CUIDANDO DOS BEM-NASCIDOS: O Curso ... - Acervo - Unesc
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seu maior temor não era necessariamente a professora, mas seu pai, que, se acaso ficasse sabendo que ela havia feito algo considerado errado, não a pouparia, revelando que esse era um traço comum às famílias da época. Bastava uma conversa na própria escola ou o envio de um bilhete para os pais para as surras e/ou os castigos serem aplicados em casa, como que em uma extensão da escola. Olha, eu era muito (...) envergonhadinha. Não fazia arte. Eu não era de fazer arte. Eu não era de conversar na sala de aula. Eu era assim meio... Eu tinha medo não só da professora, não era da professora que eu tinha medo, eu tinha medo que a professora falasse com meu pai. Eu tinha medo era dele. Dessas coisas assim. Se tivesse alguma briga por lá eu já saía pra bem longe. Eu não participei muito disso não, mas sempre tinha. (...) Eu nunca passei por isso. Não, porque se eu passasse meu pai... Eu me matava de medo. 62 No entanto, alguns ex-alunos da escola não demonstram rancor ao recordar da truculência com que eram tratados em casa e na escola, procurando sempre frisar o papel disciplinador e formador da boa conduta exercido pela ação da força física sobre os corpos infantis. Nessa mesma perspectiva, Newton Luiz Barata afirma que era exatamente essa característica que fazia do “Póvoas Carneiro” uma boa e conceituada escola. A escola era extraordinária por causa disso. Existe algo que se tu se aprofundar um pouco, (...) tu vai ver que o que marca na tua vida, que tudo aquilo que marca, marca tudo aquilo que foi algo forte em ti. Ou um sacrifício, físico ou emocional, às vezes uma, como por exemplo, tu te lembras das professoras aquelas que mais te exigiam. E o Colégio Póvoas Carneiro vai ficar sempre na memória de quem estudou lá, porque ele era rígido, ele era durão. 63 Refletindo acerca do conceito de “escola boa” apresentado acima, podemos perceber a presença do modelo de escola tradicional mesclando-se aos discursos estabelecidos a partir do escolanovismo. Ou seja, mesmo que os alunos do Póvoas Carneiro tivessem tido maior liberdade de expressão e que os castigos aplicados não fossem tão agressivos, se comparados aos aplicados antes – outras épocas e espaços escolares -, o que prevalecia eram as características do modo mais tradicional, que hoje são rememorados e vistos como algo que, naquele momento, cumpriu com eficiência a função de formar as elites criciumenses dentro dos princípios capitalistas e de modernização. Assim, a truculência passa a ser 62 ROLLIN PAULO, Tânia – Entrevista concedida em 28.04.2006. 63 BARATA, Newton Luiz – Entrevista concedida em 26.05.2006.
entendida como uma prática necessária no processo de condução das crianças a uma formação plena. Nesse aspecto, notamos que tanto a educação da classe operária quanto a educação dos filhos da elite, valiam-se da mesma truculência disciplinadora. A agressão formava, portanto, os filhos da elite como os filhos dos operários e refletia o processo de constituição do sujeito moderno dentro do sistema capitalista. Uma prática muito comum entre as professoras consistia em levar os alunos mais destacados em determinados conteúdos, principalmente da matemática, para resolverem os problemas propostos por elas nas turmas mais avançadas. Ou seja, um aluno da 3ª série era chamado a resolver um problema para os alunos da 4ª série, por exemplo, com a intenção de humilhá-los diante de um aluno de menor idade e “maior capacidade”. Tinha uma coisa que eu achava. Que fica na cabeça, não sei se aconteceu com vocês, mas aconteceu comigo. É de uma professora da 4ª série. Ela passava um problema no quadro, os caras da 4ª série não conseguiam resolver, ela mandava buscar um da 3ª série, pra humilhar [risos]. 