São Clemente Maria Hofbauer (Insigne propagador da Congregação
São Clemente Maria Hofbauer (Insigne propagador da Congregação São Clemente Maria Hofbauer (Insigne propagador da Congregação
CAPÍTULO VII O último ano em S. Beno Um jantar depois da oração da noite — Perseguições em Varsóvia — Atentado contra o Pe. Thadeu — O escudo quebrado — Napoleão — A Baviera hostiliza os Redentoristas — Zelo admirável dos padres — Tristes acontecimentos em Varsóvia. A pé, debaixo de um sol ardente, partiram S. Clemente e o clérigo Martinho Starck para Viena passando por Linz. Não levaram dinheiro consigo, porque S. Clemente presenteara a comunidade de Babenhausen com o valioso donativo recebido dos habitantes de Weinried, e para a viagem muniram-se de uma boa porção de confiança na divina Providência. Muitas vezes tiveram de esmolar, de caminho, uma fatia de pão e de padecer fome não poucos dias. Uma vez aconteceu andarem o dia inteiro sem provarem um pedacinho de pão. Cansado e debilitado pela fome queixou-se Martinho Starck de não poder mais caminhar de fraqueza. S. Clemente consolou o súdito pedindo-lhe que tivesse paciência, porque o dia não passaria sem que ele recebesse suculento jantar. Embora a promessa não parecesse muito crível, Martinho fez um esforço supremo e em silêncio acompanhou o Superior até a cidade, onde Clemente pediu um agasalho por ser já noite. Ainda que contrariado com a visita importuna, o dono da casa, querendo passar por hospitaleiro, mandou buscar no paiol algumas palhas, que estendeu no chão para servirem de cama aos hóspedes e retirou-se. São Clemente agradecendo a Deus que lhes proporcionava mais uma ocasião para a mortificação, disse ao companheiros: “Vamos fazer a oração da noite”. O clérigo, espantado, puxa a batina do Santo com as palavras: “E o jantar...?” São Clemente sorriu-se: “Reze e vá deitar-se, que a refeição virá”. O pobre clérigo abriu uns olhos que denunciavam tristeza e desaponto. Deitar-se para comer depois: isso lhe parecia uma ironia. Entretanto sabia que seu Superior nunca mentira. Foi deitar-se sobre as palhas sem todavia conciliar o sono por fome e cansaço. Na sala, entretanto, desenvolveu-se uma luta furiosa: dois jogadores, descontentes, gritava, imprecavam e blasfemavam contra Deus; das palavras passaram aos fatos e a coisa ia-se tornando bem desagradável quando de repente aparece S. Clemente, olha a cena de longe, percebendo porém que a luta não queria terminar, entra no meios dos lutadores, pede por amor de Deus que deixem de ofender Nosso Senhor, se perdoem mutuamente para evitarem os remorsos das consciência e os castigos do outro mundo; toma as dextras dos adversários, fita-os com mansidão e bondade, e depois de os apaziguar com boas palavras consegue que eles se dêem amigavelmente as mãos. Um deles deixou-se tomar de veneração para com S. Clemente, e lembrando-se 38 que os dois senhores de batina tinham ido acomodar-se sem jantar, mandou ao hoteleiro aprontar uma suculenta ceia para a qual convidou São Clemente e seu companheiro, que se levantou bem depressa e se assentou à mesa. Terminada a refeição, disse São Clemente sorrindo: “Martinho, está vendo como Deus é bom e não desampara os seus servos?” Na manhã seguinte partiram para Viena, onde o Pe. Thadeu Hübl os esperava; lá demoraram-se cerca de dois meses. São Clemente preparava-se já para voltar a Varsóvia, quando em outubro, rebentou a guerra entre França e Prússia, de cujo êxito dependia a sorte de Varsóvia e conseqüentemente também de S. Beno. As batalhas de Iena e Auerstädt foram decisivas; Napoleão entrou triunfante em Berlim depois de