(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS<br />
Oh quanto é especiosa a tranquilidade do de- (38) serto!<br />
Lá não há ódio, nem soberba; não há crueldades nem inveja:<br />
êstes monstros são feras invisíveis que habitam entre nós, para<br />
serem ministros fatais das nossas discórdias, e das nossas<br />
aflições; nascem da nossa sociedade, e se sustentam da nossa<br />
mesma comunicação: por isso a virtude costuma fugir ao<br />
tumulto, porque a nossa maldade não é pelo que toca a cada<br />
um de nós, mas pelo que respeita aos outros: fomos perversos<br />
por comparação; e reciprocamente uns servimos de objeto às<br />
iniquidades <strong>dos</strong> outros; a <strong>vaidade</strong> sempre foi origem <strong>dos</strong><br />
nossos males; mas primeiro que a <strong>vaidade</strong>, foi o comércio<br />
comum das gentes; porque dêle resulta a <strong>vaidade</strong> como<br />
contágio contraído no trato, e conversação <strong>dos</strong> <strong>homens</strong>. O<br />
nosso entendimento fàcilmente se inficciona, não só com as<br />
opiniões próprias, mas também com as alheias; não só com as<br />
próprias <strong>vaidade</strong>s, mas também com as <strong>dos</strong> outros: não sei se<br />
seria mais útil ao homem o ser incomunicável.<br />
Vemos confusamente as aparências de que o (39) mundo<br />
se compõe: os nossos discursos raramente encontram com a<br />
verdade, com a dúvida sempre; de sorte que a ciência humana<br />
tôda consiste em dúvida. Ainda <strong>dos</strong> primeiros princípios<br />
visíveis, e materiais, só conhecemos a existência, a natureza<br />
não; porque a contextura do universo é em si unida, e regular<br />
em forma, que na ordem das suas partes não se podem<br />
conhecer umas, sem se conhecerem tôdas; por isso tôdas se<br />
ignoram, porque nenhuma se conhece: só a <strong>vaidade</strong> costuma<br />
decidir sem embaraço, porque não chega a imaginar-se capaz<br />
de êrro: os <strong>homens</strong> mais obstina<strong>dos</strong> são os mais vai-