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as invasões francesas em cartas pastorais de bispos portugueses

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MANUEL AUGUSTO RODRIGUES<br />

AS INVASÕES FRANCESAS EM CARTAS<br />

PASTORAIS DE BISPOS PORTUGUESES<br />

POSIÇÃO DOS PRELADOS DE ANGRA E DE ELVAS<br />

Separata da Revista <strong>de</strong> História el<strong>as</strong> relei<strong>as</strong>, vol. 7<br />

Faculelaele ele Letr<strong>as</strong><br />

Coimbra<br />

------<br />

1985


\<br />

MANUEL AUGUSTO RODRIGUES.<br />

AS INVASÕES FRANCESAS BM CARTAS<br />

PASTORAIS DE BISPOS PORTUGUESES<br />

POSIÇÃO DOS PRELADOS DE ANGRA E DE ELVAS<br />

Durante <strong>as</strong> inv<strong>as</strong>ões frances<strong>as</strong>, que tantos danos <strong>de</strong> ord<strong>em</strong><br />

material e espiritual causaram ao país, foram vários os prelados<br />

que tomaram posição a seu respeito ou vieram a ser vítim<strong>as</strong><br />

dos acontecimentos vividos.<br />

O bispo do Algarve, D. José Maria <strong>de</strong> Melo, graduado <strong>em</strong><br />

Cânones pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, foi escolhido por Junot<br />

para m<strong>em</strong>bro da <strong>de</strong>putação portuguesa que <strong>de</strong>via ir a França<br />

prestar homenag<strong>em</strong> a Napoleão. Em Baiona teve lugar o encontro<br />

com o imperador m<strong>as</strong>, p<strong>as</strong>sado algum t<strong>em</strong>po, os <strong>de</strong>legados<br />

<strong>portugueses</strong> <strong>de</strong>slocaram-se para Bordéus, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>viam esperar<br />

nov<strong>as</strong> or<strong>de</strong>ns. Regressando à pátria com o Marquês <strong>de</strong> Penalva e<br />

o filho <strong>de</strong>ste, António Teles da Silva, entrou o prelado algarvio<br />

na fronteira junto a Elv<strong>as</strong>, <strong>em</strong> 4 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1814.<br />

D. José Pegado <strong>de</strong> Azevedo, bispo <strong>de</strong> Angra, expediu uma<br />

carta p<strong>as</strong>toral acerca d<strong>as</strong> inv<strong>as</strong>ões <strong>de</strong> que falar<strong>em</strong>os mais adiante<br />

com pormenor.<br />

O prelado <strong>de</strong> Beja, D. Fr. Manuel do Cenáculo Vil<strong>as</strong> Bo<strong>as</strong>,<br />

doutorado <strong>em</strong> Teologia pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, p<strong>as</strong>sou<br />

<strong>em</strong> 1802 para o arcebispado <strong>de</strong> Évora. Aqui, <strong>em</strong> 1808, aquando<br />

da inv<strong>as</strong>ão dos franceses, prestou importantes serviços, conseguindo<br />

que o general Loison mand<strong>as</strong>se suspen<strong>de</strong>r a matança <strong>de</strong><br />

Évora nos di<strong>as</strong> 29, 30 e 31 <strong>de</strong> Julho daquele ano. Todavia a<br />

ord<strong>em</strong> não foi logo cumprida pelo que se cometeram ali crimes<br />

muito bárbaros e repugnantes e tr<strong>em</strong>endos sacrilégios. Sobre<br />

esses acontecimentos escreveu Cenáculo M<strong>em</strong>ória <strong>de</strong>scritiva do<br />

<strong>as</strong>salto, entrada e saque da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Évora pelos franceses<br />

<strong>em</strong> 1808 (Évora, 1887). Também António Mexia Fouto Galvão<br />

* Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letr<strong>as</strong> da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra.<br />

91


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

inv<strong>as</strong>ão dos franceses <strong>em</strong> 1807 por motivos <strong>de</strong> vana ord<strong>em</strong>.<br />

Depois, como se recus<strong>as</strong>se a pagar o imposto lançado pelos franceses<br />

e também porque escreveu uma M<strong>em</strong>ória <strong>em</strong> que con<strong>de</strong>nava<br />

Napoleão por ter <strong>de</strong>clarado a abolição da realeza dos<br />

Braganç<strong>as</strong>, Junot mandou-o para Alcobaça.No t<strong>em</strong>po da terceira<br />

inv<strong>as</strong>ão foi dali para Loures e <strong>de</strong>pois para Carni<strong>de</strong>. Em<br />

1811 recebeu do Br<strong>as</strong>il um aviso régio que o autorizava a<br />

regressar à sua diocese on<strong>de</strong> chegou a 11 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1811.<br />

O bispo do Porto, D. Fr. António <strong>de</strong> S. José <strong>de</strong> C<strong>as</strong>tro,<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhou uma acção notável na oposição aos inv<strong>as</strong>ores franceses.<br />

Foi presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma Junta formada <strong>em</strong> Junho <strong>de</strong> 1808<br />

<strong>em</strong> nome do Príncipe Regente que se instalou no próprio paço.<br />

Dela faziam parte o Padre Manuel Lopes Loureiro, prQvisor<br />

do bispado; o Padre José Di<strong>as</strong> <strong>de</strong> Oliveira, vigário-geral; José<br />

<strong>de</strong> Melo Freire, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bargador juiz da coroa; Luís <strong>de</strong> Sequeira<br />

da Gama Ayala, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bargador dos agravos; João Manuel <strong>de</strong><br />

Mariz, capitão do exército; António da Silva Pinto, António<br />

Mateus Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Coutinho e Manuel Ribeiro Braga,<br />

comerciantes. Foram <strong>de</strong>ver<strong>as</strong> corajos<strong>as</strong> <strong>as</strong> m€did<strong>as</strong> tomad<strong>as</strong> pela<br />

Junta e pelo povo que a todo o transe impediram a entrada<br />

dos franceses na cida<strong>de</strong>.<br />

Em 24 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1808 o <strong>de</strong>ão Luís Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Bredrod publicou uma <strong>de</strong>terminação da Junta segundo a qual<br />

todos os eclesiásticos <strong>de</strong>viam constituir-se <strong>em</strong> corpo armado<br />

para guarnição da cida<strong>de</strong>. O próprio <strong>de</strong>ão era o coronel do<br />

corpo eclesiástico.<br />

O bispo nomeou inten<strong>de</strong>nte-geral da polícia e juiz <strong>de</strong><br />

inconfidência o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bargador José Feliciano da Rocha Gameiro<br />

e para seu ajudante o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bargador Nuno <strong>de</strong> Faria da<br />

Mata C<strong>as</strong>telo Branco. Encarregou o governo d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong> ao marechal<br />

<strong>de</strong> campo Bernardim Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> a qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u<br />

por ajudante D. Miguel Pereira Forjaz. A Junta tinha po<strong>de</strong>res<br />

n<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> da Beira Alta, Minho e Trás-os-Montes. Foram<br />

tomad<strong>as</strong> medid<strong>as</strong> <strong>de</strong> diversa ord<strong>em</strong> para a organização militar<br />

da região, inclusivamente o lançamento <strong>de</strong> impostos.<br />

A 28 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1809, ao aproximar-se o exército <strong>de</strong><br />

Soult, este mandou ao bispo três parlamentares, tendo dois<br />

<strong>de</strong>les sido logo <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinados pela multidão. O terceiro veio também<br />

a ser <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinado, pelo que o prelado, t<strong>em</strong>endo qualquer<br />

acto <strong>de</strong> vingança dos franceses, abandonou a cida<strong>de</strong> juntamente<br />

com <strong>as</strong> d<strong>em</strong>ais autorida<strong>de</strong>s. O exército inv<strong>as</strong>or entrou no Porto<br />

no· dia seguinte, 29 <strong>de</strong> Março:<br />

Não se preten<strong>de</strong> no presente trabalho fazer um estudo<br />

exaustivo da posição dos <strong>bispos</strong> <strong>portugueses</strong> relativamente às<br />

inv<strong>as</strong>ões frances<strong>as</strong>. Apen<strong>as</strong> escolh<strong>em</strong>os como ex<strong>em</strong>plos <strong>as</strong> p<strong>as</strong>torais<br />

do bispo <strong>de</strong> Angra, D. José Pegado <strong>de</strong> Azevedo, e do<br />

