(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS<br />
discursos, e argumentos são as partes por onde o<br />
direito se governa; mas são partes, que se não podem<br />
pesar, porque não têm corpo, nem entidade; e assim já<br />
temos a justiça imprópria, até na mesma idéia da sua<br />
representação, e se a quisermos defender pela sua<br />
antiguidade, convenhamos em que as razões se pesem;<br />
mas em que mãos há de a balança estar para ser fiel?<br />
Nas <strong>dos</strong> <strong>homens</strong>, certamente não; nas de uma deusa<br />
sim. A espada tem mais exercício na justiça; por isso<br />
sempre está em ação, isto é, levantada; e com efeito o<br />
ferir é mais fácil, porque é mais fácil também o<br />
descarregar o golpe, que o suspendê-lo: a fôrça que<br />
suspende, é violenta, a que descarrega, e natural: mas<br />
como pode a justiça ter na espada um exercício justo,<br />
se a balança na mão <strong>dos</strong> <strong>homens</strong> não tem uso, e se o<br />
tem é sòmente imaginário, e na realidade impraticável?<br />
A espada depende da justeza da balança, e assim vem a<br />
depender de um instrumento inútil: sim depende de<br />
uma balança certa, para saber o como, o quando, e em<br />
que caso há de ferir; mas para nosso mal, a balança na<br />
mão da Justiça pintada, é que se vê; não porque deixem<br />
de haver <strong>homens</strong> justos, mas porque a justiça<br />
verdadeiramente não se pode pesar; é um ato de<br />
discurso, e êste em cada homem, é sempre incerto,<br />
vago, e vacilante. Para dar a cada um o que lhe toca,<br />
não basta ter uma vontade perpétua, e constante nessa<br />
mesma vontade é donde o êrro se introduz. Finjamos<br />
que o discurso é como um campo largo, em que a<br />
verde primavera faz nascer aquela multidão de belas<br />
flôres, mas entre estas, que impede que não nasça<br />
alguma flor com vício, ou alguma planta agreste,<br />
inferior, e errante? As flôres nascem no campo, os<br />
discursos em nós; felices são as flôres, pois foram<br />
produzidas na terra humilde, e por isso