derrotar, ou antes, aniquilar o exército prussiano. Varsóvia pois pertencia à França; em 1806 Napoleão em pessoa foi visitar a capital da Polônia depois que seu general Davoust lá tinha entrado debaixo das aclamações delirantes do povo. No ano seguinte Napoleão elevou a Polônia à categoria de grão-ducado entregando-a a Frederico Augusto, que fora rei da Saxônia. Embora católico e até piedoso, Frederico Augusto era apenas um manequinho na Polônia, devendo obedecer servilmente aos magnatas da França e dançar ao compasso da batuta de Napoleão. O ódio e a perseguição aos sacerdotes estendeu-se também à Polônia, na medida que eram praticados na França. Os maçons e “iluminados” de Varsóvia exultavam, pois que a vitória lhes estava garantida, e sem detença começaram a mais encarniçada guerra contra o convento de S. Beno. Momentos amargos foram esses para S. Clemente que, mais tarde, o manifestou com as palavras: “Ninguém no mundo pode fazer idéia, e só no dia do juízo final ficará patente o quando padeci em Varsóvia nesses tristes dias”. Os maçons 3 de Varsóvia excogitaram um plano de campanha ardiloso contra os Benonitas e contra a religião, o que aliás costumam fazer em toda parte, também em nossos dias. Esforçaram-se primeiro para ridicularizar os Benonitas através da imprensa e de folhetos avulsos que distribuíam grátis entre o povo; em versos chulos adaptados a melodias conhecidas e triviais zombavam-se dos sacerdotes e de Deus; e essas cantilenas ouviam-se nos cafés, nas esquinas, nos teatros etc.; para figuras cômicas nos teatros usavam a batina dos Benonitas; e o povo ébrio de divertimentos e novidade ria-se e aplaudia a tudo, como outrora os judeus que gritavam Crucifique contra Jesus. As pessoas piedosas de Varsóvia, porém, firmes na sua fé continuaram a freqüentar ainda com mais assiduidade a igreja dos Redentoristas, onde recebiam com devoção os santos sacramentos, pois que as almas verdadeiramente religiosas não se incomodam com as irrisões dos maus e chegam-se tanto mais aos sacerdotes, quanto mais estes são perseguidos e caluniados pelos inimigos de Deus. Em plena rua eram eles escarnecidos pela corja maçônica, que os apontava entre assobios de escárnio com o grito: “Benonitas, Benonitas!” Vendo os maçons que não conseguiam demover o povo de freqüentar a igreja dos Redentoristas, procuravam incutir temor aos padres, proibindo-lhes pregar sobre pecados, vícios etc. e mandando espiões à igreja. Quando um padre era chamado a confessar algum doente, ou quando ia pregar em outra igreja, os tais de combinação se punham se punham a assobiar, a populaça se reunia e o pobre padre se via desacatado publicamente. Ao Pe. Blumenau, ora-
dor fogoso que não só empolgava, mas também arrebatava as massas, ameaçaram de morte se continuasse a fazer as suas pregações; como o Pe. Blumenau não se deixasse atemorizar pelas pistolas carregadas dos emissários da maçonaria, a raiva dos inimigos se transformou em fúria, de sorte que o pobre do padre não pôde mais sair de casa. O zelo apostólico dos Benonitas crescia na medida que os maçons se enfureciam; de sorte que em 1807 pôde S. Clemente escrever a Roma: “A nossa igreja está sempre repleta; admiradíssimos estão os confessores do rei e da rainha da Saxônia que vêm freqüentemente à nossa igreja e à nossa casa... em cada missa distribuem-se mais de cem comunhões; muitos protestantes convertem-se... É um verdadeiro milagre poder sustentar 64 pessoas nestes tempos calamitosos sem o auxílio de um vintém de esmola”. Entretanto o Pe. Passerat estava lá para tratar das passagens para o Canadá e São Clemente participou isto