93


Revolws e Revoluções<br />

bispo <strong>de</strong> Elv<strong>as</strong>, D. José Joaquim <strong>de</strong> Azeredo Coutinho. Outr<strong>as</strong> se<br />

po<strong>de</strong>riam apresentar. por el<strong>as</strong> se vê o papel que tiveram aqueles<br />

prelados e, simultaneamente, <strong>as</strong> orientações <strong>de</strong> carácter religioso<br />

que <strong>de</strong>senvolveram nos referidos documentos e os ensinamentos<br />

que <strong>de</strong>ixaram nos mesmos. A investigação d<strong>as</strong> cart<strong>as</strong> p<strong>as</strong>torais<br />

dos <strong>bispos</strong>. <strong>portugueses</strong> nos seus múltiplos <strong>as</strong>pectos merece um<br />

trabalho especial. Por el<strong>as</strong> ficamos a conhecer o pensamento<br />

dos <strong>bispos</strong> acerca <strong>de</strong> diversos t<strong>em</strong><strong>as</strong> e a sua mentalida<strong>de</strong> e <strong>as</strong><br />

situações históric<strong>as</strong> criad<strong>as</strong> ao longo dos t<strong>em</strong>pos.<br />

Este <strong>as</strong>sunto da guerra peninsular t<strong>em</strong> sido objecto <strong>de</strong><br />

pesquis<strong>as</strong> <strong>de</strong> vária ord<strong>em</strong>. B<strong>as</strong>ta l<strong>em</strong>brar, entre outros, os livros<br />

<strong>de</strong> W. Napier, History of the war in the Peninsula, Londres,<br />

1828-1840; C. Chaby, Excertos históricos... relativos à guerra...<br />

da Península, 5 vols., Lisboa, 1863-1882; C. Oman, History of<br />

the Peninsular War, Londres, 1902; Luz Soriano, História da<br />

Guerra Civil, 2. 8 época, I e V (1,& parte); António Ferrão, A 1. 0<br />

Inv<strong>as</strong>ão Francesa, Coimbra, 1925; M. Borges Grainha, História<br />

da Maçonaria <strong>em</strong> Portugal, Lisboa, 1912; J. Acúrsio d<strong>as</strong> Neves,<br />

História Geral da Inv<strong>as</strong>ão dos Franceses <strong>em</strong> Portugal, 5 vols.,<br />

Lisboa, 1810-11; J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra<br />

Peninsular, Lisboa, 1915; Fortunato <strong>de</strong> Almeida, História <strong>de</strong><br />

Portugal, vol. IV, 1940; Id., História da Igreja <strong>em</strong> Portugal,<br />

vol. lII, nova ed., Barcelos, 1970.<br />

No que toca à zona <strong>de</strong> Coimbra e à Universida<strong>de</strong>, os<br />

trabalhos <strong>de</strong> Mário Brandão, Um Documento acerca dos Prejuízos<br />

causados à Universida<strong>de</strong> pela Terceira Inv<strong>as</strong>ão Francesa,<br />

Coimbra, 1938; e <strong>de</strong> Maria Ermelinda <strong>de</strong> Avelar Soares Fernan<strong>de</strong>s<br />

Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 vols., Coimbra,<br />

1944, revest<strong>em</strong>-se <strong>de</strong> um interesse especial, b<strong>em</strong> como os<br />

artigos <strong>de</strong> O Instituto, n. <strong>as</strong> 16, 35, 36 e 37. No nosso livro Biblioteca<br />

e Bens <strong>de</strong> D. Francisco <strong>de</strong> L<strong>em</strong>os e da Mitra <strong>de</strong> Coimbra,<br />

Coimbra, 1984, incluimos alguma documentação acerca do <strong>as</strong>sunto.<br />

E podia-se indicar outra bibliografia mais.<br />

Nos Arquivos do país jaz ainda muito material que <strong>de</strong>via<br />

ser investigado para se compreen<strong>de</strong>r melhor o que foram<br />

aqueles difíceis anos da vida portuguesa. É um t<strong>em</strong>a que, além<br />

do mais, teve implicações <strong>de</strong> vária ord<strong>em</strong> para a nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

*<br />

* *<br />

D. José Pegado <strong>de</strong> Azevedo, da Congregação do Oratório,<br />

bispo <strong>de</strong> Angra do Heroísmo, escreveu uma p<strong>as</strong>toral alusiva às<br />

inv<strong>as</strong>õeS frances<strong>as</strong>, com data <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1809.<br />

94


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

Nela começa por referir algum<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> paulin<strong>as</strong> <strong>em</strong><br />

que o apóstolo d<strong>as</strong> gentes procura consolar os seus fiéis. Segundo<br />

o prelado, os t<strong>em</strong>pos que se viv<strong>em</strong> são tristíssimos, pois toda a<br />

cristanda<strong>de</strong> se encontra sob o peso da tribulação. É uma época<br />

<strong>de</strong> luto e <strong>de</strong> pranto para todos os cristãos, <strong>em</strong>bora, por outro<br />

lado, <strong>de</strong>va ser consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> alegria e <strong>de</strong> triunfo por todos<br />

aqueles que se mantêm firmes na fé e adoram a providência<br />

<strong>de</strong> Deus, «com que o Senhor Deus conserva a santa Igreja e<br />

perpetua cá na terra o seu reino, apesar da força impetuosa<br />

com que a impieda<strong>de</strong> o persegue e preten<strong>de</strong> iniquamente prevalecer<br />

contra a sua inocência e santida<strong>de</strong>».<br />

O bispo açoriano afirma que a Europa fora antes a parte<br />

mais povoada do mundo, a mais bela, a mais amena. Agora <strong>as</strong><br />

divisões surgid<strong>as</strong> causam enorme horror e <strong>de</strong>solação. A guerra<br />

acen<strong>de</strong>u-se por toda a parte, <strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s foram saquead<strong>as</strong>, tendo<br />

ficado qu<strong>as</strong>e <strong>de</strong>sert<strong>as</strong> e <strong>de</strong>struíd<strong>as</strong>, e <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> e reinos<br />

invadidos e <strong>de</strong>v<strong>as</strong>tados pelo ferro, pelo fogo e pela morte. As<br />

famíli<strong>as</strong> ficaram <strong>de</strong>stroçad<strong>as</strong> e <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> <strong>de</strong>samparad<strong>as</strong>. Alu<strong>de</strong><br />

às raparig<strong>as</strong> atingid<strong>as</strong> na sua honra, falando <strong>de</strong> «prostituição<br />

abjecta».<br />

O inimigo é cl<strong>as</strong>sificado <strong>de</strong> orgulhoso e feroz, armado iniquamente<br />

da impieda<strong>de</strong> da perfídia, da morte e <strong>de</strong> todos os<br />

crimes e abominações. Pelo terror e pela força procura arr<strong>as</strong>ar<br />

todos os terrenos e av<strong>as</strong>salar <strong>as</strong> nações. Tal é a situação presente<br />

que atinge a humanida<strong>de</strong>.<br />

O pior, contudo, é que se preten<strong>de</strong> não só esmagar os<br />

Estados e <strong>as</strong> nações m<strong>as</strong> <strong>de</strong>struir o reino <strong>de</strong> Deus, a sua religião<br />

e a Igreja. Refere-se às clausur<strong>as</strong> sacrilegamente profanad<strong>as</strong><br />

e às religios<strong>as</strong> cruelmente perseguid<strong>as</strong>. O t<strong>em</strong>a da violência<br />

é largamente <strong>de</strong>senvolvido pelo prelado <strong>de</strong> Angra, vincando-se o<br />

carácter implacável da fúria <strong>de</strong>struidora. Os t<strong>em</strong>plos, os sacerdotes,<br />

