Marley & Eu

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18.04.2013 Views

você. Não muito depois da festa surpresa — que foi tão boa que a polícia precisou aparecer à meia-noite para pedir que baixássemos o volume —, Marley finalmente conseguiu justificar seu imenso medo de trovões. Eu estava no quintal num domingo à tarde sob um céu escuro ameaçador, cavando um retângulo de grama para plantar mais legumes. Jardinagem havia se tornado um hobby sério para mim, e quanto mais eu melhorava, mais eu queria plantar. Aos poucos, eu estava ocupando toda a área do quintal. Enquanto eu trabalhava, Marley andava nervosamente à minha volta, com seu barômetro interno alertando uma tempestade que se aproximava. Eu também percebi, mas queria terminar o que eu estava fazendo e imaginei que poderia continuar trabalhando até sentir as primeiras gotas de chuva. Enquanto eu cavava, continuava olhando para cima, observando uma incrível e escura nuvem de raios se formando a quilômetros na direção leste, sobre o mar. Marley estava ganindo de leve, pedindo-me para largar a pá e entrar em casa: — Relaxe — eu disse a ele. — Ainda está longe. Eu mal havia pronunciado essas palavras quando tive uma estranha sensação, feito um tremor na nuca. O céu adquiriu um tom verde- acinzentado, e o ar parecia parado. Que esquisito, pensei, parando o que estava fazendo, apoiando-me na pá para observar o céu. Foi quando eu ouvi: um chiado, um estalo, um crepitar de energia, como às vezes se ouve debaixo de linhas de força de alta tensão. O som de uma faísca me envolveu, seguido de um breve silêncio. Nesse momento, percebi que algo de errado iria acontecer, mas eu não tive tempo para reagir. Na fração de segundo seguinte, o céu ficou branco, ofuscante, e uma explosão, como nunca ouvira antes, nem em nenhuma outra tempestade, nem de fogos de artifício, ou em demolição de prédios, estourou em meus ouvidos. Uma parede de energia me atingiu no peito como um atacante de rúgbi invisível. Quando reabri os olhos, nem sei quantos segundos depois, eu estava de bruços no chão, com areia na boca, minha pá jogada a metros de distância, e a chuva me encharcando. Marley também estava

abaixado, grudado no chão, e quando ele me viu levantar a cabeça, ele se sacudiu desesperado na minha direção, arrastando-se sobre a barriga, como um soldado tentando passar por baixo de uma cerca de arame farpado. Quando chegou perto de mim, subiu em cima de mim, e enterrou o focinho no meu pescoço, lambendo-me freneticamente. Olhei em torno por um segundo, tentando me achar, e pude ver onde o relâmpago atingira o pára-raios no canto do quintal e descarregou sua energia pelo cabo até a casa a cerca de seis metros de onde eu estava. O medidor elétrico na parede ficou totalmente chamuscado. — Vamos! — eu gritei. Então Marley e eu nos levantamos, correndo pela chuva em direção da porta dos fundos, enquanto novos relâmpagos caíam à nossa volta. Não paramos até estar em segurança dentro de casa. Ajoelhei-me no chão, ensopado, retomando o fôlego, e Marley se atirou sobre mim, lambendo meu rosto, mordiscando minhas orelhas, atirando baba e pêlo em tudo à sua volta. Ele estava lívido de medo, tremendo sem parar, a saliva escorrendo pelo seu queixo. Eu o abracei, tentando acalmá-lo. — Minha nossa, essa passou perto! — eu exclamei, percebendo que estava tremendo também. Ele olhou para mim com aqueles olhos grandes e empáticos que eu jurava que quase falavam. Eu podia jurar que entendia o que ele estava tentando me dizer: “Eu tenho tentado alertá-lo por vários anos que esse negócio pode matá-lo. Mas quem me dava ouvidos? Agora você vai me levar a sério?”. O cão tinha razão. Talvez o seu medo de trovões não fosse tão irracional assim, no final das contas. Talvez os seus ataques de pânico aos primeiros sinais de aproximação de uma tempestade fosse sua forma de nos dizer que as violentas tempestades de raios da Flórida, as mais mortais no país, não deveriam ser ignoradas. Talvez todas aquelas paredes depredadas, portas arrebentadas e tapetes rasgados fosse seu modo de tentar construir um abrigo anti-raio onde todos nós pudéssemos entrar. E como nós lhe havíamos recompensado? Com

você.<br />

Não muito depois da festa surpresa — que foi tão boa que a<br />

polícia precisou aparecer à meia-noite para pedir que baixássemos o<br />

volume —, <strong>Marley</strong> finalmente conseguiu justificar seu imenso medo de<br />

trovões. <strong>Eu</strong> estava no quintal num domingo à tarde sob um céu escuro<br />

ameaçador, cavando um retângulo de grama para plantar mais legumes.<br />

Jardinagem havia se tornado um hobby sério para mim, e quanto mais<br />

eu melhorava, mais eu queria plantar. Aos poucos, eu estava ocupando<br />

toda a área do quintal. Enquanto eu trabalhava, <strong>Marley</strong> andava<br />

nervosamente à minha volta, com seu barômetro interno alertando uma<br />

tempestade que se aproximava. <strong>Eu</strong> também percebi, mas queria<br />

terminar o que eu estava fazendo e imaginei que poderia continuar<br />

trabalhando até sentir as primeiras gotas de chuva. Enquanto eu cavava,<br />

continuava olhando para cima, observando uma incrível e escura<br />

nuvem de raios se formando a quilômetros na direção leste, sobre o<br />

mar. <strong>Marley</strong> estava ganindo de leve, pedindo-me para largar a pá e<br />

entrar em casa:<br />

— Relaxe — eu disse a ele. — Ainda está longe.<br />

<strong>Eu</strong> mal havia pronunciado essas palavras quando tive uma estranha<br />

sensação, feito um tremor na nuca. O céu adquiriu um tom verde-<br />

acinzentado, e o ar parecia parado. Que esquisito, pensei, parando o que<br />

estava fazendo, apoiando-me na pá para observar o céu. Foi quando eu<br />

ouvi: um chiado, um estalo, um crepitar de energia, como às vezes se<br />

ouve debaixo de linhas de força de alta tensão. O som de uma faísca me<br />

envolveu, seguido de um breve silêncio. Nesse momento, percebi que<br />

algo de errado iria acontecer, mas eu não tive tempo para reagir. Na<br />

fração de segundo seguinte, o céu ficou branco, ofuscante, e uma<br />

explosão, como nunca ouvira antes, nem em nenhuma outra tempestade,<br />

nem de fogos de artifício, ou em demolição de prédios, estourou em meus<br />

ouvidos. Uma parede de energia me atingiu no peito como um atacante<br />

de rúgbi invisível. Quando reabri os olhos, nem sei quantos segundos<br />

depois, eu estava de bruços no chão, com areia na boca, minha pá jogada<br />

a metros de distância, e a chuva me encharcando. <strong>Marley</strong> também estava

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