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92 Joaquim Nabuco escravidão multiplicava as suas proporções reais como se atravessasse os vidros de aumento de um telescópio. Notai que em 1881, quando passei por Madri, já estava promulgada a lei que aboliu nominalmente a escravidão em Cuba e a convertera em patronato, a curto prazo. A escravidão estava, pois, a acabar nos domínios da Espanha, mas isso não diminuía de um grau a febre do abolicionismo espanhol. A Espanha, senhores, tem em certa classe de homens uma vida política intensa, apaixonada, capaz de todas as explosões, e de que no estrangeiro não se faz idéia. Ela é uma nação que espera alguma coisa, supersticiosa de si mesma, que acredita na superioridade da sua raça, se orgulha do seu passado e não se consola do mal que o fanatismo e o despotismo dos seus reis lhe causaram desde o fim da conquista árabe. Ela ainda não se refez da terrível sangria, de sangue, de gênio e de arte, que a Inquisição lhe fez com a perseguição e expulsão dos mouros. Mas dessa grande epopéia medieval, assim como da época deslumbrante da descoberta da América e da fundação do Império onde o sol não se deitava, a Espanha guardou uma alma em que as paixões e os sentimentos não se contraíram ainda sob a ação constante da conveniência e do interesse, como em outros povos, mas conservam a mesma força explosiva e destruidora de si mesmas, o mesmo brilho incandescente com os mesmos reflexos sangüíneos que caracterizam as paixões humanas no seu período de liberdade, no seu período trágico, em que nada as pode conter nem mesmo a vista das Mênades precipitando-se sob a sua presa para dilacerá-la. Num povo assim, cuja alma tem as notas de um coro de tragédia antiga, a escravidão produz um efeito muito mais intenso e uma indignação muito maior do que entre nós, que temos outro coração e que sentimos com muito mais calma e indiferença. Em Madri o abolicionismo se me revelou como um ódio profundo contra a escravidão, como um grito de vingança contra os opressores. Mas a honra que me fizeram os abolicionistas de Madri, tanto na Sociedade Abolicionista Espanhola, que celebrou uma sessão para receberme como seu sócio benemérito, como no banquete que me ofereceram os membros daquela sociedade e os senadores e deputados cubanos, teve todo o caráter de uma aproximação entre Brasil e Cuba, entre a raça portuguesa e a espanhola, entre Portugal e Espanha, entre o Velho e o Novo Mundo. Eis o que me dizia, falando em nome da imprensa democrática de Madri, o Sr. Arnau. Suprimo na leitura os altíssimos epítetos com que ele me honra.

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 93 “Permiti-me que em minha qualidade de jornalista levante aqui a minha voz saudando calorosamente o deputado brasileiro e abolicionista Sr. Nabuco. Permiti-me também, e não achareis seguramente excesso de representação estas palavras, que me considere neste instante toda a imprensa liberal da Espanha, intérprete fidelíssimo como creio ser de seus ardentes sentimentos de simpatia pela causa que personifica o nosso distinto hóspede na América Latina. “De fato, sem ofensa a ninguém, longe de meu pensamento e ainda mais distante de meu ânimo a idéia e o propósito de quebrar no mínimo o lema generoso e compreensivo desta Sociedade, devo reivindicar, sem embargo, para a democracia espanhola as honras da solenidade presente. Nós outros, os democratas, fomos os primeiros a saudar o Sr. Nabuco, apenas ele pôs o pé em terra ibérica. E quando há poucos dias dispensavase-lhe a honra singular de um recebimento entusiasta na Câmara eletiva de Portugal, nós também nos sentíamos lisonjeados como se a sua satisfação fora nossa própria, como se fôramos nós quem tributasse essa homenagem de consideração e respeito ao tribuno cujas palavras de fogo, que acabais de ouvir, entusiasmados, fazem tremer essa horrível instituição da escravidão, ali donde, como em seu país e em nosso território, se levanta ainda com sua negrura espantosa, eclipsando a dignidade humana, qual nuvem de maldição e ignomínia. Sinto neste momento o nobre orgulho de raça, sim, eu o declaro. Recordo com que indivisível entusiasmo dispensava recentemente a ilustre capital portuguesa as suas melhores alegrias ao Sr. Nabuco. Queiram ou não, nós temos que fazer-nos solidários dessas satisfações íntimas.” E o Sr. Arnau continuava a falar da solidariedade das nações da Península e das herdeiras do seu gênio e de sua língua na América. Está aí a aproximação entre duas nacionalidades e dois mundos! (Aplausos.) Ouçamos agora o Sr. Portuondo, representante de Cuba nas cortes: “O Sr. Nabuco”, disse ele, “não é somente nosso irmão como filho da nossa grande e nobre raça latina, que ocupa tão alto lugar na história do Antigo e do Novo Mundo, nem por pertencer como nós outros à grande família liberal, cuja união e cujo amor se consolidam por laços cada dia mais estreitos e apertados em toda a extensão da terra; somos, além disso, e sobretudo, irmãos como protetores ardentes e decididos das desgraças

