<strong>do</strong><br />

é o mun<strong>do</strong> fenomenal, o fluxo fenomenológico e como I. Fox ahrmasii<br />

este é o "Gm <strong>da</strong> iinha", não requer observa<strong>do</strong>r ou conhecimento<br />

alguns, e só se os requeresse é que os qna/ia poderiam ser<br />

considera<strong>do</strong>s com uma questão relativa a incorrigibili<strong>da</strong>de.<br />

Uma avaliação final <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong> consciência como uma<br />

questão de conteú<strong>do</strong> e de percepção interior no MEM coloca a questão<br />

<strong>da</strong> seguinte maneira. A percepção interior "intencional" apoia-<br />

-se, ao nível sub-pessoal, numa ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s. Ora, na<strong>da</strong> aí<br />

obriga a identificar o sentir-se ser ao nível pessoal com uma ilusão<br />

<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r. O seritii-se ser e a iLtísão <strong>da</strong> ufili~atlor são questões de<br />

âmbito diferente: a ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r, como a virtuali<strong>da</strong>de, é um<br />

princípio cognitivo, mecânico, uma hipótese acerca de co~zo acontece<br />

a vi<strong>da</strong> mental unifica<strong>da</strong> num sistema consciente, não uma hipótese<br />

acerca <strong>do</strong> qne ela é. Quanto ao qne ela é, na<strong>da</strong> obriga a considerar<br />

ilusória a experiência de pensar e sentir. A única ilusão seria supor<br />

o eu adstrito à experiência como substancial e separa<strong>do</strong>, fora <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. No entanto, na<strong>da</strong> de semelhante decorre <strong>do</strong> que no início<br />

<strong>do</strong> presente capítulo se afirma acerca de intencionali<strong>da</strong>de intrínseca,<br />

como na<strong>da</strong> de semelhante decorre <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de um sentimento<br />

de si. Em suma, o grande desafio que se coloca a quem deseje<br />

partir <strong>do</strong> que está correcto nas análises de Dennett é não negar o<br />

sentir-sc ser. Os argumentos que conduzem à eliminação <strong>do</strong>s qnalia, à<br />

declaração <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de xo~lbics e de inversão <strong>do</strong>s qz~alia, a<br />

declarar que o caso de Mary é inimaginável, que a visão cega diz respeito<br />

à riqueza <strong>da</strong> informação disponível, e portanto finalmente ao<br />

encerramento <strong>do</strong> Teatro Cartesiano, não são suficientes para fazer<br />

desaparecer um interior de si <strong>do</strong>s sistemas conscientes. No estrito<br />

"' POX 1774.


âm5ito <strong>do</strong> MEM, tais argumentos não afastam sequer um Teatro<br />

Cartesiano impreciso. A ver<strong>da</strong>deira questão é saber se esseinterior<br />

pode legitimamente ser concebi<strong>do</strong>, ao nível intencional, <strong>da</strong> forma<br />

totalmente intelectualista que Dennett propõe, ou se pelo contrário<br />

se deve começar por admiàr (uàlizan<strong>do</strong> os termos de Dretske) uma<br />

di$ti~zgão entrepercepção epistén~ica e não episténlica para conceber o estatuto<br />

<strong>da</strong> percepção conteú<strong>da</strong><strong>da</strong> interna.<br />

Aquilo que substitui na interiori<strong>da</strong>de tal como Dennett a caracteriza<br />

a apresentação ou aparição usualmente correspondente à<br />

consciência fenomenal e aos qz& é a memória de conteú<strong>do</strong>s, a<br />

auto-referência e os relatos acerca <strong>do</strong> funcionamento cognitivo<br />

próprio. De acor<strong>do</strong> com o MEM, é essa e apenas essa a natureza<br />

<strong>da</strong> nossa intenori<strong>da</strong>de. Isto significa que o apercebimento <strong>da</strong> interiori<strong>da</strong>de<br />

própria em ca<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de consciente seria uma questão<br />

imediatamente cognitiva e conceptual. Como se viu no Capítulo 1,<br />

já R. Rorty criticava à primeira abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> consciência feita por<br />

Dennett em C&C o facto de esta amalgamar a capaci<strong>da</strong>de humana<br />

de aperceber iinguisticamente com a capaci<strong>da</strong>de de fazer auto-relatos<br />

incorrigíveis, afiiman<strong>do</strong> em segui<strong>da</strong> que assim explicava a consciência.<br />

Ora também o MEM identifica a consciência com a introspecção<br />

linguística de um sistema que produz relatos <strong>do</strong> seu mun<strong>do</strong><br />

nocional. No entanto, tu<strong>do</strong> o que é acerta<strong>da</strong>mente afirma<strong>do</strong> através<br />

<strong>da</strong> ideia de mun<strong>do</strong> nocional na teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> (a oposição<br />

à ideia de Racionalismo <strong>do</strong> Significa<strong>do</strong>, ao sentencialismo fo<strong>do</strong>riano,<br />

à possibili<strong>da</strong>de de medi<strong>da</strong>s proposicionais reais e determina<strong>da</strong>s<br />

de conteú<strong>do</strong>, à distinção entre crenças de re e de dicto"j51 é enganosamente<br />

transposto para a teoria <strong>da</strong> consciência sob a forma de uma<br />

espécie de intelectualismo cientista.<br />

É este aspecto <strong>do</strong> rebatimento <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> consciência<br />

sobre o problema <strong>do</strong> conteti<strong>do</strong> que converte o MEM num injustifica<strong>do</strong><br />

absolutismo <strong>da</strong> terceira pessoa, restringi<strong>do</strong> aos problemas simples<br />

<strong>da</strong> consciência, na terminologia de Chalmers. Este rebatimento<br />

dá-se não no senti<strong>do</strong> em que o MEbI pressupõe a TSI, o que é<br />

perfeitamente admissível, mas no senti<strong>do</strong> em que a "intencionalização"<br />

<strong>da</strong> consciência se transforma em intelectualismo. O mun<strong>do</strong><br />

nocional ou heterofenomenológico que é o eqla~~at~dt~i~z <strong>da</strong> teoria<br />

dennettiana <strong>da</strong> consciência não tem que ser concebi<strong>do</strong> como constinú<strong>do</strong><br />

pelas crenças explícitas <strong>do</strong> sistema. A "deficiência" episte-<br />

mológica <strong>da</strong>s aportações <strong>do</strong> acesso privilegia<strong>do</strong> é perfeitamente<br />

indiferente, não anula a possibili<strong>da</strong>de de a percepção interior "<strong>da</strong>r"<br />

uma percepção não epistémica, um senàr-se ser .<br />

Temos portanto até aqui ideias funcionalistas deflacionárias, que<br />

na<strong>da</strong> obriga que sejam acompanha<strong>da</strong>s por um desaparecimento <strong>da</strong><br />

experiência interior ao nível pessoal. Uma outra questão é o facto<br />

de a virtuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> "forma <strong>da</strong> consciência" ser perfeitamente com-<br />

patível com (e até apoiar) uma posição epifenomenista. De fiacto, o<br />

que separa a teoria <strong>da</strong> consciência de Dennett <strong>do</strong> epifenomenismo<br />

a não ser um rápi<strong>do</strong> afastamento devi<strong>do</strong> ao absur<strong>do</strong> <strong>da</strong> posição85G?<br />

A menorização <strong>do</strong> papel <strong>da</strong> consciência no controlo <strong>da</strong> acção está<br />

já presente no modelo de BS: a consciéncia, componente rçspon-<br />

sável pela "publicitação", não passa de um "porta-voz", fora <strong>do</strong><br />

"círculo de decisão". No &EM este estatuto é ain<strong>da</strong> mais claro.<br />

Não se entrará no entanto aqui numa discussão acerca de epifeno-<br />

menismo uma vez que não estão em jogo elementos suficientes. Se<br />

no entanto se retiver um senti<strong>do</strong> mínimo de epifenomenismo co-<br />

mo não "intervenção" causal <strong>da</strong> consciência na efectuação <strong>do</strong> con-<br />

trolo por um centro unifica<strong>do</strong> num sistema cognitivo, o MEM tem<br />

qualquer coisa a dizer, e aquilo que o MEM tem a dizer vai no sen-<br />

ti<strong>do</strong> <strong>do</strong> epifenomenismo.<br />

Sublinhe-se de novo, para finalizar, que as contribuições mais<br />

importantes <strong>do</strong> &EM para a teoria <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de são ideias <strong>do</strong><br />

âmbito <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> cognição, ideias acerca de agência, de intenção,<br />

de unificação, de auto-referência e auto-apercebimento, de reali<strong>da</strong>-<br />

de e presença virtual de conteú<strong>do</strong>s mentais no contexto <strong>do</strong> proces-<br />

samento paralelo e distribuí<strong>do</strong> e não acerca <strong>do</strong> nível pessoal numa<br />

teoria intencionalizante <strong>da</strong> consciência. Procurar-se-á listar esque-<br />

maticarnente essas contribuições:<br />

(1) Uma ideia acerca <strong>da</strong>s condições preparatórias <strong>da</strong> criação de<br />

uma uni<strong>da</strong>de representa<strong>da</strong> explícita num sistema cognitivo úsico:<br />

estas correspondem à necessi<strong>da</strong>de de uma melhor comunicação in-<br />

terna de informação, a qual conduz à criação de hábitos de auto-<br />

-manipulação e auto-exortacão no sistema.<br />

(2) Uma ideia acerca <strong>do</strong> que cria, etn parte, o senti<strong>do</strong> de posse<br />

<strong>da</strong> fenomenologia pelo Eu e <strong>da</strong> intenção e iniciação unifica<strong>da</strong>s: a<br />

existência de uma arena centraliza<strong>da</strong> virtual e temporária para o con-<br />

"'<br />

Dc facto, ~cnnctt nóo nrguments contra o epifcnoincnismo ein CE, apenas o ~onridcr~ iiin:i<br />

espécie de duniismo imatcrisUsra intcrrivel, insuficientemenrc sirio dc um ponto de vista nnnirrlista.


Sofia IM~~II~IIS<br />

trolo, num sistema "naturalmente" múltiplo ao nível sub-pessoal. O<br />

Componente Controlo, central no modelo de consciência de BS é<br />

substituí<strong>do</strong> no MEM por agenciamentos mecânicos sern-indepen-<br />

dentes e sern-inteligentes que poderão depois ser dispensa<strong>do</strong>s.<br />

Assim, apenas o apoio na uni<strong>da</strong>de virtual <strong>do</strong> Eu possibilita a exis-<br />

tência de um senti<strong>do</strong> de controlo, autoria, produção.<br />

(3) Uma ideia acerca <strong>do</strong> estuto <strong>da</strong> unificagão <strong>do</strong> fluxo fenome-<br />

nológico: o fluxo fenomenológico poderá consistir na ilusão <strong>do</strong> uti-<br />

liza<strong>do</strong>r de uma Máquina Virtual instala<strong>da</strong> num cérebro, o cérebro<br />

<strong>do</strong> corpo a que o sistema cognitivo "chama" seu. Isto significa não<br />

que a consciência é ilusória mas que a forma <strong>do</strong> fluxo, nomea<strong>da</strong>-<br />

mente a sua unificação, é virtual.<br />

(4) Uma ideia acerca <strong>da</strong> ficcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Identi<strong>da</strong>de Pessoal e<br />

<strong>da</strong> des-uni<strong>da</strong>de sempre subjacente à representação de uni<strong>da</strong>de ins-<br />

tituí<strong>da</strong> que é o Eu. As várias desunificações <strong>do</strong> Eu que foram sen<strong>do</strong><br />

explora<strong>da</strong>s pelos teóricos <strong>da</strong> mente (desde o cérebro dividi<strong>do</strong> até à<br />

Desordem de Personali<strong>da</strong>de hIúltipla, para não mencionar os casos<br />

mais clássicos de esquizofrenias, paranóias, etc) deixam evidente-<br />

mente em aberto o problema <strong>da</strong>s funções morais e metafísicas<br />

associa<strong>da</strong>s ao conceito tradicional de um Eu unifica<strong>do</strong> prévio, uma<br />

vez que elas pasecem ficar de algum mo<strong>do</strong> estilhaça<strong>da</strong>s e impedi<strong>da</strong>s<br />

por considerações funcionais.<br />

(5) Uma ideia acerca de experiência e negligência, <strong>da</strong> importân-<br />

cia <strong>do</strong> mascarar informacional de interrupções. O princípio geral é<br />

que quan<strong>do</strong> não existem "agentes ansiosos por informação"<br />

mesmo que a informação não chegue não há "reclamação". Se,<br />

coino dizia Dennett, o ponto cego, na visão, é um caso de negli-<br />

gência sem problemas, um caso em que to<strong>da</strong>s as pessoas com visão<br />

normal sofrem de anosognosia, i.e. não se apercebem <strong>do</strong> seu pró-<br />

prio défice, o princípios <strong>da</strong> presença virtual e <strong>do</strong> intelectualismo<br />

generalizam uma tal "negligência" ou anosognosia ã forma como<br />

os conteú<strong>do</strong>s mentais são conscientes. O NEM tem, sublinhe-se,<br />

absoluta necessi<strong>da</strong>de desta ideia de negligência que acompanha a<br />

substituição <strong>da</strong> Testemunha ou Observa<strong>do</strong>r pelos especialistas ou<br />

agentes que procuram apenas o seu próprio objecto e na<strong>da</strong> mais.<br />

(6) Uma ideia acerca <strong>do</strong> estatuto <strong>da</strong> introspecção de que soinos<br />

capazes: a Ilusão <strong>da</strong> imanência. Nós, os "uáliza<strong>do</strong>res" <strong>do</strong>s nossos<br />

pióprios cérebros, não soinos capazes de distinguir por introspecção<br />

enve "o que sempre esteve lá" (presenciali<strong>da</strong>de preenchi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s con-<br />

teú<strong>do</strong>s "actuahnente" conscientes, memórias estabeleci<strong>da</strong>s e preen-<br />

U?na Teoria Fi~icaca/a <strong>do</strong> Co~rteií<strong>do</strong> c <strong>da</strong> Corisciêticia<br />

chi<strong>da</strong>s quan<strong>do</strong> são "chama<strong>da</strong>s") e 'b que é preciso ir buscar" quan-<br />

<strong>do</strong> uma "pergunta" é feita aos agentes. Pensar que seríamos capazes<br />

de tal distinção é aquilo a que M. Minsky chama a ilusão <strong>da</strong> imanên-<br />

cia. Dennett generaliza este estatuto à consciência de conteú<strong>do</strong>s.<br />

Se estas são contribuicões importantes, no entanto e como<br />

acontece com a maioria <strong>do</strong>s modelos em ciência cognitiva, o MEM<br />

não inclui uma explicação <strong>da</strong>s razões por que os processos descri-<br />

tos deveriam originar subjectivi<strong>da</strong>de nem uma análise <strong>da</strong> natureza<br />

especial dessa subjectivi<strong>da</strong>de ou <strong>do</strong> seu lugar no mun<strong>do</strong>R5'. O autor<br />

<strong>do</strong> bEM consideraria, é certo, que tais objecções incorrem numa<br />

petição de princípio.<br />

Ao criticar alguns aspectos <strong>do</strong> rebatimento <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> cons-<br />

ciência num modelo cogiitivo e numa teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> não se<br />

pretende negar que inevitavelmente qualquer teoria <strong>da</strong> consciência<br />

encontre as questões <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. No entanto, na obra de Dennett<br />

esse encontro foi exagera<strong>do</strong> nas suas dimensões, de uma forma<br />

que, ironicamente, quase faz recair a teoria dennettiana <strong>do</strong> conteú-<br />

<strong>do</strong> na teoria fo<strong>do</strong>riana. De facto, se o mun<strong>do</strong> heterofenomenológi-<br />

co <strong>do</strong> MEM é o mun<strong>do</strong> nocional <strong>da</strong> TSI, no âmbito <strong>do</strong> MEM pre-<br />

vê-se algo de muito estranho no quadro <strong>da</strong> TSI: a possibili<strong>da</strong>de de<br />

um teste <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> heterofenomenológico por mapeamento cere-<br />

bral (brain nzappird e a possibili<strong>da</strong>de de que pareça existir fenome-<br />

nologia sem que exista fenomenologia alguma, por uma falta de<br />

correspondência de elementos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> heterofenomenológico<br />

com eventos no cérebro. Esta ideia parece totalmente estranha à<br />

teorização <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> feita a partir <strong>da</strong> EI, a qual culmina em prin-<br />

cípios a que se só pode chamar fenoinenológicos e que distinguem<br />

de forma clara os veículos <strong>da</strong> representação <strong>da</strong>quilo que é "repre-<br />

senta<strong>do</strong>" na representação. Aliás, a partir <strong>do</strong> que até aqui foi dito é<br />

claro por que a teoria <strong>do</strong> Eu deve ser considera<strong>da</strong> central na teoria<br />

dennettiana <strong>da</strong> consciência. Ora, o Eu só pode ser concebi<strong>do</strong>, de<br />

acor<strong>do</strong> com a própria TSI, como uma nocão inenos fun<strong>da</strong>mental<br />

<strong>do</strong> que as noções de intencionali<strong>da</strong>de e intérprete. Aliás, várias<br />

noções essenciais <strong>do</strong> MEM (tais como agentes, edições, revisões,<br />

fmações de conteú<strong>do</strong>) dependem tanto <strong>da</strong> E1 como as representa-<br />

ções e computações de que se falava no Capítulo 2. Em últúna aná-<br />

lise to<strong>do</strong> o funcionalismo depende <strong>da</strong> E1 e portanto <strong>do</strong> intérprete<br />

" NCo rc prcrciidc dc mo<strong>do</strong> nlym akmu que tais nusèncins constimem uma de6déncii <strong>do</strong>s<br />

modclos cognitiros <strong>da</strong> consciència. Apecias sc admite que cxistc um problunr p m alem <strong>da</strong> ciabora~ào<br />

<strong>do</strong>s modelos cognitivos quc C aqudc a quc se tem diama<strong>do</strong> o problernii rnetdísico <strong>da</strong> consciéncia.


e <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de, no senti<strong>do</strong> explora<strong>do</strong> no primeiro ponto <strong>do</strong><br />

presente capitulo.<br />

Na teoria <strong>da</strong> consciência como na teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> aquilo que<br />

está Euialmente em causa é a eliminabili<strong>da</strong>de ou não eiiminabili<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> subjectivo. Enquanto teórico <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> Dennett aproxima-se<br />

muitas vezes <strong>do</strong> reconhecimento explícito <strong>da</strong> ineliminabili<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> subjectivo, nomea<strong>da</strong>mente nas criticas que endereça a<br />

outros autores. Fá-lo por exemplo quan<strong>do</strong> considera o que está<br />

certo e o que está erra<strong>do</strong> no materialismo eiiminativo, a posição<br />

defendi<strong>da</strong> não apenas pelos Churchland mas também, em tempos,<br />

por um autor cujas ideias acerca de incorrigibili<strong>da</strong>de, como Dennett<br />

reconhece hoje, tiveram uma grande influência no seu pensamento<br />

acerca <strong>da</strong> consciência, Richard Rorty. Como se referiu no<br />

Capítulo 1, Rorty defendeu num conjunto de artigos <strong>do</strong>s anos 70<br />

que o que torna uma enti<strong>da</strong>de mental não é o facto de ela ser explicativa<br />

<strong>do</strong> comportamento nem o facto de ser ou não ser proprie<strong>da</strong>de<br />

de uma enti<strong>da</strong>de física mas apenas o facto de certos relatos<br />

acerca <strong>da</strong> sua existência terem um estatuto de incorrigibili<strong>da</strong>de. -<br />

Rorty notava ao mesmo tempo que essa incorrigibili<strong>da</strong>de não era<br />

infalibili<strong>da</strong>de, que os relatos [de um <strong>da</strong><strong>do</strong> sistema cognitivo] acerca<br />

<strong>do</strong> que se passa consigo podem perfeitamente estar erra<strong>do</strong>s, simplesmente<br />

as pretensões ao conhecimento não podem ser supera<strong>da</strong>s<br />

(oveiriddeír). Ora, Rorty passa desta caracterização <strong>da</strong> incorngibili<strong>da</strong>de<br />

para um materialismo elúninativo acerca <strong>do</strong> mental de<br />

acor<strong>do</strong> com o qual o conhecimento em terceira pessoa pode sobrepôr-se<br />

ao conhecimento em primeira pessoa <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais<br />

próprios. É precisamente uma tal posição, a que chama "the CClrcblaízdish<br />

alter~~ative"~~~, que Dennett não aceita. Pensar que as pessoas<br />

poderiam explicar-se e ao seu comportamento referin<strong>do</strong> apenas<br />

esta<strong>do</strong>s cerebrais permitiria que a linguagem mental caisse em<br />

desuso. Isso é inconcebível para Dennett, que pensa que não poderá<br />

haver pessoas (com to<strong>da</strong> a abertura <strong>do</strong> conceito quanto aos<br />

