MYRIAN MUNIZ: UMA PEDAGOGA DO TEATRO - Unesp

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alunos atores. Naquele momento, ela estava vislumbrando em mim uma característica que nem eu tinha coragem de examinar, quanto mais experimentar. Foi ela que, de maneira provocadora e precisa, chamou atenção para minha homossexualidade, até então e ainda por alguns anos, submersa e reprimida. Myrian acreditava que, para a plena execução do ofício do teatro, o ator deve ser e estar emocionalmente livre e, para que isso aconteça, ele deve expressar e vivenciar plenamente sua sexualidade. Esse princípio foi herdado das suas vivências com Roberto Freire e com as teorias de Reich. As orientações dadas por ela tinham características muito provocativas e, às vezes, desestabilizadoras. No meu caso, essa provocação pedagógica acerca da minha sexualidade acabou por gerar resultados em médio prazo, pois, no início, acabei assumindo uma postura defensiva, chegando a duvidar da validade e pertinência do que ela havia me dito. A pedagogia teatral de Myrian passava pelo filtro da intuição e percepção que tinha dos seus alunos-atores, chegando a assumir um tom agressivo e, muitas vezes, só surtindo efeito algum tempo depois. O espetáculo Bandeiras tinha como característica a participação da maioria dos alunos-atores nas cenas, ressaltando a característica de teatro “feito em grupo” que pontuava o trabalho de Myrian como pedagoga. Participei de algumas cenas coletivas, mas a que me marcou mais, por conta do trabalho de interpretação que consegui desenvolver, foi a cena que fiz a partir do poema Rondó de efeito. (BANDEIRA, p.406-7, 1974.) Olhei para ela com toda a força, Disse que ela era boa, Que ela era gostosa, Que ela era bonita pra burro: Não fez efeito. Virei pirata: Dei em cima de todas as maneiras, Utilizei o bonde, o automóvel, o passeio a pé, Falei de macumba, ofereci pó... À toa: não fez efeito. Então banquei o sentimental: Fiquei com olheiras, Ajoelhei, Chorei, Me rasguei todo, 137
Fiz versinhos, Cantei as modinhas mais tristes do repertório do Nozinho. Escrevi cartinhas e pra acertar a mão, li Elvira a Morta Virgem (Romance primoroso e por tal forma comovente que ninguém pode lê-lo sem derramar copiosas lágrimas...) Perdi meu tempo: não fez efeito. Meu Deus que mulher durinha! Foi um buraco na minha vida. Mas eu mato ela na cabeça: Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas, Pastilhas purgativas: É impossível que não faça efeito. Através do trabalho de construção desta cena e elaboração de um personagem que fosse o interlocutor do poema acima, Myrian especulou as minhas diversas possibilidades expressivas, através desse processo criativo, possibilitando uma revelação da algo desconhecido. Ela procurava estimular o aluno-ator a mostrar algo que ela ainda não tivesse visto nele. Algo inédito para ambos. No último dia de espetáculo recebi de Myrian um livro com o texto Castelo na Suécia, de Françoise Sagan, com o seguinte escrito na contracapa: 138
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