ao Vigário de Mitau, que lamentando intimamente a resolução do Santo, escreveu-lhe para o demover do seu intento: “Queres abandonar um povo que se nutriu a teu peito, somente porque sua cerviz é dura e seu coração corrompido? porque procuraste três anos os frutos e não os encontraste, queres agora cortar a figueira? Deus tal não permita”. Como porém o vigário não queria contrariar o Santo deu-lhe uma carta de recomendação para Lord Douglas em Londres. Em tudo isto o coração de S. Clemente sangrava, não tanto por causa da sua pessoa, mas por causa dos seus padres, da sua querida Congregação, e ainda mais, da glória de Deus ultrajado — previa grandes males para o futuro e temia pela grandiosa obra que estabelecera na capital da Polônia. Em todos esses duros transes procurava ele, depois de Deus, o coração do grande e sincero amigo Pe. Thadeu Hübl para se desabafar e encontrar novo alento e coragem; e o Pe. Thadeu, homem de grande prudência e de vastos conhecimentos sempre sabia um bom conselho a dar e um expediente para sair das dificuldades. É por isso que S. Clemente não poucas vezes o denominava “um outro eu” e a outra metade da sua alma. Havia pouco que Clemente e Thadeu tinham chegado a Varsóvia, quando este foi vítima de um nefando atentado. Sob pretexto de que um penitente, achando-se muito mal, o chamava para os últimos sacramentos, foram buscar o Pe. Thadeu em um carro. Mal o padre tinha entrado, quando o amarram de mãos e pés e lhe vendam os olhos. Depois de muitas voltas chegam a uma choupana, onde não havia nenhum enfermo, mas alguns senhores e empregados. O padre recebe afrontas de toda a sorte e por fim a intimação de nunca mais ouvir de confissão certas senhoras, ao que o nobre Redentorista respondeu que não recuaria um passo do cumprimento do seu dever. A um aceno dos senhores, os empregados começam seu trabalho: despem o padre, lançam-no por terra, e põe-se a vergastá-lo com bengalas e outros instrumentos até rebentar o sangue de muitas chagas. Em estado grave foi ele, de olhos vendados, reconduzido a Varsóvia. Só S. Clemente ficou sabendo desse acontecimento. Mal restabelecido desses maus tratos foi o Pe. Thadeu chamado ao hospital. Era ele o único sacerdote que em Varsóvia falava sete línguas e por isso só ele estava em condições de consolar nos hospitais os soldados alemães italianos, franceses, polacos e boêmios que lá se reuniram com a entrada do exérci- 39 to francês e do regimento italiano. O bom do padre, embora doente, mostrou-se incansável no cuidado dos enfermos, acudindo a todos com carinho e presteza, até que Deus lhe mandou o aviso de que não estava longe o dia em que iria no céu receber a recompensa dos seus grandes trabalhos; a febre tifóide, apanhada à cabeceira dos doentes, reduziu-o à fraqueza extrema; S. Clemente não saía de perto do seu confrade; vendo que a doença era grave administrou-lhe os santos sacramentos dos moribundos. Dia e noite passava o Santo junto do leito do seu caro Pe. Thadeu Hübl. À 4 de julho de 1807 rodeado de toda a comunidade esperava Thadeu a morte com o rosto sereno e a conformidade de um Santo; depois de receber a última bênção de S. Clemente, que conservava as mãos do moribundo entre as suas, o Pe. Thadeu voou para o céu deixando seus caros confrades imersos na mais profunda dor. A morte desse prestimoso sacerdote foi uma das maiores provações para S. Clemente, porque amava Thadeu Hübl coo a seu irmão com amor santo e forte; a consternação no convento foi tal que ninguém teve ânimo nem a lembrança de fazer o necessário para o enterro. Foi preciso que de foram viessem as providências