"materiais" físicos subjacentes) tais que tenham deixa<strong>do</strong> de utiüzar<br />

linguagem mentalista8'! Precisamente, o materialismo eliminativo<br />

elimina totalmente a subjectivi<strong>da</strong>de e Dennett recusa-se a admitir<br />

que considerações acerca de incorrigibili<strong>da</strong>de possam conduzir a<br />

'U DENNETi 2000.<br />

"" Psm o desenrol~lmcnto desta ideia sob n foima dc uma história de seres que s%o m m<strong>do</strong><br />

semelhinres nos liumanos mas quc nõo sabcm, ou mellior, que não pensem, que tEm mentes, cf.<br />

ROR111 1988, Capinilo 2, Pessoas sem hlentes.<br />

uma tal eliminação. Para<strong>do</strong>xalmente, um equívoco análogo aparece<br />

na sua teoria <strong>da</strong> consciência8". J. SearleB" faz uma observação especialmente<br />

certeira quan<strong>do</strong> nota que a posição verificacionista <strong>da</strong><br />

qual Dennett nunca abdica a partir <strong>do</strong> momento em que faz surgir<br />

a teoria <strong>da</strong> consciência na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é um<br />

erro grave sobretu<strong>do</strong> na medi<strong>da</strong> em que o conduz a conf~ndir o senti<strong>do</strong><br />

epistenzológco de sdjectivi<strong>da</strong>de com o se~zti<strong>do</strong> ontológico. Quan<strong>do</strong> se<br />

tsata de "sentir-se ser" trata-se de qualquer coisa de ontologicamente<br />

subjectivo, mesmo que na continui<strong>da</strong>de de apercebimentos<br />

conteú<strong>da</strong><strong>do</strong>s não naturalmente centra<strong>do</strong>s ou unifica<strong>do</strong>s, e essa é<br />

uma questão diferente <strong>da</strong> questão relativa ao conhecimento mais ou<br />

menos objectivo que dessa coisa se pode ter. To<strong>da</strong> a parte desconstsutiva<br />

<strong>da</strong> teoria dennettiana <strong>da</strong> consciência ao longo <strong>do</strong> peno<strong>do</strong><br />

analisa<strong>do</strong> neste tsabalho assenta na confusão localiza<strong>da</strong> por<br />

Searle entre subjectivi<strong>da</strong>de no senti<strong>do</strong> epistemológico e subjectivi<strong>da</strong>de<br />

no senti<strong>do</strong> ontológico. Só assim, sen<strong>do</strong> o auto-apercebimento<br />

concebi<strong>do</strong> como uma questão de conhecimento e de justificação,<br />

o verificacionismo, entendi<strong>do</strong> como o principio segun<strong>do</strong> o<br />

qual onde não existe evidência que permita deu& uma questão, não<br />

existe questão, pode operar. Ora Dennett pode perfeitamente estar<br />

certo quan<strong>do</strong> defende que não existe aparição pura, a-conceptual,<br />

nem momento absoluto nem lugar único <strong>da</strong> consciência no cérebro,<br />

nem distinção níti<strong>da</strong> entre consciência e não-consciência, entre<br />

estar ou não estar no palco <strong>do</strong> Teatro Cartesiano, ser ou não conteú<strong>do</strong><br />

"apareci<strong>do</strong>", sem que <strong>da</strong>í decorra a inexistência de algo de<br />

ontológicamente s~ibjectivo e de enti<strong>da</strong>des que se sentem ser. Mais:<br />

sentir-se ser não é uma característica tal que qualquer enti<strong>da</strong>de com<br />

essa caractenstica deva provar a si própria que é assim consigo.<br />

Noutras palavras, a questão acerca <strong>da</strong> consciência própria não é<br />

uma questão acerca <strong>da</strong> justifica~ão de um saber. Não há razão para<br />

excluir uma apartação <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> interno ou um tipo de saber<br />

introspectivo que não permita justificação, que seja algo como uma<br />

percepção não epistémica. Quan<strong>do</strong> uma enti<strong>da</strong>de se sente ser tsatase<br />

mais propriamente de ter a certexa <strong>do</strong> que de saber algo de especifico.<br />

Nos termos utiliza<strong>do</strong>s na listagem de argumentos (apresenta<strong>da</strong><br />

no ponto 3.1.3 <strong>do</strong> presente trabalho) que sustentam o caso<br />

oposto ao de Dennett, trata-se de admitir a assi?tiletria epistét~zico entre<br />

O crro de Dcnnctr na sua rcoria <strong>do</strong>s q ~t~ii~~ pode sei assim cxpiesso: d a criãquc épistémoiogique<br />

du cogito nc s'étcnd pns à ia conscicncc phénoménologique de sob (GIL 2000: 33).<br />

*' SEARLE 1992.


o conhecimento <strong>do</strong> facto de se ser consciente e o conhecimento de<br />

to<strong>do</strong>s os outros factos e de admitk a inq5ossibili<strong>da</strong>de de zma a~rábse 1/20<br />

circular <strong>da</strong>quilo que é "experiência".<br />

Uma vez que apesar de tu<strong>do</strong> os modelos dennettianos de consciência<br />

são, tal como outros modelos psicológicos, modelos funcionalistas,<br />

terminar-se-á apontan<strong>do</strong> duas salvaguar<strong>da</strong>s quanto ao<br />

funcionalismo que Dennett não deixa de considerar. Por um la<strong>do</strong>,<br />

e embora continue a considerar a caixologia (boxology) funcionalista<br />

(i.e. a decomposição por funções independentemente <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

anatómico ou físico destas) como uma boa táctica para a<br />

teoria <strong>da</strong> cognição, Dennett nomeia o perigo dessa "caixologia<br />

funcionalista". Ela arrisca-se a ocultar decomposições alternativas<br />

de funções bem como a existência de funções múltiplas sobrepostas.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a possibili<strong>da</strong>de de os materiais importarem<br />

para a consciência de um sistema põe em causa a "pureza" <strong>do</strong> funcionalismo:<br />

para Dennett é claro que não há mente cognitivista<br />

pura tal que receba input <strong>do</strong> corpo e forneça output para o corpo<br />

preservan<strong>do</strong> a independência e a separação de uma natureza simbólica,<br />

sintática. De resto, o próprio anti-representacionismo <strong>da</strong><br />

TSI aponta no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> incorporação (enzbodinlerrt) e <strong>do</strong> embebimento<br />

(eínbeddcdness), por oposição a um nível simbólico autónomo<br />

para a explicação <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de de um sistema. Quer o antirepresentacionismo<br />

quer a continui<strong>da</strong>de entre design e representação<br />

(que é o núcleo <strong>do</strong> teleofuncionalismo considera<strong>do</strong> no Capítulo<br />

2 deste trabalho) conduzem a uma ideia de inteligência ou<br />

mentali<strong>da</strong>de ilzorpora<strong>da</strong>. Será de resto porque a inteligência está<br />

incorpora<strong>da</strong> no desenho <strong>da</strong>s partes de sistemas (globalmente) inteligentes<br />

que não tem que haver um centro no qual a iniciação <strong>da</strong><br />

inteligência ocorra. É certo que com este tipo de afirmações, notórias<br />

por exemplo em Kinds of Minds, Dennett parece estar a concor<strong>da</strong>r<br />

com a grande crítica que A. Damásio faz ao MEM, segun<strong>do</strong><br />

a qual este seria a teoria de uma sefLess nzind visan<strong>do</strong> apenas um<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is aspectos envolvi<strong>do</strong>s no problema <strong>da</strong> consciência, aquele<br />

a que Damásio chama o problema <strong>do</strong> fhe dentro <strong>da</strong> cabeça, i.e.<br />

o fluxo Çenomenológico, deixan<strong>do</strong> de fora o senti<strong>do</strong> de pertença<br />

<strong>do</strong> fhe, a "proprie<strong>da</strong>de" <strong>da</strong> fenomenologia, que seria relativa à<br />

posse de si mental por um corpo particular no mun<strong>do</strong>. Fica em<br />

aberto a possibili<strong>da</strong>de de a teoria de uma scfLessnzi~rd ser tu<strong>do</strong> o que<br />

princípos funcionalistas (em última análise dualistas, recorde-se ...)<br />

alguma vez poderão atingir.<br />

Uma observação quanto às diferenças entre a consciência humana<br />

e a mentali<strong>da</strong>de animal impõe-se: não restam dúvi<strong>da</strong>s de que os<br />

funcionamentos específicos liga<strong>do</strong>s à consciência descritos no<br />

MEM dizem respeito apenas aos humanos (ou ao que quer que seja<br />

de identicamente sofistica<strong>do</strong> <strong>do</strong> Donto de vista funcional). , Semin<strong>do</strong> u<br />

Dennett animais não humanos não estão sujeitos à ilusão <strong>do</strong> Teatro<br />

Cartesiano. A ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>r não existe noutras espécies e nem<br />

mesmo nos recém-nasci<strong>do</strong>s humanos. Sen<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s estas mentes<br />

muito mais descentraliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> que as mentes humanas adultas,<br />

elas não são (auto-)conscientes no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> MEM. Dennett defende<br />

que aquilo que tem que existix para além <strong>da</strong> mera discrúninação<br />

para contar como consciência não é ubíquo nos organismos<br />

usualmente conta<strong>do</strong>s como 'sensientes'. Como afirmei anteriormente,<br />

existe uma agen<strong>da</strong> oculta na aproximação de Dennett ao<br />

problema <strong>da</strong>s mentes animais e nomea<strong>da</strong>mente à etologia cognitiva:<br />

o caso <strong>da</strong>s mentes animais reforca o anh-sentencialismo e a<br />

secun<strong>da</strong>n<strong>da</strong>de <strong>da</strong> iinguagem preconiza<strong>do</strong>s na TSI bem como a<br />

indispensabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem i consciência. Assim, aquilo a que<br />

o MEM chama consciência é apenas humano, linguisticamente possibilita<strong>do</strong><br />

e explicitamente auto-referencial.


Vale apena faxerJilosoja <strong>da</strong> mente? Um retorno às origens.<br />

Terminar-se-á este trabalho retoman<strong>do</strong> a questão <strong>da</strong>s origens e<br />

procuran<strong>do</strong> explicitá-la. O retorno às origens tem vários senti<strong>do</strong>s.<br />

Um primeiro senti<strong>do</strong> é o retorno às questões históricas e sociológicas<br />

relativas a uma ciência <strong>do</strong> mental, aí incluin<strong>do</strong> o problema <strong>do</strong><br />

posicionamento <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente no seio <strong>da</strong> filosofia e <strong>da</strong> Mosofia<br />

analítica no seio <strong>da</strong> filosofia contemporânea. Um segun<strong>do</strong><br />

senti<strong>do</strong> é o retorno às origens <strong>da</strong> TSI, cobrin<strong>do</strong> o campo <strong>da</strong> Mosofia<br />

em geral, embora seleccionan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is filósofos, Quine e Putnam,<br />

cujo pensamento mais directamente influenciou Dennett. É<br />

esta a altura de verificar, nomea<strong>da</strong>mente, em que senti<strong>do</strong> se pode<br />

afirmar, como se fez na Introdu@o, que a filosofia <strong>da</strong> mente traz<br />

consigo uma renovação de problemas clássicos quanto à natureza<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e ao lugar <strong>do</strong> espírito no mun<strong>do</strong>862. Tais problemas<br />

foram extremamente prementes na Mosofia moderna, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong><br />

objecto de discussão acesa sob a forma de procura de alternativas<br />

para o imatenalismo cartesiano. Tratava-se então não apenas de<br />

problemas ontológicos e gnoseológicos como também de problemas<br />

meto<strong>do</strong>lógicos (pense-se na alternativa quanto à forma de conhecer<br />

o mental que as propostas de Descartes e de Hume quanto à<br />

teoria <strong>da</strong> mente representaram: de um la<strong>do</strong> a intui~ão, <strong>do</strong> outro o<br />

rumo naturalista). Nesta altura não restam dúvi<strong>da</strong>s quanto à <strong>do</strong>minância<br />

<strong>do</strong> rumo naturalista em grande parte <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente<br />

contemporânea. No entanto, muitas <strong>da</strong>s discussões <strong>do</strong>s filósofos<br />

modernos persistem no interior <strong>do</strong> próprio rumo naturalista e especificamente<br />

nas teorias <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e <strong>da</strong> consciência. São disso<br />

"2Utüizar-se-á a par& dcsre momento o ramo "cspirito" nos contcxms em que se cem utiiira<strong>do</strong><br />

os termos "mcntex e "mental" dc mo<strong>do</strong> n msis bcilmente pôr em relevo a s~melhan~o <strong>do</strong>s problemas<br />

coniempor


exemplo o confronto entre "racionalismo" e "empiiismo" na dis-<br />

cussão acerca <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> espirito ou o confronto entre aque-<br />

les que defendem que a activi<strong>da</strong>de mental é intrínsecamente cons-<br />

ciente de si mesma, ligan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o mental à auto-consciência<br />

(como fazia Descartes, como faz hoje por exemplo J. Searle) e<br />

aqueles que não estabelecem um corte absoluto entre a auto-cons-<br />

ciência e outros tipos de apercebimento (era por exemplo o caso de<br />

Leibniz, é hoje o caso de Dennett). Outros exemplos <strong>da</strong> persistên-<br />

cia <strong>do</strong>s problemas clássicos são a questão <strong>da</strong> intervenção <strong>do</strong> espín-<br />

to na matéria através <strong>da</strong> acção, a diferença (kantiana) entre sujeito<br />

transcendental e sujeito empúico, a diferença entre a uni<strong>da</strong>de pela<br />

intencionali<strong>da</strong>de e a intuição <strong>do</strong> sujeito enquanto objecto, a ques-<br />

tão, também ela por exemplo kantiana, <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de funções ou<br />

finali<strong>da</strong>des na natureza, ou a questão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> totalizante <strong>da</strong> ideia<br />

de mun<strong>do</strong> (nomea<strong>da</strong>mente quan<strong>do</strong> se discute posicões metafísicas<br />

acerca <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>). De facto, e não olhan<strong>do</strong> às naturais<br />

diferenças terminológicas, to<strong>do</strong>s os problemas menciona<strong>do</strong>s foram<br />

abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s no presente trabalho.<br />

Um terceiro senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> retorno às origens é o retorno à nossa<br />

própria vi<strong>da</strong> mental. A filosofia <strong>da</strong> mente visa questões elementa-<br />

res acerca <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental de ca<strong>da</strong> um de nós, muito embora, na<br />

medi<strong>da</strong> em que ela tem a pretensão de ser f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> ciência, meta-<br />

teoria <strong>da</strong>s explicações sub-pessoais (neurobiológicas, psicológicas,<br />

etc), as suas respostas não devam ser considera<strong>da</strong>s como apenas<br />

"análises conceptuais". Essas perguntas elementares são por exem-<br />

plo: o que é pensar, recor<strong>da</strong>r, desejar, sentir-se ser? O que é expe-<br />

rimentar emoções, ser activo e passivo? O que é agir, decidir, ser<br />

uma pessoa? O que é continuar a ser uma mesma pessoa e como se<br />

sabe tal coisa? O que é fazer aquilo que se quer? O que é ser racio-<br />

nal? Nem to<strong>da</strong>s estas questões foram trata<strong>da</strong>s no presente uabalho<br />

mas to<strong>da</strong>s são trata<strong>da</strong>s na filosofia <strong>da</strong> mente. O retorno às origens<br />

significa assim um retorno ao interesse que temos pela nossa pró-<br />

pria natureza, obrigan<strong>do</strong>-nos a encarar a possível existência de lim-<br />

tes à revisão <strong>da</strong> nossa auto-concepção enquanto seres mentais com<br />

determina<strong>da</strong>s características (seres com uma vi<strong>da</strong> mental própria,<br />

centra<strong>da</strong>, e senti<strong>da</strong> como presencial, contínua e determina<strong>da</strong>). Está<br />

em causa saber se alguma vez será possível combinar aperqectiva a<br />

partir de dentro qzie ca<strong>da</strong> z~nz cle nós tem de si, com o sentimento e a com-<br />

preensão inerentes a essa perspectiva, conz zimaperqecha exteriorista,<br />

susceptível de nos afirmar "tu és isto", por exemplo numa situação<br />

U11,a Teoria Fisicaliisia <strong>do</strong> Corite~l<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisciêricifl<br />

em que olhamos para um écran de computa<strong>do</strong>r e vemos uma ima-<br />

gem <strong>do</strong> nosso próprio cérebro. Em Última análise está em causa<br />

saber se, quan<strong>do</strong> se trata <strong>da</strong> nossa natureza mental, alguma vez<br />

poderemos conhecer tu<strong>do</strong> o que é "real".<br />

A parfit <strong>da</strong> exploragão destes pontos procurar-se-á sugerir que<br />

são várias as razões por que vale a pena fazer filosofia <strong>da</strong> mente.<br />

Contexto histórico e sociológco <strong>da</strong>jIosoja <strong>da</strong> mente e <strong>da</strong> ciência cog-<br />

nitiua.<br />

Olhan<strong>do</strong> para o contexto histórico e sociológico <strong>da</strong>s relações <strong>da</strong><br />

filosofia <strong>da</strong> mente com a ciência cognitiva nos últimos trinta e cinco<br />

anos e toman<strong>do</strong> as discussões apresenta<strong>da</strong>s neste trabalho como<br />

um sintoma, verifica-se que a filosofia <strong>da</strong> mente representa um<br />

retorno <strong>da</strong> filosofia epistemologicamente vocaciona<strong>da</strong> e ontológica<br />

por contraste com percursos culturalistas mais ou menos relativis-<br />

tas, niilistas e estetizantes, que pelo menos na filosofia a que os filó-<br />

sofos analíticos chamam "continental" tiveram uma enorme im-<br />

portância no mesmo perío<strong>do</strong>. No espaco filosófico americano ao<br />

qual este trabalho em grande medi<strong>da</strong> se reporta tais discursos pare-<br />

cem ter encontra<strong>do</strong> hoje o seu lugar académico nos departamentos<br />

de estu<strong>do</strong>s culturais e literários mais <strong>do</strong> que na filosofia. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, no interior <strong>da</strong> própria filosofia analítica, o campo trata<strong>do</strong><br />

neste trabalho é ele mesmo sintoma de uma viragem, mais especi-<br />

ficamente uma viragem <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> linguagem para a filosofia <strong>da</strong><br />

mente8". As razões para essa viragem foram várias, mas não foi cer-<br />

tamente indiferente a ascensão académica <strong>da</strong> ciência cognitiva e a<br />

relevância teórica <strong>do</strong>s progressos desta. Ora, curiosamente, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />

aversão à metafísica de tanta filosofia analítica nas primeiras déca-<br />

<strong>da</strong>s <strong>do</strong> século vinte, continua<strong>da</strong> em muitas <strong>da</strong>s práticas <strong>da</strong> filosofia<br />

<strong>da</strong> linguagem mais próximas no tempo, a filosofia <strong>da</strong> mente trouxe<br />

consigo questões ontológicas e metafísicas. Os problemas <strong>da</strong> filo-<br />

sofia <strong>da</strong> mente não são em primeira ou em Última análise proble-<br />

mas de linguagem, terapeuticamente sanáveis, mas essencialmente<br />

"'«Gndually bur unmistakabiy in rhe Iittcr part of the 1970s tlic philosophy of languzgc 10%<br />

irs place ss the <strong>do</strong>rninant ~aiiting point for philosophical nctiviq. No other arca of pliilosopliy assurned<br />

quite rhc smrus tlisc tlie pliiiosopliy of lanyage had liad since the 1950s. But the degree of<br />

interest in iclatively pure philosopliy of lanyogc lias cçrminly diminishcd. Moreover, rherc lias bcen<br />

n pcrceptible shifc of fcirnenc cownrd irsues ui ihe phiioíapliy of min& (BURGB 1992: 27).


