CUIDANDO DOS BEM-NASCIDOS: O Curso ... - Acervo - Unesc

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que essa postura era necessária para conter os alunos e mantê-los dentro da ordem. “Eu era exigente, exigente mesmo. Mas era preciso ser, era preciso porque, se não, a rapaziada tomava conta...”. Além disso, afirma que no “Póvoas Carneiro” não havia aquela bagunça das demais escolas, justamente porque se tratava de uma escola diferenciada e que estava voltada para o atendimento de um grupo social diferenciado, cujo “berço” assegurava o bom comportamento dos alunos, com algumas poucas exceções. “Não, nos grupos escolares. No Póvoas Carneiro, Deus me livre! No Póvoas Carneiro era muito diferente”. Quando questionada acerca dos alunos que mais “davam trabalho” na escola, logo fez uma lista com nomes, sobrenomes, filiação e peripécias, mostrando que nem tudo eram flores naquela escola que pretendia colocar-se como exemplo a ser seguido e lembrado. Zulcema lembra um fato que a levou a tomar uma medida extrema. Eu me lembro bem uma vez dos filhos do João Carlos. Aqueles ali eu dei, porque eram impossíveis. Era uma coisa horrível. Eu às vezes tinha, na sala, pena dos pais. (...) Do pai não. A mãe estava sempre na escola para saber como é que o filho... se havia dado trabalho. Aquele era incrível. Uma vez eu dei uma reguada nele. Arrependi-me. Mais dei. Ele era medonho. Era incrível. Hoje ele vem e diz: apanhei pouco da senhora. [Risos] Ali havia compreensão. A gente sabia educar as crianças aproveitando a educação que era dada em casa. 78 Esse episódio reforça o perfil da professora que era, ao mesmo tempo, diretora e proprietária, e nos ajuda a compreender aquele modelo de escola como sendo uma extensão da educação que os filhos recebiam dos pais em suas respectivas casas. Quando Zulcema diz que os meninos eram “horríveis” e “medonhos”, compara a um padrão de comportamento que fugia do convencional (de classe) e, ao mesmo tempo, remete para a família a função de auxiliar no processo de educação escolarizada, por meio de bons comportamentos, próprios das famílias de classe média que freqüentavam a sua escola. Ao mesmo tempo, a professora lamenta ter chegado àquele ponto, salientando que não era do seu costume e agrado bater nas crianças desobedientes e indisciplinadas. Outro ponto levantado pela pesquisa é a prática da premiação. Ou seja, se por um lado havia por parte da escola uma prática marcada pela rigidez, pelo 78 PÓVOAS CARNEIRO, Zulcema - Entrevista concedida em 26/04/2006.

controle e pelos castigos, por outro, havia também ações voltadas para a premiação e a promoção daqueles que se mostrassem bons alunos, por meio do desempenho e comportamento, o que também não deixava de ser uma ‘rigidez’ aplicada por meio de um ‘modelo’ enquadrado na perspectiva da formação para o trabalho. Eram distribuídos mensalmente cartões de nota de honra e menções honrosas aos alunos que chegassem em primeiro, segundo ou terceiro lugar, respectivamente. Nereu Guidi lembra com orgulho dos cartões que recebia e colecionava como prova de ser um aluno dedicado e inteligente, embora soubesse que sua condição era facilitada pelo fato de ter cursado novamente aquela série. Eu tive direto, nos anos que eu passei lá. (...) Um, Dois, três, Quatro, Cinco, Seis, Sete, Oito. Todos os meses eu ganhava ou uma menção honrosa ou uma nota de honra. (...) A menção honrosa quando ficasse em segundo ou terceiro lugar, e a nota de honra você tirava em primeiro lugar. (...) Eu era um aluno que até pelo fato de ter já repassado as matérias, eu também tinha facilidade. Eu redigia muito bem, tinha posição boa em português, metido a fazer teatro. 79 Kátia, filha de Zulcema, recorda que, em algumas ocasiões, as crianças ganhavam, além dos cartões, outros presentes como livrinhos de história. Enquanto isso, sua irmã Zurene reclama do fato de não ter recebido nenhum dos tais cartões. “Eu não me lembro de ter ganho premiação, acho que só judiação! [risos] Mas eu estou aqui com duas faculdades, trabalhei 33 anos, agora eu estou aposentada [risos]”. De acordo com Antônio Adalberto Canarin, as notas das respectivas disciplinas cursadas eram afixadas no próprio caderno. Aliás, havia um caderno para cada disciplina, além daqueles que eram destinados a tarefas, caligrafia e provas. Estudava o mês todo e tinha as provas. As provas eram feitas. O trabalho no caderno e as provas finais de cada mês, às vezes no caderno e às vezes em folhas separadas. Dava a nota, o valor de cada um, com estrela, com duas estrelas, ou três estrelinhas, até se fossem melhor aproveitadas as aulas. Ela ainda homenageava com cartões. Ela tinha um cartão, se não me engano, o cartãozinho azul... Como era? Um era honra ao mérito, não me lembro da inscrição, mas os dois ou três cartões que tinha, se não me engano era uma cor do papel, um azul e um rosa. Um deles era honra ao mérito. 80 79 GUIDI, Nereu – Entrevista concedida em 25/05/2006. 80 CANARIN, Antônio Adalberto – Entrevista concedida em 25.05.2006.

