(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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fortuna, e da desgraça, se podiam de tal sorte infundir<br />
no sangue, que a um constituíssem sangue nobre, e a<br />
outro fizessem sangue vil. A nobreza, e a vileza, são<br />
substâncias incorpóreas, porque são vãs; e se é<br />
verdade, que podem estar no sangue, será talvez por<br />
algum modo intelectivo, imaterial, e etéreo; mas parece<br />
que nem assim podia ser, porque aquilo que é vão, de<br />
nenhuma sorte existe. A inexistência da nobreza ainda<br />
é menos, que a inexistência de uma sombra, porque<br />
esta ao menos é um nada que se vê; a imaginação pode<br />
fingir uma quimera, porém dar-lhe corpo, não; pode<br />
imaginar a quimera da nobreza, porém introduzi-la nas<br />
veias nunca pode ser. Os <strong>homens</strong> enganam-se com o<br />
que imaginam; parece-lhes que o mesmo é imaginar,<br />
que formar e que é o mesmo idear, que ser. O engano,<br />
ou a <strong>vaidade</strong> da nobreza poderia ter lugar, se os<br />
<strong>homens</strong> assim como a quiseram pôr interiormente em<br />
si, se contentassem com a pôr de fora; isto é, se a<br />
fizessem consistir nas ações exteriores; perde-ram-se<br />
em buscar o sangue para assento da nobreza; aquêle<br />
engano ficou visível, e fácil de perceber. To<strong>dos</strong> sabem,<br />
que a imaginação não pode dar, nem tomar corpo: a<br />
ilusão do pensamento nunca pode ser mais do que<br />
ilusão. O sangue não está sujeito à opinião, só depende<br />
das leis do movimento, e da matéria; as distinções, que<br />
o pensamento considera, não passam do pensamento,<br />
nêle ficam, só nêle podem existir, no sangue não. A<br />
nobreza, e a vileza, são nomes diferentes, mas não<br />
fazem diferentes sangues; êstes são iguais em to<strong>dos</strong>; e<br />
por mais que a <strong>vaidade</strong> finja, invente, e dissimule, tudo<br />
são imagens supostas, e fingidas; tudo são opiniões,<br />
que to<strong>dos</strong> sabem que são falsas; tudo são sonhos de<br />
<strong>homens</strong> acorda<strong>dos</strong>. A verdade se ri de ver a gravidade,<br />
o gesto, e circunspecção com que as gentes