Alfabetização e escola em Portugal no século XX: Censos ...
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po, ao mesmo t<strong>em</strong>po que controlavam o que elas<br />
liam, e faziam delas as alfabetizadoras e catequistas<br />
dos maridos e dos filhos; do mestre <strong>escola</strong><br />
da cidade, que por sua iniciativa e com a<br />
permissão do pároco abria uma aula de primeiras<br />
letras, enfim de toda uma série de formas de<br />
prestação educativa, não estandardizadas, controladas<br />
nalguns casos, vigiadas mais de longe<br />
<strong>no</strong>utros, pelas autoridades e igrejas católicas ou<br />
protestantes, e com sucessos diversificados segundo<br />
as regiões da Europa e Américas europeias<br />
dos <strong>século</strong>s XVI, XVII e XVIII.<br />
As questões fundamentais deste surto de<br />
alfabetização que percorre o Ocidente a partir do<br />
Século XVI, aparec<strong>em</strong>-<strong>no</strong>s de uma forma cada<br />
vez mais clara à medida que <strong>no</strong>s vamos aproximando<br />
do Século XIX: trata-se de formas de<br />
construção da conformidade religiosa e cívica<br />
por um lado, e de forma de construção da mobilidade<br />
social por outro. Estas última questão, a<br />
do papel das letras na construção da mobilidade<br />
social parece tornar-se mais nítida com a progressiva<br />
desagregação da ord<strong>em</strong> social do Antigo<br />
Regime, com a revolução industrial, com o<br />
crescimento dos <strong>no</strong>vos pólos de actividade económica<br />
e política que são as cidades, e que<br />
atra<strong>em</strong> cada vez mais homens e mulheres <strong>em</strong><br />
busca de futuros pessoais mais ambiciosos.<br />
Ir para a cidade, para o Colégio, e para as<br />
Américas, eis o que cada vez mais se encontra<br />
por detrás e como resultado das <strong>escola</strong>s e da<br />
alfabetização informal do Antigo Regime. Subir<br />
na vida, construir o futuro, adaptar-se às <strong>no</strong>vas<br />
formas de vida e de trabalho das cidades, são impulsos<br />
que cada vez mais passam por caminhos<br />
sinuosos de <strong>escola</strong>ridades não estandardizadas,<br />
com períodos, métodos e conteúdos de aprendizag<strong>em</strong><br />
decididos individualmente ou <strong>em</strong> família,<br />
de forma autó<strong>no</strong>ma, ao sabor das necessidades e<br />
de objectivos precisos e concretos.<br />
A passag<strong>em</strong> para a educação estandardizada,<br />
estatal e obrigatória far-se-á de forma lenta durante<br />
todo o <strong>século</strong> XIX e princípios do <strong>século</strong><br />
<strong>XX</strong>, e representará o triunfo da <strong>no</strong>ção de Estado<br />
Nação com a substituição progressiva das<br />
estratégias individuais e de grupo, decididas <strong>em</strong><br />
função de interesses concretos na vida das pessoas,<br />
por estratégias colectivas, nacionais, decididas<br />
por grupos restritos e impostos à generalidade<br />
da população <strong>em</strong> <strong>no</strong>me do b<strong>em</strong> da Nação.<br />
À medida que o <strong>século</strong> XIX avança, cada vez<br />
mais crianças serão obrigadas a frequentar<strong>em</strong><br />
<strong>escola</strong>s do Estado ou por ele controladas, cujos<br />
currículos serão cada vez mais similares até se<br />
tornar<strong>em</strong> praticamente iguais, <strong>no</strong> interior de<br />
cada país primeiro, e à medida que o <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />
se aproxima, cada vez mais iguais <strong>em</strong> todo o<br />
Ocidente, como <strong>no</strong>s faz <strong>no</strong>tar Yun-Kyung Cha<br />
(Cha, in Meyer, Kamens, & Benavot, 1992, pp.<br />
63-73).<br />
Não frequentar esta <strong>escola</strong> do Estado, que à<br />
medida que o t<strong>em</strong>po avança se vai polvilhando<br />
de regras, de exames e de mecanismos de controlo<br />
e de disciplina (ver entre outros, Foucault,<br />
1975; Bouillé, 1988), representa cada vez mais a<br />
exclusão do corpo nacional e a entrada <strong>no</strong> limbo<br />
do analfabetismo.<br />
Mesmo assim, e durante um período de transição<br />
que durará conforme o t<strong>em</strong>po que a construção<br />
dos Sist<strong>em</strong>as Educativos nacionais durar,<br />
formas de apropriação e utilização da <strong>escola</strong> e de<br />
alguns dos saberes por ela veiculados, exercidas<br />
auto<strong>no</strong>mamente por partes do seu público, coexistirão<br />
com percursos <strong>escola</strong>res estandardizados<br />
e definidos a partir do centro (ver Candeias,<br />
1994; 1996; <strong>no</strong> prelo), e este período de transição<br />
estará <strong>no</strong> coração do <strong>no</strong>sso trabalho.<br />
2. O CASO PORTUGUÊS E A SUA INSERÇÃO<br />
NAS TENDÊNCIAS GERAIS DE<br />
ESCOLARIZAÇÃO E ALFABETIZAÇÃO<br />
2.1. Questões prévias<br />
Os estudos existentes sobre o caso português,<br />
mostram-<strong>no</strong>s duas coisas essenciais:<br />
a) que a impl<strong>em</strong>entação do Sist<strong>em</strong>a Educativo<br />
<strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>, mesmo se definido precoc<strong>em</strong>ente,<br />
se estendeu por um período de<br />
t<strong>em</strong>po superior a um <strong>século</strong>, sendo só <strong>em</strong><br />
meados da década de 50 do <strong>século</strong> <strong>XX</strong> que<br />
todas as crianças com idades compreendidas<br />
<strong>no</strong>s parâmetros da lei se encontravam<br />
efectivamente matriculadas na <strong>escola</strong> (Carvalho,<br />
1986; Nóvoa, 1992; Candeias, <strong>no</strong><br />
prelo). A lentidão deste ritmo de <strong>escola</strong>rização,<br />
cujas origens e causas têm sido<br />
objecto de alguma discussão (Candeias,<br />
1994, 1996; Ramos, 1988, 1993; Reis,<br />
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