Heresias na Idade Média - UEM
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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano II, n. 6, Fev. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos<br />
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acesso a processos que foram transcritos pelos próprios cronistas medievais no<br />
interior de suas crônicas, tal como ocorre com um cronista milanês do fi<strong>na</strong>l do século<br />
XI que apresenta o caso também <strong>na</strong>rrado por Raul Glaber, só que transcrevendo em<br />
parte o interrogatório do heresiarca. O processo transcrito ou incorporado em uma<br />
crônica, com eventuais deformações, não é obviamente o próprio processo<br />
inquisitorial – que se assim fosse poderia se beneficiar de outros tipos de tratamento<br />
pelos historiadores, mais precisos e voltados para o detalhe, à maneira do que<br />
propõem os micro-historiadores que exami<strong>na</strong>ram processos inquisitoriais e judiciais.<br />
Mas de qualquer modo, é mais uma possibilidade que se apresenta ao historiador<br />
disposto a enfrentar as lacu<strong>na</strong>s documentais de arquivos.<br />
As crônicas do século XI, como pudemos ver até aqui, pontuavam<br />
eventualmente casos de heresia. Mas será no século XII, e sobretudo no século XIII<br />
– sob o impacto da violenta repressão da cruzada albigense contra a heresia Cátara<br />
– que teremos crônicas onde as heresias não ape<strong>na</strong>s desempenham um papel<br />
central, como também passam a ser percebidas pelos seus contemporâneos como<br />
fenômenos coletivos instigantes ou preocupantes. Citaremos a Chronica de Gillaume<br />
Pelhisson, que se refere ao período situado entre 1229 e 1244.<br />
A partir do século XII, entre as fontes disponíveis para historiadores, vão se<br />
destacar os próprios documentos da Reforma Gregoria<strong>na</strong>, bem como a<br />
correspondência dos papas e reformadores. Nestas fontes, os padres casados são<br />
enquadrados dentro da “heresia nicolaísta”, para os leigos que haviam comprado<br />
alguma função ou posição eclesiástica com dinheiro é utilizada a desig<strong>na</strong>ção de<br />
“heresia simoníaca”, e mesmo as discordâncias políticas poderiam atrair a<br />
desig<strong>na</strong>ção de heresia, como no caso dos eclesiásticos que se colocassem do lado<br />
do Imperador no confronto entre Império e Papado. Percebemos ainda aqui, então,<br />
certo número de heresias que representam comportamentos individuais, e não<br />
práticas coletivas. Aquele que não reconhece as decisões da Sé apostólica deve ser<br />
visto como herege.<br />
Despontarão, sobretudo, os casos em que os hereges assim são classificados<br />
por se recusarem a praticar ou reconhecer o valor dos sacramentos, tal como ocorre<br />
em um caso <strong>na</strong>rrado <strong>na</strong> De vita sua escrito pelo monge Guiberto de Nogent já no<br />
começo do século XII, no qual dois padres e dois leigos são levados ao bispo por<br />
não reconhecerem o valor do batismo das crianças e por negarem o sacrifício da<br />
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