<strong>as</strong> imagens foram duramente atingidos. As bl<strong>as</strong>fémi<strong>as</strong>,<br />

os insultos e <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> proferid<strong>as</strong> contra a Eucaristia tornaram-se<br />

um escândalo incrível. Tudo começou na França, tendo<br />

<strong>de</strong>pois p<strong>as</strong>sado para a Itália, para a Espanha e para Portugal,<br />

país que antes se mantivera <strong>em</strong> paz e tranquilida<strong>de</strong>.<br />

Também Roma foi atingida por esse «aluvião <strong>de</strong> males».<br />

Escreve: «Nós todos ainda há pouco vimos o Santo Padre Pio VII<br />

abatido, humilhado, pisado pelos seus próprios filhos e arr<strong>as</strong>tado<br />

pelos bárbaros satélites para regiões estrangeir<strong>as</strong> e até<br />

ao ponto <strong>de</strong> acabar os seus benditos di<strong>as</strong> fora dos próprios<br />

lares». Agora vê-se que <strong>as</strong> culp<strong>as</strong> dos cristãos fizeram acen<strong>de</strong>r a<br />

perseguição na pessoa <strong>de</strong> Pio VII, «hoje cabeça visível da<br />

Igreja universal».<br />

A nada se poupou o papa, apesar dos seus avançados anos:<br />

«Deixada por algum t<strong>em</strong>po a metrópole da cristanda<strong>de</strong>, foi ele<br />

95


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

infalível <strong>de</strong> Deus que ferido o p<strong>as</strong>tor ficarão <strong>as</strong> ovelh<strong>as</strong> <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>samparo».<br />

Uma alusão à providência é a seguir <strong>de</strong>senvolvida. Ela é<br />

inefável e só Deus sabe e po<strong>de</strong> tirar bens dos mesmos males.<br />

Só ele, escreve D. José Pegado, po<strong>de</strong> e sabe <strong>de</strong>svanecer os<br />

projectos da malda<strong>de</strong>, «<strong>em</strong> uma palavra, que ele, e só ele é<br />

Deus verda<strong>de</strong>iro e o Deus d<strong>as</strong> vitóri<strong>as</strong> e dos triunfos».<br />

Contudo, O que mais impressiona no meio <strong>de</strong> tamanh<strong>as</strong><br />

calamida<strong>de</strong>s é o facto <strong>de</strong> tudo estar a ser organizado pelos seus<br />

pr-óprios filhos e não por estranhos. Não é todavia uma Igreja<br />

fundada e conservada pela força, pelo ferro e pelo fogo, pel<strong>as</strong><br />

arm<strong>as</strong> e pelos exércitos. Ao longo da história foi s<strong>em</strong>pre «pela<br />

sua mansidão e doçura, pela sua invencível paciência, pelos<br />

tormentos, pela morte, pelo sangue <strong>de</strong>rramado espontaneamente,<br />

com a carida<strong>de</strong> maravilhosa dos ministros e dos discípulos da<br />

fé». Quanto se reflecte' <strong>em</strong> tudo isto, facilmente se compreen<strong>de</strong><br />

que a sua orig<strong>em</strong> é celestial b<strong>em</strong> como <strong>as</strong> su<strong>as</strong> máxim<strong>as</strong> e lei<br />

que são divin<strong>as</strong>.<br />

Daí o insurgir-se contra «os ímpios mo<strong>de</strong>rnos». Aqui entra<br />

no domínio da apologética: «Os milagres que a Igreja católica<br />

alega com prov<strong>as</strong> evi<strong>de</strong>ntes da sua doutrina infalível e do seu<br />

po<strong>de</strong>r divino; milagres com tudo que toda a antiguida<strong>de</strong> presenciou<br />

e que até os mesmos pagãos cont<strong>em</strong>porâneos conheceram<br />

e confessaram até ao ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> <strong>as</strong> antig<strong>as</strong> superstições<br />

para abraçar gostosamente o santo Evangelho <strong>de</strong> Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo»: Chama ao t<strong>em</strong>po que se vive t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />

fábul<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> ess<strong>as</strong>' encontram-se sim nos livros dos gentios.<br />

O milagre está à vista, diz o prelado. Roma ergue-se b<strong>em</strong><br />

patente e o papa Pio VII no meio d<strong>as</strong> tribulações, com contu-,<br />

mácia firmeza na fé, com serenida<strong>de</strong> e paz <strong>de</strong> espírito, mantém-se<br />


Revolt<strong>as</strong> e Revoluções<br />

Convidado pelos ingleses a refugiar-se na Sicília, não<br />

aceitou, <strong>de</strong>clarando que «não <strong>de</strong>sampararia o porto que o rei<br />

dos reis tinha confiado à sua guarda; que ficaria inseparável<br />

da Santa Igreja <strong>de</strong> Roma e estava pronto a <strong>de</strong>rramar todo o<br />

seu sangue pelo b<strong>em</strong> e pela salvação do seu povo».<br />

A sua corag<strong>em</strong> e <strong>de</strong>terminação estão b<strong>em</strong> patentes numa<br />

carta enviada ao «monstro que o flagela», carta essa datada <strong>de</strong><br />

Palermo <strong>em</strong> 1 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1809. Nela afirma per<strong>em</strong>ptoriamente<br />

que está disposto a tudo fazer e sofrer pela causa da Igreja:<br />

«.... n<strong>em</strong> por isso lhe será possível impedir a autorida<strong>de</strong> perpétua<br />

e divina que o mesmo Senhor Jesus conce<strong>de</strong>u à pedra<br />

fundamental da Igreja Católica». Tamanha força só é explicável<br />

à luz do auxílio recebido <strong>de</strong> Deus. Os elogios à figura do<br />

papa são frequentes ao longo da p<strong>as</strong>toral. O mesmo Deus que<br />

s<strong>em</strong>pre salvou a sua Igreja há-<strong>de</strong> mais uma vez fazê-la triunfar.<br />

Daí o convite a que não <strong>de</strong>sanim<strong>em</strong> os fiéis perante <strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong><br />

do «inimigo ufano e soberbo» que preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a cida<strong>de</strong><br />

santa e a cruz do Salvador, «que é o nosso brazão, a nossa<br />

honra e a nossa salvação».<br />

E convida à luta, não por meio <strong>de</strong> «alfanges», espad<strong>as</strong> e<br />

arm<strong>as</strong> «que a indústria dos homens barbaramente t<strong>em</strong> inventado<br />

para <strong>de</strong>struição completa da vida humana»; não à maneira<br />

<strong>de</strong> qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> praç<strong>as</strong> e cida<strong>de</strong>l<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> sim pel<strong>as</strong> arm<strong>as</strong><br />

do arrependimento, «a <strong>em</strong>enda e reforma total da nossa vida,<br />

<strong>as</strong> lágrim<strong>as</strong> doces da penitência, a frequência dos santíssimos<br />

sacramentos, fontes perenes da graça e santida<strong>de</strong> que infelizmente<br />

há muitos anos t<strong>em</strong> sido infelizmente o objecto dos nossos<br />

<strong>de</strong>sprezos e muitos escandalosos sacrilégios». Fala da oração<br />

<strong>as</strong>sídua e fervorosa, do respeito e reverênciada religião, da<br />

rectidão <strong>em</strong> tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> acções, da obediência aos dogm<strong>as</strong> e verda<strong>de</strong>s<br />

católic<strong>as</strong>, da carida<strong>de</strong>, etc. Est<strong>as</strong> são <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> do cristão<br />

pois, como diz a Sagrada Escritura, «é maldito todo o hom<strong>em</strong><br />

que esquecendo-se <strong>de</strong> Deus só põe toda a sua confiança nos<br />

outros homens».<br />

De novo afirma que tudo o que se p<strong>as</strong>sou e está a p<strong>as</strong>sar<br />

não foi fruto do ac<strong>as</strong>o ou <strong>de</strong> qualquer resolução humana, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da providência divina. Chama às tribulações do t<strong>em</strong>po<br />