Suja M&~~et~.i<br />

problemas acerca <strong>do</strong> posicionamento <strong>do</strong> espírito no mun<strong>do</strong>, trata-<br />

<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong> ideia mínima <strong>da</strong> metafísica materialista, a ideia <strong>da</strong><br />

superveniência <strong>do</strong> mental ao físico, segun<strong>do</strong> a qual não há diferen-<br />

ças mentais sem diferenças físicas86'. Esta ideia é precisamente<br />

metafísica e pode ser desenvolvi<strong>da</strong> de muitas maneiras. A TSI é<br />

apenas uma delas.<br />

Como se afirmou na Introdução, este trabalho situa-se em gran-<br />

de medi<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> fiiosofia americana pós-quineana, na qual<br />

o imperativo <strong>da</strong> naturalização <strong>da</strong> epistemologia, entendi<strong>do</strong> antes de<br />

mais como o preconizar de uma continui<strong>da</strong>de científico-fuosófica<br />

<strong>do</strong> inquérito e como oposição ao apiiorismo, se generalizou. Ora,<br />

a naturalização <strong>da</strong> epistemologia conduz a um tipo de f<strong>do</strong>sofia que<br />

não pode ser estritamente anal'itio: o primeiro senti<strong>do</strong>, meto<strong>do</strong>lógi-<br />

co, de "analítico" diz respeito ao esclarecimento conceptual aprio-<br />

rista <strong>do</strong> uso de linguagem, pressupon<strong>do</strong> que uma estrutura profun-<br />

<strong>da</strong> e ver<strong>da</strong>deira <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de seria alcança<strong>da</strong>s me-<br />

diante tal análise ou então toman<strong>do</strong> o uso comum como referência<br />

e solo último. A naturalização <strong>da</strong> epistemologia opõe-se a este tipo<br />

de meto<strong>do</strong>logia conceptual, com o compromisso apriorista que ela<br />

envolve. De acor<strong>do</strong> com uma leitura possível <strong>da</strong> epistemologia<br />

naturaliza<strong>da</strong>, nem o uso comum <strong>da</strong> linguagem é uma referência<br />

importante <strong>do</strong> inquérito nem existem <strong>do</strong>minios teóricos imunes à<br />

revisão. Do ponto de vista de um defensor <strong>da</strong> epistemologia natu-<br />

raliza<strong>da</strong>, a análise impõe, de forma estéril, fronteiras artificiu s ao<br />

inquérito. Por outro la<strong>do</strong> e ain<strong>da</strong> relativamente à naturalização <strong>da</strong><br />

epistemologia, no caso <strong>da</strong> TSI e de um mo<strong>do</strong> não muito quineano,<br />

ela conduz à conclusão segun<strong>do</strong> a qual é impossível uma teoria<br />

exclusivamente naturalista, causal, não histórica, <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> representação, devi<strong>do</strong> à presença de uma dimensão ontológica<br />

de constituição. Esta conclusão não pretende ser de mo<strong>do</strong> nenhum<br />

o princípio de um argumento no senti<strong>do</strong> de afastar, ou considerar<br />

insignificante na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> cognição, o naturalismo meto<strong>do</strong>ló-<br />

gico proposto por Quine. Na Introdução afirmava-se que o natu-<br />

ralismo meto<strong>do</strong>lógico acompanhava naturalmente a nova inocência<br />

ganha após um perío<strong>do</strong> de divórcio entre a f<strong>do</strong>sofia e as ciências<br />

naturais. Mas talvez ele seja mais <strong>do</strong> que isso: talvez seja um <strong>do</strong>s<br />

responsáveis por essa nova inocência bem como por uma grande<br />

*' CE PINTO 1999: 59 para n defcsn <strong>da</strong> ideia scyn<strong>do</strong> n quai C a uolizngSo dii superveniência parn<br />

s especificr~6o <strong>do</strong> mstecinlismo que o rornri iima tese de nanirezr f"giiii, "60 pelo facto dc ser umn iese<br />

dcduiidn mas pcio facto de não rccarier n leis ou enti<strong>da</strong>des cspccificns de uma pnrticular ciència.<br />

Uma Teoria Fzsicalista <strong>do</strong> Cu~itetí<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Curisciê~riria<br />

difusão de um (bom) espírito científico em fiiosofia, entendi<strong>do</strong> co-<br />

mo prática <strong>do</strong> inquérito racional em comuni<strong>da</strong>de, tornan<strong>do</strong> as dis-<br />

cussões obviamente técnicas mas também controla<strong>da</strong>s.<br />

Apesar de tu<strong>do</strong>, por várias razões, e mesmo após os enormes<br />

progressos recentes <strong>da</strong> ciência cognitiva, uma explicação cientifica<br />

<strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de continua a parecer impossível. A questão <strong>da</strong> "ex-<br />

plicação cientifica <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de" tem aliás to<strong>do</strong> o aspecto de<br />

estar mal coloca<strong>da</strong>, antes de mais porque acarreta a colocação <strong>da</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong>de cognoscente numa posição a que esta precisamente<br />

não tem direito, uma posição de <strong>do</strong>mínio e de supervisão de si pró-<br />

pria. É certo que qualquer explicação passa pela subjectivi<strong>da</strong>de. Na<br />

ciência <strong>da</strong> cognição a subjectivi<strong>da</strong>de explica e eventualmente expli-<br />

ca-se a si própria sem no entanto se erguer em supra-subjectivi<strong>da</strong>-<br />

de. Por isso mesmo, o mínimo que se pode dizer acerca <strong>do</strong> temor<br />

"huinanista" <strong>da</strong> explicação <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de é que há nele uma ilu-<br />

são de poder. Se por explicação cientifica <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de se<br />

entende a ciência natural <strong>do</strong>s suportes físicos <strong>da</strong> cognição (<strong>da</strong> racio-<br />

nali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> consciência, etc) esta já está em marcha há muito<br />

tempo e conduzirá certamente à possibili<strong>da</strong>de de controlo sobre<br />

aspectos de seres mentais e de vi<strong>da</strong>s mentais. Em função de quê se<br />

negaria isso? Pensan<strong>do</strong> no suporte físico <strong>da</strong> cognição humana, o<br />

sistema nervoso, este não é diferente de outras partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

natural e conhecer é poder controlar (além de ser, em última análi-<br />

se, poder de reconstruir um <strong>do</strong>mínio de objectos). De resto, a pró-<br />

pria possibili<strong>da</strong>de de ser pessoal e moral foi neste trabalho relacio-<br />

na<strong>da</strong> com o exercício de acção controla<strong>do</strong>ra sobre si de deterrnina-<br />

<strong>do</strong>s sistemas coptivos físicos. De facto, isso a que se chama sub-<br />

jectivi<strong>da</strong>de não está nem nunca esteve desliga<strong>do</strong> <strong>da</strong> questão <strong>do</strong> con-<br />

trolo, pelo contrário sempre esteve liga<strong>do</strong> às variações de activi<strong>da</strong>-<br />

de e passivi<strong>da</strong>de envolvi<strong>da</strong>s no controlo de si. Por outro la<strong>do</strong>, por<br />

tu<strong>do</strong> o que se afumou acerca <strong>da</strong>s características <strong>do</strong> mental e nome-<br />

a<strong>da</strong>mente acerca <strong>da</strong> ligação <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong>de à interpretação<br />

holista de sistemas, não há razõcs para esperar que ciências mentais<br />

e sociais se desenvolvam de mo<strong>do</strong> exactamente paralelo às ciências<br />

físicas ou, mais especificamente, que um género idêntico de previ-<br />

são venha alguma vez a ser possível8".<br />

"' No artigo I'gdmfoa emsclues undctcrmincd oi uiipredictrbie; it is only evcnts des-<br />

cribed in the vocnbuliry of thought 2nd sction that resist incorporatioii in n closcly dctcrministic


Assumiu-se desde o inicio deste trabalho que a questão de uma<br />

ciência <strong>do</strong> mental passava pelas' relações <strong>da</strong> filosofia com a psico-<br />

logia e pelo esclarecimento <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> psicologia para a<br />

filosofia. A avaliação final possfvel é a seguinte. A mera decisão de<br />

entender como "psicologia" o que to<strong>da</strong>s as disciplinas <strong>da</strong> cogni-<br />

cão fazem é uma decisão filosófica e, como se dizia na Introdução,<br />

uma tentativa de resposta à necessi<strong>da</strong>de de esclarecimento con-<br />

ceptual que a convergência de áreas de estu<strong>do</strong> muito díspares<br />

gera, entenden<strong>do</strong>-as como contiibuições para uma teoria <strong>da</strong> sub-<br />

jectivi<strong>da</strong>de, que pelo menos em parte consiste numa análise <strong>da</strong>s<br />

condições para atribuir mentali<strong>da</strong>de a sistemas físicos. Aliás,<br />

embora se considere frequentemente que o funcionalismo cogni-<br />

tivista elimina a subjectivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio mental - fazer uma<br />

ciência <strong>do</strong> mental seria afugentar o sujeito <strong>da</strong> sua própria casa -<br />

assistiu-se neste trabalho ao desenvolvimento de uma teoria <strong>da</strong><br />

subjectivi<strong>da</strong>de e nesse senti<strong>do</strong> a uma reinstanração <strong>da</strong> subjectivi-<br />

<strong>da</strong>de. Esta reinstauração fez-se, é certo, a partir de uma distinção<br />

de dimensões e nomea<strong>da</strong>mente de uma distinção entre grupos de<br />

questões - relativas a interpretação, intencionali<strong>da</strong>de e racionali-<br />

<strong>da</strong>de, relativas a fenomenali<strong>da</strong>de, apresentação e unificação, rela-<br />

tivas a se& controlo, identi<strong>da</strong>de pessoal e voluntarie<strong>da</strong>de - dei-<br />

xan<strong>do</strong> aparentemente o sujeito parti<strong>do</strong> (teoricamente) em pe<strong>da</strong>-<br />

ços. Mas o sujeito desconstruí<strong>do</strong> nunca desapareceu. O quadro<br />

traça<strong>do</strong> acerca <strong>da</strong>s relações entre filosofia e psicologia foi o se-<br />

guinte: se a filosofia for concebi<strong>da</strong> como ten<strong>do</strong> como uma <strong>da</strong>s<br />

suas tarefas uma metafísica <strong>da</strong> representação, e se se considerar<br />

que a implementação material <strong>do</strong>s interfaces <strong>da</strong> representação é<br />

de certo mo<strong>do</strong> desprezável na tarefa descritiva dessa metafisica <strong>da</strong><br />

representação, a psicologia, considera<strong>da</strong> como engenharia cogni-<br />

tiva, não é demasia<strong>do</strong> importante para a filosofia. Defender a rea-<br />

li<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mental de um ponto de vista ontológico e analisar o seu<br />

estatuto no mun<strong>do</strong> não é o mesmo que remeter a filosofia à<br />

engenharia <strong>do</strong>s sistemas cognitivos. Nestas circunstâncias, a psi-<br />

cologia não é demasia<strong>do</strong> importante para a filosofia, ou pelo<br />

menos não o é mais <strong>do</strong> que outros inquéritos científicos discipli-<br />

nares: a investigação de modelos de mecanismos e veículos <strong>da</strong><br />

cognição não é necessariamente o melhor caminho para a inves-<br />

tigzação <strong>da</strong> natureza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de ver<strong>da</strong>de no<br />

system. Thesc snme e~nts, desc"beù in appropriste pliysical reriní, xrc ns arnenablc to prediciion<br />

and explanauon ar m)?> (DAT'IDSON 1980 e: 231).<br />

Uv/o Teoria liisica/ista <strong>do</strong> Co~ite~irio e <strong>da</strong> Corz.rriê~,rin<br />

pensamento e <strong>do</strong> lugar <strong>da</strong> (por exemplo nossa) natureza metital<br />

no mun<strong>do</strong>, com as implicações morais e metansicas inerentes.<br />

Segun<strong>do</strong> a TSI, não ser cientista e psicologista ao fazer filosofia<br />

<strong>da</strong> psicologia traduz-se em encarar a questão <strong>da</strong> constituição <strong>da</strong><br />

objectivi<strong>da</strong>de para tratar o lugar <strong>do</strong> mental na natureza, a nature-<br />

za de interface <strong>da</strong> representação, por oposição a li<strong>da</strong>r com cate-<br />

gorias como representações e computações como referin<strong>do</strong> géne-<br />

ros naturais. Este trabalho pretendeu assim ser acerca de psicolo-<br />

gia sem ser psicologista. Não se tratou de modelos nem de tera-<br />

pia de indivíduos mas sobretu<strong>do</strong> de uma investigac50 acerca<br />

<strong>da</strong>quilo que faz de um sistema físico "psicológico", ou, mellioi;<br />

mental, e <strong>da</strong>s implicações ontológicas, metafísicas e morais de<br />

uma tal natureza. Concluiu-se, é certo, a partir <strong>da</strong> TSI e <strong>do</strong> seu<br />

anti-representacionismo, que não há géneros naturais específicos<br />

que seriam o objecto de uma ciência que seria a psicologia. Ij, evi-<br />

dente, no entanto, que a divisão académica <strong>do</strong> traballio coiiti~iiia-<br />

ri sem problemas, bem como a nossa natureza impura, porclue<br />

psicológica.<br />

A tradiçãojilosoj5ca.<br />

Viu-se no Capitulo 1 que nas origens próximas <strong>da</strong> TS<br />

sofia estão o funcionalismo de Putnam e o fisicalismo e nahiraiis-<br />

mo de Quine. De facto, cuiiosamente, foi a partir <strong>da</strong>s p«si(;


vez considera<strong>da</strong> a linguagem matemática imprescindível a esta.<br />

Segun<strong>do</strong> B. Str~ud*~~, <strong>do</strong> fisicalismo de Quine só restariam hojeem<br />

úitima análise classes ... e na<strong>da</strong> de material. É o próprio Quine no<br />

entanto que considera que quan<strong>do</strong> evoca o fisicalismo o faz apenas<br />

como mo<strong>do</strong> de se dissociar de algo cuja entra<strong>da</strong> não permite na sua<br />

f<strong>do</strong>sofia: o dualismo e a semântica mentalista. De facto, em concreto,<br />

o ponto fixo <strong>da</strong> epistemologia quineana é o naturalismo, e é<br />

o naturalismo que faz com que «mesmo essa dissociação [o afastamento<br />

<strong>do</strong> dualismo e <strong>da</strong> semântica mentalista] seja uma questão de<br />

ciência falível e não um <strong>do</strong>gna a priorh8". De resto, as mais recentes<br />

afirmações quineanas acerca <strong>do</strong> estatuto <strong>do</strong> mental numa posição<br />

fisicalista vão no senti<strong>do</strong> de defender o monismo anómalo de<br />

Davidson8" e de manter a ideia de <strong>do</strong>z~ble stan<strong>da</strong>rdproposta em Word<br />

atid Oyect, a ideia que, como se viu no Capítulo 1, precisamente<br />

gerou a TSI. Putnam diria que se trata aqui de mais um sintoma <strong>do</strong><br />

esquecimento <strong>do</strong> transcendental na Eilosofia analíticaaq (entenden<strong>do</strong><br />

por transcendental a concepção <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de como função<br />

de unificação explora<strong>da</strong> no início <strong>do</strong> Capítulo 6), <strong>da</strong> esperança de<br />

que seja possível afastar indefini<strong>da</strong>mente a questão <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de.<br />

Mas, curiosamente, esta relação constitutiva entrou de outro<br />

mo<strong>do</strong> na TSI e através <strong>do</strong> próprio Quine. De facto, observou-se<br />

neste trabalho que foi a partir <strong>da</strong> ideia quineana segun<strong>do</strong> a qual uma<br />

teoria <strong>da</strong> mente só pode ser uma teoria <strong>da</strong> interpretação que Dennett<br />

construiu a TSI acaban<strong>do</strong> por se ver confronta<strong>do</strong> com o pro-<br />

" STROUD 1990.<br />

*'- QUINE 1990: 334.<br />

"" QUINE 1990: 87. De acor<strong>do</strong> com um curússimo testo rclarivamcntc iccente sobre esta<strong>do</strong>s<br />

mentais, o dualisino C obviamente uma


(muito menos objectos materiais resistentes de tamanho médio) ou<br />

que to<strong>do</strong>s os posicionamentos no mun<strong>do</strong> de aspectos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

têm que ser converti<strong>do</strong>s no vocabulário <strong>da</strong> £ísica. O núcleo mínimo<br />

<strong>do</strong> fisicalismo é constituí<strong>do</strong> apenas por monismo e fechamento<br />

explicativoR" e praticamente to<strong>do</strong>s os autores aqui trata<strong>do</strong>s, maugra<strong>do</strong><br />

a diferença <strong>da</strong>s suas posições, o aceitariam. A formulação <strong>da</strong><br />

superveniência como indiscernibili<strong>da</strong>de, de acor<strong>do</strong> com a qual a<br />

indiscernibili<strong>da</strong>de física acarreta indiscernibili<strong>da</strong>de mental, é compatível<br />

coin várias posições metafísicas, idênticamente anti-cartesianass7!<br />

Foi visível neste trabalho que o naturalismo como princípio<br />

epistemológico-meto<strong>do</strong>lógico é perfeitamente compatível com<br />

formulacões bastantes diferentes <strong>do</strong> fisicalisino.<br />

Passan<strong>do</strong> agora a H. Putnam, cuja formulação <strong>do</strong> funcionalismo<br />

foi uma contribuição essencial para a TSI, convém relembrar o que<br />

levou Putnam a aban<strong>do</strong>nar e criticar o funcionalismo que ele próprio<br />

tinha proposto nos anos 60. Para Putnam a resposta à questão<br />

C'<br />

será que o funcionalismo se sustenta?" depende em grande parte<br />

<strong>da</strong> resposta à ques,tão quùieana "será que a epistemologia pode ser<br />

naturaliza<strong>da</strong>?"a75. E por pensar que a epistemologia não pode ser<br />

naturaliza<strong>da</strong> que Putnam considera que o funcionalismo não se sustenta.<br />

Isto não significa que as ideias de realizabili<strong>da</strong>de múltipla e<br />

de uma certa independência <strong>do</strong> nível cognitivo relativamente ao<br />

substracto sejam renega<strong>da</strong>s por P~tnam~'~ mas apenas que não é<br />

razoável pretender uma teoria <strong>do</strong> mental feita exclusivamente em<br />

terceira pessoa se se pretende que essa teoria seja abarcante. Para<br />

Putnam, as perturbações mais importantes <strong>do</strong> funcionalismo s" ao as<br />

"<br />

texturas abertas" <strong>da</strong>s noções de objectos, referência, significa<strong>do</strong>,<br />

ver<strong>da</strong>de, justificação e a impossibili<strong>da</strong>de de conceber essas noções<br />

a partii de fora, numa uietwfionz ~rozuhere, uíilizan<strong>do</strong> a expressão nageliana.<br />

O problema <strong>do</strong> funcionalismo f<strong>do</strong>sófico inicial, segun<strong>do</strong> o<br />

Este último sçrA a cuntrripsrte <strong>do</strong> "feclinmento causai <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>", pelo qunl se excluem enti<strong>da</strong>des<br />

nlo-fisiws <strong>do</strong>ts<strong>da</strong>s de podeies csusnis. CI. PINTO 1999: 39. Cf ICIh.1 1996: 12, pare o Gsicnlisrno<br />

miiio.<br />

C' K1&1 1996: 10. Cnbc nanr quc a formulnção conxcrss dn formulasão <strong>da</strong> s~per~~eniência ("nlo<br />

hi diferen$as mentais sem diferciisas fisicss") é faisr: crinnirss psicolo@camente idènticns nlo tèm<br />

quc sm fisic;unenre idEnticns, com n superi~eniència apeiins se afirma que criacuras n'io podcm sci<br />

psicologicamcntc difcrcntes e fisicamcntc idtnticas.<br />

"' P U ~ 1983 ~ o, IFTh l Rmr$o,an Cmd'l Bc i\~oli~~~,S~ed,<br />

r'


Soja M~II~IZJ<br />

semanticamente caracteriza<strong>do</strong>s (esta foi como se sabea objecção<br />

que conduziu o próprio Putnam a propor o hncionalismo como<br />

alternativa i teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de psicofísica).<br />

A partir de Quine e de Putnam chegou-se portanto a uma teoria<br />

<strong>da</strong> mente, a de Dennett, a que se pode chamar uma teoria transcendental<br />

e que é ao mesmo tempo um auto-professa<strong>do</strong> "empirismo".<br />

Como é isto possível? De facto, sen<strong>do</strong> acompanha<strong>do</strong> por um transcendentalismo,<br />

o empirismo <strong>da</strong> TSI é em certa medi<strong>da</strong> "idealista".<br />

O que se procurou esclarecer no Capítulo 6 e especificamente nas<br />

conclusões acerca de intencionali<strong>da</strong>de e de racionali<strong>da</strong>de foi a forma<br />

deste "idealismo" a que se chega por um imperativo de naturalização<br />

<strong>da</strong> epistemologia e com um compromisso empírista na teoria <strong>da</strong><br />

mente. Se o idealismo presume a primazia <strong>do</strong> espírito e toma o resto<br />

como objecto <strong>do</strong> espúito - como se o espírito "jorrasse" imaterial<br />

-não é decidi<strong>da</strong>mente disso que se trata. Mas existe outra forma de<br />

admitir que o espírito é incontornável, sem lhe conceder tal primazia,<br />

uma forma que merece o nome de "fenomenológica".<br />

Se de acor<strong>do</strong> com o "idealismo" <strong>da</strong> TSI a mentali<strong>da</strong>de de sistemas<br />

físicos depende de interpretação, onde está o espírito necessário<br />

para uma tal interpretação? Em nós? Se se pensar duas vezes, a<br />

resposta a esta questão que a TSI possibilita é um monismo anómalo<br />

reinventa<strong>do</strong>. O monismo é evidentemente uma aposta metafísica<br />

na uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que existe: não há em Última análise senão<br />

acontecimentos físicos. A anomalia diz respeito à explicação, i inexistência<br />

de leis e causação psicológicas. Acontecimentos sob descrições<br />

semânticas e mentalistas não caem sob leis físicas. Sem presun~ão<br />

de originali<strong>da</strong>des8'" as concordâncias entre a TSI de Den-<br />

" Quc cstíriam muito mais <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de Davidson <strong>do</strong> que <strong>do</strong> la<strong>do</strong> dc Dennett. De facto, <strong>do</strong><br />

mesmo mo<strong>do</strong> quc para explicar ns oiigens <strong>da</strong> TSI Quine e Putnnm sc impuseram como os <strong>do</strong>is iiutores<br />

inconrorn&veis, à medi<strong>da</strong> que este uabslho progredi* n pura necessi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s remas <strong>da</strong> úiosoún<br />

dc Davidson impiis-sc. Ns obrn de Davidson aparecem n nu, cm grsnde parte devl<strong>do</strong> ao nscetismo<br />

dc cscüo, os temns fiosóficos que o presentc trabalho visa aunvés de Dennctt c drs questóes mair<br />

pi4ticns quc ocupam esc, nomcadsmcntc ss relag6"es enue filosofia du mente, ontologis e teoiis <strong>da</strong><br />

acçáa Dwidson nomcin clnramentc os problemas reiítivos &r artic<strong>da</strong>~õe~ <strong>do</strong>s temas dcrsss ireas,<br />

por exemplo o problema colocr<strong>do</strong> pela undugáo radical - ri chave dn reoiin <strong>da</strong> mente - à ontologin.<br />

