(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS<br />
Procuramos ser objetos da memória, e assuntos da<br />
fama: o nosso fim é querermos, que se fale em nós,<br />
vindo a ser ambiciosos das palavras <strong>dos</strong> outros, e<br />
idólatras das narrações da história. Êste delírio nos<br />
entrega a aplicação das letras, e nos inspira a<br />
inclinação das armas, como dois poios, que guiam para<br />
uma fingida, e sonhada imortalidade. Alguns fogem da<br />
sociedade; ou por cansa<strong>dos</strong> do tumulto, ou porque<br />
conhecem os enganos do aplauso; porém ainda êsses lá<br />
se formam uma crença vai<strong>dos</strong>a, de que os <strong>homens</strong><br />
falam nêles, e discorrem sôbre as causas <strong>dos</strong> seus<br />
retiros. Quantas vêzes nos parece, que o bosque, que<br />
nos serve de muda companhia, se magoa <strong>dos</strong> nossos<br />
infortunios, e que o vale recebe o sentimento das<br />
nossas queixas, quando em ecos entrega aos ventos,<br />
parti<strong>dos</strong> os nossos ais! Parece-nos, que a aurora nasce<br />
rindo <strong>dos</strong> nossos males; que as fontes murmuram <strong>dos</strong><br />
nossos desassossegos; que as flôres crescem para<br />
símbolo das nossas delícias; e que as aves festejam os<br />
nossos triunfos.<br />
Os <strong>homens</strong>, a quem a concorrência de acasos (46) felizes<br />
faz chamar grandes, presumem, que ainda que dêles não<br />
depende a existência do mundo, contudo depende dêles a<br />
ordem, e a economia das coisas: to<strong>dos</strong> falam nas suas ações, e<br />
nisto consiste a sua maior, e mais estimada <strong>vaidade</strong>. Deixamos<br />
livremente o comércio <strong>dos</strong> <strong>homens</strong>, mas não renunciamos o<br />
viver na admiração, e notícia dêles; consentimos em apartarnos<br />
de sorte, que nunca mais sejamos vistos, mas não<br />
consentimos em não ser lembra<strong>dos</strong>: finalmente queremos, que<br />
se fale em nós: as mesmas sepulturas, que são uns pequenos<br />
teatros