«visit<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus», «auxílios com que o Senhor nos chama, para o<br />

caminho da virtu<strong>de</strong> e da justiça <strong>de</strong> que louca e cegamente nos<br />

<strong>de</strong>sviámos». O pecado está na orig<strong>em</strong> da catástrofe que surgiu,<br />

como s<strong>em</strong>pre aconteceu ao longo da história, como se lê do De<br />

lapsis <strong>de</strong> S. Cipriano e <strong>em</strong> Salviano, presbítero <strong>de</strong> Marselha,<br />

que tratou da inv<strong>as</strong>ão dos vândalos. Também Eusébio <strong>de</strong> Cesareia<br />

na sua História Eclesiástica aborda o mesmo t<strong>em</strong>a.<br />

Fala <strong>de</strong> cert<strong>as</strong> époc<strong>as</strong> da história da Igreja <strong>em</strong> que houve<br />

paz m<strong>as</strong> isso explica-se, diz, porque se praticava a virtu<strong>de</strong> e o<br />

98


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

b<strong>em</strong>. P<strong>as</strong>sando a <strong>de</strong>sviar-se do recto caminho, o povo cristão<br />

teve que suportar c<strong>as</strong>tigos duros e humilhantes. O ex<strong>em</strong>plo da<br />

penetração do vândalo Genserico <strong>em</strong> Africa é flagrante. Os<br />

cristãos viviam <strong>em</strong> estado <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sobediência à lei<br />

<strong>de</strong> Deus, pelo que a sua ira se aplicou sobre eles. Escreve:<br />

«Africa até ali cristã, a pátria <strong>de</strong> muitos e mui esclarecidos<br />

santos, a parte antes mais .florescente da Igreja católica, foi<br />

entregue aos vândalos; su<strong>as</strong> dioceses foram confiad<strong>as</strong> aos arianos<br />

que <strong>em</strong> lugar <strong>de</strong> ensinar<strong>em</strong> os dogm<strong>as</strong> católicos só inculcavam<br />

o erro, a mentira e a bl<strong>as</strong>fémia; <strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> foram roubad<strong>as</strong>;<br />

os ministros do santuário ignominiosamente expulsos e<br />

a santa religião furiosamente perseguida».<br />

Nos últimos t<strong>em</strong>pos a religião havia perdido o seu antigo<br />

esplendor, escreve D. José Pegado, que prossegue: «Os cristãos<br />

abusaram da serena paz que Deus lhes conce<strong>de</strong>ra por alguns<br />

séculos e qu<strong>as</strong>e que hoje se não encontra na terra senão a<br />

prevaricação e a malda<strong>de</strong>. Não há costumes e não há moralida<strong>de</strong>,<br />

não há finalmente respeito à lei divina: os seus mandamentos<br />

santíssimos são publicamente <strong>de</strong>sprezados e se algum<br />

fiel aparecer que os respeita e guarda é logo escarneado e<br />

reprovado n<strong>as</strong> socieda<strong>de</strong>s».<br />

A explicação que fornece é esta: «uma admissão <strong>de</strong> livros<br />

ímpios vagou-se s<strong>em</strong> a menor dificulda<strong>de</strong> por toda a Europa e<br />

a mocida<strong>de</strong> inesperta, encanta e cheia <strong>de</strong> ardor e do fogo <strong>de</strong><br />

poucos anos bebeu s<strong>em</strong> o saber todo o veneno que lhe <strong>de</strong>u a<br />

morte». Chama a essa inv<strong>as</strong>ão <strong>de</strong> obr<strong>as</strong> perigos<strong>as</strong> para a fé<br />

«peste» que gr<strong>as</strong>sou no mundo, o que contribuiu para que a<br />

virtu<strong>de</strong> fosse <strong>de</strong>sprezada e o vício aplaudido, a religião escarnecida<br />

e <strong>as</strong>sim os misteriosos sofist<strong>as</strong> do presente século triunfaram.<br />

O comentáriO' pessimista do bispo <strong>de</strong> Angra vai ao ponto <strong>de</strong><br />

dizer que tudO' se perturbou, per<strong>de</strong>u-se a ord<strong>em</strong> antiga e<br />

com ela a paz e o sossego do mundo. As abominações e os<br />

escândalos reinam por toda a parte e a lei <strong>de</strong> Cristo não é<br />

observada. Os jejuns e <strong>as</strong> abstinênci<strong>as</strong> não são observados e os<br />

di<strong>as</strong> santificados não se cumpr<strong>em</strong>. Deus não é adorado <strong>em</strong><br />

espírito e verda<strong>de</strong>. Numa palavra, existe um fosso entre o<br />

p<strong>as</strong>sado e o presente.<br />

Em oposição coloca a fé e a incredulida<strong>de</strong>, a religião e «a<br />

<strong>de</strong>senvoltura», os bons e os sãos costumes, os roubos, <strong>as</strong> injustiç<strong>as</strong><br />

e a imodéstia, a torpeza, a nu<strong>de</strong>z escandalosa, a obscenida<strong>de</strong><br />

e o <strong>de</strong>sacatamento que não respeita n<strong>em</strong> os sagrados<br />

t<strong>em</strong>plos n<strong>em</strong> <strong>as</strong> clausur<strong>as</strong>, «antigamente veneráveis <strong>as</strong>ilos <strong>de</strong><br />

honestida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> pureza virginal».<br />

E não falta uma alusão aos sacerdotes, ministros do altar,<br />

que se mostram negligentes, tíbios e pouco respeitosos quanto<br />

ao lugar santo. Nunca se viu tamanha <strong>de</strong>senvoltura n<strong>em</strong> ousadia<br />

99


Revolt<strong>as</strong> e Revoluções<br />

tão atrevida como a do presente século. Qualquer leigo ou<br />

ignorante não receiam falar do que ignoram ou não entend<strong>em</strong>,<br />

n<strong>em</strong> t<strong>em</strong><strong>em</strong> <strong>de</strong> qualificar <strong>de</strong> supersticiosos e <strong>de</strong> inúteis e quiméricos<br />

a doutrina católica, a autorida<strong>de</strong> infalível da Igreja,<br />

os ritos e <strong>as</strong> cerimóni<strong>as</strong> sant<strong>as</strong> e até o próprio culto externo<br />

que é <strong>de</strong>vido a Deus. E é este o século iluminado, como diz<strong>em</strong>,<br />

comenta o prelado.<br />

À maneira profética, pergunta quais os resultados <strong>de</strong><br />

tanta corrupção e perversida<strong>de</strong>. A resposta surge <strong>de</strong> imediato:<br />

a ruína e a <strong>de</strong>v<strong>as</strong>tação dos impérios, <strong>as</strong> lágrim<strong>as</strong>, a dor e toda a<br />

sorte <strong>de</strong> calamida<strong>de</strong>s. E a causa <strong>de</strong> tudo isso é o pecado do<br />

hom<strong>em</strong>. Daí que há que voltar-se para misericórdia divina<br />

para que restaure a ord<strong>em</strong> e a paz e o papa seja liberto, e a<br />

Igreja, a religião e a fé católica triunf<strong>em</strong> gloriosamente, diz.<br />

Convida os fiéis à oração contrita e incessante, humil<strong>de</strong> e sincera.<br />

Esta foi a arma <strong>de</strong> que se serviram os primeiros cristãos<br />

para libertar<strong>em</strong> S. Pedro d<strong>as</strong> amarr<strong>as</strong> da prisão. Agora <strong>de</strong>ve<br />

fazer-se o mesmo e pedir também pela rainha, pelo príncipe<br />

regente,


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

As palavr<strong>as</strong> conclusiv<strong>as</strong> refer<strong>em</strong>-se à divulgação que <strong>de</strong>ve<br />

ter a carta p<strong>as</strong>toral. ­<br />

Numa outra p<strong>as</strong>toral do mesmo bispo sobre a bula da<br />

cruzada há igualmente referênci<strong>as</strong> à situação política europeia.<br />

