Entrevista com Tadeu Martins - Poucas e Boas da Mari

Entrevista com Tadeu Martins
POUCAS E BOAS DA MARI - Tadeu, em março deste ano você lançou o cd "Causos, Cordas e
Cordéis". Esse trabalho reúne vários cordéis e causos, acompanhados por um fundo
musical. Como surgiu a ideia desse cd?
TADEU MARTINS - Na verdade a minha experiência é com livros. Eu já publiquei 10 livros e 84
folhetos de cordel. Este CD é fruto da pressão de dois amigos, Luciano Camargo e Chico Lobo.
Eles insistiram tanto que eu acabei produzindo este trabalho, gravado no estúdio do Luciano e
praticamente dirigido pelo Chico Lobo.
PBM - Todo mineiro é contador de causo?
T.M. - Todo brasileiro é contador de causos, mas o mineiro ganhou esta fama. Muito mineiro
acha que o ícone usado pela mídia para representar o mineiro é pejorativo (botina, chapéu,
calça curta e um cigarrinho de palha). Eu não acho, é um reconhecimento pelo contador de
causos que o mineiro é, e pela dança da quadrilha junina, que o mineiro é o maior dançador de
quadrilha do Brasil.
PBM - Quais são os temas mais freqüentes em seus causos e cordéis? Por quê?
T.M. - Eu gosto muito de levar o público às gargalhadas. Assim, o humor e a reflexão são as
minhas marcas mais expressivas. Eu acho que nós precisamos, para viver bem, ter a
capacidade de SORRIR PARA O MUNDO, SORRIR COM O MUNDO e SORRIR DO MUNDO. A
alegria é o combustível da vida. Eu me sinto feliz quando faço o público sorrir.
PBM - Você tem um causo que se chama Israel X Jordânia, onde você brinca com essas duas
palavras contando uma história que aconteceu em MG, em 1967. Conte como foi essa sua
criação.
T.M. - Este causo eu ouvi de um colega do colégio São José, em Teófilo Otoni, o Orlando. Ele
era policial rodoviário federal, nascido em Jordânia e me contou esta história. Eu gostei e
escrevi os versos em 1972. Este causo me abriu as portas para divulgar o meu trabalho, pois foi
publicado em quase todos os grandes jornais brasileiros e em vários países, como Argentina,
Estados Unidos, Israel e Cisjordânia. Recentemente eu fui surpreendido pela notícia de um
filme chamado “A hora do primeiro tiro”, do cineasta Gustavo Jardim, que aborda esta
história. Eu não sou citado no filme. Ficou como se esta fosse uma história corriqueira da
cidade de Jordânia. E não era. Antes de publicar, eu fui algumas vezes a Jordânia, perguntava
Entrevista realizada por Mari Valadares – MTB: 43.155/SP.
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às pessoas e ninguém sabia do caso. Os meus versos despertaram a cidade para a história do
prefeito, já que eles foram publicados em mais de 30 jornais brasileiros.
PBM - Há mais de 30 anos você se dedica as tradições mineiras e já se apresentou em nove
capitais brasileiras e em mais de 300 cidades do país. Quem consome essa cultura, que
aparenta ser tão esquecida na modernidade?
T.M. - Olha na verdade não está esquecida, ela é muito viva para nós brasileiros. Eu já tive
oportunidade de contar os meus causos em nove capitais (Brasília, BH, Rio, São Paulo, Vitória,
Salvador, Fortaleza, Cuiabá e Curitiba) e em mais de 300 cidades brasileiras. Em todos os
lugares eu recebi o carinho de um grande público. E recolhi novos causos, que o público me
conta. Eu estou percorrendo Minas Gerais com um projeto do SESC-MG, o “Causos e Violas das
Gerais”. Ele ocorre cada sábado em uma cidade. De 2003 para cá já percorremos mais de 130
cidades. Mais de 350.000 pessoas já tiveram a oportunidade de participar do projeto. Na
verdade a cultura do causo e da viola está cada dia mais forte no Brasil.
PBM - Você já levou a sua arte para o exterior. A aceitação lá é maior que aqui no Brasil?
T.M. - Eu já tive a oportunidade de contar os meus causos para brasileiros nos Estados Unidos
(onde lancei dois livros: “Minas em Versos & Outras Prosas Gerais”, em 2003 e “Jogando
Conversa Fora”, em 2005), e também na França, Itália, Argentina e Uruguai. A aceitação é
muito grande e emocionante, pois a saudade que os brasileiros sentem da nossa terra faz com
que qualquer lembrança do Brasil seja curtida com muita alegria.
PBM - Você foi um dos idealizadores do Festivale (Festival de Cultura Popular do Vale do
Jequitinhonha), que em 2009 acontece do dia 26 de julho a 01 de agosto, em Grão Mogol
(MG). O Festivale nasceu de uma necessidade de colocar a cultura do Jequitinhonha em
destaque?
T.M. - Em março de 1978 chegava ao Vale do Jequitinhonha o jornal GERAES, um nanico
independente para "dar voz e vez aos trabalhadores da região", mostrando "O homem do
Vale, suas realizações, seus sonhos e sua luta por melhores condições de vida". O GERAES foi
criado por quatro jovens, filhos do Vale, que eram estudantes universitários em Belo Horizonte
e envolvidos com o Movimento Estudantil: Aurélio Silby, Carlos Figueiredo, George Abner e eu.
