CUIDANDO DOS BEM-NASCIDOS: O Curso ... - Acervo - Unesc

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seriam a elite cultural e econômica da cidade. Segundo o depoimento de Adalberto, a professora Zulcema preocupava-se muito com a boa formação dos alunos e, portanto, ela, ou qualquer professora de sua escola, deveria intervir e fiscalizar as ações daquelas crianças dentro e fora da escola. Nem que para isso fosse necessária a aplicação de castigos e a exposição dos alunos a situações humilhantes, como ficar de pé em plena sala de aula enquanto a classe prosseguia com as atividades propostas pela professora. “Antes de ser chamada a atenção em casa (pelos pais), ela preparava a gente na escola. Dava castigo, às vezes. Fazia com que tu levantasses e ficasses de pé no canto da sala, por alguns minutos”. 67 Entretanto, havia também o outro lado da moeda. Ou seja, os alunos reconhecem que eram “arteiros” e que encontravam artifícios e subterfúgios para escapar das atividades de aula e, ao mesmo tempo, usar uma fração do tempo despendido com a escola para a prática de brincadeiras como o futebol, a bola de gude, a amarelinha. Enfim, as crianças tentavam burlar os adultos controladores e disciplinadores de todas as formas, como o fazia Zurene, que, com o cabo da vassoura, empurrava o ponteiro do relógio para antecipar o término do castigo ou tarefa. (...) Nós éramos arteiros. Éramos espertos, vivos. Além de brincarmos, às vezes ela dava um determinado ponto, que nós tínhamos que dar conta às dez horas, por exemplo, da Invasão Francesa. Invasão Francesa, Invasão Holandesa, aquelas guerras, enfim. Nós tínhamos que estudar, e a gente em vez de estudar... Alguns, que eram mais comportados, iam lá estudar e tal. (...) A gente, às vezes, malandreava um pouquinho, jogava um futebolzinho, aquelas peladinhas de praça (...). No outro dia, ia pra escola e a matéria não tava preparada. Isso aconteceu comigo. (...) Eu, uma vez, acabei não estudando. Na hora que ela me perguntou eu não tinha nada a dizer. Eu não sabia nem por onde começar. Ela pulou pro próximo e me deixou mais pro fim da aula. No fim da aula, tentou tomar o ponto de novo, e eu não consegui. O pessoal saiu no recreio e ela me deixou na sala estudando que ela ia tomar após a entrada do pessoal. Eu acabei. Era muito pirracento, também, pavio meio curto. (...) Não preparei. Pois ela me deixou preso depois do almoço. Meus pais foram ao encontro pra saber o que estava acontecendo que eu não tinha chegado em casa. Já me pegaram na estrada, mas souberam que eu tinha cismado de não dar o ponto pra ela e não dei. 68 Uma forma de conter as conversas e travessuras era promover a separação entre meninos e meninas que, embora sentassem em duplas, pois esse era o formato das carteiras, não se misturavam dentro da sala, ficando as meninas 67 Idem 68 Idem

de um lado e os meninos de outro. Os garotos ficavam no lado oposto das janelas, para evitar a tentação de olhar o que acontecia fora da sala de aula “porque na direita tinha as janelas e os meninos eram mais ‘sacaninhas’, ficavam jogando bilhetinho... As meninas, mais comportadas, sentavam no lado das janelas”. 69 Um modo de exercer o controle e a disciplina dos alunos era por meio da exigência do uso obrigatório de uniforme, como forma de localizar e detectar possíveis desordens cometidas por alunos dentro e fora da sala de aula. Aliás, nos parece evidente que, por se tratar de uma escola voltada ao atendimento de uma emergente elite urbana, a escola devia mostrar-se como exemplo para toda a comunidade, não permitindo que seus alunos fizessem coisas que pudessem desabonar o caráter da escola que pretendia ser a mais preparada e capaz de formar bons cidadãos. 70 (...) Onde encontrava uma pessoa na rua que tivesse com o uniforme, Deus o livre se aquela pessoa tivesse fazendo alguma maldade. Porque a dona Zulcema torcia a orelha. No bom sentido, porque ela chamava a atenção. Uma pessoa não podia estar sem uniforme no horário de estudo, é claro. Quer dizer, com o uniforme ela não podia fazer alguma coisa que prejudicasse alguém. Mesmo por bagunça, jogar caderno um no outro, isso não podia de jeito nenhum que a dona Zulcema, pra isso ela era rígida. Era um complemento da educação que a gente tinha em casa. Se não fazia de uniforme, não fazia também sem uniforme. 71 Luisa Pinter, em seu depoimento, recorda dois episódios, marcantes para ela, com uma professora chamada Elza Sampaio dos Reis. O primeiro envolveu diretamente Luisa, que uma vez foi colocada pela professora em pé, de castigo, atrás da porta na sala da 4ª série, quando ainda cursava a 3ª série. Ela me botou de castigo. Eu no 3º ano, e ela me botou de castigo na sala do 4º ano. Fiquei quase a aula toda lá na sala do 4º ano. Morri de vergonha. (...) Porque ela era muito brava. Exigente. Bah! Pior é que eu não lembro. Eu lembro que o pessoal bagunçou atrás. Ela tinha saído da sala. (...) Não sei o que houve, eu tava de pé quando ela chegou. Ela me botou de castigo. Porque não tava sentada na carteira. Aquilo era um quartel general, tudo enfileirado. 72 O segundo episódio envolveu duas colegas de sua turma. 69 Idem 70 Essa pretensão é atestada de forma unânime pelos depoentes (pais, alunos (as), professoras e a própria professora Zulcema). 71 Idem 72 PINTER, Luisa – Entrevista concedida em 26.05.2006.