T<strong>em</strong> a data <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1809.<br />

*<br />

* *<br />

Em p<strong>as</strong>toral <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1810, escrita <strong>em</strong> Lisboa,<br />

trata o bispo <strong>de</strong> Elv<strong>as</strong>, D. José Joaquim da Cunha <strong>de</strong> Azeredo<br />

Coutinho, do t<strong>em</strong>a d<strong>as</strong> inv<strong>as</strong>ões frances<strong>as</strong>. O início do documento<br />

é um apelo à religião autêntica e verda<strong>de</strong>ira. Escreve o<br />

prelado que uma nação composta <strong>de</strong> ateus s<strong>em</strong> religião e<br />

s<strong>em</strong> moral, é uma quimera que não existe. A religião que nos<br />

ensina a boa moral é a primeira b<strong>as</strong>e fundamental d<strong>as</strong> nações.<br />

Cristo ensinou aos homens uma religião fundada numa moral<br />

santa que manda amar mesmo os inimigos e prometeu uma<br />

vida eterna e a salvação d<strong>as</strong> alm<strong>as</strong>. Por isso, escreve, é necessário<br />

que se ame <strong>de</strong> coração essa religião para se conseguir o<br />

b<strong>em</strong>, a vida eterna e a vida t<strong>em</strong>poral «como m<strong>em</strong>bros dum<br />

mesmo corpo, que constitui a nação portuguesa». Este é o<br />

essencial da introdução <strong>de</strong> D. José Joaquim à sua carta p<strong>as</strong>toral.<br />

A própria natureza ensina que se <strong>de</strong>ve lutar a todo o<br />

custo para salvar a vida daqueles que são objecto <strong>de</strong> perseguição:<br />

«As aves mans<strong>as</strong> e <strong>de</strong>sarmad<strong>as</strong> arrojam-se às fer<strong>as</strong><br />

que atacam os seus pequenos pintos, ainda mesmo à custa <strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>r<strong>em</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>». Evoca a valentia dos elvenses que Já<br />

<strong>de</strong>ram prov<strong>as</strong> <strong>de</strong> corag<strong>em</strong> e <strong>de</strong>terminação aquando d<strong>as</strong> batalh<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> Montes Claros e d<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> <strong>de</strong> Elv<strong>as</strong>.<br />

De forma <strong>em</strong>polgante l<strong>em</strong>bra o arrojo dos <strong>portugueses</strong><br />

nos mais difíceis momentos da sua história: «aqueles homens<br />

que sendo poucos venceram os seus inimigos <strong>em</strong> número muit<strong>as</strong><br />

vezes maior; aqueles homens, que primeiros que todos, s<strong>em</strong><br />

mais gui<strong>as</strong> e companheiros do que <strong>as</strong> estrel<strong>as</strong> domaram a braveza<br />

dos gran<strong>de</strong>s mares e a fúria dos ventos; e <strong>de</strong> um canto<br />

da Europa foram dar leis às quatro partes do mundo». Pergunta<br />

se será necessário <strong>de</strong>senterrar os seus ossos para que venham<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a religião, a honra e a Pátria tão ameaçad<strong>as</strong>. Diz textualmente:<br />

«Tereis vós ânimo <strong>de</strong> conservar a vida para ver<strong>de</strong>s<br />

prostituir voss<strong>as</strong> mulheres, voss<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>; para ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong>spedaçar<br />

vossos filhos e vossos velhos pais que vos <strong>de</strong>ram o ser?».<br />

É que uma vida s<strong>em</strong> honra, s<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong>, não é vida, é uma<br />

morte continuada. Há que mostrar às nações honrad<strong>as</strong> que os<br />

<strong>portugueses</strong> são dignos da sua amiza<strong>de</strong> e da sua confiança;<br />

101


Revolt<strong>as</strong> e Revoluções<br />

que não n<strong>as</strong>ceram para ser<strong>em</strong> escravos n<strong>em</strong> para ser<strong>em</strong> uma<br />

nação protegida.<br />

Convida, pois, todos a pegar <strong>em</strong> arm<strong>as</strong> porque os inimigos<br />

chegam às port<strong>as</strong> da cida<strong>de</strong> para espreitar<strong>em</strong> se os cidadãos<br />

dorm<strong>em</strong>. Há que estar alerta e não t<strong>em</strong>er. A razão, a justiça e<br />

a verda<strong>de</strong> estão pelo nosso lado. São «companheiros inseparáveis<br />

da virtu<strong>de</strong> e da honra e com honra e virtu<strong>de</strong> todos serão<br />

fortes e vencedores. Expressamente afirma que os inimigos só<br />

têm por si a mentira, a perfídia e o sentimento interno, «que<br />

s<strong>em</strong>pre os acusa <strong>de</strong> injustos»; e esses r<strong>em</strong>orsos (


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

pit<strong>as</strong>se a tais pobres nos excessos da fraqueza, inseparáveis da<br />

pobreza viciosa, s<strong>em</strong> religião, s<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> moral, s<strong>em</strong><br />

honra e s<strong>em</strong> vergonha».<br />

E foi nesse estado <strong>de</strong> dissolução geral que um aluvião<br />

repentino- <strong>de</strong> celerados por sist<strong>em</strong>a, aproveitando-se do momento<br />

se lançaram como fer<strong>as</strong> famint<strong>as</strong> e raivos<strong>as</strong> sobre <strong>as</strong><br />

vid<strong>as</strong>, honr<strong>as</strong> e fazend<strong>as</strong> dos cidadãos virtuosos e pacíficos<br />

que dormiam confiados nos que estavam encarregados da guarda<br />

<strong>de</strong>les. Os governados e governantes foram vítim<strong>as</strong> da sua<br />

mesma seita, acharam-se s<strong>em</strong> união e s<strong>em</strong> algum plano combinado<br />

para reparar o novo e repentino golpe. Era <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />

que foss<strong>em</strong> todos sacrificados, escreve.<br />

A chamada dos ingleses, «os vossos bons amigos e aliados,<br />

fortes e guerreiros, tão interessados como vós contra o inimigo<br />

comum», foi provi<strong>de</strong>ncial. Os planos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Portugal e<br />

dos ataques foram já combinados com a natureza do País «pelos<br />

sábios mestres da arte». O nome <strong>de</strong> Wellesley é para os <strong>portugueses</strong><br />

o sinal do triunfo; os generais que dirig<strong>em</strong> <strong>as</strong> operações<br />

gozam <strong>de</strong> confiança; o seu valor, a sua arte e a sua fortuna<br />

são conhecidos da experiência; «elles por mais <strong>de</strong> uma vez vos<br />

t<strong>em</strong> feito cobrir <strong>de</strong> louros contra os invencíveis <strong>de</strong> Marengo,<br />

ainda mesmo quando vós éreis bisonhos: obe<strong>de</strong>cei prontos os<br />

seus mandatos; observai a sua disciplina; vós sereis invencíveis,<br />

vós sereis então <strong>portugueses</strong>».<br />

Alu<strong>de</strong> ao estado do País, b<strong>em</strong> provido, com todos os<br />

portos abertos, recebendo continuamente trop<strong>as</strong> guerreir<strong>as</strong>, víveres<br />

e socorros «<strong>em</strong> um reino que por isso que é pequeno é<br />

todo uma praça forte, <strong>de</strong>fendida pela natureza e pela arte:<br />

muralh<strong>as</strong> e baluartes vos <strong>de</strong>fend<strong>em</strong> por toda a parte». Se se<br />

per<strong>de</strong>r um ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, outros aparecerão para <strong>de</strong>struir o<br />

inimigo que v<strong>em</strong> <strong>de</strong> longe, faminto, abatido e cansado; não<br />

po<strong>de</strong> atacar pelo flanco n<strong>em</strong> pela retaguarda; «o gran<strong>de</strong> número<br />

será obrigado a proporcionar-se ao pequeno».<br />

Pelo contrário, a situação do inimigo é diferente. V<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

longe, distante da sua pátria, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> atravessar a Espanha,<br />