O jornal foi o responsável pelo chute inicial no processo de desenvolvimento cultural do Vale
do Jequitinhonha. Mesmo perseguido pela ditadura militar, o GERAES conseguiu aumentar a
discussão política no Vale, ajudando a criar e fortalecer sindicatos, associações comunitárias e
diversas entidades culturais. Em Belo Horizonte o GERAES gerou o Centro Cultural Vale do
Jequitinhonha (CCVJ), que reuniu os filhos da região aqui residentes e abriu espaço para as
realizações do Vale na imprensa estadual e nacional.
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Em novembro de 1979 o GERAES promoveu em Itaobim o "1º Encontro de Compositores do
Vale do Jequitinhonha", que reuniu 22 compositores vindos de 15 cidades da região e foi, sem
dúvida alguma, a mola propulsora da música dos artistas do Jequitinhonha. Este Encontro
gerou o FESTIVALE, que eu idealizei, para ser a reunião anual de todas as áreas do fazer
cultural da região: músicos, poetas, artesãos, congadeiros, foliões, batuqueiros, escritores,
repentistas, cantadores e contadores de "causos", escrevendo juntos A VIDA DO VALE EM
VERSO E VIOLA. E eu justificava assim a minha proposta: "É preciso que o Vale se conheça. Pois
só quem conhece, gosta. Só quem gosta, defende. Só quem defende, divulga. E é divulgando o
que defendemos, porque gostamos e conhecemos, que nós vamos ajudar a desenvolver o Vale
do Jequitinhonha".
O FESTIVALE, Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, ocorre sempre no mês de
julho, cada ano em uma das cidades da região. Só para ter uma idéia da sua força, apenas
citando a área musical, mais de 80 artistas, frutos do Festivale, tem hoje CDs gravados.
PBM - Para finalizar a entrevista sempre peço aos meus entrevistados uma mensagem para
os frequentadores do site Poucas e Boas da Mari. Para você, Tadeu, vou pedir um causo.
T.M. - Eu lhe agradeço a oportunidade. E quero dizer aos leitores do Poucas e Boas que nós
precisamos contar a nossa história a partir do quintal das nossas casas. Muitas vezes as
pessoas tem o que contar, mas não são ouvidas. Para ser ouvido é preciso que contem uma
história centrada em suas raízes. Só assim que os interlocutores param para ouvir. Para ajudar
este Brasilzão crescer ainda mais, é preciso que nós o conheçamos melhor, para amá-lo,
defendê-lo e saber divulgar os seus valores usando a razão e o coração.
Já que falamos em Israel X Jordânia, escolho este causo.
Israel X Jordânia, de Tadeu Martins
Companheiros me escutem, prestem bastante atenção
nessa estória acontecida lá na minha região
quando se passava um ano da “gloriosa” revolução
Ainda tinha validade o título de eleitor
pois o povo ainda podia votar para governador
escolher quem bem quisesse para ser seu defensor
Era uma disputa braba, como não podia deixar de ser
pois só tinha dois partidos para o povo escolher
de um lado a U.D.N., do outro lado o P.S.D.
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Cá nas Minas Gerais, esse Estado Brasileiro,
ao Palácio da Liberdade um queria chegar primeiro
Roberto Resende pela U.D.N., pelo P.S.D. Israel Pinheiro
Na cidade de Jordônia, onde esse fato se deu
o prefeito era udeenista, Roberto Resende venceu
mas no resto do Estado pra Israel Pinheiro ele perdeu
Passados quinze dias da posse do eleito
o povo de Jordânia ainda estava insatisfeito
pela sofrida derrota do candidato do prefeito
No outro lado do mundo a coisa “empretava”
dessa vez no Oriente Médio uma guerra estourava
fato que o prefeito de Jordânia nem sequer imaginava
No noticiário matinal da Rádio Guarani
o repórter anunciou essa manchete aqui:
"EXÉRCITO DE ISRAEL FOI PARA JORDÂNIA PRONTO PRA INVADIR"
O prefeito quase desmaia quando ouviu aquela notícia
chamou o seu secretário e ordenou com malícia:
“Avisa pro Delegado pôr de prontidão a polícia”
Mandou a família pra roça, foi pro correio telegrafar
pro deputado majoritário mandar homens lhe ajudar
pois Dr. Israel Pinheiro vinha pronto pra brigar
e explicou ao telegrafista, que ouvia tudo a sorrir,
"Dr. Israel Pinheiro não gostou de ter perdido a eleição aqui
e agora que tomou posse mandou o exército invadir”
O vigário que estava presente, lhe pôs a par da situação
que se tratava de uma batalha travada em outra nação
que não tinha cabimento essa sua preocupação
Olhando pro vigário disse o prefeito aliviado:
"Se Dr. Israel viesse mesmo ele ia voltar desmoralizado
nós arrasava o exército dele
eu, dez jagunços, um cabo e três soldados."
Entrevista realizada por Mari Valadares – MTB: 43.155/SP.
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