CUIDANDO DOS BEM-NASCIDOS: O Curso ... - Acervo - Unesc

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Olha só como a pessoa era severa. A mesma professora... Aconteceu. (...) A minha amiga pediu pra ir ao banheiro, e ela não deixou. Ela tava com dor de barriga e fez cocô nas calças. Tinha uma outra aluna, que era Luisa também. Bem grandona. Era maior que eu. Eu era pequenininha. Ela era uma pessoa que andava com as roupas meio sujas. Acho que ela era muito pobre. Qualquer cheirinho era a Luisa, na sala. Eu sei que. A Luisa. A Luisa. A Luisa. Mas não. Foi ela. A dona Zulcema levou ela pra casa dela. Encheu uma banheira d’água. Deu um banho e ela foi embora com as roupas da Kátia. [risos] 73 Os episódios narrados nos remetem a uma escola e a professoras rígidas no trato com as crianças, que expressam uma concepção pedagógica tradicional. Mesmo assim, cabe reconhecer que, no segundo episódio narrado por Luisa Pinter, aparecem ao menos três elementos que merecem considerações. O primeiro deles diz respeito ao fato de a criança não ter liberdade e permissão para tratar de uma questão que é, antes de tudo, biológica, e, ao mesmo tempo, emocional. O segundo aspecto está relacionado ao fato de a culpa ter recaído sobre outra criança que, segundo Pinter, costumava cheirar mal, e que isso poderia estar relacionado com a classe social a que pertencia, ou seja, tratava-se de uma criança pobre estudando entre as crianças das classes médias. O terceiro aspecto que chama atenção é a forma como aquela criança reagiu ao fato de, diante de toda a turma, não ter tido a chance de ir ao banheiro, afastando-se por alguns dias da escola e, portanto, das aulas, com vergonha e receando as piadas e chacotas da criançada. “(...) Coitadinha. Bem amiga essa. Ela ficou uns dias sem vir pra aula porque tu imaginas na sala de aula, a gozação foi...”. 74 Estelita da Silva, que morava imediatamente ao lado da escola e, portanto, da casa de Zulcema, um dia ficou de castigo até as 2 horas da tarde por não dar conta do ponto, em que teria que explicar as ‘Capitanias Hereditárias’. Ao mesmo tempo em que se lembra do episódio, reconhecendo que deveria ter estudado e não o fizera e, por isso mesmo, já esperava que fosse repreendida, não se esqueceu do fato de a professora Zulcema tê-la deixado sozinha na sala de castigo e ter ido para sua casa, que era colada na escola, para almoçar. “Não, ela saiu. Ela foi almoçar e eu fiquei lá, morta de fome sentindo o cheirinho da cozinha. Mas ai eu aprendi, não é? Era do ladinho. Da minha casa, já sabiam que eu estava ali”. 75 73 Idem 74 Idem 75 SILVA, Estelita da – Entrevista concedida em 26.05.2006.