«com justa razão contra ele irritada», já esgotado, s<strong>em</strong> víveres,<br />

s<strong>em</strong> forragens, s<strong>em</strong> socorros da parte do mar. E quantos mais<br />

vier<strong>em</strong>, menos terão para comer. Escreve: «Eles já são obrigados<br />

a sustentar-se do furto e da pilhag<strong>em</strong>: o pão que eles<br />

com<strong>em</strong> é já am<strong>as</strong>sado com o seu próprio sangue; a agricultura,<br />

esta trabalhadora e fecunda mãe está já s<strong>em</strong> braços; eles lhos<br />

cortaram: eles são perseguidos <strong>em</strong> todos os pontos por espanhóis<br />

bravos que os segu<strong>em</strong> como a sombra; <strong>de</strong>sesperados e resolutos<br />

a vencer ou morrer, e que surgindo como <strong>de</strong>baixo da terra<br />

por entre bosques e serrani<strong>as</strong> inacessíveis não os <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong>scansar<br />

<strong>de</strong> dia n<strong>em</strong> <strong>de</strong> noite».<br />

103


Revolt<strong>as</strong> e Revoluções<br />

As trop<strong>as</strong> inimig<strong>as</strong> são compost<strong>as</strong> <strong>de</strong> nações divers<strong>as</strong> e<br />

inimig<strong>as</strong> por natureza, num clima inimigo do seu e numa<br />

estação própria para os <strong>de</strong>struir ainda antes <strong>de</strong> combater<strong>em</strong>;<br />

«est<strong>as</strong> trop<strong>as</strong> obrigad<strong>as</strong> por um tirano a morrer longe da sua<br />

pátria, s<strong>em</strong> glória, s<strong>em</strong> honra, s<strong>em</strong> proveito, só esperam por<br />

um feliz instante para escapar<strong>em</strong> d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> garr<strong>as</strong>».<br />

Recomenda que não acredit<strong>em</strong> n<strong>as</strong> promess<strong>as</strong> que faz<strong>em</strong><br />

os inimigos pois eles não <strong>as</strong> pod<strong>em</strong> cumprir. Escreve o bispo<br />

<strong>de</strong> Elv<strong>as</strong>: «Vós os vistes entrar no vosso país <strong>de</strong>baixo da<br />

sagrada palavra da amiza<strong>de</strong>, pobres e s<strong>em</strong> dinheiro, rotos, nús,<br />

<strong>de</strong>scalços, morrendo <strong>de</strong> fome, <strong>de</strong>safiando mais a vossa compaixão<br />

do que a vossa cólera; e vos prometiam protecção quando<br />

eles mais precisavam da vossa: vós os vestistes e sustent<strong>as</strong>tes<br />

com mão larga e liberal; a recompensa que vos <strong>de</strong>ram foi<br />

armados já <strong>de</strong> baionet<strong>as</strong> vos pedir<strong>em</strong> quarenta milhões <strong>de</strong><br />

cruzados pelo vosso resg<strong>as</strong>te!».<br />

Com a sua perfídia tiraram <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> aos <strong>portugueses</strong> e<br />

conduziram enganados os seus filhos e familiares para ir<strong>em</strong><br />

ser <strong>em</strong> países estranhos o instrumento da sua ambição; e <strong>de</strong><br />

lá têm arr<strong>as</strong>tado outros para vir<strong>em</strong> ser contra os <strong>portugueses</strong><br />

que nenhum mal lhes fizeram. Chama aos franceses ingratos,<br />

<strong>de</strong>gradadores da espécie humana. E diz a seguir: «Os bárbaros<br />

tapui<strong>as</strong>, <strong>as</strong> fer<strong>as</strong> mesmo se domam e se mostram agra<strong>de</strong>cid<strong>as</strong><br />

aos seus benfeitores; e os homens que se diziam filósofos <strong>de</strong>fensores<br />

da humanida<strong>de</strong> oprimida; a nação que se dizia a mais<br />

polida e a mais civilizada do mundo, <strong>de</strong>sconhec<strong>em</strong> aqueles<br />

sentimentos que falam até mesmo nos corações dos bárbaros<br />

selvagens e d<strong>as</strong> fer<strong>as</strong>».<br />

A maior <strong>de</strong>sgraça dos franceses é já não po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> ser<br />

agra<strong>de</strong>cidos, pois <strong>as</strong> <strong>de</strong>sesperad<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> <strong>em</strong> que eles<br />

se encontram têm-nos constituído ingratos. Têm-se visto na<br />

necessida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> morrer<strong>em</strong> <strong>de</strong> fome e <strong>de</strong> miséria ou<br />

<strong>de</strong> matar<strong>em</strong> para comer<strong>em</strong> o pão dos outros, vestir<strong>em</strong> a sua<br />

roupa e roubar<strong>em</strong> o seu dinheiro. Daí o apelo dp prelado «As<br />

arm<strong>as</strong>....!», pois há que combater


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

vertig<strong>em</strong> na cabeça do arquitecto a máquina cairá por terra:<br />

ele não é eterno».<br />

Não há que esperar novos milagres pois eles estão já à<br />

vista. Um <strong>de</strong>les foi o facto <strong>de</strong> Deus ter salvo d<strong>as</strong> garr<strong>as</strong> dos<br />

tiranos esfomeados o príncipe, a família real e <strong>as</strong> august<strong>as</strong><br />

relíqui<strong>as</strong> dos Bourbons que eles queriam aniquilar. Também a<br />

natureza viu o seu milagre: os ventos contrários, o mar <strong>em</strong>bravecido<br />

e outr<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> da natureza, que pareciam contrariar<br />

os <strong>portugueses</strong>, <strong>de</strong>pressa se transformaram: o céu-apareceu,<br />

risonho e alegre, o mar sossegou a sua fúria, <strong>as</strong> naus soltando<br />

<strong>as</strong> vel<strong>as</strong> salvaram do perigo os augustos soberanos: «a Alma<br />

<strong>de</strong> Portugal voou a animar o corpo que pérfid<strong>as</strong> mãos trabalhavàm<br />

já por separá-lo da sua cabeça e <strong>as</strong> colóni<strong>as</strong> filh<strong>as</strong> com<br />

os braços abertos receberam contentes o seu soberano como<br />

seu pai».<br />

E refere outros factos que consi<strong>de</strong>ra prodígios <strong>de</strong> Deus: a<br />

nação abatida <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> aflição já moribunda como que se<br />

ergueu e ressuscitou. O seu corpo arrebatado dum fogo divino<br />

correu furioso a salvar a religião, a pátria e a honra da nação.<br />

E os inimigos fugiram espavoridos, «como <strong>as</strong> arei<strong>as</strong> sacudid<strong>as</strong><br />

pelos ventos». Os mais b<strong>em</strong> combinados planos da filosofia dos<br />

homens foram frustrados por Deus que quer salvar os seus<br />

escolhidos. Chama aos inimigos ateus incrédulos «que tudo<br />

atribu<strong>em</strong> ao ac<strong>as</strong>o» e pe<strong>de</strong> para se compa<strong>de</strong>cer<strong>em</strong> do seu brutal<br />

egoísmo.<br />

Deus mostrou aos <strong>portugueses</strong> o perigo que corriam e<br />

isso serviu <strong>de</strong> aviso. Eles que se chamavam cristianíssill10s<br />

roubaram os altares, profanaram os t<strong>em</strong>plos e os v<strong>as</strong>os sagrados,<br />

insultaram o Deus dos cristãos. Os <strong>portugueses</strong> pu<strong>de</strong>ram<br />

pedir perdão dos seus pecados e compreen<strong>de</strong>r que Deus os<br />

queria salvar. Os preversos foram confundidos, eles que espalhavam<br />

o terror, a sizânia e a discórdia contra a religião, o<br />

soberano e os <strong>portugueses</strong>. M<strong>as</strong>, graç<strong>as</strong> a Deus, «o monstro do<br />

ateísmo, inseparável do egoísmo que <strong>de</strong>vora todos os bens da<br />

socieda<strong>de</strong> se vai já aborrecendo <strong>de</strong> si mesmo: ele já se horroriza<br />

