(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
por infeliz; a virtude escondida, e que não se sabe, a<br />
<strong>vaidade</strong> a julga por uma virtude perdida, e morta.<br />
O juiz, que decidiu contra um litigante pode- (135) roso,<br />
e a favor de um litigante humilde, logo atraiu a si todo o<br />
sufrágio popular; a multidão o canoniza sem exame, e o faz<br />
passar por justo, inteiro, e sábio. Assim se engana, ou se deixa<br />
enganar aquela multidão cega, e sem experiência; presume no<br />
juiz um espírito de justiça, firme e incontrastável, só porque o<br />
viu julgar contra a grandeza do poder; mas não vê que nisso<br />
mesmo quis o juiz astuto, fundar a sua grandeza própria;<br />
oprimiu injustamente ao grande, (porque nem sempre a razão,<br />
e a justiça estão da parte <strong>dos</strong> humildes) aquêle foi o meio que<br />
buscou para fazer-se admirável entre to<strong>dos</strong>, e adquirir<br />
reputação em poucas horas: uma só injustiça lhe deu a opinião<br />
de justo; uma só iniquidade o fêz ilustre; talvez que uma vida<br />
longa, e cheia do exercício da justiça verdadeira, não fizesse<br />
tanto; isso mesmo previu o maligno julgador; por isso quis<br />
antecipar-se àquela glória, ou <strong>vaidade</strong>, por meio de um crime,<br />
que o vulgo comumente não supõe: daquela sorte conseguiu<br />
um alto nome; mas que importa, êle mesmo o desconhece;<br />
to<strong>dos</strong> o têm por justo, e só êle não se tem a si; o engano<br />
produziu o efeito para os mais, para êle não; to<strong>dos</strong> o estimam<br />
porque o crêem justo, e só êle se repreende porque<br />
interiormente sabe que o não é; a to<strong>dos</strong> pode enganar, só a si<br />
não; a consciência, que não teve para julgar a outrem, tem-na<br />
(a seu pesar) para julgar-se a si; em si mesmo tem um tribunal,<br />
que o acusa, e que conhece claramente o seu delito; aquêle<br />
conhecimento é o por onde começa desde logo a sua pena;