Antônio Sérgio Borges lembra que os alunos da 4ª série, principalmente, do 5º ano preparatório para a admissão ao ginásio, eram considerados mais velhos e de uma escolarização mais avançada. Por isso, esperavam deles um comportamento condizente com o grau de “amadurecimento”, afinal, em breve estudariam em algum ginásio fora de Criciúma e precisariam demonstrar responsabilidade. “E a Dona Zulcema, no nosso nível, nós já estávamos ali no final... Tínhamos que ter mais responsabilidade, nós íamos estudar fora. (...) Isso era um acontecimento. Você já imaginou?”. 76 As professoras que concederam entrevistas reafirmam que havia naquela escola uma disciplina muito rígida imposta pela proprietária, que tentava manter o controle sobre as coisas. De acordo com os depoimentos, nada lhe escapava. Zulcema fiscalizava os planos de aula, que deveriam ser diários e, portanto, precisavam passar por seu gabinete para obtenção do visto que assegurava a anuência da autoridade máxima da escola, como afirma a própria Zulcema. (...) Ótimas professoras, elas, diariamente, apresentavam um plano de trabalho daquele dia, num caderno. No começo da aula, esses cadernos iam para a minha sala, meu gabinete, eu olhava, passava o visto. Então aquilo era o serviço daquele dia. Além disso, ela fiscalizava também as aulas visitando periodicamente as salas de aula e, muitas vezes, interferia para obter silêncio. Além disso, concordam que havia a prática de castigos. Porém, entendem que se tratava de uma forma que objetivava dar ao aluno condições para que ele pudesse apreender melhor os conteúdos ensinados. A professora Nyette Nair Dias, em suas falas, qualifica a professora Zulcema como uma “mãe” que, ao mesmo tempo em que observava tudo e era rígida, também escutava as reclamações das professoras e, quando dizia algo, procurava fazê-lo com jeito. Segundo ela, Zulcema estava sempre procurando ajudar, e isso fazia dela uma pessoa boa e querida, apesar de rígida no exercício de sua profissão. Quando questionada sobre os castigos que aplicava nos alunos, Nyette diz que nunca praticou nenhum tipo de castigo, limitava-se a mandar o aluno repetir no caderno certa quantidade de vezes aquilo que tivesse errado. Ou seja, para ela isso não configura, necessariamente, um tipo de castigo, mas uma ação integrante 76 BORGES, Antônio Sérgio – Entrevista concedida em 28.04.2006.

Antônio Sérgio Borges lembra que os alunos da 4ª série, principalmente,<br />

do 5º ano preparatório para a admissão ao ginásio, eram considerados mais velhos<br />

e de uma escolarização mais avançada. Por isso, esperavam deles um<br />

comportamento condizente com o grau de “amadurecimento”, afinal, em breve<br />

estudariam em algum ginásio fora de Criciúma e precisariam demonstrar<br />

responsabilidade. “E a Dona Zulcema, no nosso nível, nós já estávamos ali no<br />

final... Tínhamos que ter mais responsabilidade, nós íamos estudar fora. (...) Isso era<br />

um acontecimento. Você já imaginou?”. 76<br />

As professoras que concederam entrevistas reafirmam que havia naquela<br />

escola uma disciplina muito rígida imposta pela proprietária, que tentava manter o<br />

controle sobre as coisas. De acordo com os depoimentos, nada lhe escapava.<br />

Zulcema fiscalizava os planos de aula, que deveriam ser diários e, portanto,<br />

precisavam passar por seu gabinete para obtenção do visto que assegurava a<br />

anuência da autoridade máxima da escola, como afirma a própria Zulcema.<br />

(...) Ótimas professoras, elas, diariamente, apresentavam um plano de<br />

trabalho daquele dia, num caderno. No começo da aula, esses cadernos iam<br />

para a minha sala, meu gabinete, eu olhava, passava o visto. Então aquilo<br />

era o serviço daquele dia.<br />

Além disso, ela fiscalizava também as aulas visitando periodicamente as<br />

salas de aula e, muitas vezes, interferia para obter silêncio. Além disso, concordam<br />

que havia a prática de castigos. Porém, entendem que se tratava de uma forma que<br />

objetivava dar ao aluno condições para que ele pudesse apreender melhor os<br />

conteúdos ensinados.<br />

A professora Nyette Nair Dias, em suas falas, qualifica a professora<br />

Zulcema como uma “mãe” que, ao mesmo tempo em que observava tudo e era<br />

rígida, também escutava as reclamações das professoras e, quando dizia algo,<br />

procurava fazê-lo com jeito. Segundo ela, Zulcema estava sempre procurando<br />

ajudar, e isso fazia dela uma pessoa boa e querida, apesar de rígida no exercício de<br />

sua profissão.<br />

Quando questionada sobre os castigos que aplicava nos alunos, Nyette<br />

diz que nunca praticou nenhum tipo de castigo, limitava-se a mandar o aluno repetir<br />

no caderno certa quantidade de vezes aquilo que tivesse errado. Ou seja, para ela<br />

isso não configura, necessariamente, um tipo de castigo, mas uma ação integrante<br />

76 BORGES, Antônio Sérgio – Entrevista concedida em 28.04.2006.

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