nesse sentido. O arcebispo mandou que por três dias cessassem as cerimônias da Igreja de S. Beno, providenciou para que a noite, empregados de confiança cobrissem o templo de luto pesado e arranjassem o maior número possível de velas. Nos três dias que se seguiram à morte do Pe. Thadeu, as comunidades religiosas de Varsóvia rezaram, revezando-se, o ofício dos defuntos na igreja e todos esses dias, os sinos de Varsóvia dobraram tristemente durante uma meia hora. O enterro do antigo estudante mendigo foi pomposo como o sepultamento de um grande do mundo. A dor de S. Clemente, nessa ocasião, foi lancinante. Quatro meses depois, escreveu ainda a um amigo na Itália: “Tenho a convicção de que Hübl está no céu... conformo-me com a vontade santíssima de Deus, contudo devo confessar que, desde a sua morte, não tive mais nem uma hora feliz na vida”. Em uma carta ao bispo, falando da dor que sentira pela morte de seu amigo Hübl, acrescentou: “No tempo da meditação, aos pés do Crucifixo, parece que estamos dispostos para tudo, mas logo que o Senhor nos quer impor a sua cruz, não sentimos coragem de carregá-la”. Semelhantes cartas repassadas dos mais dolorosos sentimentos escreveu ele ao Pe. Passerat, que do seu lado também sentia a morte do amigo e companheiro Pe. Vannelet, falecido quase ao mesmo tempo que Hübl. Desconsolado escreveu Passerat a Varsóvia desfazendo-se em pensamentos tristes e desejando a morte, ao que S. Clemente respondeu: “Devemos adorar a santíssima vontade de Deus e beijar cem vezes a mão que nos feriu, porque ele pode curar-nos novamente as chagas. Tu queres também morrer? será isso por amor de Jesus Cristo ou da carne, que reluta contra a cruz? melhor do que morrer é sofrer e permanecer pregado com Cristo na cruz”. São Clemente tencionava ira Cur em visita ao Pe. Passerat e a seus padres; mas a morte inesperada de Thadeu Hübl o impediu; era difícil achar um substituto para o falecido: “O escudo está quebrado, Deus sabe o que agora virá sobre nós” disse ele a sua comunidade em uma das suas conferências. Em meados de novembro anunciou o Pe. Passerat sua provável ida a Cur. Essa carta parecia ditada pelos mais graves pressentimentos; são as últimas palavras de despedida a transbordar de amor e intimidade. “Sede santos, aceitai
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dor fogoso que não só empolgava, mas também arrebatava as massas, ameaçaram<br />
de morte se continuasse a fazer as suas pregações; como o Pe. Blumenau<br />
não se deixasse atemorizar pelas pistolas carrega<strong>da</strong>s dos emissários <strong>da</strong> maçonaria,<br />
a raiva dos inimigos se transformou em fúria, de sorte que o pobre do<br />
padre não pôde mais sair de casa.<br />
O zelo apostólico dos Benonitas crescia na medi<strong>da</strong> que os maçons se enfureciam;<br />
de sorte que em 1807 pôde S. <strong>Clemente</strong> escrever a Roma: “A nossa<br />
igreja está sempre repleta; admiradíssimos estão os confessores do rei e <strong>da</strong><br />
rainha <strong>da</strong> Saxônia que vêm freqüentemente à nossa igreja e à nossa casa... em<br />
ca<strong>da</strong> missa distribuem-se mais de cem comunhões; muitos protestantes convertem-se...<br />
É um ver<strong>da</strong>deiro milagre poder sustentar 64 pessoas nestes tempos<br />
calamitosos sem o auxílio de um vintém de esmola”.<br />
Entretanto o Pe. Passerat estava lá para tratar <strong>da</strong>s passagens para o Canadá<br />
e <strong>São</strong> <strong>Clemente</strong> participou isto ao Vigário de Mitau, que lamentando intimamente<br />