de um lado e os meninos de outro. Os garotos ficavam no lado oposto das janelas,<br />

para evitar a tentação de olhar o que acontecia fora da sala de aula “porque na<br />

direita tinha as janelas e os meninos eram mais ‘sacaninhas’, ficavam jogando<br />

bilhetinho... As meninas, mais comportadas, sentavam no lado das janelas”. 69<br />

Um modo de exercer o controle e a disciplina dos alunos era por meio da<br />

exigência do uso obrigatório de uniforme, como forma de localizar e detectar<br />

possíveis desordens cometidas por alunos dentro e fora da sala de aula. Aliás, nos<br />

parece evidente que, por se tratar de uma escola voltada ao atendimento de uma<br />

emergente elite urbana, a escola devia mostrar-se como exemplo para toda a<br />

comunidade, não permitindo que seus alunos fizessem coisas que pudessem<br />

desabonar o caráter da escola que pretendia ser a mais preparada e capaz de<br />

formar bons cidadãos. 70<br />

(...) Onde encontrava uma pessoa na rua que tivesse com o uniforme, Deus<br />

o livre se aquela pessoa tivesse fazendo alguma maldade. Porque a dona<br />

Zulcema torcia a orelha. No bom sentido, porque ela chamava a atenção.<br />

Uma pessoa não podia estar sem uniforme no horário de estudo, é claro.<br />

Quer dizer, com o uniforme ela não podia fazer alguma coisa que<br />

prejudicasse alguém. Mesmo por bagunça, jogar caderno um no outro, isso<br />

não podia de jeito nenhum que a dona Zulcema, pra isso ela era rígida. Era<br />

um complemento da educação que a gente tinha em casa. Se não fazia de<br />

uniforme, não fazia também sem uniforme. 71<br />

Luisa Pinter, em seu depoimento, recorda dois episódios, marcantes para<br />

ela, com uma professora chamada Elza Sampaio dos Reis. O primeiro envolveu<br />

diretamente Luisa, que uma vez foi colocada pela professora em pé, de castigo,<br />

atrás da porta na sala da 4ª série, quando ainda cursava a 3ª série.<br />

Ela me botou de castigo. Eu no 3º ano, e ela me botou de castigo na sala do<br />

4º ano. Fiquei quase a aula toda lá na sala do 4º ano. Morri de vergonha.<br />

(...) Porque ela era muito brava. Exigente. Bah! Pior é que eu não lembro.<br />

Eu lembro que o pessoal bagunçou atrás. Ela tinha saído da sala. (...) Não<br />

sei o que houve, eu tava de pé quando ela chegou. Ela me botou de<br />

castigo. Porque não tava sentada na carteira. Aquilo era um quartel general,<br />

tudo enfileirado. 72<br />

O segundo episódio envolveu duas colegas de sua turma.<br />

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Idem<br />

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Essa pretensão é atestada de forma unânime pelos depoentes (pais, alunos (as), professoras e a<br />

própria professora Zulcema).<br />

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Idem<br />

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PINTER, Luisa – Entrevista concedida em 26.05.2006.

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