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VJ JUN 09.p65 - Visão Judaica

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Sérgio Feldman *<br />

ma edição dedicada a<br />

Tishá BeAv não é algo<br />

que exista em qualquer<br />

jornal. Lembrar<br />

das ruínas de um Templo,<br />

e de uma cidade destruídos<br />

duas vezes, sendo que a última<br />

foi há quase dois mil anos é, no<br />

mínimo, para se refletir e questionar.<br />

Qual é o sentido desta memória? Por<br />

que lembrar de uma perda notável,<br />

mas tão antiga? Proponho uma releitura<br />

do símbolo.<br />

Não tenho todas as respostas,<br />

mas tenho uma das possíveis respostas.<br />

Isto pode ser intitulado como sendo:<br />

memória e identidade. Devemos<br />

lembrar e aprender de nossa experiência<br />

histórica. Nossa religião é imbricada<br />

na História. Perceba só. Nosso<br />

D-us não tem imagem e nem representação,<br />

pois isto é para nós idolatria.<br />

Não temos dogmas, além da<br />

crença no D-us único e na negação<br />

da idolatria. O que servimos? Um<br />

D-us invisível e um livro aberto a perushim<br />

(interpretações) e a ideia de<br />

uma razão e um sentido na História.<br />

O livro também é imbricado na História<br />

e tenta explicá-la. Entender os dilemas<br />

de um povo perseguido, discriminado<br />

e sem pátria por dois mil anos.<br />

Qual é o sentido deste sofrimento?<br />

Qual é o sentido da História? Se houve<br />

um começo, há um sentido e uma<br />

direção à História. E qual é ele?<br />

Difuso e amplo na sua explicação,<br />

o sentido da História no Judaísmo é a<br />

busca de certos elementos: a paz universal<br />

e o fim das guerras e violências;<br />

a Justiça Social sob um líder espiritual<br />

humano, mas divinamente inspirado<br />

e orientado; e o diálogo entre<br />

as diversidades humanas com respeito<br />

ao outro. Como um povo escorraçado<br />

e estereotipado serviu no projeto<br />

divino? Como o povo judeu foi o<br />

instrumento de D-us? Esta identidade<br />

grupal ajudou os judeus a sobreviverem<br />

e a resistirem às agruras da<br />

longa e penosa Diáspora.<br />

A resposta judaica foi sua visão<br />

de mundo e da História. Ao propor uma<br />

ética e a concepção do D-us único e<br />

Criador do Universo, o povo judeu ofereceu<br />

um sentido para História. Uma<br />

razão de ser que explicasse tanto a<br />

dispersão judaica, quanto a existência<br />

do mal e da violência. e oferecesse<br />

uma finalidade para a História.<br />

Qual é o nome disto? Busquei na mística<br />

judaica a resposta. Nada mal para<br />

um historiador, racional e tão crítico:<br />

Ou como celebrar ou "se lembrar" de Nove de Av<br />

Tikun Olam, o conserto do Mundo.<br />

Aprendi este conceito com os rabinos<br />

Roberto Graetz e Nilton Bonder<br />

há vinte anos. Fui buscar o meu entendimento<br />

deste conceito. Sua origem<br />

pode ser atribuída ao eminente<br />

cabalista do século XVI, que viveu na<br />

Galiléia, na cidade de Safed: Ari o<br />

Santo, ou rabi Isaac Luria.<br />

Sua doutrina explicava o sofrimento<br />

judaico, o Galut (Diáspora) e a história<br />

sob um olhar místico. Falava de<br />

Tzimtzum (contração), Shevirat a Keilim,<br />

(quebra dos vasos) e Tikun (conserto),<br />

entre outras coisas. Para Luria<br />

a explicação emanacionista do<br />

neoplatonismo era imprecisa. Nesta,<br />

a Criação seria uma exteriorização de<br />

D-us. Na concepção do Tzimtzum, a<br />

Criação é precedida por um gesto de<br />

amor de D-us, que abre um espaço<br />

para Criação para deixá-la acontecer.<br />

Este é o símbolo do Exílio: no nível<br />

espiritual é D-us que abre espaço e<br />

no plano físico é o povo judeu que vai<br />

para o Exílio. D-us se retira de um<br />

espaço por amor aos seres humanos<br />

e o povo judeu se retira de Eretz Israel<br />

(Terra Prometida), para ser o instrumento<br />

de D-us. Na Redenção o<br />

Povo volta a Israel e a Jerusalém. Ou<br />

seja, a Diáspora é uma etapa prévia<br />

da Redenção. Os sofrimentos do povo<br />

judeu na História são provas e etapas<br />

do processo.<br />

Ele também concebeu a visão cabalística<br />

de um suposto acidente<br />

ocorrido durante a Criação. Era a quebra<br />

dos vasos ou Shevirat a keilim. A<br />

energia gerada pela obra divina fez<br />

com que se quebrassem alguns recipientes<br />

que continham centelhas da<br />