O monismo anómalo, ao conuiirio <strong>da</strong> TSI, vira &cctamente esse problema, cm tcimos de explica-<br />

$50, de supervcnifncict e de aunfncia dc cco ns ósicn <strong>do</strong> hoLmo quc pcrmite o acesso ao menal,<br />

in<strong>do</strong> assim ao âmago <strong>da</strong> qucstào quc dc facto tsmbém subjaz i TSI. Os temns "priticos" si0 iynlmcntc<br />

comuns 2 Dzvidson e a Dennett, nomendsmcntc o questáo dn nqáo como pnrte <strong>do</strong> problerns<br />

<strong>do</strong> mental, o csmto <strong>da</strong>s inrões como "wusns", ns rel.içóes <strong>da</strong> filosofin c <strong>da</strong> psicologia. A vantagem<br />

de Dennert é, em contrapatti<strong>da</strong>,


de ontológica natural, <strong>do</strong> fisicalismo. O clássico prol;lema mentecorpo<br />

volta a colocar-se de forma interessante precisamenteneste<br />

ponto, quan<strong>do</strong> se pergunta qual é o lugar <strong>do</strong> mental num mun<strong>do</strong><br />

essencialmentejZsico (esta última qualificacão é metafísica).<br />

Cabe aqui uma outra constatacão histórica. Tu<strong>do</strong> aquilo de que<br />

os anti-cartesianos modernos puderam ser acusa<strong>do</strong>s (por exemplo<br />

de necessitarismo e pampsiquismo, recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o caso de Espinosa,<br />

que tem em comum com grande parte <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente contemporânea<br />

o seu fun<strong>da</strong>mental monismo) espreita o horizonte <strong>do</strong><br />

tratamento contemporâneo <strong>do</strong> problema mente-corpo. É também<br />

neste quadro que a oposicão também ela moderna entre racionalismo<br />

e empirismo ganha uma nova pertinência: por exemplo as conclusões<br />

estáveis a que a TSI permite chegar posicionam-na como<br />

uma justificacão filosófica <strong>da</strong> corrente anti-representacionista, e<br />

portanto "empirista", em ciência cognitiva. O "movimento" ou<br />

corrente anti-representacionista em teoria <strong>da</strong> cognição - que tem<br />

como exemplos a abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> cognição através de modelos<br />

conexionistas, <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong>s sistemas dinâmicos, ou a robótica de<br />

Brooksm0 - opõe-se ao cognitivismo simbólico clássico, cujos princípios<br />

foram exemplifica<strong>do</strong>s neste trabalho pelo realismo intencional<br />

sentencia1 <strong>da</strong> TRiLI. A ideia nuclear <strong>do</strong> anti-representacionismo<br />

é, sublinhe-se de novo, que não há um nível autónomo inuinsecamente<br />

representacional nos sistemas físicos.<br />

Vale OLL não vale apeza? A nos~a ?zatzIrexa 7ilentall<br />

Assim sen<strong>do</strong>, e verifica<strong>da</strong> a renovacão de tantas questões clássicas,<br />

talvez demasia<strong>do</strong> clássicas, tão clássicas que pareceriam ultrapassa<strong>da</strong>s,<br />

X<strong>do</strong> Ct BR001íS 1777: 41Y: dr ir not fcnsible to idciitify tlie sesr o€ inieiligence wirliin rny<br />

rystcm, sincc inteltigcncc is pioduccd by thc interactions of many components. IntcUigencc can only<br />

be determined bg tlie totd bchavior of the sysrem and how dint bclizi.ioi appcars in r<strong>da</strong>tion to thc<br />

environmena>. Rodneg Brooks termina este resto, Iii/r&eriic lVitboi,t Rrprrrr,itoiii>i, um manifcsro nnti-<br />

GOTA1 (Good Old Tsshioned Artificial Inrcüigcncc) e portanto um manifesto <strong>da</strong> oposição ao cog-<br />

niwismo íimbótico clirsica, com umri morri qiie poderir ser r de Denneir com a TSI: «InreUigcncc<br />

is in tlie e1.e o€ the obseivea. Se C assim, o que C quc crti iio piópiio sistcma? Ct LWCHUCO<br />

ROSA 2002, para n proposra segun<strong>do</strong> n qual ar sistcmrs coynitivos sBo sistemas di4micos ivierpn-<br />

tdbrii cin teirnos cogiiitivar. Esta forma dc colocar a quesrio tem consequèncias priticas dirccias,<br />

nomerdrmenie rclrtiras aos formatismos mnremáucos requiucii<strong>do</strong>s pela tcoiin <strong>da</strong> cagnigrio. i\.<br />

hladiuco opõe o parndigmn simbólico no concxionismo cm funç5o <strong>da</strong>s scyintes psrBmetros: (1)<br />

formalismos (cquaçõcs difcrcndGs vciaus cstrunirns lógico-sunùóiicas), (2) carncretirnção <strong>da</strong> rrnnsi-<br />

$50 entre esrn<strong>do</strong>s (estatisticz versus infeicncit Ibgica), (3) "sininçto" <strong>da</strong>s rcpmrcnrqõcr no sistema<br />

(localirnçio modular uersus propriedndes disuibui


' Soja M&JI~IIS<br />

Uma segun<strong>da</strong> razão por que vale a pena fazer Mosofia <strong>da</strong> mente<br />

é a verificação de que não convém utilizar em vão os termos "sub-<br />

jectivi<strong>da</strong>de", "racionali<strong>da</strong>de", "consciência" ou "acção", presumin-<br />

<strong>do</strong> saber <strong>do</strong> que se fala. Chega-se a essa conclusão modesta pelo<br />

estrito cumprimento <strong>do</strong> imperativo quineano <strong>da</strong> naturalização <strong>da</strong><br />

epistemologia. Na ver<strong>da</strong>de, este trabalho foi inicia<strong>do</strong> com a inten-<br />

ção de verificar se a TSI era uma teoria coerente <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de.<br />

Ora, o mínimo que se pode concluir após o trajecto é que não é<br />

legítimo presumir a priori que se possui A noção de Subjectivi<strong>da</strong>de.<br />

Ser subjectivo não é condição suficiente para o (auto) conhecimen-<br />

to de algo que se declina de tantas maneiras8". Assim como não é<br />

legítimo presumir a priori que se possui uma noção precisa de<br />

racionali<strong>da</strong>de não é legítimo presumis que unicamente por sermos<br />

de natureza subjectiva possuimos "O conceito de subjectivi<strong>da</strong>de".<br />

Uma terceira razão pela qual a f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> mente vale a pena, é<br />

o facto de, como já se referiu, ela retomar certos problemas clássi-<br />

cos <strong>da</strong> filosofia, relativos ao lugar <strong>do</strong> espírito na natureza, que apa-<br />

recem agora em gmnde parte sob a forma de problemas de ciência<br />

cognitiva (é o caso de problemas como a natureza <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de,<br />

<strong>da</strong> consciência, <strong>da</strong>s imagens mentais, <strong>do</strong>s conceitos, etc). A Moso-<br />

fia <strong>da</strong> mente mostra assim que uma determina<strong>da</strong> concepção apa-<br />

rentemente desactualiza<strong>da</strong> de filosofia, que continuava a incluir<br />

esses problemas e a tratar a muito desconstruí<strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

não era assim tão extravia<strong>da</strong>. De facto, ao recusar o tratamento<br />

directo de tais problemas, nomea<strong>da</strong>mente a partir <strong>da</strong> prática cientí-<br />

fica, admite-se implicitamente uma solução imaterialista para o pro-<br />

blema <strong>do</strong> espírito, ou pelo menos torna-se menos problemática a<br />

aceitação desta, além de se correr o risco de fazer proliferar enti<strong>da</strong>-<br />

des cuja existência é exauri<strong>da</strong> pelo aparecimento, enti<strong>da</strong>des ou<br />

acontecimentos acerca <strong>da</strong>s quais é impossível aiirmar ou saber o<br />

que quer que seja, reali<strong>da</strong>des precisamente inefáveis. Repare-se que<br />

a época trata<strong>da</strong> neste trabalho foi uma época em que grande parte<br />

<strong>da</strong> filosofia europeia continental se defmia como fraca ou débil,<br />

como crítica cultural e cidizacional mais ou menos estetizante,<br />

enquanto a filosofia analítica continuou a tratar, por estrita necessi-<br />

<strong>da</strong>de gera<strong>da</strong> pelo trabalho em campos científicos (e por um certo<br />

alheamento histórico-cultural, é certo, não raro de resto nas práti-<br />

cas científicas), de questões epistemológicas, ontológicas e morais<br />

*' Ct GIL 2000, 1 (Gire iin<br />

Urna Teoiia Fisicaaiista <strong>do</strong> Co/iteii<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Coi~sciê~~cia<br />

fortes. Não é possível sequer afirmar que o fmesse ingenuamente,<br />

na ignorância <strong>do</strong> "fm <strong>do</strong> homem" e <strong>da</strong> "consumação <strong>da</strong> meta-<br />

física". Ahal, os tempos continuaram e há aí socie<strong>da</strong>des cuja espe-<br />

cifici<strong>da</strong>de histórica está liga<strong>da</strong> à informação, ao conhecimento, ã<br />

reali<strong>da</strong>de virtual, fenómenos que através <strong>da</strong>s ciências cognitivas a<br />

Mosofia <strong>da</strong> mente precisamente visa. Essa reali<strong>da</strong>de não desapare-<br />

ce nem as suas especifici<strong>da</strong>des são captura<strong>da</strong>s com veredictos inte-<br />

lectuais de consumação <strong>da</strong> meta£ísica. Nesse senti<strong>do</strong> poder-se-á<br />

perguntar de que la<strong>do</strong> está o alheamento sócio-histórico-cultural,<br />

na filosofia concebi<strong>da</strong> como consistin<strong>do</strong> quase exclusivamente em<br />

critica cultural e cidizacional, ou no tipo de fiiosofia de que se tra-<br />

tou neste trabalho. Por exemplo, apenas a falta de atenção <strong>da</strong> Mo-<br />

sofia ao que é conheci<strong>do</strong> cientificamente sobre a natureza permite<br />

considerar esta como pura objectivi<strong>da</strong>de, efj soi massivo, o outro <strong>da</strong><br />

consciência. Uma tal ideia ilusoriamente objectivista <strong>da</strong> "natureza"<br />

trata<strong>da</strong> pelas ciências naturais torna-se especialmente estranha<br />

perante a ciência cognitiva contemporânea.<br />

Apesar de tu<strong>do</strong>, algumas <strong>da</strong>s conclusões <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente e<br />

<strong>da</strong> Mosofia europeia continental recente coincidem, nomea<strong>da</strong>men-<br />

te "conclusões quanto i desconstrução <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de", para uti-<br />

lizar a expressão de J.P. DupuyRX2. Sem a ro<strong>da</strong> livre intelectual fre-<br />

quente na Mosofia a que os Mósofos analíticos chamam "conti-<br />

nental" as ciências cognitivas participam numa desconstrução ou<br />

fragmentação <strong>do</strong> sujeito, na medi<strong>da</strong> em que propõem modelos <strong>do</strong>s<br />

mecanismos físicos que manifestam proprie<strong>da</strong>des de subjectivi<strong>da</strong>-<br />

de, mostran<strong>do</strong> assim que não há fantasma na máquina, "centro de<br />

subjectivi<strong>da</strong>de" ou observa<strong>do</strong>r desliga<strong>do</strong>, que a singulari<strong>da</strong>de e o<br />

controlo centra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Eu são em grande medi<strong>da</strong> efeitos virtuais, ilu-<br />

sórios. Quan<strong>do</strong> algum Eu pensa não há aí um sujeito homuncular<br />

visionan<strong>do</strong>, controlan<strong>do</strong> e inician<strong>do</strong>, mas um isso regula<strong>do</strong> por leis<br />

físicas, processos sem sujeito, funcionamentos que têm como um<br />

<strong>do</strong>s seus efeitos esse Eu e os seus pensamentos. A diferença é que<br />

a desconstrução aqui em causa foi acompanha<strong>da</strong> de uma reconsti-<br />

tuição mostran<strong>do</strong> que provavelmente não nos livraremos <strong>do</strong> sujei-<br />

to, o que certamente evita as aponas em que os diagnósticos <strong>da</strong><br />

morte deste normalmente redun<strong>da</strong>m.<br />

Os perigos <strong>do</strong> cientismo, psicologismo e esterili<strong>da</strong>de na inter-<br />

pretação Mosófica <strong>do</strong> trabalho científico sobre o mental, aponta<strong>do</strong>s<br />

DUl'UY 1994 e DUPUY 2000.


Soja iVJ&i~e~is<br />

na Introdução deste trabalho, evidentemente existem, inclusive nas<br />

respostas prontas e nas etiquetas de escola <strong>da</strong> filosofia americana.<br />

Mas também estão lá análises que conduzem a novos problemas<br />

específicos que não são de to<strong>do</strong> estéreis. Poder-se-ia continuar este<br />

trabalho (é de regra referi-lo ...) retoman<strong>do</strong> e aprofun<strong>da</strong>n<strong>do</strong> as diferenciações<br />

feitas no seio <strong>do</strong> problema <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de. De facto,<br />

elas permitem inúmeras questões intersticiais, questões precisas e<br />

de minúcia, prolongan<strong>do</strong> o inquérito acerca <strong>do</strong> sentimento de si e<br />

de saber, considera<strong>do</strong>s no senti<strong>do</strong> fenomenológico referi<strong>do</strong>, e nomea<strong>da</strong>mente<br />

incluin<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínios mais emocionais e afectivos <strong>do</strong><br />

que aqueles que foram considera<strong>do</strong>s e que de resto a filosofia <strong>da</strong><br />

mente contemporânea não ignora. Exemplos de tarefas que ficam<br />

delinea<strong>da</strong>s e abertas na continuação deste trabalho dizem respeito<br />

a questões como a categori~ação~~~, a racionali<strong>da</strong>de8", a fenomenologia<br />

<strong>da</strong> agência, <strong>do</strong> querer, <strong>da</strong> auto-consciência. Fica aberta a possibili<strong>da</strong>de<br />

de distinguir componentes <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> cognição<br />

que não "são como na<strong>da</strong>" a partir de dentro (talvez questões<br />

como "como é um esta<strong>do</strong> mental ter conteú<strong>do</strong>?", "como é ter o<br />

conceito de x?' não tenham resposta ao nível pessoal) <strong>do</strong>s componentes<br />

mais ou menos explicitamente senti<strong>do</strong>s e reflecti<strong>do</strong>s <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, levanta-se a questão <strong>da</strong>s relacões entre<br />

"<br />

aspectos" cognitivos, afectivos e volitivos na subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

incontornável se se pretende elaborar uma teoria <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental e<br />

<strong>do</strong> pensamento8" mais complexa <strong>do</strong> que aquela, sobretu<strong>do</strong> cogmtiva,<br />

visa<strong>da</strong> neste trabalho.<br />

Apesar <strong>da</strong>s semelhanças aponta<strong>da</strong>s entre os problemas <strong>da</strong> filosofia<br />

<strong>da</strong> mente e certos problemas clássicos <strong>da</strong> filosofia, a ver<strong>da</strong>de<br />

é que a estranha configuracão <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> mente é bastante<br />

amnésica relativamente à história <strong>da</strong> filosofia. No entanto o risco<br />

"'De fscto, n quesrno ficou em suspenso no Capinilo 2, ponro 2.2.3.3. O problcina consistc cm<br />

saber que fco0s <strong>do</strong>s canteiros fnzi senti<strong>do</strong> no seio <strong>do</strong> rnti-icprcienracionismo proposto, aceitan<strong>do</strong><br />

as inmigõcs mu-desctitiiistas acerca <strong>da</strong> wpnci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> espitito liumniio pnm formar universais ou<br />

ideins. Essas inNçles sào enquadra<strong>da</strong>s par Fo<strong>do</strong>r nn lèotia Representacioiid ds hícncc em CO~iiepri<br />

E preciso portnnto uma obra aniloga ri Co,,iipii, produzi<strong>da</strong> pela corrente anti-icprcsciitlcionisc~.<br />

Os prolongamcnror <strong>do</strong> "chaurinismo <strong>da</strong> inrencionalidsde e <strong>da</strong> ncionzli<strong>da</strong>de" numa tcorin <strong>do</strong><br />

pensamento slo tenra<strong>do</strong>s por Sticli em S11CH 1993 (Tbt Frq,,,e,,tii1iiri cj R~i~ii~,,).<br />

não é grande. A agen<strong>da</strong> <strong>da</strong> f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong> mente é preenchi<strong>da</strong> e específica<br />

e, por isso, ou ela revisita a história <strong>da</strong> hlosofia ou a refaz, não<br />

por razões de historiografia erudita mas por necessi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> inquérito<br />

racional em curso. De qualquer mo<strong>do</strong>, mostra que os temas<br />

desta não se tornaram proibi<strong>do</strong>s por razões epocais de !ím <strong>da</strong> filosofia<br />

epistemológica.<br />

Uma quarta e última razão por que vale a pena a f<strong>do</strong>sofia <strong>da</strong><br />

mente tem simplesmente a ver com o facto de ser importante para<br />

nós sabermos de que natureza somos. Nesse senti<strong>do</strong>, a filosofia <strong>da</strong><br />

mente traz consigo um renova<strong>do</strong> interesse pela questão acerca <strong>do</strong><br />

que é distintamente humano, ao mesmo tempo que estihaca essa<br />

questão. A questão é estilhaça<strong>da</strong> por um la<strong>do</strong> porque, como afrma<br />

T. Nagel, «Mesmo que as manifestações <strong>do</strong> mental evidentes para<br />

nós sejam locais - elas dependem <strong>do</strong>s nossos cérebros e de estruturas<br />

orgânicas similares - a base geral deste aspecto <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

não é local, mas deve ser suposta como sen<strong>do</strong> inerente aos constituintes<br />

gerais <strong>do</strong> universos e às leis que os governam8R6. Mas as<br />

questões analisa<strong>da</strong>s e os critérios analisa<strong>do</strong>s e propostos nos Capítulos<br />

4 e 5 deste trabalho dizem respeito ao que torna o humano<br />

humano. A partir <strong>da</strong>s diferenciações sugeri<strong>da</strong>s é possível avancar<br />

propostas especificas quanto a algumas diferenças existentes por<br />

exemplo entre pessoas, cadáveres humanos, animais e robôs, imaginar<br />

o que é sobreviver como uma mesma pessoa ou que espécies<br />

de continui<strong>da</strong>de com aquilo que somos nos satisfariam. No entanto<br />

o aspecto mais importante <strong>da</strong>s questões abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s nos Capítulos<br />

4 e 5 é a que<strong>da</strong> <strong>da</strong>s dicotomias estritas entre natural e artiftcialR8',<br />

pessoas e não-pessoa, acção e não-acção. Questões aparentemente<br />

conceptuais como as questões relativas à natureza <strong>da</strong> subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

racionali<strong>da</strong>de e pessoali<strong>da</strong>de dependem de descobertas empíricas<br />

e de avanços tecnológicos (o que mais uma vez confirma o ponto<br />

meto<strong>do</strong>lógico segun<strong>do</strong> o qual nenhuma análise de conceitos é<br />

auto-subsistente, e não há filosofia estritamente analítica de conceitos<br />

semelhantes, cuja recolha é antes de mais fenomenológica).<br />

Localizou-se, é certo, um lunite <strong>da</strong> particular teoria apresenta<strong>da</strong><br />

sobre o que torna o humano humano, a ausência de tratamento <strong>do</strong><br />

" NAGEL 1986: 8.<br />

*" E a pergunta seri então "Alguma coisa poder& nlgumn vcr ser iot~rra ~~~IIIIO?". Nn discursãa<br />


senti<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de si e de saber (a que se poderia acrescentar e senti<strong>do</strong><br />

de querer, de desejar).<br />

Ain<strong>da</strong> relativamente à especihci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> humano, ou, na terminologia<br />

a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> no presente trabalho, relativamente aos sistemas<br />

cognitivos susceptíveis de pessoali<strong>da</strong>de e de Identi<strong>da</strong>de Pessoal,<br />

convém recor<strong>da</strong>r que foi proposto, a partir <strong>da</strong> TSI, que a pessoali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> mental não é apenas uma questão relativa às continui<strong>da</strong>des<br />

física e/ou fenomenológica. A caracterização <strong>da</strong> Identi<strong>da</strong>de Pessoal<br />

será incompleta sem aquilo a que se poderia chamar um compromisso<br />

com a vi<strong>da</strong> mental própriann" sem auto-avaliação e sem avaliação<br />