à vista da sua <strong>de</strong>v<strong>as</strong>tadora e <strong>as</strong>sanhada brutalida<strong>de</strong>». E<br />

conclui o seu pensamento: «Deus quis que vísseis o monstro<br />

para vos armar<strong>de</strong>s e vos unir<strong>de</strong>s contra ele».<br />

Termina a p<strong>as</strong>toral fazendo um apelo à adoração a Deus,<br />

ao reconhecimento. Os <strong>portugueses</strong> serão o instrumento com<br />

que Deus vai c<strong>as</strong>tigar o inimigo. Será enviado um p<strong>as</strong>tor, o<br />

pequeno David, que lançará por terra o opressor. A glória <strong>de</strong><br />

Portugal esten<strong>de</strong>r-se-á dum mundo a outro mundo e o nome<br />

ào príncipe regente, «o primeiro dos soberanos», que da Europa<br />

atravessou até os fins da zona tórrida, será ouvido até à mais<br />

r<strong>em</strong>ota posterida<strong>de</strong> com admiração e espanto. E Jorge IH, seu<br />

105


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

vertig<strong>em</strong> na cabeça do arquitecto a máquina cairá por terra:<br />

ele não é eterno».<br />

Não há que esperar novos milagres pois eles estão já à<br />

vista. Um <strong>de</strong>les foi o facto <strong>de</strong> Deus ter salvo d<strong>as</strong> garr<strong>as</strong> dos<br />

tiranos esfomeados o príncipe, a família real e <strong>as</strong> august<strong>as</strong><br />

relíqui<strong>as</strong> dos Bourbons que eles queriam aniquilar. Também a<br />

natureza viu o seu milagre: os ventos contrários, o mar <strong>em</strong>bravecido<br />

e outr<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> da natureza, que pareciam contrariar<br />

os <strong>portugueses</strong>, <strong>de</strong>pressa se transformaram: o céu apareceu,<br />

risonho e alegre, o mar sossegou a sua fúria, <strong>as</strong> naus soltando<br />

<strong>as</strong> vel<strong>as</strong> salvaram do perigo os augustos soberanos: «a Alma<br />

<strong>de</strong> Portugal voou a animar o corpo que pérfid<strong>as</strong> mãos trabalhavam<br />

já por separá-lo da sua cabeça e <strong>as</strong> colóni<strong>as</strong> filh<strong>as</strong> com<br />

os braços abertos receberam contentes o seu soberano como<br />

seu pai».<br />

E refere outros factos que consi<strong>de</strong>ra prodígios <strong>de</strong> Deus: a<br />

nação abatida <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> aflição já moribunda como que se<br />

ergueu e ressuscitou. O seu corpo arrebatado dum fogo divino<br />

correu furioso a salvar a religião, a pátria e a honra da nação.<br />

E os inimigos fugiram espavoridos, «como <strong>as</strong> arei<strong>as</strong> sacudid<strong>as</strong><br />

pelos ventos». Os mais b<strong>em</strong> combinados planos da filosofia dos<br />

homens foram frustrados por Deus que quer salvar os seus<br />

escolhidos. Chama aos inimigos ateus incrédulos «que tudo<br />

atribu<strong>em</strong> ao ac<strong>as</strong>o» e pe<strong>de</strong> para se compa<strong>de</strong>cer<strong>em</strong> do seu brutal<br />

egoísmo.<br />

Deus mostrou aos <strong>portugueses</strong> o perigo que corriam e<br />

isso serviu <strong>de</strong> aviso. Eles que se chamavam cristianíssiIIloS<br />

roubaram os altares, profanaram os t<strong>em</strong>plos e os v<strong>as</strong>ossagrados,<br />

insultaram o Deus dos cristãos. Os <strong>portugueses</strong> pu<strong>de</strong>ram<br />

pedir perdão dos seus pecados e compreen<strong>de</strong>r que Deus os<br />

queria salvar. Os preversos foram confundidos, eles que espalhavam<br />

o terror, a sizânia e a discórdia contra a religião, o<br />

soberano e os <strong>portugueses</strong>. M<strong>as</strong>, graç<strong>as</strong> a Deus, «o monstro do<br />

ateísmo, inseparável do egoísmo que <strong>de</strong>vora todos os bens da<br />

socieda<strong>de</strong> se vai já aborrecendo <strong>de</strong> si mesmo: ele já se horroriza<br />

à vista da sua <strong>de</strong>v<strong>as</strong>tadora e <strong>as</strong>sanhada brutalida<strong>de</strong>». E<br />

conclui o seu pensamento: «Deus quis que vísseis o monstro<br />

para vos armar<strong>de</strong>s e vos unir<strong>de</strong>s contra ele».<br />

Termina a p<strong>as</strong>toral fazendo um apelo à adoração a Deus,<br />

ao reconhecimento. Os <strong>portugueses</strong> serão o instrumento com<br />

que Deus vai c<strong>as</strong>tigar o inimigo. Será enviado um p<strong>as</strong>tor, o<br />

pequeno David, que lançará por terra o opressor. A glória <strong>de</strong><br />

Portugal esten<strong>de</strong>r-se-á dum mundo a outro mundo e o nome<br />

do príncipe regente, «o primeiro dos soberanos», que da Europa<br />

atravessou até os fins da zona tórrida, será ouvido até à mais<br />

r<strong>em</strong>ota posterida<strong>de</strong> com admiração e espanto. E Jorge IH, seu<br />

105


RevoU<strong>as</strong> e Revo!uçóes<br />

bom amigo e aliado, unido e interessado na mesma causa, será<br />

com ele colocado sobre a coluna da imortalida<strong>de</strong>, sustentada<br />

pelos honrados, fortes e invencíveis braços dos luso-anglo-espanhóis.<br />

*<br />

* *<br />

Outra p<strong>as</strong>toral do mesmo prelado, datada <strong>de</strong> Lisboa <strong>de</strong><br />

2 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1811, versa o mesmo t<strong>em</strong>a. Começa por falar<br />

dos triunfos já alcançados graç<strong>as</strong> à providência divina e convida<br />

a manter b<strong>em</strong> viva a fé e a continuar a luta. L<strong>em</strong>bra a<br />

oratória <strong>de</strong> D. Manuel da Cunha, antigo- bispo <strong>de</strong> Elv<strong>as</strong>, quando<br />

foi restituído ao trono D. João IV. E os elvenses s<strong>em</strong>pre souberam<br />

ser fiéis à causa da liberda<strong>de</strong> e do amor à Pátria.<br />

Os invencíveis <strong>de</strong> Marengo, <strong>de</strong> Iena e <strong>de</strong> Austerliz e os<br />

seus famosos Neys, Regniers e M<strong>as</strong>sen<strong>as</strong> vieram colocar n<strong>as</strong><br />

margens do- Tejo, do Douro, do Mon<strong>de</strong>go e do Zêzere os louros<br />

que tinham colhido junto do Elba, do O<strong>de</strong>r, do Vístula e do<br />

Danúbio. As su<strong>as</strong> vitóri<strong>as</strong>· não têm comparação com <strong>as</strong> do<br />

Vimeiro, do Porto, do Buçaco, <strong>de</strong> Campo Maior e <strong>de</strong> Olivença.<br />

As <strong>de</strong>les, diz, foram <strong>de</strong>vid<strong>as</strong> à vil intriga e à perfídia, <strong>as</strong> dos<br />

<strong>portugueses</strong> são filh<strong>as</strong> da corag<strong>em</strong>, da honra e da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

dos corações lusos. Os inimigos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> lançar-se aos pés dos<br />

<strong>portugueses</strong> e pedir a paz. Então po<strong>de</strong>rão os soldados <strong>portugueses</strong><br />

ir para c<strong>as</strong>a e mostrar como troféus <strong>de</strong> glória <strong>as</strong> cicatrizes<br />

do sangue <strong>de</strong>rramado pela <strong>de</strong>fesa do soberano da Pátria.<br />

