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Leia o roteiro (Word) - Porta Curtas

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OLHOS DE RESSACA<br />

Diálogos entre GABRIEL e VERA.<br />

GABRIEL – “Traziam não sei que fluido misterioso e<br />

enégico, uma força que arrastava para dentro como a<br />

vaga que se retira da praia nos dias de ressaca”...<br />

“Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes<br />

vizinhas, mas tão depressa buscava as pupilas, a<br />

onda que saia delas vinha crescendo, cava e escura,<br />

ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me”.<br />

00:02:10 Minutos/Segundos.<br />

GABRIEL - É difícil dizer assim, um detalhe, né.<br />

Nós.. eu tinha uma atração por ela. É como diz o<br />

Machado de Assis sobre a Capitú, né... : “Tinha<br />

olhos de ressaca que atraiam”... eu achava a coisa<br />

mais linda.<br />

00:02:43 Minutos/Segundos.<br />

Título: Olhos de Ressaca<br />

00:03:08 Minutos/Segundos.<br />

GABRIEL – E a ressaca puxa, né, pro fundo do mar.<br />

VERA – Tinha uma casa entre a minha e a dele. O<br />

quintal dele encontrava com o quintal da nossa casa<br />

lá no fundo, e tinha uma mangueira, mangubá. Manga<br />

amadurecia, caía lá em casa… A gente ficava lá<br />

esperando, né... acompanhando.<br />

00:03:47 M.S


VERA – Depois, de noite, a gente reunia todo mundo,<br />

uma turma grande, todos os vizinhos ali... tinham<br />

umas amigas, outros rapazes e ficavam lá na calçada,<br />

faziam um grupinho e ficava lá batendo papo...<br />

Aí é que eu notei que tinha um dos rapazinhos que<br />

era bem interessante. Ele era mais atencioso, mais<br />

educado do que os outros, e achava ele bonito.<br />

Achava ele bonito mesmo! E eu vi que tinha uma<br />

correspondenciazinha. Aí a gente começava a flertar.<br />

Flertar naquele tempo, era olhar bem nos olhos, e eu<br />

notei que ele gostava de olhar pra mim.<br />

Então eu fiquei toda entusiasmada, né...<br />

Ele só entrou lá em casa no dia que eu fiz 15 anos,<br />

que eu convidei a turma toda, né, pra ir lá pra casa<br />

pra gente dançar.<br />

Aí a gente dançou, e ele me deu uma medalhinha,<br />

medalhinha de santo Antonio, que é o santo<br />

casamenteiro...<br />

Aí é que a gente começou, começou a namorar.<br />

00:05:45 M.S.<br />

GABRIEL (cantando) – Seus olhos são negros, negros,<br />

como a noite sem luar, são ardentes, são profundos,<br />

como o negrume do mar.<br />

– Por isso eu te amo querida, quer no prazer, quer<br />

na dor, rosa, canto, sombra, estrela, o gondoleiro<br />

do amor...<br />

00:06:50 M.S.<br />

GABRIEL (cantando) – Quando vim da minha terra, não<br />

trouxe nada de meu, trouxe uma coberta velha, essa<br />

mesma o boi comeu, ôôôôôôôô boi da guia, vêm, vêm,<br />

vêm...


00:07:25 M.S.<br />

VERA – Meu pai falava assim: eu tô ouvindo vocês<br />

falarem que vão morar na fazenda, você não tem<br />

costume. Acho melhor você ir lá conhecer, por que se<br />

você não gostar não precisa casar..<br />

- Eu fui, gostei e casei.<br />

00:08:39 M.S.<br />

VERA – Aqui não tinha telefone, tinha rádio amador.<br />

Então passei um recado pelo rádio pra minha sogra;<br />

aí eu falei: “Avisa lá na minha casa, pra me<br />

mandarem um vestido de bolinha.”<br />

Aí a Elza falou: “É por que ela ta grávida.”<br />

GABRIEL – É o código.<br />

VERA – Código de gravidez.<br />

GABRIEL – Pra não ficar pondo no rádio.<br />

00:09:33 M.S.<br />

VERA – Eu sei que quando a Marília tava com dois<br />

anos e meio, eu já tinha três filhos, tinha ela, o<br />

Flávio e a Laura...<br />

Naquela época bastava sacudir uma cueca perto de mim<br />

que eu engrávidava.<br />

00:10:00 M.S.<br />

VERA – Eu gostava muito de andar descalça, detestava<br />

colocar sapato.<br />

Chutava bola, a gente chamava de futebol, mas era só<br />

chutar a bola.