64 Por outro lado, Antônio Adalberto Canarin recorda com alegria que a professora Zulcema costumava chamar, carinhosamente, de cabeça-de-osso- pra- sopa aqueles alunos que demoravam a entender os conteúdos ministrados, 65 indicando que, por falta de capacidade por parte do aluno, a cabeça do referido não prestava para mais nada, além de ingrediente para uma sopa. (...) Ela sempre à testa. Sempre fazendo a frente. Ela era muito criativa, tinha muitas brincadeiras. Ela não vai esquecer o dia em que ela ouvir essa gravação, ou essa informação. O dia que ela ouvir e ver, ela vai lembrar que ela dizia assim: – O seu cabeça-de-osso-pra-sopa [risos]. Quando a gente não aprendia, ela dava uma vez, duas, três, não aprendia. Batia assim com a gente, brincando [mostra na mesa]. Dizia: Ô seu cabeça-deosso-pra-sopa. (...) Mas era muito carinhosa, não era brigando, não. Era carinhosa, que ela sempre foi. 66 Mais uma vez, aparece nos depoimentos falas que demonstram um entendimento acerca da violência, dos castigos e das humilhações, remetendo-as para outro campo, o campo da formação de valores e hábitos saldáveis. Nesse sentido, podemos constatar que essas práticas eram e ainda são vistas por aqueles que a praticaram como necessárias no processo de formação das crianças, que 64 MIRAGLIA, Jorge – Entrevista concedida em 26.05.2006 65 CANARIN, Antônio Adalberto – Entrevista concedida em 25.05.2006. 66 Idem
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entendida como uma prática necessária no processo de condução das crianças a<br />
uma formação plena.<br />
Nesse aspecto, notamos que tanto a educação da classe operária quanto a<br />
educação dos filhos da elite, valiam-se da mesma truculência disciplinadora. A<br />
agressão formava, portanto, os filhos da elite como os filhos dos operários e refletia<br />
o processo de constituição do sujeito moderno dentro do sistema capitalista.<br />
Uma prática muito comum entre as professoras consistia em levar os alunos<br />
mais destacados em determinados conteúdos, principalmente da matemática, para<br />
resolverem os problemas propostos por elas nas turmas mais avançadas. Ou seja,<br />
um aluno da 3ª série era chamado a resolver um problema para os alunos da 4ª<br />
série, por exemplo, com a intenção de humilhá-los diante de um aluno de menor<br />
idade e “maior capacidade”.<br />
Tinha uma coisa que eu achava. Que fica na cabeça, não sei se aconteceu<br />
com vocês, mas aconteceu comigo. É de uma professora da 4ª série. Ela<br />
passava um problema no quadro, os caras da 4ª série não conseguiam<br />
resolver, ela mandava buscar um da 3ª série, pra humilhar [risos]. 64<br />
Por outro lado, Antônio Adalberto Canarin recorda com alegria que a<br />
professora Zulcema costumava chamar, carinhosamente, de cabeça-de-osso- pra-<br />
sopa aqueles alunos que demoravam a entender os conteúdos ministrados, 65<br />
indicando que, por falta de capacidade por parte do aluno, a cabeça do referido não<br />
prestava para mais nada, além de ingrediente para uma sopa.<br />
(...) Ela sempre à testa. Sempre fazendo a frente. Ela era muito criativa,<br />
tinha muitas brincadeiras. Ela não vai esquecer o dia em que ela ouvir essa<br />
gravação, ou essa informação. O dia que ela ouvir e ver, ela vai lembrar<br />
que ela dizia assim: – O seu cabeça-de-osso-pra-sopa [risos]. Quando a<br />
gente não aprendia, ela dava uma vez, duas, três, não aprendia. Batia<br />
assim com a gente, brincando [mostra na mesa]. Dizia: Ô seu cabeça-deosso-pra-sopa.<br />
(...) Mas era muito carinhosa, não era brigando, não. Era<br />
carinhosa, que ela sempre foi. 66<br />
Mais uma vez, aparece nos depoimentos falas que demonstram um<br />
entendimento acerca da violência, dos castigos e das humilhações, remetendo-as<br />
para outro campo, o campo da formação de valores e hábitos saldáveis. Nesse<br />
sentido, podemos constatar que essas práticas eram e ainda são vistas por aqueles<br />
que a praticaram como necessárias no processo de formação das crianças, que<br />
64 MIRAGLIA, Jorge – Entrevista concedida em 26.05.2006<br />
65 CANARIN, Antônio Adalberto – Entrevista concedida em 25.05.2006.<br />
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