(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS<br />
nhuma destas inclinações lhe tira, antes as conforta;<br />
porque a ciência não vem fazer um homem nôvo;<br />
assim como o acha, assim mesmo o deixa. As notícias,<br />
que alguns foram alcançando pela sucessão <strong>dos</strong><br />
tempos, e que para as fazerem respeitáveis, e as<br />
conservarem em uma majestade primitiva, as foram<br />
caracterizando com nomes pomposos, e pouco inteligíveis,<br />
uns latinos, outros gregos, outros arábicos;<br />
como filosofia, geometria, álgebra, essas tais notícias a<br />
que chamam ciências, não se adquirem brevemente,<br />
nem é trabalho de um dia, mas de muitos anos, e de<br />
tôda a vida; e desta sorte antes que qualquer ciência se<br />
introduza em nós tem tempo para se adjetivar, e<br />
familiarizar conosco, e para se consubstanciar com<br />
to<strong>dos</strong> os nossos vícios, e com tôdas as nossas<br />
inclinações; e nessa forma quando as ciências chegam,<br />
não é para nos emendar, porque já vêm tarde; e se<br />
então nos emendamos, essa emenda não é efeito da<br />
ciência, mas da nossa debilidade. Os <strong>homens</strong> mais<br />
facilmente se mudam, do que se emendam; quem muda<br />
é o tempo, a ciência não. Comumente o que faz deixar<br />
os vícios, é a impossibilidade de os conservar; e ainda<br />
então o que perdemos, é o uso dêles, e não a vontade;<br />
largamos o exercício, e não o afeto; desistimos da<br />
ocupação, e não da inclinação; e finalmente nós não<br />
fomos os que deixamos os vícios, êles são os que nos<br />
deixam; nós os seguimos de longe, e por mais que os<br />
sigamos cansa<strong>dos</strong>, nunca os perdemos de vista; quando<br />
não podemos ir, os objetos nos arrebatam: a memória<br />
<strong>dos</strong> nossos vícios passa<strong>dos</strong>, nos está servindo de vício<br />
presente; e quem sabe quais são os que obram com<br />
mais vigor, e mais ativamente? A imaginação não é<br />
coisa tão sem corpo como nos parece; talvez que não<br />
tenha de menos que o ser mais sutil, e desta qualidade<br />
o que pode resultar, é o ser mais durável.