MYRIAN MUNIZ: UMA PEDAGOGA DO TEATRO - Unesp

como um ser-em-relação capaz de desenvolver, a partir do contato humano, a
espontaneidade e a criatividade. Esta idéia também compunha um dos alicerces
da sua pedagogia teatral.
Tais experiências funcionavam como guias, utilizados por Myrian, para
escolher qual o procedimento mais indicado para os grupos com os quais
trabalhava. Além disso, ela lançava mão da sua aguda observação e da sua
intuição. Para desenvolver essa sensível capacidade era necessário um tempo
inicial de convívio:
E é só depois de um ano que você pode avaliar se ele [aluno] apresentou
algum progresso, se ele mudou, se ele percebe que mudou. Aí é que
começam a perder os preconceitos, os moralismos, as caretices, os
medos! O medo! Quando você olha, você já percebe o medo, o medo é a
primeira coisa que eu acho que eu percebo em uma pessoa. Medo de se
expor, de sentir, de mostrar quem realmente é, sem máscaras. Isso vai
se conseguindo aos poucos, não se pode arrancar isso de uma vez como
uma casca de cebola. Vai descascando devagar, até que apareça a
cebola, e são várias cascas. (JANUZELLI e JARDIM, 1999/2000)
Essa convivência com os alunos-atores permitia que ela fizesse propostas
pouco convencionais com objetivo de revelar questões fundamentais que
poderiam ser um obstáculo ao trabalho do ator, como aconteceu com Muriel
Matalon, quando Myrian lhe disse:
“Muriel vá até a cozinha fritar ovos.” Fui e fritei os ovos num fogo bem alto
para acabar logo e voltar para o ensaio. “Não. Você não sabe fritar ovos,
nem fazer ovos mexidos”, e aí ela me explicou como fazer: devagar,
levando uns vinte minutos. Com isso tomei conhecimento da minha
ansiedade. (VARGAS, 1998, p. 234)
Por fim, suas práticas estimulavam não somente a reflexão sobre o trabalho
do ator, mas também sobre o papel dele no mundo, como afirmou Carmo Sodré
Mineiro:
Além de transmitir os segredos de uma técnica, ela faz questão de inserir
você na realidade, fazendo com que você perceba seu verdadeiro lugar
no mundo. O aluno, em seu curso, passa por uma experiência pessoal
profunda, intensa, escancarada.(IDEM, 1998, p. 227)
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