CUIDANDO DOS BEM-NASCIDOS: O Curso ... - Acervo - Unesc
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E eu ainda tive como professora a minha mãe no 5º ano. Ai! Tu não sabes a carga no ombro da gente, porque filho tem que dar exemplo. Nós tínhamos que saber tudo na ponta da língua. Ela deixava a gente estudando. Fora os “à parte”, não é? O piano também, porque ela era professora de piano e nós duas também aprendemos piano. Era 1 hora por dia. Então eu mexia no relógio, sabe? Era uma hora, eu sempre aumentava 10 minutos com cabo de vassoura. - Mãe, tá na hora! Não senhora, ela dizia. Eu tocava mais um pouco. Às vezes aumentava mais cinco, quando eu já estava por aqui [com as mãos na cabeça querendo mostrar que estava quase cheia]. Eu comecei com cinco anos, pensa! Era pra dar um virtuose... [risos] 56 Zurene relata que sua mãe achava que elas tinham, necessariamente, que dar o exemplo, colocando sob as costas das filhas uma carga maior do que poderiam suportar: Ela botava em mim uma coisa maior do que eu podia dar. Eu não podia dar aquilo. Eu não sabia! Aí, pê, pê pê, pê pê pê, e descascava... (...) Porque tu tens que desenvolver o raciocínio, minha filha! Tu tens que ser o exemplo! Tu és filha da professora, tu tens que dar o exemplo! Então eu tinha que saber tudo, mas o tudo eu sabia. Eu não sabia eram os problemas. E até hoje eu sou uma burrinha pra contas. Isso me angustiava demais. Aula de Matemática, pronto! Lá ia eu porque ela mandava pro quadro justamente os que não sabiam. 57 Os relatos das irmãs Carneiro coincidem. Kátia, a irmã mais nova, relata que até hoje não consegue ler em voz alta em público, pois criou um bloqueio em relação a essas atividades pelo fato de ser obrigada a ler os exercícios em classe. “Ela me fazia ler em voz alta e depois interpretar, mas eu tinha dificuldade em português. Eu tenho pavor de português, tanto é que não gosto de línguas”. 58 Para Kátia aquilo tudo era um verdadeiro “martírio”. As irmãs contam que sua mãe as colocava de castigo nos cantos da sala estudando os conteúdos nos quais não haviam tido êxito e, quando arrefecia, as obrigava a contar o que tinham lido. Outro aspecto importante para nossa análise são os deveres de casa, que a investigação revelou serem diários e acarretavam, geralmente, castigos, que consistiam em copiar uma quantidade de vezes as frases ou palavras que, por ventura, viessem com a letra “feia”. Geralmente essas cópias eram realizadas no 56 PÓVOAS CARNEIRO, Zurene – Entrevista concedida em 16.05.2006. 57 PÓVOAS CARNEIRO, Zurene – Entrevista concedida em 16.05.2006. 58 CRIPPA, Kátia Carneiro
horário do recreio ou após o término das aulas. A caligrafia era exigida ao máximo e poderia implicar na aplicação de castigos ou premiações. Zurene classifica aquela situação, vivida por ela e todos os alunos do “Póvoas Carneiro”, como um “complô” organizado pela diretora da escola, no caso a própria Zulcema, a professora da classe e os pais dos alunos, que eram chamados na escola e aconselhados acerca de como agirem com os filhos indisciplinados. Ela chamava os pais lá. Aconselhava como tinha que fazer. Chamava o aluno, chamava a professora. Era um complô [risos] pra tentar ajudar. A mãe naquela época, aos meus olhos, ela era muito temida. Ela era temida porque era rígida, dura. Mas por outro lado ela era afetiva. Ela passava para os alunos que aquilo ali era para o bem do próprio aluno. Ela não tava brigando em vão. Era para ele refletir, para o aluno pensar naquilo ali. Ela sempre tinha razão. 59 Segundo Kátia, ninguém passava despercebido por sua mãe. Ela vistoriava e fiscalizava os infantes e também as professoras que lecionavam na escola, por meio dos planos de aula e dos boletins que controlavam a freqüência e o desempenho. “Não tinha câmera, mas ela tava sempre presente [risos]”. 60 Jorge Miraglia, aluno da escola na década de 1950, menciona que o sucesso da professora Zulcema vinha exatamente do fato de ser uma pessoa autoritária, reforçando que a “ordem e a disciplina na escola dela eram fundamentais”. Miraglia lembra que safanões e sacudidas eram normais e que, “naquela época, bater em aluno era uma coisa permitida”. Tu te lembras sempre daquela década, que o castigo físico era uma coisa normal, regular. Esses dois, menos, mas eu muito mais (faz referência a Jorge H. Frydberg e Newton L. Barata). Eu apanhava regularmente, porque eu tinha hora marcada pra chegar em casa, e eu não chegava. (...) Uma coisa normal. Minha mãe dava uma camaçada de pau. Uma vez por semana eu apanhava. (...) Mas o castigo físico era uma forma normal de educação. O excepcional era não apanhar. O cara nunca apanhou do pai, aquele lá nunca vai prestar na vida. 61 Esse depoimento revela uma ação da escola, que era uma extensão dos lares e das famílias da época, mostrando que a educação escolarizada ampliava a educação familiar, bastante rígida e conservadora. Tânia Rollin recorda que as brigas entre os alunos e as peripécias eram comuns, mas que ela era muito envergonhada e procurava ser bastante correta, pois 59 PÓVOAS CARNEIRO, Zurene – Entrevista concedida em 16.05.2006 60 CRIPPA, Kátia Carneiro – Entrevista concedida em 16.05.2006 61 MIRAGLIA, Jorge – Entrevista concedida em 26.05.2006, juntamente com Jorge Henrique Frydberg e Newton Luiz Barata.
