(Brasil) - Reflexões sobre a vaidade dos homens - iPhi
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REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS<br />
amante; e quem tem sensibilidade para amar, também<br />
a tem para sentir; porque se a formosura nos recreia,<br />
também a injúria nos irrita; se o agrado nos convida, o<br />
desprêzo nos magoa; e se o amor enfim nos chama,<br />
também a ofensa nos retira.<br />
Sim, é soberba a formosura, mas não é para (109)<br />
admirar, pois é grande o seu império; é vai<strong>dos</strong>a, mas como<br />
pode não o ser? É presumida, mas que muito se em se vendo, a<br />
sua mesma vista a lisonjeia? É tirana; que importa, se é virtude<br />
êsse defeito, e se nela a bondade é culpa? Na formosura achase<br />
a circunstância mais essencial da luz; esta ilustra, e faz<br />
claros os objetos, que estão perto <strong>dos</strong> seus raios; assim a<br />
beleza, pois parece faz formosos aquêles vícios que a<br />
acompanham; essa fereza, essa arrogância, e essa mesma<br />
condição altiva, sim são imperfeições grandes na beleza, mas<br />
são como as sombras, que um delicado pincel debuxa, a representa,<br />
não para desluzir o primor da arte, mas para realçar a<br />
fineza da pintura. Uma estrela brilha mais no espantoso<br />
silêncio de uma noite escura; a mais perfeita luz é a do sol,<br />
contudo a sua atividade nos molesta, e escandaliza: as coisas<br />
nem por mais perfeitas nos agradam mais; antes alguma<br />
imperfeição as modifica em forma que ficam proporcionadas<br />
ao nosso gôsto; aquilo que é perfeito em um certo grau, excede<br />
a nossa esfera, e por isso nem o podemos gozar, nem entender,<br />
porque o desejo não se estende adonde a compreensão não<br />
chega. O entendimento, ou a alma é o que primeiro move, e<br />
assim tudo o que excede a nossa inteligência, fica sendo<br />
impenetrável ao nosso afeto. Mil coisas há perfeitas no seu<br />
gênero, por onde continuamente