(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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nem trabalho, que o de dar à verdade alguma sombra,<br />
algum pretexto ao vício, e alguma côr à injustiça: e<br />
assim enquanto houverem côres, sombras, e pretextos,<br />
hão de padecer a verdade, a justiça, e a virtude.<br />
Na ciência de julgar, alguma vez é desculpável (136) o<br />
êrro do entendimento, o da vontade nunca; como se o<br />
entender mal não fôsse crime, êrro sim; ou como se houvesse<br />
uma grande diferença entre o êrro, e o crime: o entendimento<br />
pode errar, porém só a vontade pode delinquir. Assim se<br />
desculpam comumente os julgadores, mas é porque não vêem,<br />
que o que dizem, procedeu do entendimento; se bem se<br />
ponderar, procedeu unicamente da vontade. É um parto<br />
suposto, cuja origem, não é aquela que se dá. Querem os<br />
sábios enobrecer o êrro, com o fazer vir do entendimento, e<br />
com lhe encobrir o vício que trouxe da vontade: mas quem é<br />
que deixa de não ver, que o nosso entendimento quase sempre<br />
se sujeita ao que nós queremos; e que o seu maior empenho, é<br />
servir à nossa inclinação; por isso raras vêzes se opõe, e o<br />
mais em que ocupa, é em confor-mar-se de tal sorte ao nosso<br />
gôsto, que ainda a nós mesmos fique parecendo, que foi<br />
resolvido do entendimento aquilo que não foi senão ato da<br />
vontade. O entendimento é a parte que temos em nós mais<br />
lisonjeira; daqui vem que nem sempre segue a razão, e a<br />
justiça, a inclinação sim; inclinamos-nos por vontade, e não<br />
por conselho; por amor, e não por inteligência; por eleição do<br />
gôsto, e não por arbítrio do juízo: as paixões que nos movem,<br />
nos inclinam; a tôdas conhecemos, isto é, sabemos que<br />
amamos por amor, que aborrecemos por ódio, que