92 Joaquim Nabuco<br />

escravidão multiplicava as suas proporções reais como se atravessasse os vidros<br />

de aumento de um telescópio. Notai que em 1881, quando passei por Madri,<br />

já estava promulgada a lei que aboliu nominalmente a escravidão em Cuba e<br />

a convertera em patronato, a curto prazo. A escravidão estava, pois, a acabar<br />

nos domínios da Espanha, mas isso não diminuía de um grau a febre do abolicionismo<br />

espanhol. A Espanha, senhores, tem em certa classe de homens<br />

uma vida política intensa, apaixonada, capaz de todas as explosões, e de que<br />

no estrangeiro não se faz idéia. Ela é uma nação que espera alguma coisa, supersticiosa<br />

de si mesma, que acredita na superioridade da sua raça, se orgulha<br />

do seu passado e não se consola do mal que o fanatismo e o despotismo dos<br />

seus reis lhe causaram desde o fim da conquista árabe. Ela ainda não se refez<br />

da terrível sangria, de sangue, de gênio e de arte, que a Inquisição lhe fez com<br />

a perseguição e expulsão dos mouros. Mas dessa grande epopéia medieval,<br />

assim como da época deslumbrante da descoberta da América e da fundação<br />

do Império onde o sol não se deitava, a Espanha guardou uma alma em que<br />

as paixões e os sentimentos não se contraíram ainda sob a ação constante da<br />

conveniência e do interesse, como em outros povos, mas conservam a mesma<br />

força explosiva e destruidora de si mesmas, o mesmo brilho incandescente<br />

com os mesmos reflexos sangüíneos que caracterizam as paixões humanas no<br />

seu período de liberdade, no seu período trágico, em que nada as pode conter<br />

nem mesmo a vista das Mênades precipitando-se sob a sua presa para dilacerá-la.<br />

Num povo assim, cuja alma tem as notas de um coro de tragédia antiga,<br />

a escravidão produz um efeito muito mais intenso e uma indignação muito<br />

maior do que entre nós, que temos outro coração e que sentimos com muito<br />

mais calma e indiferença. Em Madri o abolicionismo se me revelou como<br />

um ódio profundo contra a escravidão, como um grito de vingança contra<br />

os opressores. Mas a honra que me fizeram os abolicionistas de Madri, tanto<br />

na Sociedade Abolicionista Espanhola, que celebrou uma sessão para receberme<br />

como seu sócio benemérito, como no banquete que me ofereceram os<br />

membros daquela sociedade e os senadores e deputados cubanos, teve todo o<br />

caráter de uma aproximação entre Brasil e Cuba, entre a raça portuguesa e a<br />

espanhola, entre Portugal e Espanha, entre o Velho e o Novo Mundo.<br />

Eis o que me dizia, falando em nome da imprensa democrática<br />

de Madri, o Sr. Arnau. Suprimo na leitura os altíssimos epítetos com que<br />

ele me honra.

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