a resolução do Santo, escreveu-lhe para o demover do seu intento: “Queres<br />
abandonar um povo que se nutriu a teu peito, somente porque sua cerviz é<br />
dura e seu coração corrompido? porque procuraste três anos os frutos e não os<br />
encontraste, queres agora cortar a figueira? Deus tal não permita”. Como porém<br />
o vigário não queria contrariar o Santo deu-lhe uma carta de recomen<strong>da</strong>ção<br />
para Lord Douglas em Londres.<br />
Em tudo isto o coração de S. <strong>Clemente</strong> sangrava, não tanto por causa <strong>da</strong><br />
sua pessoa, mas por causa dos seus padres, <strong>da</strong> sua queri<strong>da</strong> <strong>Congregação</strong>, e<br />
ain<strong>da</strong> mais, <strong>da</strong> glória de Deus ultrajado — previa grandes males para o futuro e<br />
temia pela grandiosa obra que estabelecera na capital <strong>da</strong> Polônia.<br />
Em todos esses duros transes procurava ele, depois de Deus, o coração do<br />
grande e sincero amigo Pe. Thadeu Hübl para se desabafar e encontrar novo<br />
alento e coragem; e o Pe. Thadeu, homem de grande prudência e de vastos<br />
conhecimentos sempre sabia um bom conselho a <strong>da</strong>r e um expediente para<br />
sair <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des. É por isso que S. <strong>Clemente</strong> não poucas vezes o denominava<br />
“um outro eu” e a outra metade <strong>da</strong> sua alma.<br />
Havia pouco que <strong>Clemente</strong> e Thadeu tinham chegado a Varsóvia, quando<br />
este foi vítima de um nefando atentado. Sob pretexto de que um penitente, achando-se<br />
muito mal, o chamava para os últimos sacramentos, foram buscar o Pe.<br />
Thadeu em um carro. Mal o padre tinha entrado, quando o amarram de mãos e<br />
pés e lhe ven<strong>da</strong>m os olhos. Depois de muitas voltas chegam a uma choupana,<br />
onde não havia nenhum enfermo, mas alguns senhores e empregados. O padre<br />
recebe afrontas de to<strong>da</strong> a sorte e por fim a intimação de nunca mais ouvir de<br />
confissão certas senhoras, ao que o nobre Redentorista respondeu que não<br />
recuaria um passo do cumprimento do seu dever. A um aceno dos senhores, os<br />
empregados começam seu trabalho: despem o padre, lançam-no por terra, e<br />
põe-se a vergastá-lo com bengalas e outros instrumentos até rebentar o sangue<br />
de muitas chagas. Em estado grave foi ele, de olhos ven<strong>da</strong>dos, reconduzido<br />
a Varsóvia. Só S. <strong>Clemente</strong> ficou sabendo desse acontecimento.<br />
Mal restabelecido desses maus tratos foi o Pe. Thadeu chamado ao hospital.<br />
Era ele o único sacerdote que em Varsóvia falava sete línguas e por isso só<br />
ele estava em condições de consolar nos hospitais os sol<strong>da</strong>dos alemães italianos,<br />
franceses, polacos e boêmios que lá se reuniram com a entra<strong>da</strong> do exérci-<br />
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to francês e do regimento italiano. O bom do padre, embora doente, mostrou-se<br />
incansável no cui<strong>da</strong>do dos enfermos, acudindo a todos com carinho e presteza,<br />
até que Deus lhe mandou o aviso de que não estava longe o dia em que iria no<br />
céu receber a recompensa dos seus grandes trabalhos; a febre tifóide, apanha<strong>da</strong><br />
à cabeceira dos doentes, reduziu-o à fraqueza extrema; S. <strong>Clemente</strong> não<br />
saía de perto do seu confrade; vendo que a doença era grave administrou-lhe<br />
os santos sacramentos dos moribundos. Dia e noite passava o Santo junto do<br />