00:10:30 M.S.<br />

GABRIEL – Eu era chorão, mas evitava, tinha<br />

vergonha, né... por que os meninos gozavam os<br />

chorões, eles falavam: “oh manteiga derretida,<br />

chorão...” então a gente aprende a reprimir.<br />

00:11:03<br />

GABRIEL – Eu lembro que eu ia pros acampamentos,<br />

ficava muito carente, e eu lembro que eu gravei uma<br />

cançãozinha da Laura cantando com a Julinha: “eu sou<br />

a pituchinha, gosto de doce de leite, por isso tirei<br />

a caixinha”...<br />

00:11:49 M.S.<br />

VERA – Minha mãe era muito macia, mas ela pouco<br />

tinha tempo pra abraçar a gente, por que ela<br />

trabalhava muito.<br />

- Ela que costurava pra nós, ela fazia comida...<br />

- Senti muito a morte dela... sinto até hoje, sinto<br />

falta dela, do carinho dela, do riso dela; sinto no<br />

coração e na memória.<br />

00:13:17 M.S.<br />

VERA – Eu sou mais impetuosa, ele é mais calmo.<br />

- Eu sou mais... real, ele mais sonhador.<br />

- Ele chega sempre atrasado, eu chego sempre<br />

adiantada.<br />

- E fica aí se deliciando com as obras de Castro<br />

Álves, Machado de Assis...


00:14:43 M.S<br />

GABRIEL – “Oh, eu quero viver, Beber perfume na flor<br />

silvestre que embalsama os ares, Ver minha alma<br />

adejar pelo infinito, Qual branca vela na amplidão<br />

dos mares, No seio da mulher há tanto aroma, Nos<br />

seus beijos de fogo há tanta vida, Árabe berrante,<br />

Vou dormir à tarde à sombra fresca da palmeira<br />

erguida”.<br />

00:15:27 M.S<br />

GABRIEL - A mocidade é a glória. Naquele poema:<br />

Mocidade e Morte você vê quão bonita é a mocidade,<br />

né.<br />

VERA – Algumas vezes eu tenho certas dificuldades,<br />

de me movimentar, de dizer algumas palavras, de<br />

cantar, a voz não sai...<br />

Eu vejo que isso é a idade que ta... mudando.<br />

00:16:24 M.S.<br />

GABRIEL – É, eu não tenho angustia de Castro Álvares<br />

não, a morte pra nós que temos 80 anos é um , uma<br />

coisa natural que pode vir a qualquer hora, e nós<br />

temos que encarar... assim e não ter muito medo.<br />

- Agora, na hora que ela vier chegando eu sei que<br />

vai dar medo... quando ele tiver mais perto... pelo<br />

menos é o que dizem os poetas.<br />

00:17:28 M.S.<br />

VERA – Mas em compensação, a gente conhece mais<br />

coisas, a gente distingue melhor as aproximações das<br />

pessoas que tem mais carinho com a gente.<br />

- Essa percepção das coisas que nos envolvem aumenta<br />

com... com a idade.


- Uma delas é essa aqui, ó... mas isso sempre foi<br />

assim, isso é muito importante. Não é qualquer<br />

pessoa que tem momentos assim, como eu tenho com<br />

ele.<br />

- Que a gente sente o apoio um do outro, sem<br />

precisar falar nada, só de cruzar o olhar...<br />

GABRIEL – É mesmo.<br />

VERA – Não é!!! É a melhor coisa do mundo!<br />

00:18:45 M.S.<br />

VERA – Nós não temos mais aquela paixão do início,<br />

né... a gente tem ainda aquele carinho um com o<br />

outro, e é um carinho mesmo. Assim, puro, muito<br />

suave, muito agradável, que dá estímulo pra gente de<br />

continuar tudo.<br />

- A gente não sabe viver separado mais não.<br />

- Nossa vida é toda entrelaçada mesmo.<br />

00:20:10 M.S.<br />

GABRIEL – Ô senhor… Mire veja: o mais importante e<br />

bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre<br />

iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão<br />

sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o<br />

que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.<br />

FIM

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