que essa postura era necessária para conter os alunos e mantê-los dentro da<br />

ordem. “Eu era exigente, exigente mesmo. Mas era preciso ser, era preciso porque,<br />

se não, a rapaziada tomava conta...”.<br />

Além disso, afirma que no “Póvoas Carneiro” não havia aquela bagunça<br />

das demais escolas, justamente porque se tratava de uma escola diferenciada e que<br />

estava voltada para o atendimento de um grupo social diferenciado, cujo “berço”<br />

assegurava o bom comportamento dos alunos, com algumas poucas exceções.<br />

“Não, nos grupos escolares. No Póvoas Carneiro, Deus me livre! No Póvoas<br />

Carneiro era muito diferente”.<br />

Quando questionada acerca dos alunos que mais “davam trabalho” na<br />

escola, logo fez uma lista com nomes, sobrenomes, filiação e peripécias, mostrando<br />

que nem tudo eram flores naquela escola que pretendia colocar-se como exemplo a<br />

ser seguido e lembrado. Zulcema lembra um fato que a levou a tomar uma medida<br />

extrema.<br />

Eu me lembro bem uma vez dos filhos do João Carlos. Aqueles ali eu dei,<br />

porque eram impossíveis. Era uma coisa horrível. Eu às vezes tinha, na<br />

sala, pena dos pais. (...) Do pai não. A mãe estava sempre na escola para<br />

saber como é que o filho... se havia dado trabalho. Aquele era incrível. Uma<br />

vez eu dei uma reguada nele. Arrependi-me. Mais dei. Ele era medonho.<br />

Era incrível. Hoje ele vem e diz: apanhei pouco da senhora. [Risos] Ali havia<br />

compreensão. A gente sabia educar as crianças aproveitando a educação<br />

que era dada em casa. 78<br />

Esse episódio reforça o perfil da professora que era, ao mesmo tempo,<br />

diretora e proprietária, e nos ajuda a compreender aquele modelo de escola como<br />

sendo uma extensão da educação que os filhos recebiam dos pais em suas<br />

respectivas casas. Quando Zulcema diz que os meninos eram “horríveis” e<br />

“medonhos”, compara a um padrão de comportamento que fugia do convencional<br />

(de classe) e, ao mesmo tempo, remete para a família a função de auxiliar no<br />

processo de educação escolarizada, por meio de bons comportamentos, próprios<br />

das famílias de classe média que freqüentavam a sua escola. Ao mesmo tempo, a<br />

professora lamenta ter chegado àquele ponto, salientando que não era do seu<br />

costume e agrado bater nas crianças desobedientes e indisciplinadas.<br />

Outro ponto levantado pela pesquisa é a prática da premiação. Ou seja,<br />

se por um lado havia por parte da escola uma prática marcada pela rigidez, pelo<br />

78 PÓVOAS CARNEIRO, Zulcema - Entrevista concedida em 26/04/2006.

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