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horário do recreio ou após o término das aulas. A caligrafia era exigida ao máximo e<br />
poderia implicar na aplicação de castigos ou premiações.<br />
Zurene classifica aquela situação, vivida por ela e todos os alunos do<br />
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própria Zulcema, a professora da classe e os pais dos alunos, que eram chamados<br />
na escola e aconselhados acerca de como agirem com os filhos indisciplinados.<br />
Ela chamava os pais lá. Aconselhava como tinha que fazer. Chamava o<br />
aluno, chamava a professora. Era um complô [risos] pra tentar ajudar. A<br />
mãe naquela época, aos meus olhos, ela era muito temida. Ela era temida<br />
porque era rígida, dura. Mas por outro lado ela era afetiva. Ela passava para<br />
os alunos que aquilo ali era para o bem do próprio aluno. Ela não tava<br />
brigando em vão. Era para ele refletir, para o aluno pensar naquilo ali. Ela<br />
sempre tinha razão. 59<br />
Segundo Kátia, ninguém passava despercebido por sua mãe. Ela<br />
vistoriava e fiscalizava os infantes e também as professoras que lecionavam na<br />
escola, por meio dos planos de aula e dos boletins que controlavam a freqüência e o<br />
desempenho. “Não tinha câmera, mas ela tava sempre presente [risos]”. 60<br />
Jorge Miraglia, aluno da escola na década de 1950, menciona que o<br />
sucesso da professora Zulcema vinha exatamente do fato de ser uma pessoa<br />
autoritária, reforçando que a “ordem e a disciplina na escola dela eram<br />
fundamentais”. Miraglia lembra que safanões e sacudidas eram normais e que,<br />
“naquela época, bater em aluno era uma coisa permitida”.<br />
Tu te lembras sempre daquela década, que o castigo físico era uma coisa<br />
normal, regular. Esses dois, menos, mas eu muito mais (faz referência a<br />
Jorge H. Frydberg e Newton L. Barata). Eu apanhava regularmente, porque<br />
eu tinha hora marcada pra chegar em casa, e eu não chegava. (...) Uma<br />
coisa normal. Minha mãe dava uma camaçada de pau. Uma vez por<br />
semana eu apanhava. (...) Mas o castigo físico era uma forma normal de<br />
educação. O excepcional era não apanhar. O cara nunca apanhou do pai,<br />
aquele lá nunca vai prestar na vida. 61<br />
Esse depoimento revela uma ação da escola, que era uma extensão dos<br />
lares e das famílias da época, mostrando que a educação escolarizada ampliava a<br />
educação familiar, bastante rígida e conservadora.<br />
Tânia Rollin recorda que as brigas entre os alunos e as peripécias eram<br />
comuns, mas que ela era muito envergonhada e procurava ser bastante correta, pois<br />
59 PÓVOAS CARNEIRO, Zurene – Entrevista concedida em 16.05.2006<br />
60 CRIPPA, Kátia Carneiro – Entrevista concedida em 16.05.2006<br />
61 MIRAGLIA, Jorge – Entrevista concedida em 26.05.2006, juntamente com Jorge Henrique Frydberg<br />
e Newton Luiz Barata.