<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de própria. Ain<strong>da</strong> relativamente às aplicações<br />

morais <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> mental, uma outra questão clássica <strong>da</strong> flosofia,<br />

a vontade livre, foi afasta<strong>da</strong> <strong>do</strong> âmbito de uma discussão acerca <strong>do</strong><br />

determinismo físico para o âmbito <strong>da</strong> interpretação intencional.<br />

Este não é evidentemente um movimento novo ou original na história<br />

<strong>da</strong> filosofia: pense-se no atrás referi<strong>do</strong> monismo espinosista,<br />

e na ideia de Espinosa segun<strong>do</strong> a qual conceber a liber<strong>da</strong>de como<br />

ausência de determinação é apenas ignorância. Foi de resto a<br />

impossibili<strong>da</strong>de de explicar a causação mental o maior inimigo <strong>da</strong><br />

divisão substancial cartesiana e <strong>do</strong> imaterialismo. Mas o problema<br />

<strong>da</strong> causação mental não desaparece com o desaparecimento <strong>do</strong><br />

dualismo cartesiano. No caso de Dennett a estratégia a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong><br />

relativamente à vontade livre foi idêntica à estratégia a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong> relativamente<br />

à consciência (e poder-se-ia dizer que também à racionali<strong>da</strong>de):<br />

fragmentação. Dennett defende que a vontade livre não é<br />

z/ín problema, mas vários problemas que se interpenetram com os<br />

problemas <strong>da</strong> consciência e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. A vontade livre, aquilo<br />

que somos tanto quanto formos o mais que podemos ser, é arttocontrolo<br />

meta-r$lexiuo - controlo <strong>do</strong> comportamento próprio e <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de própria por meios racionais, consegui<strong>do</strong> por alguns sisteinas<br />

cognitivos físicos resultantes <strong>da</strong> evolução existentes num<br />

mun<strong>do</strong> determinista - e aua/iaçãoforte. Noutras palavras, a liber<strong>da</strong>de<br />

não consiste em "razões" absolutamente determina<strong>da</strong>s nem explicativas:<br />

na<strong>da</strong> no mun<strong>do</strong> descrito de forma mentalista tem essas<br />

características. Razões de um agente para a acção são seleccões em<br />

sistemas cuja complexi<strong>da</strong>de escapa em grande medi<strong>da</strong> ao próprio<br />

agente. As questões <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de (e consequentemente <strong>da</strong> respon-<br />

"' Dcnneo (DENNETT 19944 rcein as sugcrtões de Csiol Rovnne quanto n auto-nvaliqâa c<br />

~vnlinglo <strong>da</strong> iacionnlidndc pr6p"s. Como já foi sublinlis<strong>do</strong> rnreriormeiite, ele considera mesmo que<br />

Ibwnc aperfei$oa as suas idcins acerca de pcsíoali<strong>da</strong>de.<br />

sabili<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> disuibuição - nomea<strong>da</strong>mente legal - <strong>da</strong> culpa, <strong>da</strong><br />

puniqão, <strong>do</strong> elogio, <strong>do</strong>s direitos e <strong>da</strong>s obrigações de humanos) são<br />

questões de macro-nível, dizem respeito a um particular entendi-<br />

mento ou interpretaçzo de eventos físicos como acções. Não são<br />

questões relativas ao micro-zivel <strong>do</strong> sistema, explica<strong>do</strong> pela teoria<br />

física. Essa é a posição <strong>da</strong> TSI perante a parte <strong>do</strong> problema <strong>do</strong><br />

mental que é o problema <strong>da</strong> agência.<br />

Muito <strong>do</strong> que é caracteristicamente humano é mentaiista e tu<strong>do</strong><br />

o que é mentalista é de macro-nível e de interface, superficial rela-<br />

tivamente áquilo que seria por exemplo um conhecimento <strong>da</strong> estru-<br />

tura micro-física e insusceptível de mu<strong>da</strong>r de estatuto com o avan-<br />

ço <strong>do</strong> conhecimento de tal estrutura. A questão <strong>da</strong> acção coloca-se<br />

precisamente tanto quanto nunca poderemos sais completamente<br />

para fora de nós próprios, <strong>da</strong> nossa natureza mentaiista. Que<br />

importância moral, metafísica, pode ter então o esclarecimento <strong>da</strong>s<br />

condições <strong>do</strong> agir? Se, ao contrário de tu<strong>do</strong> o que foi até aqui afir-<br />

ma<strong>do</strong>, existisse um eu naturalmente e essencialmente uno ou uma<br />

pessoa "absoluta", o auto-controlo meta-reflexivo através de ra-<br />

zões seria redun<strong>da</strong>nte. Mas, precisamente, nenhum eu uno pode ser<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> como garantia a priori, o Eu é ele próprio um efeito <strong>do</strong> fun-<br />

cionamento sub-pessoal <strong>do</strong> sistema e as "pessoas" pressupõem sis-<br />

temas constituí<strong>do</strong>s por um tal processo de centralização virtual<br />

apoia<strong>do</strong> numa auto-representação global. De acor<strong>do</strong> com Dennett,<br />

apenas o auto-controlo meta-reflexivo representa auto-consciência<br />

genuína, que fica assun indiscernivelmente liga<strong>da</strong> à agência racio-<br />

nal. Esta caracterização de pessoa é, evidentemente, anti-essencia-<br />

lista e anti-imediatista, O problema é que a auto-consciência (con-<br />

sidera<strong>da</strong> não apenas como auto-avaliação mas também como com-<br />

promisso com a racionali<strong>da</strong>de própria) é assim aparentemente ca-<br />

racterizável como desprovi<strong>da</strong> de conteú<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>, de sentimento<br />

de si ou de desejo (outra coisa não seria de esperar, depois <strong>da</strong> teo-<br />

ria <strong>da</strong> consciência apresenta<strong>da</strong> no Capítuio 3 acerca <strong>da</strong> consciência<br />

fenomenal e <strong>do</strong> sentimento de si, sen<strong>do</strong> a pessoali<strong>da</strong>de de sistemas<br />

cognitivos aparentemente analisável de forma exaustiva como uma<br />

questão relativa a conhecimento e controlo). Ironicamente, tam-<br />

bém este hiper-racionalisino é uma posição clássica na teorização<br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade, simplesmente desliga<strong>do</strong> agora <strong>da</strong> pureza<br />

cartesiana <strong>do</strong> espírito.<br />

De mo<strong>do</strong> algum se exclui, pelo facto de a teoria apresenta<strong>da</strong><br />

poder fornecer, a partir de uma Filosofia <strong>da</strong> ciência <strong>do</strong> mental, cri-


Soja M@ielli<br />

ténos de orientação na resposta às questões clássicas enuncia<strong>da</strong>s<br />

acerca <strong>do</strong> que torna o humano humano e acerca <strong>da</strong> vontade livre,<br />

questões tantas vezes chama<strong>da</strong>s antropológicas, a possibili<strong>da</strong>de,<br />

sublinha<strong>da</strong> por T. NageSS8', de haver boas razões para se ser pessimista<br />

relativamente ao entendimento de nós mesmos que uma<br />

ciência <strong>da</strong> mente poderá vir a possibilitar. De facto, é mais <strong>do</strong> que<br />

razoável supor que existem limites i forma como podemos pensar<br />

em nós próprios. Por exemplo, ca<strong>da</strong> um de nós pensa em si próprio<br />

como uma pessoa Una, Única e Singular e esse não é um traço trivial<br />

ou periférico <strong>da</strong> nossa auto-concepção mas o próprio núcleo<br />

<strong>da</strong>quilo que pensamos que somos e não pode ser posto de la<strong>do</strong><br />

como puramente fenomenal. Assim sen<strong>do</strong>, «Pode ser que seja<br />

impossível para nós aban<strong>do</strong>narmos certas maneiras de nos concebermos<br />

a nós próprios por mais insustentáveis que elas sejam <strong>do</strong><br />

ponto de vista ~ientífico»~". Uma <strong>da</strong>s coisas que não podemos<br />

aban<strong>do</strong>nar é a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa que pensamos que somos. No<br />

entanto essa uni<strong>da</strong>de na<strong>da</strong> tem de absoluto. Poder-se-ia sugerir o<br />

mesmo quanto ao senti<strong>do</strong> de completude e de determinação <strong>do</strong>s<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental, maugra<strong>do</strong> as af~mações de um modelo<br />

como o MEM acerca <strong>da</strong> negligência normal e <strong>da</strong> indeterminacão:<br />

não podemos aban<strong>do</strong>ná-los, a virtuali<strong>da</strong>de e a ilusão de unanência<br />

são parte integrante <strong>da</strong> nossa natureza mental, <strong>do</strong> nosso conceito<br />

mentalista de nós próprios, mesmo se de alguma forma "desaparecem"<br />

na caracterização <strong>do</strong>s sistemas físicos que nós também<br />

somos. O desafio coloca<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>bra entre o subjectivo e o objectivo<br />

trazi<strong>da</strong> para dentro de nós pelas ciências <strong>do</strong> mental é precisamente<br />

saber em que medi<strong>da</strong> somos ou não somos aquilo que nos<br />

apercebemos como sen<strong>do</strong>, saber que intervalo, que grau de ilusorie<strong>da</strong>de<br />

existe entre isso que apercebemos como a nossa interiori<strong>da</strong>de<br />

mental e pessoal e o que quer que na ordcin objectiva subjaz<br />

às continui<strong>da</strong>des subjectivas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> mental a que chamamos nossa<br />

e que é objecto de ciências de cognição. A desmontagem de testes<br />

<strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de genuína como o Quarto Chinês de J. Searle mostra<br />

que não podemos confiar na nossa intuição e muito <strong>da</strong>quilo que<br />

ficou dito no presente trabalho indica pontos de integração insatisfatória<br />

entre o subjectivo e o objectivo, colocan<strong>do</strong> a reintegração<br />

moral e intelectual numa posição complica<strong>da</strong>.<br />

'"<br />

'" NAGEL 1979d: 59.<br />

NAGEL 1979d, Bmiii Bis~cciiiii nvd ii,c Uirio o/ Coris"o,~s,,es~.<br />

Uma úitima palavra acerca <strong>da</strong> dimensão moral <strong>da</strong> questão <strong>da</strong><br />

mente. Quan<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong> mental como auto-consciência e auto-<br />

-agenciamènto trata-se <strong>da</strong>quilo que nós somos e portanto a ques-<br />

tão importa-nos, o que talvez justifique um certo sortilégio <strong>da</strong> +<br />

mensão psicológica8" quan<strong>do</strong> pensamos sobre o pensamento. E<br />

ver<strong>da</strong>de que de acor<strong>do</strong> com muitas <strong>da</strong>s ideias analisa<strong>da</strong>s neste tra-<br />

balho nós somos - enquanto agentes individuais centraliza<strong>do</strong>s e<br />

auto-conscientes, enquanto seres mentais e pessoais com uma vi<strong>da</strong><br />

mental presencia1 e preenchi<strong>da</strong> -de uma natureza bastante superfi-<br />

cial, muito menos fun<strong>da</strong>mentais e simples <strong>do</strong> que aquilo que uma<br />

concepcão imaterialista de mente como alma e pensamento forte-<br />

mente individuais nos permitiria supor. No entanto o risco, refen-<br />

<strong>do</strong> por C. Taylor, de não ficar assim ninguém para ser responsável<br />

por na<strong>da</strong> não é o diagnóstico correcto <strong>da</strong> situacão em que uma<br />

ciência <strong>do</strong> mental nos coloca. Identi<strong>da</strong>de Pessoal, responsabili<strong>da</strong>de<br />

e acção são noções inaugura<strong>da</strong>s num mesmo movimento: não seria<br />

possível por exemplo manter a noção de responsabili<strong>da</strong>de e perder<br />

o eu. Não é por outro la<strong>do</strong> insignificante o facto de essa natureza<br />

mental nos permitii conceber a nossa própria natureza, estrutura-<br />

<strong>da</strong> em torno de um eu, suposto autor de uma vi<strong>da</strong> mental racional<br />

e consciente, e portanto o nível ao qual a nossa reali<strong>da</strong>de pessoal se<br />

situa, bem como aquilo que provavelmente é mais fun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong><br />

que nós.<br />

*' NPo no scnti<strong>do</strong> iindn agora refcri<strong>do</strong> dc mccriiismos sub-pessoais <strong>da</strong> cogiii$Go mas no senti-<br />

<strong>do</strong> dc vi<strong>da</strong> sensorid, emociond, scntunentai, etc, que C própria, individual.


Bibliografia<br />

Nesta bibliografia, tal como nas notas ao texto principal, utiliza-se o sistema<br />

autor (nome maiuscuia<strong>do</strong>) / <strong>da</strong>ta. Quan<strong>do</strong> existe uma divergência entre a <strong>da</strong>ta<br />

<strong>do</strong> primeiro aparecimento de uma obra ou de um artigo e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> edição efec-<br />

tivamente utiliza<strong>da</strong>, aquela <strong>da</strong>ta aparece entre parênteses rectos a seguir à <strong>da</strong>ta<br />

<strong>da</strong> edição utiliza<strong>da</strong>. Sempre que se considera ser de interesse histórico tal pro-<br />

cedimento, a referência no corpo <strong>do</strong> testo é feita à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> primeira publicação.<br />

A referência completa que aparece na presente bibliografia é no entanto a <strong>da</strong><br />

edição utiliza<strong>da</strong>.<br />

Para além de uma lismgem tanto quanto possivel completa <strong>do</strong>s escritos de D.<br />

Dennett, a presente bibliografia inclui ain<strong>da</strong> um número considerável de refe-<br />

rências a determina<strong>do</strong>s autores sem os qnais a intenção mais alarga<strong>da</strong> <strong>do</strong> traba-<br />

lho não seria concebivel, com especial relevo para W T! Quine, 1-1. Putnam, D.<br />

Davidson e J. Eo<strong>do</strong>r. Devi<strong>do</strong> à intenção em parte histórica <strong>do</strong> trabalho, certas<br />

referências que estiveram na origem <strong>do</strong> interesse pelas relações entre a iilosofia<br />

e a ciência cognitiva aparecem aqui incluí<strong>da</strong>s, mesmo não sen<strong>do</strong> directamente<br />

cita<strong>da</strong>s no corpo <strong>do</strong> testo.<br />

I - Obras de D. Denrzett':<br />

1.1 Livros:<br />

DENNEIT, Daniel, 1986 [1969], Coriteiit aiid Coiis~in~isiiess, Lon<strong>do</strong>n, Routledge and<br />

I(egan Paui (Zredição). Tradução italiana: Cor~feri~itn e cn~icieiiv, Bologna, I1 IvIniino,<br />

1992. Tradugão espanhola: Co~iteiii<strong>do</strong>~y cor~tieriria, Bzcelona, Gedisa, 1995.<br />

Uma LiiúliognGa ncrualizodn (até 2000) c bartriitc completa de D. Denneti-que inclni auidn rcfeiincins<br />

n csctlros dcdicl<strong>do</strong>s no penssmento <strong>do</strong> nuror (nGmcror dc rc\istur, obras colectivas, artigos,<br />

recensões) - pode sei enconm<strong>da</strong> em Iitrp://sun3.iihuci.edu/in&~/s~~~/pMo~0ph~/d~nncft, um riic<br />

manti<strong>do</strong> Dor Pddie Yeeliirn. Bibiiotcc&io ddc Fiiosonn dn Univenidnde dn Califoinia - Iriine NClI.<br />

<strong>do</strong>s es6o disponíveis oi,-Ii!,c ní pigh manti<strong>do</strong> pclo autor cm lirrp://nse~fis.ed/cogsrud/p~I>p~ge~hm.


DENNETI: Daniel, 197% 119761, Conditions of Personhood, in DENNETT<br />

1978, originalmente publica<strong>do</strong> em RORTY 1976, 175-196.<br />

DENNETI: Daniel, 1978 o (19701, The Abilities of blen and Machiies, in<br />

DENNETT 1978, primeira aparição resumi<strong>da</strong> em Jourrra/ o/ Philosop/y,<br />

LXTrlI. 20. 835.<br />

DENNE~ ~pniel 1978p, On Giving Libertarians What They Say They Wanr,<br />

in DENNETT 1978.<br />

DENNETI: Dpniel, 1978q, How to Change your bhd in DENNElT 1978.<br />

DENNEn Daniel, 1978r, Where Am I? in DENNElT 1978, também em<br />

HOFSTADTER & DENNETT 1981,217-229.<br />

DENNETT, Daniel, 1978s, Why Not The Whole Iguana (commentary on<br />

Pylyshyn), Behauioralarrd Brain Scierrces 1 (I), 103-105.<br />

DENNETT, Dsniel, 1978t, Beliefs ahout Beliefs (commentary on Premack and<br />

Woodruft), BehavioralaridBrairr Scierices, 1 (4), 568-570.<br />

DENNETT, D:rniel, 1978u, Co-Opting Holograms, Behiornl arrd Brain Sidl~ceJ,<br />

1 (21, 232-233.<br />

DENNElT, Daniel, 1978~ Requisition for a Pexgo, Behauioral arrd Brai~i Scier,ces,<br />

1 (1). 56-57.<br />

DENNETT, Daniel1978w, Current Issues in the Philosophy . . of bhd, An1erica11<br />

Phi/osophic~/Q~~arter&, 15 (4), 249-261.<br />

DENNETT, Daniel, 1978x, Review of Margaret Boden's Arh~cia/lru!e/h~ence a~id<br />

the Nati


DENNETT, Daniel, 1984c, Wishfd Thinking - Commentary on B. E. Sl~ner<br />

The Operational Analysis o€ ~s~cholo~ical Terms', Behovioral arrd Brairr<br />

Scie~rces 7(4), 556-557.<br />

DENNETT, Daniel, 19844 Foreword for R. Ivídiikan's La~giroge Thoi,gi,t arrd<br />

Other Biological Categories, in IvIILJIIO\N 1984, ix-x.<br />

DENNETT, Daniel, 1984e, Correspondent's Report: Recent Work in<br />

Philosophy 11, Art$rio/Intellrge~ice, 22, 231-234.<br />

DENNETT, Daniel, 1984f, The Role oE the Computer hietaphor in<br />

Understandiig the &d, in H. Pagels (ed.) Co~~Ipirter C~rltrrre, Annals of the<br />

NY Academy of Science, 426,266-275.<br />

DENNETI: Daniel, 1984g, I Could not Have Done Othenvise - so what?,<br />

JOII~IIUI of PhiIosop$, 81, 553-565.<br />

DENNETT, Daniel, 1984h, Thinldng Ahout Thinking: the Líind as Virmal<br />

Machiie, in Thc Hiimari Mi~id, the Hii711on Brai,, arrd Byoiid, American<br />

BroadcasMg Company<br />

DENNETT, Daniel, 1985a, Music of the Hernispheres - Review of M.<br />

Gazzaniga's The Soria/Brairi, Nw York Tinies, Nov. 17, 53.<br />

DENNETT, Daniel, 1985b, When Does the Intentional Stance Work, Behuvioral<br />

aird Brairr Sciericts, 8 (4), 763-766.<br />

DENNETT, Daniel, 1985c, Wliy Believe in Belief Review of S. Such Frofii Folk<br />

Pgchology to Cogiitiwe Scierice, Conte~>Iporo>y Psychology, 30 (12), 949.<br />

DENNETT, Daniel, 1986a, Preface to Second Edition o€ Content and<br />

Corrsrio~~si~e.rs, in DENNETT [1969].<br />

DENNETI: Daniel, 1986b, Engineeringb Bahy, Behoviornl arid Brain Scier~ces, 9<br />

(I), 141-142.<br />

DENNETT, Daniel, 1986c, Information, Teclinology and tlie \'iimes of<br />

Ignorante, Doe<strong>da</strong>hrs, 115 (3), 135-153.<br />

DENNETT, Daniel, 1986d, 1s There and Autonomous IOiowledge Level, in 2.<br />

Pylyshyn & W. Demopoulos (eds.), Mearrirg and Cogirilive Strrrct~~re: Iss~des iii the<br />

Comp~rtatior~a/ Theor'y of the Mi~id, Nonvood NJ, Ahlex, 51-54.<br />

DENNETT, Daniel, 1986e, Pliilosoph~~ as Mathematics or as Anthropology,<br />

A4i11d& La~ig~age, 1 (I), 18-19.<br />

DENNETT, Daniel, 1986f, Review of V. Braitenherg's Vehicles, Philosophic~l<br />

Revieiu, 95 (I), 137-139.<br />

DENNETT, Daniel & AIUNS, I


DENNKIT, Daniel, 1989a, Murmurs in the Cathedral, lleview of R. Penrose's<br />

The Ernperari Neiu i\.Iirid, Tirnes Literay S:pp/e~~ierit, Septemher 29-October 5,<br />