luz divina que se espalharam pelo<br />

mundo material. Em toda a Criação<br />

as centelhas divinas se alojaram: seres<br />

vivos, objetos, matéria inorgânica.<br />

O mundo está impregnado desta<br />

energia divina e há que se consertar<br />

este acidente.<br />

Aqui entra o Tikun (conserto). As<br />

centelhas da luz divina devem ser recolhidas<br />

e levadas de volta aos vasos,<br />

no sentido da realização do conserto<br />

e da restauração da unidade<br />

cósmica. Só o ser humano pode recolher<br />

estas fagulhas divinas. A ele compete<br />

a transformação e restauração<br />

do equilíbrio. O Tikun depende dos<br />

gestos e das ações dos seres humanos:<br />

cada gesto de violência e desamor<br />

ao próximo o distância; cada gesto<br />

de bondade e amor ao outro, o<br />

aproxima. Depende dos seres humanos.<br />

A era messiânica e o fim do exílio<br />

estão configurados no Tikun.<br />

Repensando o Tikun em nossos<br />

dias podemos entabular uma dezena<br />

de interpretações: simbólicas e<br />

literais; místicas ou racionais; ortodoxas<br />

ou conservadoras; radicais ou<br />

moderadas. Mas há um elemento<br />

em comum a todas elas: a Redenção<br />

depende do ser humano. D-us<br />

não pode fazê-la por nós. Esta é<br />

nossa função. Dos judeus e de todos<br />

os seres humanos.<br />

Uma parte da Redenção já ocorreu.<br />

Dois rabinos do século XIX a previram<br />

e acertaram: um era sefaradi<br />

e se chamava Alcalay; outro era<br />

ashkenazi e se chamava Kalisher.<br />

Propuseram não esperar o Messias<br />

e sim agir para que ele pudesse vir.<br />

E a parte que eles propuseram foi:<br />

reconstruir Israel e acelerar o Tikun.<br />

Propuseram o Sionismo como um<br />

gesto da Redenção.<br />

O Tikun Olam (conserto do Mundo)<br />

começou há sessenta e um anos<br />

atrás, na Criação do Estado de Israel.<br />

O espaço cósmico se alterou e a<br />

Diáspora começou a se transformar.<br />

O sentido de celebrar Tishá BeAv se<br />

alterou. Agora não é a tristeza da perda<br />

do Templo e da cidade sagrada.<br />

Jerusalém se refez. Israel é um Estado<br />

livre e soberano.<br />

Não é um país perfeito. Longe disto.<br />

Uma sociedade com altos e baixos,<br />

acertos e erros, tensões sociais<br />

e conflitos externos com palestinos e<br />

árabes. Nada fácil.<br />

A Redenção deve ser feita em diversos<br />

níveis: no macrocosmo das relações<br />

entre nações, fortalecendo a<br />

democracia e o pluralismo, respeitando<br />

a diversidade cultural e religiosa<br />

e lutando pela paz; e no microcosmo<br />

das relações entre indivíduos: pais e<br />

filhos, esposa e marido, irmãos entre<br />

VISÃO JUDAICA junho de 2009 Tamuz / Av 5769<br />

Nas ruínas da História<br />

si, companheiros de trabalho, vizinhos<br />

e estranhos com quem cruzamos casualmente<br />

lá e cá. Juntar as fagulhas<br />

da centelha divina é um gesto cotidiano,<br />

constante e intenso.<br />

Não celebro Tishá BeAv há décadas.<br />

Respeito e lembro sempre a data.<br />

Na minha memória o Templo de Jerusalém<br />

é sagrado, mas não o desejo<br />

além da memória. Não sonho com<br />

sacrifícios de animais no Monte Moriah.<br />

Sonho com a paz. Almejo a justiça<br />

social. Quero um mundo sem sofrimento<br />

para judeus, mas também<br />

para palestinos, árabes, negros e ciganos.<br />

São todos dignos do Tikun.<br />

Não jejuo e nem fico de luto em<br />

Tishá BeAv. Israel é real. Celebro Iom<br />

Haatzmaut e rejubilo-me pela pujança<br />

cultural e pela democracia israelense.<br />

Preocupo-me com os nossos<br />

radicais tanto quanto com os radicais<br />

do outro lado. Não almejo um<br />

novo Tishá BeAv, portanto, quero um<br />

Israel forte e que possa se defender<br />

dos Haman (hoje o persa é Ahmandinejad)<br />

ou dos amalekitas (Hamas).<br />

Oxalá um dia haja paz no<br />

mundo, no Oriente Médio e entre<br />

nós e nossos vizinhos. Amém.<br />

3<br />

* Sérgio Feldman<br />

é doutor em<br />

História pela<br />

UFPR e professor<br />

de História Antiga<br />

e Medieval na<br />

Universidade<br />

Federal do<br />

Espírito Santo, em<br />

Vitória, e exprofessor<br />

adjunto<br />

de História Antiga<br />

do Curso de<br />

História da<br />

Universidade<br />

Tuiuti do Paraná.<br />

Concepção artística da destruição de Jerusalém pelos romanos

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