Alfabetização e escola em Portugal no século XX: Censos ...
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mente reflectir uma estrutura social de contor<strong>no</strong>s<br />
patriarcais, se dá por vários mecanismos que se<br />
cruzam. Um deles é o de uma utilização dos recursos<br />
familiares que obedec<strong>em</strong> a decisões paternas<br />
<strong>em</strong> que o futuro dos filhos é desde cedo<br />
encaminhado para percursos que se relacionam<br />
com a eco<strong>no</strong>mia doméstica. Neste caso são quase<br />
s<strong>em</strong>pre as mulheres-filhas que ficam <strong>em</strong> casa<br />
até casar<strong>em</strong>, e que além de se ocupar<strong>em</strong> da educação<br />
dos irmãos, ajudam na lavoura e na dura<br />
lide da casa camponesa da primeira metades<br />
deste <strong>século</strong>.<br />
Para estas mulheres, frequent<strong>em</strong>ente a <strong>escola</strong><br />
é uma utopia ou uma experiência breve e s<strong>em</strong><br />
continuidade.<br />
Dos filhos-homens, caso haja recursos uns<br />
vão estudar e outros aprenderão ofícios urba<strong>no</strong>s<br />
que facilitam a relação com o mundo das letras.<br />
Assim, com uma agricultura que torna inviável<br />
o sustento das famílias, mas que é importante<br />
como compl<strong>em</strong>ento económico e assegura a<br />
continuidade dos modos de vida rurais, os homens<br />
urbanizam-se e deixam numa posição mais<br />
recuada as mulheres, presas às lides, à lavoura<br />
ou ao que dela resta, à criação e à educação dos<br />
filhos.<br />
Por outras palavras, os homens, ao assegurar<strong>em</strong><br />
o papel de intermediários entre o exterior,<br />
onde estão os ofícios, a aldeia, as vilas, as cidades,<br />
a <strong>em</strong>igração e o trabalho operário assalariado,<br />
e o interior da casa, onde estão os restos de<br />
uma agricultura de subsistência fechada e que<br />
cada vez produz me<strong>no</strong>s daquilo que é necessário<br />
para o b<strong>em</strong> estar familiar, inser<strong>em</strong>-se na parte da<br />
eco<strong>no</strong>mia mais dinâmica e integrada <strong>no</strong>s circuitos<br />
urba<strong>no</strong>s que desde o <strong>século</strong> XVIII se vão<br />
tornando dominantes <strong>no</strong> modo de vida Ocidental.<br />
Trata-se de segmentos da sociedade e do trabalho<br />
que se inser<strong>em</strong> <strong>em</strong> formas de vida de que a<br />
leitura e a escrita faz<strong>em</strong> parte e compreende-se<br />
assim o avanço com que os homens chegam à<br />
alfabetização e à <strong>escola</strong> face às mulheres.<br />
Mas a «<strong>escola</strong> de massas e do Estado», ou seja<br />
a <strong>escola</strong> cont<strong>em</strong>porânea, é um reflexo de uma<br />
sociedade urbana, e a sua extensão a todo o país<br />
representa um primado do urba<strong>no</strong> sobre o rural,<br />
ou pelo me<strong>no</strong>s ocupa o espaço deixado por um<br />
rural que se vai desagregando. Assim sendo, <strong>no</strong><br />
Estado Nação Ocidental cont<strong>em</strong>porâneo, o analfabetismo<br />
f<strong>em</strong>ini<strong>no</strong> t<strong>em</strong> cada vez me<strong>no</strong>s sentido<br />
s<strong>em</strong> que isso signifique necessariamente a igual-<br />
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dade de posições perante a vida entre homens e<br />
mulheres.<br />
Significa <strong>no</strong> entanto, igualdade de direitos e<br />
de obrigações, e este facto <strong>em</strong> conjunto com a<br />
progressiva integração das mulheres <strong>no</strong> mercado<br />
de trabalho, acaba por tornar obsoleto o analfabetismo<br />
f<strong>em</strong>ini<strong>no</strong>.<br />
Por outras palavras, e mesmo correndo o risco<br />
de <strong>no</strong>s repetirmos, os homens, mesmo os homens<br />
que ocupam profissões e posições sociais<br />
subalternas chegam primeiro do que as mulheres<br />
aos sectores económicos moder<strong>no</strong>s e isto constata-se<br />
<strong>no</strong> estudo de caso que levámos a cabo e<br />
ajuda a explicar as diferenças existentes <strong>no</strong>s<br />
percursos de alfabetização e <strong>escola</strong>rização masculi<strong>no</strong>s<br />
face aos f<strong>em</strong>ini<strong>no</strong>s.<br />
3.4. <strong>Censos</strong>, estudos de caso e quotidia<strong>no</strong>s:<br />
para que serve tudo isto?<br />
Finalmente, muitas destas conclusões seriam<br />
possíveis s<strong>em</strong> o recurso a estudos de caso, s<strong>em</strong> a<br />
conjunção entre o trabalho sobre os <strong>Censos</strong> e o<br />
seguimento atento de uma comunidade durante o<br />
espaço de um <strong>século</strong>, mas a visibilidade dada pelos<br />
test<strong>em</strong>unhos das pessoas dá-lhes uma substância<br />
mais espessa e essa espessura é cada vez<br />
mais o centro da investigação <strong>em</strong> Ciências Sociais<br />
e Humanas.<br />
A continuação deste trabalho está actualmente<br />
<strong>em</strong> curso com o prolongamento da análise dos<br />
<strong>Censos</strong> Populacionais, e com o lançamento de<br />
mais estudos de caso que se debruçam quer ainda<br />
sobre freguesias rurais, quer sobre freguesias<br />
urbanas.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
a) <strong>Censos</strong><br />
Censo da população do Rei<strong>no</strong> de <strong>Portugal</strong> <strong>no</strong> 1.º de Dez<strong>em</strong>bro<br />
de 1900. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905.<br />
Censo da população de <strong>Portugal</strong> <strong>no</strong> 1.º de Dez<strong>em</strong>bro de<br />
1911. Lisboa: Imprensa Nacional, 1913.<br />
Censo da população de <strong>Portugal</strong> - Dez<strong>em</strong>bro de 1920.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1923.<br />
Censo da população de <strong>Portugal</strong> - Dez<strong>em</strong>bro de 1930.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1934.<br />
Recenseamento Geral da população <strong>no</strong> Continente e<br />
Ilhas Adjacentes <strong>em</strong> 12 de Dez<strong>em</strong>bro de 1940.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1945.