4513, 1055-1056.<br />

DENNETT, Daniel, 1989b, The Origin of Selves, Cogito, 3, 163-173.<br />

DENNETT, Daniel, 1989c, Review of R. Richard's Danuiri arld the Emgegee of<br />

Euoh~tiorray Theones of Mirid ai~d Behnuior, PhiIosop/Iy of Sierice, 56 (3), 540-543.<br />

DENNETT, Daniel, 1990a, Abstraceing From Mechanism, Behauioral arid Brairi<br />

Scieiices, 13 (3), 583-584.<br />

DENNETT, Daniel, 1990b, Artificid Life: A Iieast For the Imagination, Review<br />

of C. Langton's Arh$cia/Li/e, Biology aird Phi/osop&, 5 (4), 489-492.<br />

DENNETT, Daniel, 1990c, Attitudes about ADHD: Some An<strong>do</strong>gies and<br />

Aspects, in Izo Jpirfiia/e: r/rcriti, cef-uelli e co#iplitei;<br />

Basi, Laterza.<br />

DENNETT, Daniel, 1991h, Mother Nature and the Wahg Encyclopedia, in<br />

\V Ramsev. S. Stich & D. Rumelhart feds.), Philosobh aad Co~i~iectioiiist Theon:<br />

~ ,. . -<br />

-<br />

His<strong>da</strong>le NJ, Erlbaum, 1991, 21-30.<br />

DENNETT, Daniel, 1992a, The Architecture of Consciousness, Iriter~ratiorral<br />

Jourr~alof P~cholosy, 27 (3-4), 1.<br />

DENNETT, Daniel, 199213, Fiiiing In versus Fiding Out, h H. Piclr, P. van den<br />

Broek & D. 1- ieds.). Co~riition: Coricebtlla/ arid Metho<strong>do</strong>lo~ical Issrles,<br />

\ 1, 0 -<br />

Washington DC, American Psychological Association, 1992, 33-49.<br />

DENNETT, Daniel, 1992c, Hiteing the Nail in the Head, Commentary on E.<br />

Thompson, A. Palacios & E \'arela, [Vays . of . Colo~i~,~, - Behawioral a ~d Brairi<br />

~ciericei 15 (I), 35.<br />

DENNETI: Daniel, 1992d, Prideged Access and Consciousiiess, in T. Nelson,<br />

Metaconriitior~. Boston. Nlvn & Bacon. 1992. 27-99.<br />

0 . , ,<br />

DENNETT, Daniel, 1992e, Review of É~arel'a, E. Tlioinpson &E. Roscli's The<br />

Embodied Miiid and G. Edelman's Bright Air, BriIliai~t Fire, Neiu Scieritist, 134<br />

(1825), 48-49 .<br />

DENNETT, Daniel, 1992€, Temporal Anomalies of Consciousness:<br />

Implications o€ the Uncentered BrWi, in Y. Christen & P. S. Churcliland<br />

(eds.), Nei~rophilosop~ aad Al~hei#ierS. Distose, Berlin, Springer.<br />

DENNETT, Daniel & ICINSBOURNE, Marcel, 1992a, Tme and The<br />

Ohserver: the TVhere and When oE Consciousness in the Brain, Belmvioralnrid<br />

Brairi Sriences, 15 (2), 183-201.<br />

DENNETT, Daniel & ICINSBOURNE, blarcel, 1992b, Escape From tlie<br />

Cartesian Theater, Behauioral aiid Braiir Scier~ces, 15 (2), 234-247.<br />

DENNE1-L: Daniel, 1993a, Badc From the Drawing Board, in DM-ILBOM<br />

1993, 203-235.<br />

DENNElT, Daniel 19934 Préds of Coriscioi~sriess E,q/plaed, in Philosophical arid<br />

Phe~io~~~eriologicalResearch, 53 (4), November-December, 889-892.<br />

DENNETT, Daniel, 1993c, The lvlessage is: There is no Medium in Phi/osophical<br />

md Pheiio~ierio/ogica/Rerearch, 53 (4), November-December, 919-931.<br />

DENNElT, Daniel, 1993d, Caveat Emptor, Coriscioiisi~m aiid Cogiiitiori, 2, 1, 48-<br />

-57.<br />

DENNETT, Daniel, 1993e, Down With School! Up \Vitil Legoland!, lleview of<br />

S. Papert's The Childreni Machiiie, New Scientist, November 6, 45-46.<br />

DENNETT; Daniel, 1993f, Evolution, Teleology, Intentionality, Behauioral arid<br />

Brairi ScSr~ces, 16 (2), 389-391.<br />

DENNETT, Daniel, 1993g, Learning and Labeling, MNid aiid Iarigrage, 8 (4),<br />

540-548.


Soja Migims<br />

DENNETT, Daniel, 1993h, Living on the Edge, Ii,qiiiry, 36 (1-2), 135-159.<br />

DENNETT, Danicl, 19931, Review of J. Searle's The Rediscouery $ the iMiiid,<br />

Jotir>zal$ Philosop~, 90 (4), 193-205.<br />

DENNETT, Daniel, 1994a, Counting Consciousness - None, One, Two or<br />

None of the Above, BehauioralaiidBrniiz Sc/eiices, 17 (I), 178-180.<br />

DENNETT, Daniel, 19944 «Dennctb> in GUTTENPLAN 1994,236-244.<br />

DENNETT, Daniel, 1994c, E Pluribus Unum, BehavioraiaiidBrai~~ Scie~lces, 17 (4),<br />

617-618.<br />

DENNETT, Danicl1994d, The Role of Language in Intelligence, in J. Iaalfa (ed.),<br />

What is I~itelhiei~ce?, Cmbridgc, Cambridge University Press, 1994, 161-178.<br />

DENNETT, Danicl, 1994e, lleview of R. Jacl~en<strong>do</strong>ff's Pattems iii fhehliii<strong>da</strong>nd S.<br />

Pinker's The Lri~g~iagt Iiistit~ct, Lon<strong>do</strong>ti Revieiu of Books, 16 (12), 10-11.<br />

DENNETT, Daniel, 19941, Get Real, PiiilosophicaI Topics, 22, 1-2, 505-568.<br />

DENNETI: Daniel, 1995a, Danwi's Dangerous Idea, Sciencei, 35 (3), 34-40.<br />

DENNETT, Daniel, 1995b, Dissccbng Danwi - Reply, Scier~ces, 35 (3, 48.<br />

DENNETT, Daniel, 1995% Evolution as Algoridim -Thc ultimate insult?, in H.<br />

Morowitz & J. Singcr (eds.), The iMitzd, fhe Braiti atrd Co~iIplex A<strong>da</strong>ptiue Syte~iis,<br />

Reading ivIA, Addison-Wesley, 1995,221-223.<br />

DENNETS, Danicl, 1995d, xHomuncuius», ~Intentionalitp),


DENNETT, Daniel, 1998g 119941 Instead of Qualia, in DENNEJT 1998, inicialmente<br />

publica<strong>do</strong> em A. llevonsuo & h. Icampinnen (eds.), Cor~sioiisrress<br />

NI Piitlosopb arid Cogirilive Nerirosieiice, Hills<strong>da</strong>le NJ, Edbaum, 1994, 129-139.<br />

DENNETT: Daniel 1998h (19941, The Practical Requirements for Mahg a<br />

Conscious Ilobot, inicialmente publica<strong>do</strong> em Philosophicai Transactio~zj o/ the<br />

RoyalSocieg, 349 (1689), 133-146.<br />

DENNEIT, Daniel, l998i [1995], The Unimagined Preposteronsness of<br />

Zombies, in DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em Jourr~al oi<br />

Corrscioiis~ress Stiides, 2 (41, 322-326.<br />

DENNETT Daniel, 1998j [1984], Cognitive Wlieels: Tlie Frame Problem of<br />

AI, in DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em C. Hoolrway (ed.),<br />

Miiirds, Machi~zei aird Euohrtiori, Cambridge, Cambridge University Press, 1984,<br />

129-151.<br />

DENNETT, Daniel, 19981 [1986], Producing Fume by Telhg Stones, in DEN-<br />

NETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em FORD & I'YLYSHYN 1996,l-7.<br />

DENNETT, Daniel, 1998m [1986], The Logical Geograpliy of Computational<br />

Approaches, inicialmente publica<strong>do</strong> em M. Brand & R. Harnish (eds.), The<br />

represe ri ta <strong>do</strong>i^ of IOio~u/eedge arrdBeJi$ Tucson, University of Cdifornia Press, 59-79.<br />

DENNETT, Daniel, 1998n, [I9961 Hofstadter's Quest, in DENNETT 1998, inicialmente<br />

publica<strong>do</strong> em Cotqlexig 1 (6), 9-11.<br />

DENNETT, Daniel, 19980 [1995], Foreword to R. French The SiiDtJeg -/<br />

Sarfrei~ess, inicialmente publica<strong>do</strong> em R. French, The Srrbtleg oj Satmrress,<br />

Cambridge MA, MIT Press, 1995, vi-xi.<br />

DENNETT, Daniel, 1998p [1994], Cognitive Science as Reverse Engineering:<br />

Several Meanings of 'Top-Down' and 'Bottom-Up', in DENNETT 1998,<br />

inicialmente puhlica<strong>do</strong> em D. Prawitz, B. Slcyrms & D. Westerstalil (eds),<br />

Logir, Metho<strong>do</strong>lology ar~d Pi,iloropi?y oj Seitiice IX, Amster<strong>da</strong>m, Elsevier Science,<br />

1994, 679-689.<br />

DENNETI; Daniel, 1998q [1994], Artificial Life as Phiiosopliy, in DENNElT<br />

1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em Art$ciaILife, 1, 291-292.<br />

DENNElT, Daniel, 1998r [1988], Wlien Phiiosophers Encounter Artificial<br />

InteUigence, in DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em Daetial:~~, 117<br />

(1). 283-295.<br />

DE&ElT, Daniel, 1998s [1993], Review of Aiien Neweli's Uri$ed Theoricj oj<br />

Cogiiiiiion, inicialmente publica<strong>do</strong> em Arl$cia/ Irrte/I&e~~ce, 59 (1-2), 285-294.<br />

DENNETT, Daniel, 1998t [1988], Out of the Armcliair and Into the Field, in<br />

DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em I'oetics Todg, 9 (I), 205-221.<br />

DENNETT, Daniel, 1998u [1989], Cognihve Ethology: Hunhg for Bargains or<br />

a \Vdd Goose Chase, inicialmente publica<strong>do</strong> em A. Montefiore & D. Noble<br />

(eds.), Goals, No-Goals aird Oiuir Goak A Deiiate on Goal-Direcletl arrd Iirterrtiotrai<br />

Behavioi~r, Lon<strong>do</strong>n, Unwin Hyman, 1989, 101-116.<br />

DENNElT, Daniel, 1998v [1995], Do Animals Have Beliefs?, in DENNETT<br />

1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em H. Roitblat & J: A. I\.Ieyer (eds.), Colparative<br />

Approachej to Cogrritiue Srie~~ce: Conplex A<strong>da</strong>ptiue S,sterns, Cambridge MA, bíiT<br />

Press, 1995, 111.118.<br />

DENNETT, Daniel, 1998~ [1988], Why Creative Intelùgence is Hard to Find:<br />

Commentary on Whiten and Byrne, in DENNETT 1998, inicialmente pnblica<strong>do</strong><br />

em ,Behauiorai arrd Brairz Sciericcs, 11 (2), 253.<br />

DENNETT, Daniel, 1998x [1995], Animal Consciousness, What Matters and<br />

Why, in DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em SociaiResearch, 62 (3),<br />

691-710.<br />

DENNETT, Daniel, 1998y [1994], Self-Poraait, in DENNETT 1998, originalmente<br />

publica<strong>do</strong> em GUTTENPLAN 1994, 236-244.<br />

DENNETT, Daniel, 19982 [1986], Information, Technology and the Virtues of<br />

Ignorante, in DENNETT 1998, inicialmente publica<strong>do</strong> em Dae<strong>da</strong>hs, 115 (3), . .<br />

133.153.<br />

DENNETT, Daniel, 1998z', Preston on Exaption: Herons, Apples and Eggs,<br />

The Jouriiiaíoj Philosop~, XCT7, 11, 576-80.<br />

DENNETI; Daniel, 1998z", Bombas de Intuição, in Brohan, John, A Terceira<br />

Chira, Lisboa, Temas e Debates, 168-173.<br />

DENNElT, Daniel, 1998zn', Things About Things, Final Draft for Lisbon<br />

Conference on Cognitive Science, em http://ase.tufts.edu/cogstud/papers/<br />

/lisbon.htm. (também em BIIANQUINI-10, J., (ed.), The Foii~i<strong>da</strong>tioris oj Cogrliliue<br />

Scierire, Oxford, OUP, 2001)<br />

DENNETT, Daniel & DENSMORE, Sliannon, 1999, The Virtues of Virtual<br />

Ivíachines, Philoiopb oild I%er,o~,/e~ologica/Re~earch, LIX, 3, September, 747-767.<br />

DENNETT, Daniel, 1998z"", Tlie Ivíyth of Double Transduction, in S.<br />

Hameroff, A. Icaszniak & A. C. Scott (eds.), Ton~arrl a Scici~ce oj Corrrciori~i~err<br />

II - The Sccorrd Tiicsorr Disciijsioris arid Debates, Cambridge ivL4, M T Press.<br />

DENNETT, Daniel, 1999a, Review of John Haugeland's Flaiiig Thorigit, Joiiriral<br />

?f phi/o~ophJC XCVI, 8, 430-435.<br />

DENNETT, Daniel, 1999b, 1s Hirsh or Wilson Confused?, em<br />

http://ase.iufts.ed/as/cogstud/ papers/hirsch.fin.htlnl.<br />

DENNETI: Daniel, 1999c, The Possibility of snb-isomorpluc experiential dif-<br />

ferences, em hap://ase.tufts.ed/as/cogstud/ papers/palmsbbs.htmi.<br />

DENNETT, Daniel, 1999d, Swift and enormous, em htip://ase.tufts.ed/as/<br />

/cogstud/ papers/palmer.html.<br />

DENNETI: Daniel, l999e, It's not a Bug, It's a Feature, Joitr~iol oj Co~~icio~is~ie~j<br />

Stiidies, 7,4, 25-27.<br />

DENNETT, Daniel, 1999f, Sort-of symbols?, Bchaviorai and Rrairi Srie~rces, 22 (4),<br />

613.<br />

DENNETT, Daniel, 1999g, We EarLh Neurons, em littp://ase.tufts.ed/as/cogs-<br />

tud/ papers/earthneuron.htm.<br />

DENNETT, Daniel, 1999h, The Zombic FIunch: Exhction of an Intuition?<br />

http://ase.tufts.ed/as/cogstud/papers/~.<br />

DENNETT, Daniel, 1999i, The Evolution of Culture, Charles Simonyi Lecture<br />

delrrrered at Oxford University, http://www.edge.org.<br />

DENNETT, Daniel 2000a, The Case for Ilorts, i11 Bran<strong>do</strong>n, R.B. (ed.), 2000,<br />

Ror0 arid Hii Critis, Oxford, BlackweU (também em Iittp://ase.tufts.ed/<br />

/as/cogstud/ papers/rort.litm).


' Soja M&~ieiis<br />

DENNETT, Daniel 2000h, Are we Explaining Consciousness Yet?, em<br />

http://ase.cufts.ed/as/cogstud/ papers/cognition.h.liun.<br />

DENNETT, Daniel 2000c, Foreword to Danvinizing Culture, em<br />

http://ase.cuEts.ed/as/cogsnid/ papers/aungerfore.pen.hun.<br />

DENNETI: Dsniel 2000d, From T so to Thiko, em http://ase.tufts.ed/;is/<br />

cog~tud/~a~ers/THINI(O.htm.<br />

DENNE'lT, Daniel 2000e, In Danvin's Wake, Where Am I? (APA Presidential<br />

Address) em littp://ase.tufts.ed/as/cogstud/ papers/apapresadd.hun.<br />

DENNE~?, Deniei, 2000f, lvitlitli a Littl; Help-~ioin My Èriends, in IIOSS,<br />

BROOIC & THOLPSON 2000,327-388.<br />

DENNRlT Daniel & TAYLOR. Christonher 2000. Who's Afraid o€<br />

--- , -<br />

Determinism?, em http://ase.tufts.ed/as/cogsnid/ papers/kitdraft/htm.<br />

WESTBURY, C. & DENNElT, Daliiel, 2000, bhing the past for the fume, in<br />

D. Scliacter & E. Scarry (eds.), Me~~jo-y, Braiii arid Be4 Cambridge MA,<br />

Harvard University Press.<br />

DENNETT, Daniel, 2001, The fantasy of first person science, em<br />

http://ase.mfts.ed/as/cogshid/ papers/chahersdeb3dft.hm.<br />

AIUNS, Iates, Cambridge, híA, bLIT Press.<br />

BODEN, Margaret, 1977, ArhTiciL Iiite//&ei~ce and th Notr~rul Mari, New Yorlc,<br />

Basic Books.<br />

BODEN, biargaret (ed.), 1996, Thc phi/o~op@ of Arf$cia/ I/~te/iige~ice, Oxford,<br />

Oxford University Press.<br />

BMDDON-MITCHEJdIa, D. & JACICSON, E, 1996, Phi/osopky qf Miiiil aili1<br />

Cog,Nioin Oxford, Bladnvell.<br />

BRAITENBERG, Valencino, 1984, I'ehicles - E~xpc~i~~ieiits i11 Syiithetir Pgcholo~\<br />

Cambdg MA, bIlT Press.<br />

BlmNTANO, Frmz, 1995 118741 Pgcho/ogy Fror/~ ali E/~@irica/Poiocii/ o/ Vie~u (tradugão<br />

inglesa de Pgcholotie I/o/rl Em,byiri~eii S~OII+ZIII~~), Lon<strong>do</strong>n, Routledge.<br />

BRONCANO. Fernan<strong>do</strong>. 1995. E1 control racional <strong>da</strong> Ia conductíi in La Mente<br />

BROOICS, Rodney, 1997, Iiitelligence - without Represetitation, in IHAUGE-<br />

J>AND 1997d,395-420.<br />

BURGE, Tyler, 1979, Individualism and tlie Mental, Miriivest Sliidic.~ iiz Phi/osophy,<br />

vol. Il: Studies in hletaphysics, bíinneapolis, University of bíinnesota Press,<br />

73-121.<br />

BUIIGE, Tyler, 1992, Pliiosopliy of Lanqage . - and bhd 1950-1990, The<br />

~hi~oso~h~cal Reuieiu, 101, 1, 3-51;<br />

BYlWE, Ales, 1994, ~Behavions~m, in GUTTENPLAN 1994, 132-140


, Soja M&ueris<br />

CANTL%LJa SIvIITH, Brian, 1996, 01, thc Orrgiri of O@tcts, Cambridge ivL4, bU'i<br />

Press.<br />

CARROL Lewis, 1995, Aiice i~, IVonderla~~d Throigh the Lookilig Glass, Ware,<br />

Hutfordshire, Wordsworth.<br />

CHALiMERS, David, 1996, The Coriscioi~s Mirrd Iri Search oi a Fiiri<strong>da</strong>?/ierrral Thory,<br />

Oxford, Oxford University Press.<br />

CHALbLERS, David, 1997a, Facing Up to the Prohlem of Consciousness, in<br />

SHEAR 1997, 9-30.<br />

CHALMERS, David, 1997b, Moving Fonvard on tlie Problem of<br />

Consciousness, in SHEAR 1997, 379-422.<br />

CHEMERO, Anthony, 1999, How to I>e w Airti-R~reseritalior~alrst, Doctoral<br />

Dissertation, Deparunent of Philosophy and Cognitive Science, Indiana<br />

University, ~mm~psych.indiana.edu/hyplan/achemero/p;ers.<br />

CHENEY, Dorothy & SEYEARTH, Robert, 1990, I~OIU Morrkgs See The Wori4<br />

Chicago, University of Chicago Press.<br />

CHERNIAIC, Chtistopher, 1986, Mi~ii~lial RoRalioriality, Cambridge MA, bIIT<br />

Press.<br />

CHURCHLAND, Paul, 1981, Eliminative Materialism and the Propositional<br />

Attitudes, Joimal of Philosoplg 78, 67-90.<br />

CHURCHLAND, Paul, 1992 [1984], Materioy Coi~sciencia, Barcelona, Gedisa.<br />

CHURCHLAND, Paul, 1994, «Follc Psychology (2)», in GUTTENPLAN 1994,<br />

308-316.<br />

CHURCHLAND, Paul, 1995, The Erigiie of Rcasori, The Sent of the Soiil: A<br />

Pl,ilosophicalJoiir~~g ifito the Braiii, Cambridge M.4, bflT Press.<br />

CHURCI-ILAND, Pabicia, 1981, On the Alieged Backwards Referral of<br />

Experiences and its Relevance to the içünd-Body Problem, Philosoplg of<br />

Scieirre, 48, 165-181.<br />

CHURCHLAND, Pauicia, 1981, The timing of sensations, Plrilosopip of Scierice,<br />