E receberão o justo agra<strong>de</strong>cimento.<br />

E revelarão os retratos dos seus mestres, como Wellesley e<br />

Beresford, que ensinaram aos <strong>portugueses</strong> a maneira <strong>de</strong> combater,<br />

o que permitiu a vitória que <strong>as</strong> nações cantarão e louvarão.<br />

«As págin<strong>as</strong> da vossa história serão mais etern<strong>as</strong> do<br />

que o bronze».<br />

Não esquece <strong>as</strong> mulheres que tanto sofreram durante a<br />

ausência <strong>de</strong> seus maridos. El<strong>as</strong> <strong>de</strong>v<strong>em</strong> cooperar agora na reconstrução<br />

do país. Aos franceses chama-lhes <strong>de</strong> novo «vândalos<br />

por imitação», «bárbaros por sist<strong>em</strong>a». As mulheres, se necessário,<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ven<strong>de</strong>r <strong>as</strong> su<strong>as</strong> jói<strong>as</strong> para alimentar<strong>em</strong> os seus<br />

maridos e filhos. Isso servirá <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo para <strong>as</strong> filh<strong>as</strong>: «o<br />

ex<strong>em</strong>plo d<strong>as</strong> mães é a primeira lição d<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>». «O luxo é<br />

s<strong>em</strong>pre ruinoso, o luxo excessivo foi s<strong>em</strong>pre a peste <strong>de</strong>struidora<br />

dos Estados: a corrupção dos corações, a preversida<strong>de</strong> dos costumes,<br />

que ele consigo traz, são os sintom<strong>as</strong> da morte próxima<br />

<strong>de</strong> uma nação-; é um hidróptico que quanto mais bebe tanto<br />

mais se<strong>de</strong> t<strong>em</strong>; ele nunca é saciado; a morte só é a que põe<br />

fim à sua se<strong>de</strong>; a França com <strong>as</strong> su<strong>as</strong> bal<strong>as</strong> e baionet<strong>as</strong> não<br />

106


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

t<strong>em</strong> feita. tanto mal ao mundo como t<strong>em</strong> feito os monstros que<br />

por toda a parte t<strong>em</strong> estragado a moral e a inocência dos<br />

corações; todos eses males traz<strong>em</strong> a sua orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> um luxo<br />

s<strong>em</strong> limites. Fugi, filh<strong>as</strong>, fugi <strong>de</strong>ste monstro que vos faz tão<br />

fei<strong>as</strong> como <strong>de</strong>sprezíveis». A propósito fala do luxo d<strong>as</strong> mulheres<br />

roman<strong>as</strong> que conduziu o império à ru[na. Escreve: «Sabei, filh<strong>as</strong>,<br />

sabei, que os homens são tais, quais eles são educados; a sua<br />

primeira educação é aquela que eles beb<strong>em</strong> com o leite <strong>de</strong> su<strong>as</strong><br />

mães; um leite mau e corrompido <strong>de</strong>ixa para s<strong>em</strong>pre estragadà<br />

a mais robusta constituição».<br />

A legislação romana e outr<strong>as</strong> legislações que colocavam<br />

<strong>as</strong> mulheres num plano secundário, entregues à ignorância e à<br />

escravidão, eram péssim<strong>as</strong>, pois «o veneno mais forte é muit<strong>as</strong><br />

vezes o melhor r<strong>em</strong>édio para arrancar o hom<strong>em</strong> d<strong>as</strong> garr<strong>as</strong> da<br />

morte: o toiro mais bravo é o melhor servidor do hom<strong>em</strong> que o<br />

sabe domar; tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da arte: esta era a que faltava<br />

àqueles impostores». Eles só olhavam para <strong>as</strong> mulheres como<br />

seres brutos e não reflectiam n<strong>as</strong> sublimes qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que a<br />

natureza <strong>as</strong> dotou. El<strong>as</strong> que são meta<strong>de</strong> do género humano, que<br />

n<strong>as</strong>ceram para ser<strong>em</strong> mães e <strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> mestr<strong>as</strong> dos- homens;<br />

o doce nome <strong>de</strong> mãe é a primeira consolação do hom<strong>em</strong><br />

apen<strong>as</strong> n<strong>as</strong>cido. Enaltece <strong>as</strong> qualida<strong>de</strong>s da mulher <strong>de</strong> uma<br />

forma especial.<br />

Continuando o seu pensamento, escreve que s<strong>em</strong> <strong>as</strong> mulheres<br />

não há nações. Roma s<strong>em</strong> el<strong>as</strong> era um covil <strong>de</strong> ladrões<br />

m<strong>as</strong> logo que roubaram <strong>as</strong> famos<strong>as</strong> sabin<strong>as</strong>, filh<strong>as</strong> <strong>de</strong> um povo<br />

austero, que tinha por b<strong>as</strong>e a honra e a glória da sua nação,<br />

com est<strong>as</strong> virtu<strong>de</strong>s sociais d<strong>as</strong> nações el<strong>as</strong> domaram os seus<br />

ferozes roubadores; el<strong>as</strong> os civilizaram e os constituiram <strong>em</strong><br />

nação que foi a primeira do mundo.<br />

Apela para <strong>as</strong> mulheres para que cultiv<strong>em</strong> a virtu<strong>de</strong> e<br />

dê<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plo, ensin<strong>em</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> filh<strong>as</strong> no caminho do b<strong>em</strong> e<br />

façam a revolução dos costumes. Recorda <strong>as</strong> mulheres portugues<strong>as</strong><br />

do p<strong>as</strong>sado que se impuseram pel<strong>as</strong> su<strong>as</strong> excelentes<br />

qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bo<strong>as</strong> mães e educador<strong>as</strong>. É um longo extracto<br />

acerca da mulher que prima pelo alto conceito <strong>em</strong> que coloca o<br />

papel que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar na socieda<strong>de</strong>.<br />

Outra documentação se po<strong>de</strong>ria apresentar acerca <strong>de</strong><br />

D. José Joaquim <strong>de</strong> Azeredo Coutinho. Assim, exist<strong>em</strong> um<strong>as</strong><br />

Cart<strong>as</strong> da Junta Governativa <strong>de</strong> Campo Maior ao Bispo d'Elv<strong>as</strong>....<br />

e sua Resposta, publicad<strong>as</strong>. <strong>em</strong> Elv<strong>as</strong>, <strong>em</strong> 1908, por oc<strong>as</strong>ião<br />

do centenário da guerra peninsular, <strong>as</strong> quais foram extraíd<strong>as</strong><br />

do Boletim Ecclesi<strong>as</strong>tico da Diocese d'Elv<strong>as</strong>, n.O 7, <strong>de</strong> Abril<br />

<strong>de</strong> 1878. A primeira data <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1808 e nela se diz a<br />

certa altura que <strong>de</strong>sejam que o prelado elvense se una aos<br />

m<strong>em</strong>bros da Junta Governativa <strong>de</strong> Campo Maior «para diri­<br />

107


Inv<strong>as</strong>ões Frances<strong>as</strong><br />

ela será o ídolo <strong>de</strong> tod<strong>as</strong> el<strong>as</strong>. Deixe <strong>as</strong> quimer<strong>as</strong> para os aventureiros,<br />

que nada t<strong>em</strong> a per<strong>de</strong>r; <strong>de</strong>ixe-os sós, e não os imite;<br />

eles cairão por si mesmos». Na Collecção <strong>de</strong> Alguns Manuscriptos<br />

curioso do EX.mo Bispo d'Elv<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois Inquisidor Geral..<br />

.., Londres 1819 (cota da BGUC: RB-3-31) encontra o leitor<br />

outro material sobre a questão (1).<br />

(') Agra<strong>de</strong>ço à Lic. D. Ana Cristina Bartolomeu <strong>de</strong> Araújo<br />

<strong>as</strong> precios<strong>as</strong> informações que gentilmente me ce<strong>de</strong>u para a elaboração<br />

da última parte <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

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