leito do seu caro Pe. Thadeu Hübl. À 4 de julho de 1807 rodeado de to<strong>da</strong> a<br />
comuni<strong>da</strong>de esperava Thadeu a morte com o rosto sereno e a conformi<strong>da</strong>de de<br />
um Santo; depois de receber a última bênção de S. <strong>Clemente</strong>, que conservava<br />
as mãos do moribundo entre as suas, o Pe. Thadeu voou para o céu deixando<br />
seus caros confrades imersos na mais profun<strong>da</strong> dor. A morte desse prestimoso<br />
sacerdote foi uma <strong>da</strong>s maiores provações para S. <strong>Clemente</strong>, porque amava<br />
Thadeu Hübl coo a seu irmão com amor santo e forte; a consternação no convento<br />
foi tal que ninguém teve ânimo nem a lembrança de fazer o necessário<br />
para o enterro. Foi preciso que de foram viessem as providências nesse sentido.<br />
O arcebispo mandou que por três dias cessassem as cerimônias <strong>da</strong> Igreja de S.<br />
Beno, providenciou para que a noite, empregados de confiança cobrissem o<br />
templo de luto pesado e arranjassem o maior número possível de velas. Nos<br />
três dias que se seguiram à morte do Pe. Thadeu, as comuni<strong>da</strong>des religiosas de<br />
Varsóvia rezaram, revezando-se, o ofício dos defuntos na igreja e todos esses<br />
dias, os sinos de Varsóvia dobraram tristemente durante uma meia hora. O<br />
enterro do antigo estu<strong>da</strong>nte mendigo foi pomposo como o sepultamento de um<br />
grande do mundo. A dor de S. <strong>Clemente</strong>, nessa ocasião, foi lancinante. Quatro<br />
meses depois, escreveu ain<strong>da</strong> a um amigo na Itália: “Tenho a convicção de que<br />
Hübl está no céu... conformo-me com a vontade santíssima de Deus, contudo<br />
devo confessar que, desde a sua morte, não tive mais nem uma hora feliz na<br />
vi<strong>da</strong>”. Em uma carta ao bispo, falando <strong>da</strong> dor que sentira pela morte de seu<br />
amigo Hübl, acrescentou: “No tempo <strong>da</strong> meditação, aos pés do Crucifixo, parece<br />
que estamos dispostos para tudo, mas logo que o Senhor nos quer impor a<br />
sua cruz, não sentimos coragem de carregá-la”. Semelhantes cartas repassa<strong>da</strong>s<br />
dos mais dolorosos sentimentos escreveu ele ao Pe. Passerat, que do seu<br />
lado também sentia a morte do amigo e companheiro Pe. Vannelet, falecido<br />
quase ao mesmo tempo que Hübl. Desconsolado escreveu Passerat a Varsóvia<br />
desfazendo-se em pensamentos tristes e desejando a morte, ao que S. <strong>Clemente</strong><br />
respondeu: “Devemos adorar a santíssima vontade de Deus e beijar cem<br />
vezes a mão que nos feriu, porque ele pode curar-nos novamente as chagas. Tu<br />
queres também morrer? será isso por amor de Jesus Cristo ou <strong>da</strong> carne, que<br />
reluta contra a cruz? melhor do que morrer é sofrer e permanecer pregado com<br />
Cristo na cruz”.<br />
<strong>São</strong> <strong>Clemente</strong> tencionava ira Cur em visita ao Pe. Passerat e a seus padres;<br />
mas a morte inespera<strong>da</strong> de Thadeu Hübl o impediu; era difícil achar um<br />
substituto para o falecido: “O escudo está quebrado, Deus sabe o que agora<br />
virá sobre nós” disse ele a sua comuni<strong>da</strong>de em uma <strong>da</strong>s suas conferências.<br />
Em meados de novembro anunciou o Pe. Passerat sua provável i<strong>da</strong> a Cur.<br />
Essa carta parecia dita<strong>da</strong> pelos mais graves pressentimentos; são as últimas<br />
palavras de despedi<strong>da</strong> a transbor<strong>da</strong>r de amor e intimi<strong>da</strong>de. “Sede santos, aceitai