48, 492-497.<br />

CI-IURCHLAND, Patricia, 1986, Neiirophiiosoplg: Toiuard a U~ii/ied Scierrce of the<br />

iVJitid-Brair,, Cambridge MA, MIT Press.<br />

CHURCHLAND, Patricia & MbLACHANDRAN, T?, 1993, FiUing In: Why<br />

Dennett is Wrong, in DAHLBOIVI 1993,28-52.<br />

COELHO, Helder, 1995, I,iteh@cia Arli/icia/ e?// 25 Lipies, Lisboa, Fun<strong>da</strong>ção<br />

Calouste Gulbenkian.<br />

COOPER, L. & SI-IEPARD, R., 1973, Chronomerric Studies of the Rotation of<br />

Mental Images, in CHASE, \V (ed.), Visz1a7/It@r/?/atioii Proressig 1973, 75-115.<br />

CLAIUC, Andy, 1997, Beirig There: Pzltti~g Brairi, Body arid World Togethr Again,<br />

Cambridge MA, MIT Press.<br />

CRICIC, Francis, 1994, The Astoiiishirg Hypotheris: The Srier~ti/ic Searchfor the Soii/,<br />

Nem York, Scribner<br />

DAHLBOM, Bo, (ed.), 1993, Derinett ar~d 1-12s Critics, Oxford, Blackweli.<br />

Ufi/a Teoria Fisicaiisfa <strong>do</strong> Corite/;<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisriêiicia<br />

DMILBOrLI, Bo, 1993a, Editor's Introduction, in DAHJ;BOM 1993, 1-12.<br />

D~L~~Io, António, 1992, Tlie Selfless Consciousness, Behauioral aird Brairl<br />

Scierm, 15, 208-209.<br />

DA~IÁsIo, António, 1994, O Erro de Descartes, Lisboa, Europa-América.<br />

DA~\~~~sIO, António, 1999, Th8 Feelnig o/ Wht HHappeirs: Body aiid Ernotiori ofi the<br />

iMaki,tg oi Coriscioi~sr~ess, New York, Ilarcourt Brace.<br />

DAVIDSON, Donald, 1980, Essqs ori Artioris arrd Euetrts, Oxford, Oxford<br />

University Press.<br />

DAVIDSON, Donald 1980a 119631, . . Actions, Reasons and Causes, in DASID-<br />

SON 1980.<br />

DAVIDSON, Donald, 1980b [1970], Events as Particulars, in DAVIDSON<br />

1980.<br />

DAVIDSON, Donald, 1980c [1976], Hempel on Esplilining Action, in DAVID-<br />

SON 1980.<br />

DAVIDSON, Donald, l980d [1970], Mental Events, in Dr\IrIDSON 1980.<br />

DAVIDSON, Donaid, 1980e 119741, Psychology as Phiiosophy, in DATIIDSON 1980.<br />

DAVIDSON, Donald, 1980f [1973], The Material bünd, in DAI'IDSON 1980.<br />

DATTDSON, Donald, 1982, Rational Animals, Dialeclica 36, 318-327.<br />

DAVIDSON, Donald, 1987, Ibowing One's Own lMUid, Proceedi~gs arid Addrtsse~<br />

of theA/lrericari PiiilosophicaI asso na tio^, 1987, 441-458.<br />

DATTDSON, Donald, 1984, Iirqiiiries irito Triit/i arid Iriferp>-etatio~r, Oxford, Oxford<br />

University Press<br />

DAVIDSON, Donald, 1984a, Radical Translation, in DAVIDSON 1984.<br />

DAVIDSON, Donald, 1984h, Belief and the Basis of Meaning, in DAVIDSON<br />

1984.<br />

DATiIDSON, Donald, 1994, «Davidson», em GUTTENPLAN 1994,231-236.<br />

DAWIUNS, Richard, 1989 [1976], O Geire Egoista, Lisboa, Gradiva.<br />

DESCARTES, René, 1985 [1641], iMedtnções rolire n Fi/oso@a Pri?xeira, Coimbra,<br />

hlmedina.<br />

DESCOMBES, Vicent, 1995, LA Den& Mertaie, Paris, Minuit.<br />

DRETSICE, Fred, 1999 [1981], Krioiuletlge and the Fio'loiu of Irfir~~ianoii, Stanford<br />

California, CSLI Publications.<br />

DRETSICE, Fred, 2000 119831, . . Préus o€ K~roiule&e - aird the Flo~u of . Ir~/Órmatiori, . in<br />

Dretske, F. & Bernecker, S., 2000, Kr~oiuied~e - Readir~s iri Co~ite~nporaty<br />

E~isfe~liology, Oxford, Oxford University ~ress,-103-117.<br />

DlBTSICE, Fred, 1993 [1986], Misrepreseritation, in GO12DMAN 1993,297-314.<br />

DRETSIa. Fred. 1988. . EExblair,N,e , - Behavior - Reasorrr i), a IVorId of Cmises,<br />

Cambridge bL4, MT Press.<br />

DRETSICE, Fred, 1988a. Tlie Stance Stance, in BehouioralaridBrai~i Sciefices 11 (3), . .<br />

511-512.<br />

DWTSICE, Fred, 1990, Does Meaning Matter?, in E. Viüanueva (ed),<br />

Iffor?/iotiori, Se~nariticr arid Epistmoiogy, Oxford, Blacliweli, 5-17.<br />

DRETSICE, Fred, 1994 Differences That Make No Difference, Philosophicai<br />

Topics, 22, 1-2, 41-57.<br />

DRETSIa, Fred, 1994, «Dretska> in GUTTENPLAN 1994,259-265.


DRETSI(E, Fred,1995, Natr~rali+tg the Millá, Cambridge MA, bíIT Press.<br />

DRETSIa, Fted, 1997, Conscious Experiente, in BLOCIí FLANAGAN &<br />

GUZELDERE 1997,773-788.<br />

DREYi?US, Hubert, 1972, What Coitqt~ters Co~i't Do, New York, Harper & Row.<br />

DUMMETT, Michael, 1978, Tntth arid Other Eir&ri~as, Cambridge RIIA, E-Iarvard<br />

University Press.<br />

DUMiiBTT, bfichael, 1978b, Oxford Phiiosophy, in DUivíMETT 1978, 431-<br />

436.<br />

DUivLnfETT, Ivíichael, 1993, Ongirs oi Ana!ytic Phi/orophy, Cambridge, MA,<br />

Harvard Uriiversity Press.<br />

DUivíMETr, Michael, 1997, Uma Perspectiva Anti-Realista sobre a Linguagem,<br />

o Pensamento, a Lógica e a História <strong>da</strong> Filosofia Anaiítica (entrevista por E<br />

Pataut), displ~tatio 3, 22-56.<br />

DUPUY, Jean-Pierre, 1994, AIIX Ongi~ies des Scieii~es Cog~~itiues, Paris, La<br />

Découverte.<br />

EDELhIAN, Gerald, 1987, 1Veiral Dar7vi11is1n: The Thcoy of Nez~rorral Grotlp<br />

Selectiori, New York, Basic Books.<br />

EDELbíAN, Gerald, 1989, The Rertlernbered Prcse~~t A Bio/ogica/ Theoy of<br />

Co~rscioz~srieri, New Yorlt, Basic Books.<br />

ENGEL, Pascd, 1998, I~~trodiição à liilosofio <strong>do</strong> Eqirito, Lisboa, Instituto Piaget.<br />

EVANS, Gareth, 1982, The Varieties qf R-jreiire, Oxford, Oxford University Press.<br />

FLANAGAN, Owen, 1992, Cor~sior,s~zess Rem~isidered, Cambridge MA, iVLIT<br />

Press, 1992.<br />

FODOR, Jerry, 1968, P~chologi~ulExpla~iaho~i, N~ew York, Ran<strong>do</strong>m House.<br />

FODOR, Jerry, 1975, The Larguagc o/ Thorght, Cambridge bíA, Harvard<br />

University Press.<br />

FODOR, Jerr): 1983, The Mod~ilari& oi Mbid Ai/ Essy on I"ac114 Pgrhology,<br />

Cambridge IvLA, bíiT Press.<br />

FODOR, Jerry, 1980 [1974], Special Sciences or tbe Disunity of Science as a<br />

Worl~g Hypothesis, in Ned Block (ed.), 1980, Readiigs Ni the Philosophy of<br />

Pgchology, vol. I., Cambridge ivíA, Harvard University Press, 120-133.<br />

FODOR, Jerry, 1981, Representations - Essays oii Cogiiitive Srielrre, Cambridge MA,<br />

MIT Press.<br />

FODOR, Jerr): 1981a, Metlio<strong>do</strong>logical Solipsism as a Research Strateg): in<br />

FODOR 1981.<br />

FODOR, Jerry, 1987, I'gchoscntantics, Cambridge MA, MIT Press.<br />

FODOR, Jerry, 1990, A Theoy of Co~terzt aid Other Essqs, Cambridge MA, bilT Press.<br />

FODOS Jerry, 1990a, Fo<strong>do</strong>r's Guide to Mental Representations. in FODOR 1990.<br />

FODOR Jerry & LEPORE, Ernest, 1992, Holis~t~: a Shopperk Gz~ide, Lon<strong>do</strong>n,<br />

Blackweii.<br />

FODOR, Jerry & LEPORE, Ernest, 1992, D.C. Dennett and the Normativity of<br />

Intentional Asuiption (and a little more about Davidson) in EODOR &<br />

LEPORE 1992.<br />

Sofia M&uerls U~ttil Teoria Fisicalista rio Coriteti<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Corisciêriciu<br />

FODOR, Jerry, 1994~1, The Ehn orid the Expert - Mentulese atld Its Se~t~a~itics,<br />

Cambridge bLA, MIT Press.<br />

FODOR, Jeiry, 1994b, «Fo<strong>do</strong>w>, in GUTTENPLAN 1994,292-300.<br />

FODOR, Terrv, 1998a. Concepts - Where Co~r~ihue - Sner~ct We~t W~org, Oxford,<br />

~larenbon ~ress .<br />

FODOR, Jerry, 1998h, Iri Critica1 Conditioir: Poler~ica/ Essqs o11 Cogiitiiue Sieirce atid<br />

the Philosophy of Mir~d, Cambridge IMA, híIT Press.<br />

FODOR. , , lerrv. ,. 2000. The iWd Doesrz't Work That 1Vay: - The Scope aiid Li~nits of<br />

Co~~/P~~tttioira/ Pgrhlogy, Carnbridge MA, IWT Press.<br />

FOW I


Soja Migzieirs<br />

HAI-IN, Ed\vin e SCHILPP, Paul A. (eds), 1998, The Philosopb of KO Q/ir,e,<br />

(expanded edition), The Library o€ Livihg Philosophers, vol. XVIII, Chicago<br />

IUinois, La SaUe, Open Court.<br />

HARDCASTLE, Valerie, 1998, Binding Problem, in BECI-ITEL, Wiilliam &<br />

G W I , George 1998, 555-565.<br />

HARDIN, C.L., 1988, Colorjòr Piiilosophers - U~riueaviig thc Raiiibo~u, Indianopolis,<br />

Hackett.<br />

HARDIN, C.L., 1933, Color S~i@ectiuism, in GOLDMANN 1993, 493-507.<br />

HARbíAN, Gilbert, 1995, Rationality, in SlvIITH & OSHERSON 1995, 175-<br />

211.<br />

HAUGELAND, John (ed.), 1981, Mi~idDesigr I, Cambridge &IA, MIT Press.<br />

HAUGELAND, John, 1982, The Motber of Intention, Nods, November, 16 (4),<br />

613-619.<br />

HAUGELAND, John, 1985, Art~riaiI~rtelhgence,~~, Cambridge MA, MIT Press.<br />

I-IAUGELAND, Jolin, 1993, Patterns and Being, in DAHLBOM 1993, 53-69.<br />

HAUGELAND, John, 1997, Flaui~g Thoight: Essays ir, the Mctapbsics of Mhid,<br />

Cambridge MA, Harwrd University Press.<br />

I-LAUGELAND, John, 1997a, Urrderstaridir'gr Deiriietl aiid Sear/e, in HAUGE-<br />

LAND 1997.<br />

HAUGELAND, John, 1997b, Mirid e,/~bodicd aiid entbedded, in HAUGELAND<br />

1997.<br />

HAUGELAND, John, 1997c, Trirth aird &de-Folloiu~, in I-IAUGELAND 1997.<br />

HAUGELAND, Jolin, (ed.), 1997d, Mirid Deiigii 11- Philosoplg, Pgchologii A>;t$cial<br />

I~rtehgwce, Camhridge MA, MIT Press.<br />

HOBSON, J.A., 1999a, Dreaming, in MLSON & IEIL 1999,242-244.<br />

HOBSON, J. A,, 1999b, Sleep, in WILSON & ISEIL 1999,772-77s.<br />

HOFSTADTER, Donglas, 1980, Godci, Escher, Bach: An Eter~ral Goideir Brd. A<br />

nzef@horica/&re o11 mi~rds ai~d rf~acliies i11 thc spirit of Lciuis Carroli, Lon<strong>do</strong>n,<br />

Penguin.<br />

HOFSTADTER, Donglas 1981a, Reflections (on J. R. Searle's ~Mitids, Broirrs afid<br />

I'rogro~zas), in HOFSTADTER & DENNETT 1981, 373-372.<br />

HOFSTADTER, Donglas, 1981b, Reflections on D. Hofstadter's Prehde. Arit<br />

Fig~te, in HOFSTADTER & DENNETT 1981, 191-201.<br />

HUh'íE, David, 1985 (17391, A Treatise $ Hf~rriari iUritui.e, Beirg Ar Attempt to<br />

Iiitradiice the Expeii711erital Method o/ ReasoirNg iirto Moral S~r@er/s, Lon<strong>do</strong>n,<br />

Penguin.<br />

HUkíE, David 1988 [1779], Dialog~res Coriceririxg Natztra/ Rehgioir arid the Posth1t7iio11s<br />

Essays, Indianopolis, Indiana, Hackett.<br />

HUMPHREY, Nicholas, 1988 [1976], The soria/jrriclioir of iiitellect, in WHITEN &<br />

BYRNE 1988, 13-26.<br />

HUMPHREY Nicholas. 1995. U>ia Historirr (Ii Ia Mente. Barcelona. Gedisa.<br />

HU~IPHRI?,< Nicholas; 199j, Reviecv of ICtids of ~iirds, ]oiir~~a> o/. Phi/osopb,<br />

Fehruary 1997, 94 (2), 97-103.<br />

Uma Teoria Fisico/ista <strong>do</strong> Cor~te~~<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cotisciêtrria<br />

JACIGON, Frank, 1993, Appendi A (for philosophers) in P,N/osophicnl niid<br />

~heliolne~o/ogid~esearch, 53 (4), November-December, 899-903.<br />

JACISON, Frank, 1997a [l986], IYhat iMaiy Dih2 K>ioii( in BLOCIC, FLANA-<br />

GAN & GUZELDERE 1997,567-570.<br />

JACICSON, Frank, 1997b, Findirig the Mitid i~r the Natiiral Worldin BLOCI


Soja Migietrs<br />

LIBET, B., 1989, The Timing of a Subjective Experiente, Behuiorlil and Braiir<br />

Sriwices 12, 183.185.<br />

LIBET, B., 1998, Solutions to the Hard Problem of Consciousness, in SHEAR<br />

1997, 301-301.<br />

LOCICE, Johu, 1999 [1690], E~rsaio Sobre o Errte~idit~~ei~to Hr~moiio, Lisboa,<br />

Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkan (trad. E. Soveral).<br />

LORIVLAND, Eric 1994, Qnalia! Now ShowLig at a Theater Near You!, in<br />

l'hiloso~hirci/ Topirs, 22, 1-2, 127-1 56.<br />

LOUI, Ronald, 1996, Back to the Scene of the Crime: or, Who Survived Yale<br />

Shoohlg?, in FORD & PYLYSHYN 1996, 89-98.<br />

LUCAS, JR 1961, hlinds, I\Iachies and Godel, I'hi/osop~ 36, 112--127.<br />

LYCAN, Wiam, 1992, UnCartesian Materiaiism and Lockean Introspection, in<br />

Bebavioral nild Brain Srie~rces, 15 (2), 216-217.<br />

MACHUCO ROSA, António, 2002, Dos Sisfemas Ce~~fra<strong>do</strong>s aos Siste,i~arAce~~tra<strong>do</strong>s<br />

- Motlelos <strong>da</strong> Rayâo en1 Ciências Cog~~itiuos, Teoria Soial 8 1Vovas Tec~~ologias <strong>da</strong><br />

Irfor?nação, Lisboa, Vega.<br />

MALCOLM, Norman, 1956, Dreaming and Slcepticism, Phi/osophicfl/ Reuieru,<br />

LXT< 14-37.<br />

MALCOLM, Norman, 1959, Dreanii~g, Lon<strong>do</strong>n, Routledge and ICegan Paul.<br />

MARCEL, Anthony & BISIACH, E<strong>do</strong>ar<strong>do</strong>, (eds.) 1988, Co~iscioris~ess iii<br />

Cont~r~poray Sciei~ce, Oxford, Oxford University Press.<br />

MARR, David, 1982, Virion, San Francisco, Freeman and Co.<br />

ivIcCARTHY, J. & HAYES, P., 1969, Some Philosophical Problems from &e<br />

Standpoint of Artificial Intelligeuce, in D. bIichie (ed.), Machixe I?~feli~gei~ce,<br />

vol. 4, Ediiburgli, Edinburgh University Press, 463-502.<br />

ivIcCULLOCH, W. & PITE, V(! H., 1943, A Logical Calculus of the Ideas<br />

Immanent in Nervons Activity, B~


Soja Migieiis<br />

POLGER, Thomas, 2000, Zombies Explained, in l


ROSENTHAL, David, 2000, Content, Intetpretation and ~onsciousness, in<br />

ROSS, BROOIC & THOMSON 2000,287-308.<br />

ROSS, Don, BROOIC, Andrew & THOMPSON, David (eds.), 2000, De~~neffS.<br />

PMosoplp: A Co~~preheirsiue As~essmcrit, Cambridge MA, MIT Press.<br />

ROSS, Don & BROOIrd Brani Scieiices,<br />

3 (3), 417-424.<br />

SEARLE, John, 1998 [1992], A Redescolier-ta <strong>da</strong> nilerife, Lisboa, Instituto Piaget.<br />

SEARLE, John, 1997, The Mistey of Coirsriosis~ress, NNV York, New York Review<br />

Book.<br />

SEARLE, John, 1997a, An Exchange With D.C. Dennett, in SEARLE 1997,<br />

115-131.<br />

SELLARS Wiifrid, 1963, Empii-icism and the Philosophy of Mind in Sellars, W,<br />

Scieiice, Perc@tioir aird Realfty, Lon<strong>do</strong>n, Routledge and I(egan Paul.<br />

SEYFARTH, R., CHENEY, D. & MARLER, P., 1980, Monkey Responses to<br />

Three Different Alarm CaUs: Evidence of Pre<strong>da</strong>tor Classification and<br />

Semantic Communication, Sierice, 210,801-803.<br />

SHAFIR, E. & TVERSI(Y, A,, 1995, Decision Malcing in SivliTI-I & OSHER-<br />

SON 1995, 77-100.<br />

SHEAR, Jonathan (ed.), 1997, Explaitrirg Coirsiorisriess - The FJard Proble~n,<br />

Cambridge MA, A'OT Press .<br />

SHEPARD, R.N. & METZLER, J, 1971, Mental Rotation of Three-<br />

Dimensional Objects, Sierice, 171, 701-703.<br />

SHEPARD, R.N. & COOPER, L., 1982, i21eirlal J~nages aizd Their Trai~sJor~~~atioirs,<br />

Cambridge MA, MIT Press.<br />

SHOEIvíAICEl< Sidney, 1997, The Inverted Spectrun, in BLOCIC, FLANA-<br />

GAN & GUZELDERE 1997,643-662.<br />

SIEWERT, Charles, 1993, Wliat Dennett Can't Imagine and Wby, in Iriqiii'y 36,<br />

1-2. 93-112.<br />

SIMON, Herbert, 1995, Technolog~ -. is not the problem, in BAUMGARTNER<br />

& PAYR 1995,231-248.<br />

SUvION, Werhert, 1996 [1969], TheSriElmsof theArb$cia/, Cambndge IvN, h,UT Press.<br />

Urna Teoria Fisicaiista <strong>do</strong> Contei<strong>do</strong> e <strong>da</strong> Cor~sciêi~na<br />

SIUNNER, B.E, 1953, Srieiree arid H~~n~aii Behauiol; New York, Free Press.<br />

SIUNNER, B.E., 1971, B~ond Free<strong>do</strong>m a~rdDig,ig, New York, IOiopf.<br />

SIUNNEl


Soja Mtgi~eiis<br />

TAYLOR, Charles, 1996, HZIIII~II &nry and Li~gilage - PhiIosophica/ Pqers vol; I,<br />

