(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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mudando de si mesmas: elas são o sangue da terra,<br />
assim como o sangue são as águas do corpo: tôdas se<br />
mudam, e sucessivamente se renovam; as que vêm<br />
depois são outras, sem impressão alguma das primeiras,<br />
nem se pode imaginar que cada porção de<br />
sangue vá deixando, (como em memória e penhor de<br />
si) alguma porção, ainda que pequena infinitamente; as<br />
partes não são extensíveis ou divisíveis em infinito;<br />
assim que chegam a uma tal tenuidade, acaba-se a<br />
divisão. A subsistência tem fim no sangue, porque êste<br />
transpira por uma imensidade de caminhos; nem é<br />
compreensível, que na massa de um fluido sutil, haja<br />
alguma parte que tenha o privilégio de ser<br />
intranspirável, e que isento das leis universais, vá<br />
ficando só para servir de germe qualificador. Quanto<br />
mais um licor se move, mais se diminui: naqueles que<br />
têm um movimento perpétuo, regular, e próprio, a<br />
matéria se dissipa, à proporção que se sutiliza, nem<br />
ainda em um tubo de cristal se pode algum licor<br />
conservar inteiro; a apenas se faz crível a quantidade<br />
de humor, que o corpo exala em poucas horas.<br />
Concluamos pois, que o sangue não é donde a nobreza<br />
assiste: é um líquido incerto, e vago para ser o assento<br />
de uma <strong>vaidade</strong> tão constante. Haja embora no mundo<br />
uma nobreza, contanto que não imaginemos, que ela<br />
tem dentro <strong>dos</strong> <strong>homens</strong> uma parte distinta donde<br />
habita: seja um ídolo, mas ídolo sem templo: basta<br />
supor, que o simulacro é certo, sem entrar no empenho<br />
sôbre o lugar da dedicação: seja a nobreza como a<br />
sombra; esta, bem se vê, mas não se pega; sempre está<br />
fora do corpo, dentro nunca: tenha a <strong>vaidade</strong> um culto<br />
exterior, contanto que ela seja exterior também.<br />
Deixemos finalmente o sangue em paz; êle não descansa,<br />
e todo o seu trabalho é para ser sangue, e não<br />
para ser êste, ou aquêle sangue: de que serve