Cambridge, Camhridge University Press.<br />

TAYLOR, Charles, 1996, Phi!osop& ozd the HIIII~~II S6er1ces - PhilosophicnI I'qers,<br />

vol. 11, Camhridge, Camhridge University Press.<br />

THOhPSON, David, 2000, Phenomenology and Heterophenomenology, in<br />

ROSS, BR001C & THOhn'SON 2000, 201-218.<br />

TOLLIVER, Joseph Thomas, 1994, Interior Colors, in Phi!osophical Topics 22, 1-<br />

2,411-441.<br />

TURING, Alan, 1950, CompuMg Machinery and Intelligence, Mirid, 59,433-460.<br />

TVERSI(Y, Amos & IQWNWLAN, Daniel, 1981, The Framing o€ Decisions<br />

and tlie Psychology o€ Choice, Scierice 211, 453-458.<br />

TVERSICY, Amos & IWHNEhLAN, Daniel, 1982,Judgment under Uncertainty:<br />

Heuristics and Biases, in ICahneman, D., Slovic, P. & Tversky, A. (eds.),<br />

Tz~d~merit - i~nder UticertoiW: - He~iristics and Biaies, Cambridge, Cambridge<br />

University Press.<br />

TVERSIU, Amos & IWINEhíAN, Daniel, 1993, l'ro6abilisrtir Reaso~iiig, in<br />

GOLDhfAN 1993,43-68.<br />

TYE, bíichael, 1993, Reflectioiis on Dennett aiid Consuousness, in Phi/osoph~cd<br />

arin'Phetior~ier~o/gica/ Research, 53 (4), Novemher-Decemher, 893-898.<br />

VAN GULLICIC, Robert, 1997, Time for More Alternatives, in BLOCIC, FLA-<br />

NAGAN & GUZELDERE, 181-183.<br />

WARNEl?, R., & SUBICT, T. (eds.), 1994, The 1Wd-Boaj Pro6lern, Oxford,<br />

Blachvell.<br />

WEISIUUNZ, Larry, 1986, BIN,dright: A Co~e Sti~aj aild Irr~licatioris, Oxford,<br />

Oxford University Press.<br />

WEISIUUNZ, Lary, 1997, Cot~scioiisiiess Lost aiid Foiltid - A Nei~ropgchologica/<br />

Exploratiori, Oxford, Oxford University Press.<br />

WHITE, Stephen, 1994, Color and Notional Content, in I'hilosophirai Topics 22,<br />

1-2,471-503.<br />

WHITEN, A. & BYRNE, R (eds.) 1988,1\/lnclaucl/ia1i Iritelhgeiice- SocialExperiise arifi<br />

lhe EyO/lifioiz 6 IiiielIeci i11 Morikys, Apcs aiid H~irmirs, Oxford, Claren<strong>do</strong>n Press.<br />

WILLIAiifS, Bernard, 1981, n/lora!h~ck, Camhridge, Cambridge University Press.<br />

WILSON, R. & IEIL, E. (eds.) 1999, The IMIT E7igclo/>edio cf Cogtii/i~e Srie~ice,<br />

Cambridge, MA, hIlT Press.<br />

WIlTGENSTEIN, Ludwig, 1987 [1953], Iiiuest&a;Ões rilosofcas, Lisboa,<br />

Fun<strong>da</strong>gão Calouste Gulbenlian (trad. h1.S.Lourenço).<br />

YKrES, J.l? & ESTIN, P.A., 1998, Decision hlakingin BECTHEL & GRAHAIVI<br />

1998, 186-196.<br />

ZILI-IÃO, António, 1993, Li>g~lugerzi <strong>da</strong> FiIos@a e Fi/os@o <strong>da</strong> Liigi~agern - ES~II~OI<br />

sobre IF'ii@eristei~i, Lisboa, Colibri.<br />

ZILHÃO, António, 1998/99, Fok Psychology, Rationality and Human Acbon,<br />

in Graxer Phi!osopbische Si~~dicn, 56, 1-28.<br />

Índice Onomástico<br />

Anscomhe, G. E. &I., 11, 35, 71, 72,<br />

97, 98,118-127, 574<br />

Arinstrong, D., 46, 51, 574<br />

Ayer, A.J., 52<br />

Baars, B., 38, 253, 254, 279,389, 574<br />

Babbage, C., 34<br />

Baron Cohen, S., 457, 574<br />

Berkeley, G., 45, 135<br />

Block; N., 154, 171, 250, 262, 263,<br />

271,272,297,316,317,336,337, 575<br />

Boole. G., 34<br />

Brentiino, E., 61, 65, 512, 575<br />

Brooks, R., 443,550, 575<br />

Burge, T., 189, 192, 575, 576<br />

Chalmers, D., 15, 27, 38, 50, 51, 159,<br />

251,260,269,270,271,273,274,275,<br />

. , , . . .<br />

276.277.278.288.382.384.386.387.<br />

388,481,528,576<br />

Changeux, J.P., 80, 341<br />

Clieney, D., 450, 452, 455, 456, 460,<br />

462, 576<br />

Chomsliy,N., 33, 99, 138,140,247,440<br />

Church. A.. 34<br />

Cliurcliland, Patricia S., 34, 48, 55,<br />

111, 137,151,180,200,239,332,450,<br />

488, 532,576<br />

Churchland, Paul ivl., 27,34,137, 151,<br />

180,200,211,239,488, 532,576<br />

Clark. A,. 154.488. 576<br />

Dahlhom, B., 48, 49<br />

Damásio, A,, 256-259, 473, 534, 577<br />

Davidson, D., 26, 119, 121, 172, 173,<br />

184, 198,218,231,240,419,457,510,<br />

512, 515,516,517, 542, 548,549, 577<br />

Dawhs, R., 192, 193, 341, 450, 452,<br />

453.577<br />

Descartes, R., 28, 34, 97, 257, 405,<br />

537, 538, 577<br />

Descombes, I?, 438, 577<br />

Dretske, E, 14, 27, 28, 51, 108, 135,<br />

139 189. 190. 192.201.204.205.206.<br />

240: 500: 521, 528, 577, 578<br />

Dreyfus, I-I., 115, 447, 490, 491, 578<br />

Dummett, &I., 31, 32, 52, 55, 187,<br />

208,449,578<br />

Dupuy, J.P., 33, 553, 578<br />

Eccles. 1. 327. 584<br />

Edelmá'n; G., 38, 80, 251, 254-256,<br />

338,341, 578<br />

Espinosa, B., 28, 550, 556<br />

Evans, G., 209,356<br />

Planagan, O., 270,282,578<br />

Fo<strong>do</strong>r, J., 13,14,25,27,28,30,31,34,<br />

36,64,66,93,130, 136,137,139,140-<br />

146, 147, 148,149, 151,154,168,171,<br />

180,189,192,197,200,201-206,210-<br />

213, 218,224,225,226, 229,230-238,<br />

239,243,247,271,277,298,299,347,<br />

419,440, 484-485,496,500,502, 503,<br />

509, 510,521, 547,549,554,578,579<br />

Frankfurt, H., 420,423,579<br />

Frege, G., 31, 208, 232, 234, 235, 236


Gibson, J., 154,488, 579<br />

Gil, E, 9,554,579<br />

Goodman, N., 325,329,330,579<br />

Gnuld, S.!., 189, 247, 450-453, 579<br />

Grice, P.,-417, 418, 419<br />

Griffin, D., 443, 445, 446, 450, 451.<br />

454,579<br />

Hardin, C., 374. 375, 376<br />

Haugeland, J., 17, 195-200, 490-500.<br />

-~. 508 . --- 580<br />

Hayes, P., 446, 464, 582<br />

Hebb. D.. 72<br />

~obbes, T., 45, 395<br />

Hume, D., 28, 34, 46, 47, 145, 246:<br />

284, 397,465-468, 537<br />

Hnmphrey, N., 369,374,378,413-414:<br />

450,451,453,473-475<br />

431,487,581<br />

Jaynes, J.,316, 344,409, 581<br />

Johnson-Lakd, P., 279<br />

Icant, I., 28, 34, 283, 400, 405, 409.<br />

411,425,496<br />

Icaplan, D., 210<br />

I&, J., 27, 274, 481<br />

I(insliourne, M., 329, 337<br />

I


Índice Semático<br />

abstracmm, 359<br />

acção intencional, 118-127<br />

actos de fala, 15, 281, 282, 313, 318,<br />

351-356, 365-366<br />

a<strong>da</strong>ptacionismo, 194,242,243,452-453<br />

agentes, 23, 40, 93, 114, 121, 126, 137,<br />

152, 153, 160, 182-186, 195, 198, 284,<br />

311, 312, 316, 352, 354, 356, 358, 360,<br />

391, 393, 396, 401-402, 405, 407-411,<br />

420,426-428,431-433,446,463<br />

analógico, 297,298,299,300,303,304<br />

Argumento <strong>do</strong> Conhecimento, 38,<br />

275,383,387<br />

artificial, 16,39,73,115,163,245,309,<br />

310,440-442, 555<br />

autismo, 457<br />

auto-consciência, 255, 256, 415, 417-<br />

421,435,492,519,538, 557<br />

auto-contxolo meta-reflexivo, 16, 39,<br />

406,421,422-426,520, 556-557<br />

auto-engano, 170,360,392,511<br />

auto-monitorização, 67, 193, 365,<br />

430-526<br />

auto-representação, 358,412,413,445,<br />

492,517, 557<br />

avatiação forte, 16, 396, 422-424, 556<br />

barreira <strong>da</strong> Fusão, 74<br />

behavionsmo, 13, 48, 49, 59, 60, 71,<br />

72, 86, 137-139, 159, 162-165, 171,<br />

272-273,444,458<br />

behaviorismo lógico, 49, 142, 152,<br />

154,305<br />

cérebro dividi<strong>do</strong>, 360<br />

cibernética, 33, 72<br />

coelho cutâneo, 325,328,331<br />

compatihiismo, 15,391,399<br />

comportamento dingj<strong>do</strong> por hns, 86-89<br />

conexionismo, 444,550<br />

conexões aferentes-eferentes, 82-83<br />

consciência de intenção, 325,333-334<br />

concinuismo, 385, 522<br />

controlo, 12, 16, 101-107, 351-357,<br />

403-405.406-410.422.434<br />

cor, 111:112,373:380<br />

detihera<strong>do</strong>r, 16,426-433<br />

descrições conceptuais e explicações<br />

causais, 35<br />

desordem de personali<strong>da</strong>de múltipla,<br />

277,414<br />

determinismo, 16, 396, 397, 398, 399,<br />

400,401,402,403,404,405,420,427<br />

disposições comportamentais, 54, 154<br />

<strong>do</strong>r, 12, 15, 57, 68-69, 93-94, 97, 98,<br />

99, 308-310, 318<br />

Efeito Baldwin, 338, 342, 344<br />

eliminativismo, 14, 180, 200-201, 238-<br />

261, 390<br />

embebimento, 21,179,534<br />

empirismo, 142, 538, 548, 550<br />

engenharia inverti<strong>da</strong>, 16,34,437,440<br />

entendimento genuíno, 40, 241, 383,<br />

480,497-498, 521, 522<br />

epifenomenismo, 28, 380, 381, 382<br />

epistemoiogia namraliza<strong>da</strong>, 27, 62, 540


erro categorial, 52, 53, 74, 79, 121<br />

esboços múltiplos, 15, 19, 25, 37, 213,<br />

250, 252, 312, 313, 315, 316, 322-324,<br />

330,356,357, 360,389,475,524<br />

ética <strong>da</strong> virtude, 16,429<br />

etologia cognitiva, 17,30,39,445,448-<br />

462, 535<br />

eu, 16, 16, 29, 34, 38, 40, 49, 256-258,<br />

279-280, 357-360, 393-395, 414, 422,<br />

492, 526, 529-531,553, 557<br />

evolução no cérebro, 80,88,278,340-343<br />

evolucionismo, 13, 14, 48, 90, 135,<br />

163,245,451<br />

fenómeno phi, 325,328,329,333<br />

fenomenologia, 31, 37, 94, 131, 142,<br />

159, 212, 256, 255-266, 293, 305, 307,<br />

311, 317-322, 337, 388, 447, 471, 523-<br />

526,529, 551, 554<br />

Fi<strong>do</strong>, 90, 91, 510, 513<br />

frases de observação, 63,64<br />

frases permanentes, 64<br />

freefioati~g rationales, 87, 411,452, 520<br />

funcionalismo, 12, 17, 25, 30, 35, 36,<br />

39, 46, 48, 67-69, 96-101, 135, 140,<br />

146, 147, 154, 201, 250, 274, 275, 348,<br />

370, 393, 437,473-475,484, 534, 543,<br />

545, 546, 547<br />

geografia lógica, 52,61<br />

gradualísmo, 392,429,434,503<br />

harmonia pré-estabeleci<strong>da</strong>, 28, 468<br />

beterofenomenológico, 36, 214, 278,<br />

306,317-322,482, 528-531<br />

hipóteses analíticas, 64<br />

holismo, 11, 13, 75, 96, 131, 165, 168,<br />

221,231,238,413,497,548<br />

IA forte, 73<br />

Ícones Intencionais, 192, 204, 208,<br />

209.216-225.238.239.241.488<br />

, . . .<br />

ideálismo, 45,548, 549, 551<br />

identi<strong>da</strong>de pessoal, 23, 39, 257, 258,<br />

357-360, 392-395, 411-414, 422-426,<br />

480,497, 542<br />

ilusão <strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s, 15, 17, 311-315,<br />

337, 347-351, 445, 520, 523, 526, 527,<br />

530, 535<br />

imagens mentais, 12,15,107-112,296-<br />

308. 361-363<br />

imaterialismo, 537, 556<br />

incorrigibili<strong>da</strong>de, 12, 25, 36, 98-103,<br />

159, 165-166, 262, 265, 266, 285,291,<br />

294,493, 513, 524,527, 532<br />

indeterminagão <strong>da</strong> tradugão, 64-65,164<br />

infalibili<strong>da</strong>de, 159, 261, 262, 265, 285,<br />

286, 532<br />

informação, 225-227<br />

instcurnentalismo, 13, 25, 146, 154,<br />

171,201,205,230,244<br />

intelectualismo, 54, 370, 372,389,524,<br />

527,528<br />

Intenciona<strong>do</strong>r Central, 313, 314, 352-<br />

354, 363,373<br />

interface, 17, 346-349, 438-439, 482,<br />

542-543,557<br />

interpretação, 13, 14, 24, 26, 39, 40,<br />

61-65. 159-170. 180-194, 238-244,<br />

445,479-520, 522<br />

interpretação radical, 26, 198, 512<br />

introspecção, 57-60, 96-107, 116, 190,<br />

214-215, 264, 282, 285, 361, 372,469<br />

justiça, 419,426<br />

lei <strong>do</strong> efeito, 49, 138<br />

leis ceferisparibus, 148, 484<br />

leis estritas, 121, 484<br />

ligações virtuais, 343<br />

linguagem <strong>do</strong> pensamento, 13, 26, 67,<br />

94, 136, 137, 140-146, 180, 208-215,<br />

354,485<br />

manual de tradução, 459<br />

Máquina deTuring, 68-70,147,345-346<br />

máquina semântica, 25,154,405<br />

Máquina Virtual, 15,17,276,311,337,<br />

345-356, 363, 384, 520, 523, 526, 530<br />

matelialismo, 45, 51, 52, 67, 268, 269,<br />

273,274<br />

materialismo eiiminativo, 137<br />

U71,u Teoria Fisicalisfo <strong>do</strong> Co>itezí<strong>do</strong> e du Co~~snê>lcia<br />

maximização racional, 395-396, 405,<br />

410,429-433<br />

medium imagético, 300,361-363<br />

memes, 341,343, 345<br />

mentes animais, 17, 39, 448-462, 535<br />

meta-contraste, 325, 328, 330<br />

metaEsica, 14, 27, 31, 38, 51, 200, 251,<br />

262, 268, 273, 316, 360, 382, 384-389,<br />

480-490, 501, 505, 538-540, 542, 545,<br />

548, 550,553,557<br />

Modelo <strong>do</strong>s Esboços Múltiplos, 322-324<br />

Mo<strong>do</strong>s de Apresentação, 205,234<br />

módulo, 279<br />

monismo, 28, 52, 68, 71, 506, 508,<br />

544-550<br />

morcego, 15,38,269,275,380, 384<br />

mun<strong>do</strong> nocional, 207-216, 319, 386,<br />

459,482, 506, 528, 531<br />

naturaüzação <strong>da</strong> epistemologia, 30,540,<br />

548<br />

neurocriptógrafo, 168-170<br />

nulismo <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, 24, 25, 36, 64<br />

novo misteriosismo, 270<br />

problema de Libet, 333<br />

problema <strong>do</strong> enquadramento, 17, 21,<br />

39,446-447,462-472,514<br />

problema <strong>do</strong>s pássaros de Platão, 350<br />

produção <strong>da</strong> fala, 294,353-356<br />

produção de futuro, 339-340,464,471<br />

programa, 74, 88, 116, 155-157, 196,<br />

276,308,346-348,404,437,442<br />

protocolos humanos, 115-118<br />

prudência naturaliza<strong>da</strong>, 39,396,429-433<br />

psicologia cognitiva sub-pessoal, 153,<br />

184,357,485-486<br />

psicologia de senso comum, 122, 151-<br />

154,184,312,484-485<br />

psicologismo, 31, 553<br />

psicologista, 214, 482, 543<br />

giiulia, 12, 14, 15,25,35,37,38,46,<br />

107-112, 251, 261-267, 269, 272, 324,<br />

361, 366, 368, 373-389, 480, 522, 527<br />

Quarto Chinês, 194-197,380-384,496,<br />

558<br />

querer-dizer, 15,280,294,317,351-355,<br />

364,417-418<br />

ontologia, 17, 32, 39, 66, 75, 78, 172, racionali<strong>da</strong>de, 13,17,23,24,26,40,93,<br />

197,200, 205, 269, 308,479, 480, 486, 140, 145, 152, 157, 159-170, 181-186,<br />

490,500,501, 548 201, 222-225, 242-243, 257, 276, 409,<br />

origem <strong>do</strong>s objectos, 500-508 410-414, 419, 421, 431, 437-440, 509-<br />

Otto, 313, 317, 352, 368, 369, 372, 520,554<br />

379,385 rapaz que vende limona<strong>da</strong>, 181<br />

padrões, 13,25,36, 176-177, 180, 197-<br />

201. 247. 363. 377. 400. 409-412. 486.<br />

, , , , , , ,<br />

494,498, 503-508<br />

pandemónio, 15,279,316,343,356<br />

pensamentos de ordem superior, 364<br />

pessoali<strong>da</strong>de, 50, 120, 392, 414-425,<br />

433.435479, 517, 556-559<br />

possibili<strong>da</strong>de epistémica, 16, 407, 427,<br />

429<br />

preenchimento, 107-112, 303, 329,<br />

i70-372<br />

problema <strong>da</strong> indução, 466-468<br />

problema de Hume, 46,47, 145,284<br />

raitcos'<strong>da</strong> máquina, 115<br />

referência para trás no tempo, 325,<br />

330,331<br />

responsabili<strong>da</strong>de, 16, 123-125, 419-<br />

421,422-428,559<br />

revisões onvellianas e estalinistas, 327<br />

robótica de Brooks, 550<br />

sati$ri~g, 152,185,429-430,439,489,515<br />

se& 16, 21, 36, 256-258, 358, 393-394,<br />

410-414,422-423,542<br />

sentimento de si, 25,29,256-259,414,<br />

435,527, 554, 556-557<br />

seriali<strong>da</strong>de, 276, 314, 345, 349, 351,<br />

357, 526


sistemas dinâmicos, 550<br />

sonhos, 14,38,286-296,305,313,525<br />

sorte moral, 424-426<br />

superveniência, 51, 268, 272-275, 384,<br />

385,389,524,540,545,546<br />

s~uampmarr, 23 1<br />

Teatro Cartesimo, 14, 37, 249, 361,<br />

266-267, 311, 312, 314, 351, 361, 363,<br />

367, 388, 445, 479,480, 492, 526-528,<br />

533,535<br />

teleofuncionalismo, 13, 24, 36, 70,<br />

201-207,215,225.229.230.240. 534<br />

teoria <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, 35, 46, 69, 74,<br />

130,146,147<br />

teoria deflauonána, 12, 24, 95, 105,<br />

276. . 314.461.480 . .<br />

terapia conceprual, 55, 61<br />

termostato, 172, 175, 178, 179, 288,<br />

404,494<br />

Terra Gémea, 143, 179, 190, 191, 210,<br />

. ,<br />

212.213. 233<br />

testemunha, 15, 46-48, 109, 296, 367,<br />

383<br />

transcendental, 24,29, 544,548<br />

verificacionismo, 48,97,252,274,275,<br />

287,289-292, 324, 522, 533<br />

virtual, 15, 16, 17, 39, 276, 311, 314,<br />

337, 343-351, 370-372, 393, 410, 444,<br />

445,448,479,492,525-526,529-530<br />

visão cega, 15, 38, 253, 277, 355, 365,<br />

367-370,527<br />

Soja M&uerzs

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!